sábado, janeiro 30, 2021

Sábado, 30.

Porque será que Portugal, indo já no segundo mandato socialista, ao invés de se aproximar dos países onde a corrupção é menor, passou de 30º para o 33º lugar numa escala 0 a 100?  

         - Assim, a corrupção já chegou às vacinas. É um forrobodó de oportunistas, na sua maioria gente do PS, que decidiu vacinar-se utilizando esquemas fraudulentos e abuso de poder, provando deste modo que estão lá para se servir e não para servir. Daí estarmos hoje nesta matéria na 33º posição e o Chega ter avançado sobre a desconfiança e descontentamento da população.   

         - Estamos restringidos a novo confinamento anunciado por Marcelo Rebelo de Sousa, desta vez mais rigoroso e com menos excepções. As fronteiras estão fechadas, o aeroporto também, as escolas idem, as pessoas confinadas às suas residências e distritos, os cafés e lojas encerradas, todo o mundo empresarial a trabalhar a partir de casa, as ruas desertas, o pavor e o medo a tomar os espaços públicos lugar dos cidadãos.   

         - A China preveniu Taiwan que independência significa guerra - assim sem mais. 

         - Vamos dizer assim: a lei da eutanásia foi aprovada pela maioria de esquerda arruaceira, com os votos contra do PCP, Chega e CDS - trio revelação -, com ajuda de outros deputados do PS e PSD. Como é possível que uns quantos com miseráveis votos, decidam da minha vida, eu que não reconheço a nenhum deles esse direito. Espero que os meus compatriotas, nas próximas eleições, corram com esta gente definitivamente. Depois admiram-se que o Chega cresça! 

         - A sensação que tenho ao ler o livro de Valter Hugo Maia, Homens imprudentemente poéticos é que o autor me deitou desde o primeiro capítulo uma grande milonga. O romance tem pouco mais de 200 páginas e eu fui cavalgando por ali fora chegando quase ao fim, hipnotizado. É tudo novo para mim: a história, as personagens, a forma de escrever, a poesia que se desprende do texto, construído como se fosse uma tremenda parábola (mais que metáfora), aspergida da água benta de rosas. Que fabulosa revelação, tu que renegas com frequência dos teus companheiros de escrita! Toma e embrulha, homem insignificante!

         - O sol andou por aí com laivos de quem joga às escondidas. Saí por instantes para comprar o jornal. Durante a noite levantou-se um leve frio húmido que tinha andado arredio toda a semana. Acendi a lareira do salão e mergulhei nas páginas de Green para chegar às 730. À meia-noite subi para dormir. 


sexta-feira, janeiro 29, 2021

Sexta, 29.

Um pouco à socapa, sob a protecção do SARS-Cov-2, os deputados da esquerda fazendo crescer com as suas habituais imposições e radicalismos a sua reduzidíssima expressão no contexto nacional, querem legalizar a eutanásia. Talvez eles tenham razão. Se a lei for aprovada, chega mesmo a tempo para ser posta em prática e num ápice desocupar camas e aliviar as despesas do Estado. Só para memória futura: com as abstenções do PCP, Chega e Verdes. Transcrevo da página 273, do livro de Francisco José Viegas, A Luz de Pequim: “Tudo começa pelo fim, pela morte. No fundo, agora, daqui em diante, na vossa vida tudo é sobre a morte.” 

         - O artigo de Isabel do Carmo no Público de hoje, devia ser lido por todos os meus leitores. Eu não partilho de maneira nenhuma das suas ideias extremistas e do seu passado violento, mas a prosa que acabei de ler abre uma clareira para nos defendermos da Covid-19. Ela foi contagiada, presumivelmente no Natal, e todos os que estiveram à sua mesa. Esteve uma semana no Santa Maria e descreve o ciclo da doença com a autoridade que sendo médica possuiu e a humildade que estando doente a circunscreve. Pelo que narra, é de louvar a sua deferência que não escapou para a soberba ou a cagança; como qualquer português anónimo, foi tratada no tempo e no modo que lhe coube na situação aflitiva em que se encontrava. É esse retrato que a torna mais humana e nos impele a olhá-la com respeito e a sentirmos que a democracia é simplesmente, a falta de melhor, o mais imperativo dos sistemas político-sociais. 

