Quarta,
31.
Cenas
de psicopatologia da vida moderna.
1 - Na
gare de manhã cedo, uma rapariga e um rapaz. Ele está encostado ao muro da
escada, ela estirada sobre ele num frenesim de beijos no pescoço dele. O rapaz,
por cima das costas dela, brinca tranquilamente no seu telemóvel.
2 – Durante
a viagem, um homem de uns trinta anos fala ao telefone. Todos os que estão
próximos ouvem a ladainha que durou do Pinhal Novo a Sete Rios. Percebe-se pela
conversa que as aflições de dinheiro são muitas lá em casa. A dada altura a voz
sobe de tom: “Vai comprar pão. Come pão. Dinheiro? Compra farelos, é mais
barato.”
3 –
Chegado o metro, entro de rolha. Uma rapariga atira-me a mim e a mais dois
passageiros literalmente para dentro da carruagem. Duas estações adiante, um
passageiro quer sair, mas está a barrar entrada uma miúda de fones e telemóvel.
Digo-lhe: “ela não ouve, está fechada no telemóvel”. Então um matulão que
aguardava para sair, arranca-lhe o auricular direito e todos aproveitam para
deixar o transporte.
4 –
No regresso, estou comodamente sentado, quando numa aflição entra uma carrada
de pessoas que pareciam vir a fugir da policia. Uma mulher monumental, desagua
no banco em frente do meu – uma mama enorme saltou-lhe do vestido, mas ela
agarrada ao telemóvel, não deu por isso. Aquela coisa gorda, por assim dizer
pendurada e agigantada, atrai os olhares de todos, especialmente de um negro, e
ninguém ousa dizer à criatura que guarde o que perdeu. É uma mulher com um par
idêntico ao seus que, entrando na estação seguinte, lhe bichana ao ouvido
qualquer coisa. Um sorriso descontraído para mim que estava na frente, fechou o
episódio de nudismo citadino. O africano passou a língua na serra dos lábios e
suspirou.