quinta-feira, outubro 31, 2019

Quinta, 31.
A política e o futebol sempre andaram juntos, não só na corrupção como no entendimento de valores comuns. Vejamos: Jair Bolsonaro danado por o associarem à morte da activista vereadora Marielle Franco, largou um “porra!”; o treinador do Porto: “estou-me a cagar!” Les beaux esprits se rencontrent. Toujours.

         - Estive uma hora ao telemóvel com o Francis. O pretexto do seu telefonema foi para me convidar a almoçar no domingo da próxima semana “antes que fiques preenchido”. Ele parece que adivinhou, porque eu, mal pouse a mala, parto para Estrasburgo onde me espera o Lionel. Bom. Francis, devido ao cargo que ocupou na Câmara de Paris, conhece meio mundo. E quando digo meio mundo é mesmo de Paris ao Extremo Oriente, do Polo Norte ao Polo Sul. Grande apaixonado por Napoleão III, todas as circunstâncias são boas para falar do seu ídolo. Não sei se chegarei a tempo de ver a exposição que ele organizou sobre o Imperador, mas pelo menos o catálogo terei de oferta. Bom. Que mais? Que diabo numa hora a falar diz-se muita coisa... Sobretudo quando ele é da têmpera do Corregedor em fanatismo político. Detesta os socialistas - Macron, Holland, Mitterrant. Sobre Chou Chou diz que o homem é uma criação que arrastou muito oportunismo e tem custado à França uma grande depressão. Da mulher “a velha” cheia de dinheiro extraído da indústria familiar de chocolate. Detesta por ser murcho Guterres, que nada fez quando da invasão do Curdistão sírio, a fuga dos seus habitantes, deixando a Rússia e os Estados Unidos a disputar o terreno de Bashar al-Assad. Dou-lhe inteira razão não ignorando que quem manda nas Nações Unidas é União Soviética e os Estados Unidos. Na verdade, quem devia estar a fazer o equilíbrio naquela imprevisível fogueira, eram os capacetes azuis da ONU. Porque o que verdadeiramente mantém o fogo aceso, é Qamishli a nordeste da Síria e mais além Mossul, no Iraque.

         - Os transportes públicos estão a rebentar pelas costuras. Esta manhã, esperei mais de quinze minutos pelo metro, em Sete Rios. Depois outros tantos parado na estação de S. Sebastião dentro das carruagens atulhadas de passageiros enervados por chegarem tarde aos empregos, o telemóvel em punho dando justificação a patrões e chefes de serviço. O Mágico criou um sistema interessante de viagem, mas como a loucura da propaganda é o seu forte, abandonou à sua sorte milhões de utentes do cartão Andante. Andar hoje nos transportes públicos é um salve-se quem puder, com as negras a ocupar os lugares dos velhos, grávidas e deficientes como se estivessem nas suas salas de visitas. Uma esgaravatava os dentes, outra pintava as unhas, a terceira merendava o guardanapo aberto sobre os joelhos, uma quarta falava ao telefone. Idosos, prenhes e saltimbancos xó daqui pra fora! Se alguém destas categorias lhe pede o lugar, elas dizem chegamos primeiro seu racista.

         - Na estação do Chiado, uma rapariga conduz uma anciã a sentar-se ao meu lado. Mal a idosa se senta, ela desaparece para voltar daí a segundos com uma garrafa de água. “Vá bebendo devagar porque está muito fria. Não vá no próximo comboio, descanse um pouco.” A vetusta senhora faz o gesto de abrir a mala para lhe pagar a garrafa, a rapariga recusa e entra no metro que entretanto estacionava na gare. Fico com a senhora e vejo-a sofredora porque a queda abriu-lhe pequenos lenhos nos dois joelhos, está pálida, um pouco atarantada. Pergunto se quer que chame uma ambulância, diz-me que não, que o susto está a passar. São gestos destes, blandiciosos, cristãos, que não me fazem descrer totalmente da juventude. Nela há ilhas que sobressaem do lodaçal inquietante do continente.

         - A revista LER do mês passado (nº 154), dirigida magnanimamente por Francisco José Viegas, traz uma série de entrevistas, incluindo uma a Mário Cláudio. Que não me interessou especialmente, tendo ao lado duas outras cheias de sustância: a António Freitas e Manuel Villas. De ambos nunca li nada, embora conheça de outas paragens António Freitas. É o único magazine literário que tenho o hábito de ler. Por uma razão simples: gosto das coisas de Francisco Viegas e vejo que em tudo o que se mete, fá-lo com gosto e profissionalismo.


         - Olho de soslaio as notícias. Lá vem ele, o barão da Ericeira, muito emproado, a pança saliente atirada galhardamente para a frente, o casaco de bom corte de outrora quando governou a gentalha ignorante, a voz de falsete com que as mulheres velhas costumam rosnar, o ar vitorioso de quem apregoa: “Aqui estou, tanta gente à minha volta a zelar pela minha inocência. Serei socialista até morrer. E em nome do socialismo não me importo de passar os anos que me restam na cadeia. Serei mártir do socialismo com muito orgulho.”