         - Quando é o contrário, temos a fotografia a sépia da turbamulta de deputados, secretários de Estado, directores disto e daquilo, presidentes de câmara, juízes, membros do Governo e “daquela gente que teme pelo seu futuro: assessores, directores-gerais, especialistas contratados para fazer relatórios, funcionários que têm de agradar a um ministro sem categoria.” (do mesmo livro de Francisco José Viegas, pág. 354). Muitos deles, aproveitando-se dos cargos, ordenaram que os vacinassem. Este privilégio reclamam os deputados que só vão à Assembleia uma vez por semana, os juízes, os directores públicos, enfim, toda essa elite medíocre que até já suborna, trafica influências, impõe e exige ser tratada como realeza. Que o Presidente da República, do Parlamento, primeiro-ministro, todos os ministros, a directora da DGS tenham prioridade é de toda a justiça; agora Rui Rio, os reis de cada partido e mais umas quantas abigarradas criaturas, não. A primazia deve ser dada aos médicos, enfermeiros e pessoal auxiliar, a todos, público e privado, porque são eles que estão mais expostos e salvam vidas. Depois as pessoas idosas, com doenças graves, depois os outros por idade, os mais velhos em primeiro. Equânimes. 

         - Fui às oito da manhã abastecer-me ao Auchan de Setúbal. Tempo de incertezas  constantes. Céu profundo, baço, pesado. Falei com a Annie, Virgílio, Diaz, Carlos Soares, António, Nieto, João sempre em desacordo, fala sobre fala, as distâncias a esticar em sentidos opostos; ao todo cerca de duas horas e meia. A Annie que estava convocada para a vacina covid, foi à última hora desconvocada. Vou adiar a consulta ao ortopedista da próxima semana para a seguinte de modo a escapar ao contágio do vírus da família real inglesa. 15 horas e 25 minutos. 


quinta-feira, janeiro 28, 2021

Quinta, 28.

É aflitivo o que se passa em Portugal no domínio do combate à pandemia. Todos os dias mais 15 mil novos casos e as estruturas a rebentar pelas costuras. Costa veio dizer que a coisa está preta e se tivesse sido informado antes do Natal que o resultado era esta lamentável situação, nunca teria permitido o de confinamento. O que é uma rotunda mentira à boa maneira de governar do primeiro-ministro. Muitos cientistas e médicos alertaram-no, mas ele com Marcelo de braço dado, quis oferecer aos portugueses ignorantes e negacionistas, uma época de folclore no pressuposto que isso lhes daria votos. Tão criminosos são os dois, como os nossos concidadãos que andaram em festas colectivas por casas e bares, discotecas e sótãos. 

         - Eu gosto de me centrar na praxis do dia-a-dia que é muito mais verdadeira do que a propaganda. O Filipe contou-me que andou com o pai em bolandas, numa aflição, este fim-de-semana, o progenitor a ficar-se-lhe nos braços com falta de ar, até que o hospital aqui perto o recebeu depois de um outro lhe ter aplicado oxigénio e o ter mandado para casa. Ulteriormente, ele lembrou-se de que o país não mudou nada contrariamente ao que nos quer fazer querer a dita esquerda. Então, telefonou a uma amiga que trabalha num hospital, prontamente socorreu o pai e o internou. A mãe também está assintomática e ele, zeloso filho, deixou a mulher e os dois filhos, e instalou-se na casa paterna para ajudar a mãe. É ele que cozinha e faz o serviço de casa. Dialogam, mãe e filho, através da porta de isolamento. Até ao momento, felizmente, o meu amigo não está positivo.   

         - Como tudo muda! Marquei para a próxima semana uma consulta com o ortopedista no SAMES, porque as empresas que estão associadas ao SNS passaram a cobrar os serviços. Nalguns casos o valor é tão elevado que, fazendo as contas, é mais vantajoso dispensar a saúde pública e tratarmo-nos nos privados. Eu conheço a teoria da esquerda e sou incondicional do SNS; mas enquanto o delírio do BE e PCP prossegue sem resultados, os doentes querem ser tratados e livrados do sofrimento.  

         - Por sobre tanto e tão profundo desespero, continuemos. Trabalhei no romance e comecei a ler Valter Hugo Mãe, Homens imprudentemente poéticos. À parte isso, acudo às pequenas coisas da vida: levei o carro à oficina, fui ao super, falei com os amigos ao telefone: Teresa, António, Carmo Pólvora, Alzira. Tempo moche. Cito Verlaine: Il pleure dans mon coeur / comme il pleut sur da ville. 


quarta-feira, janeiro 27, 2021

Quarta, 27.

Marcelo Rebelo de Sousa é uma pessoa singular. Vi outro dia na televisão a sua chegada a casa, em Cascais. Vinha da terra natal onde fora votar e chegando, só, ao volante do carro, deparou com a praga dos jornalistas que não só não lhe largam os calcanhares como a porta. Despachado, pegou na mala pesada e levou-a para dentro. Uma jornalista propôs-se ajudá-lo, sacudiu-a. Daí a instantes volta a sair, abre a bagageira e retira mais uns sacos, carrega tudo para o interior. Curiosas, as meninas enviadas para lhe seguir os passos, conseguem que lhes mostre o interior, como vive, como passa os dias ou melhor dizendo as noites.  Vemo-lo na cozinha a tratar do almoço, pela sala espaçosa onde muralhas de livros forram os muros, a subir ao quarto de dormir, enfim, na sua vida quotidiana de homem só e independente. Os jornalistas sentenciosos, habituados a uma vidinha calaceira de papas à mesa e a criada da mãe a fazer-lhes as sopas, dizem viver o Presidente sozinho, coitadinho. Esta mentalidade de uma fragilidade pobretanas, estende-se à maioria do povo português para quem as indicações de comiseração muitos anos lançadas por uma Igreja de padres amancebados ou servidos por criadas de paróquia, solteiras e sonhadoras, sempre na expectativa de que o padre lhes desse acesso ao que escondia debaixo da sotaina, esta mentalidade, dizia, era o exercício da religião que queria unir sem que antes lançasse toda a sorte de opróbrios. Marcelo foi o único Presidente com carisma, solto, sem a cataplasma funcional da sociedade hipócrita, culto e competente, sem precisão de utilizar a fórmula ridícula e hipócrita “por trás de um grande homem, há sempre uma grande mulher”. Ele devia servir de exemplo se Portugal fosse um país moderno, sem entraves morais e sociais, sem falsas imagens que se traduzem quase sempre em dogmas que estigmatizam e reduzem o outro ao ostracismo, anulando-o, expatriando-o do núcleo geral dos abençoados das uniões insuportáveis e violentas que secretamente se criam e desenvolvem à sombra das aparências e das idiotas realidades familiares. Viver só é uma opção, um conceito, uma maneira de escolher a liberdade e fazer dela o ideal do presente e do futuro. Uma pessoa que faz esta escolha ou a ela se acolhe por imperativos da vida, deve aceitá-la e reconstituir-se numa outra realidade que o torna mais sólido, mais forte, e se for cristão entende que nunca se está verdadeiramente só. Acresce que no caso de Marcelo Rebelo de Sousa trata-se de um homem activo e os livros que o rodeiam são os amigos que lhe alimentam a vida e dão sentido a tudo. 


terça-feira, janeiro 26, 2021

Terça, 26.

Ontem levitei num autêntico estado de graça. A série de acontecimentos que se sucederam ao longo do dia, só conheceram o pavor de contrair o coronavírus durante as horas que estive em Lisboa. Embora, verdade seja dita, não tivesse encontrado desleixo no Centro de Saúde, no restaurante e no padeiro. Desloquei-me àquele para levantar a ordem da tac maxilar e, estando ali, ser observado pela médica ao joelho da perna que os rapazes quando a admiram deixam correr a língua nos lábios molhados de cio. Foi quando a enfermeira de serviço, me perguntou se queria ser vacinado contra a gripe. Perante a negativa e de olhos no computador, retorquiu: “Vejo que também não foi vacinado contra o tétano.” Aí respondi que sim, viessem de lá os agentes patológicos, vivendo no campo... Seguiram-se alguns sintomas que poderia vir a ter. A partir de então, para ser franco, esqueci completamente a vacina e até agora nenhum efeito negativo aconteceu. Do Centro de Saúde, ao Rato, atravessei a cidade para ir ao Vitta Roma e à padaria ali perto. Ia sob um peso psicológico sereno, como se uma luz vinda de outras latitudes tivesse descido sobre mim. Olhava as artérias por onde passava com os olhos da criança embebecida, que toca o mundo pela primeira vez, e tudo nele é fantasia e alegria e riso e doçura. Mais adiante, sobre o Tejo coberto da cinza do céu, a chauffage do carro criando conforto, fiz a viagem de regresso como da primeira vez que aqui vim para ver a quinta abandonada e colher o silêncio que se alongava pela vastidão do campo então adormecido. Aquela primeira vez e as outras que se seguiram com o João a orientar-me, nunca mais as esqueci e quando quero ter a sensação que tudo está a começar, é para lá que me remeto íntegro e de coração cheio de felicidade... 

         - Não falarei hoje de nada que possa perturbar este estado de espírito: política, Covid, SNS, mortes, infectados e se arte de escrever for suficiente para despertar nos meus leitores uns laivos de bem-estar e alegria, então esta entrada terá sido útil. 


segunda-feira, janeiro 25, 2021

Segunda, 25. 

“Para teu mal os poderes que mandam já cuidaram que nunca mais haverá futuro à  moda  antiga, com liberdade, alegria, altos e baixos, perdas e ganhos, o que te espera é o regulamento, a obediência, duas máscaras, depois três, e por enquanto a multa. O arame farpado virá a seguir.” É deste modo que o meu caro escritor Rentes de Carvalho se exprime. Não me parece, apesar das incertezas, que o futuro seja a botarra sobre as nossas cabeças. Eu sou muito céptico quanto a António Costa, mas, honra lhe seja feita, daí a pensar haver nele sinais de ditador... Haverá, quando em vez, laivos de autoritarismo, mas centelha antidemocrática, não. 

         - A Rússia acordou anteontem nas ruas. Milhares de pessoas pediram a libertação de Navalny e a polícia duma extrema violência, carregou forte e feio. Pelo menos 2500 detenções. A indignação dos manifestantes não era apenas pela injustiça contra o rival de Putin, era também pela corrupção que consentiu que Putin tenha adquirido uma mansão na Crimeia no valor de 1,2 mil milhões de euros! Eu vi o mostro num canal internacional; Versalhes ao lado daquela grandiosidade não passa de um galinheiro. Viva o comunismo, o partido dos trabalhadores (como Putin)! O Presidente da Rússia e o da China, são personagens aterradoras. 

         - Temia-se que André Ventura ficasse em segundo lugar nas eleições à Presidência da República, mas foi Ana Gomes que os portugueses elegeram. Marcelo, como se previa, ganhou por larga margem. A abstenção que ninguém quer reconhecer como uma ameaça à democracia, passou os 60 por cento. Todavia, o mais impressionante, foi o facto de Ventura ter banido com os comunistas das zonas habituais de conforto e acção partidária - praticamente todo o Alentejo. E ainda mais incrível, foi ver a esquerda, toda, ser banida da orla política, reduzida a míseras percentagens: João Ferreira 4,32 (um senhor), Marisa Martins 3,95 (uma romântica), Ana Gomes 12,97 (merecia melhor).  Espero agora que a esquerda se reduza à sua insignificância útil à democracia, mas sem tomar de assalto a consciência nacional, como se fosse a guardiã de valores únicos e hegemónicos de que começamos todos a ficar fartos. 

         - Há, todavia, um pormenor que não quero deixar passar: a propaganda de feira durante a campanha que preparou o povo para o pior. Aquilo eram só catástrofes como se já não tivéssemos suficientes: haveria segunda volta, a abstenção seria mais de 70 por cento, o Ventura tomaria de assalto o país e assim. Tudo isto para que todos no final ficassem bem e a fotografia das eleições saísse com a nitidez que esconde as aflições. Criam-se expectativas para depois se dizer que a abstenção não foi tão má como se pensava. Num país tão minúsculo em todos os sentidos, somos grandes na grandeza de candidatos a Belém: nada menos que sete! 

         - Enfim, hoje, tive a alegria ao cabo de nove meses de luta com o hotel de Budapeste, de ver chegar à minha conta bancária as centenas de euros da estadia que não pude realizar devido à pandemia. 

         - Fui a Lisboa de carro. Desde a estada da Annie cá em casa há dois anos, que não utilizava a viatura para deslocações à capital. Quase nenhum trânsito na auto-estrada como dentro da cidade. Na volta comprei o jantar no Vitta Roma. Amanhã falarei de tudo isso. Tempo em sintonia com as aflições humanas. Ontem várias horas ao telefone: Gi, frei Hélcio, Carlos Nieto, Idalina , Johnson.   


sábado, janeiro 23, 2021

Sábado, 23. 

Tenho por hábito seguir o blogue de Rentes de Carvalho. O escritor vive na Holanda, mas está na sua terra natal no Norte de Portugal há dois ou três meses porque (julgo) não pode regressar ao país onde vive há muitos anos. Nonagenário, deve estar a atravessar uma qualquer depressão como tantos de nós. Daí que eu não consiga saber ao certo por que se bate. Quer-me parecer que discorda como eu das políticas e habilidades de António Costa & companhia, mas também do confinamento que pensa ser a forma encontrada para combater a liberdade e lançar o medo nas populações. O seu desespero é tal que ontem anotou (escrevendo) em forma de prece o Pai-Nosso - a oração que Jesus evocou ao dirigir-se ao Pai. Comovente. 

         - Lendo o artigo de António Barreto no Público de hoje, congratulo-me por termos ambos as mesmas ideias e princípios que eu aqui levantei várias vezes ao longo deste mês, a propósito da actuação governamental e do estado do país mergulhado na terceira vaga Covid-19. Nunca me arrependerei de dizer o que penso e à minha maneira, com as palavras que a reflexão me fornece e a inconformidade e liberdade me incentivam. Sei bem que usufruo da liberdade de pensar que, se vivesse na China ou na Rússia, já estaria na prisão como aqueles que ousam pensar contrário dos tiranos. 

         - Como, por exemplo, aquela do primeiro-ministro, depois de ser acossado por toda a gente para decretar o recente confinamento, veio invocar o aumento do vírus da família inglesa para o fazer só agora. Que desplante! O pior é que se lhe via no rosto a mentira. Ele bem operou para a dissimular, mas as palavras não lhe brotavam convincentes. Verdadeiramente, quem os médicos e cientistas têm de convencer que o coronavírus é real e mata, é sua excelência o chefe do Governo. 

         - O meu jornal traz uma grande e terna homenagem às vítimas do coronavírus. Soletrei cada um daqueles nomes de lágrimas nos olhos e uma prece sentida; e também aos médicos e enfermeiros e a todo o pessoal que está na linha da frente do combate. Destes seres humanos que nunca chegaremos a agradecer como é nosso dever e de joelhos, já morreram 22.122 trabalhadores da saúde. O que eu vejo nos hospitais, mais parece um ambiente de guerra. Talvez Macron tivesse razão quando no início falava de uma guerra que tínhamos de travar. Entretanto, alguém o mandou calar e ele obedeceu para salvar a pele e o poder.  

         - Saí unicamente para ir à farmácia e comprar o jornal. Ao todo, esta semana, não devo ter estado perto de quatro pessoas, incluindo a farmacêutica. Agora tenho uma inflamação no calcanhar da perna que as raparigas solteiras cobiçam com desvelo. Tempo sinistro, tempo quaresmal antecipado. Tantos dos nossos melhores nos deixam! Parece que o mundo se vai esvaziando aos poucos, as ruas desertas, as cidades vazias, o silêncio da morte cirandando por todo o lado. 


sexta-feira, janeiro 22, 2021

Sexta, 22. 

O Chega e o senhor Ventura são uma criação da esquerda. 

         - Não descoremos o que se passa no mundo para além da Covid. Por exemplo, a coragem de Alexei Navalny que, depois de curado na Alemanha do envenenamento putiniano, regressou a Moscovo. Foi preso à chegada para ser julgado por difamação de um veterano da Segunda Grande Guerra, em Julho do ano passado. O comité de investigação acusou-o de ter lançado falsas informações contra a dignidade do vetusto homem que na TV defendeu o referendo constitucional que fortaleceu e segurou no poder por muitos anos Putin. Navalny acusa o Presidente russo de ter ordenado o seu assassínio com novichok, um agente neurotóxico usado nos meios militares. 

         - Carlos Antunes, um homem lúcido que me parece competente, investigador da Faculdade de Ciências de Lisboa, diz ao Público de hoje: “Eu já não tenho medo de nada. Às vezes temos medo que nos deixem de mandar os dados da DGS se a gente falar de mais. Mas já entrei numa espiral que sei que temos mesmo de acordar a consciência das pessoas.” Referia-se à degradante situação dos hospitais e da pandemia. O que me inquieta, é o que se esconde por detrás das suas palavras. Parece que voltei ao jornalismo, quando tudo o que escrevíamos estava sujeito ao lápis azul da Censura. 

         - Saí para comprar o jornal. Estando fora, aproveitei para trazer alguns produtos alimentares. Dia cinzento. Sesta, leituras, tentando manter cadências e horários para melhor escaparmos à dureza dos tempos. É fundamental encontrarmos ritmos, modos de funcionar, ampliações onde respiremos a paz que existe em nós e devemos estendê-la ao espaço largo da nossa estreita existência actual. No salão, o aquecedor a gás aceso, o campo numa leve agitação que o vento traz à sua passagem. 17 horas e cinco. 


quinta-feira, janeiro 21, 2021

Quinta, 21.

Joe Biden é o 46 Presidente dos Estados Unidos em cerimónia que acompanhei pela France 24. O grosseiro presidente que o antecedeu, num gesto ordinário de besta ferida, deixou a Casa Branca horas antes, com uma cerimónia de despedida que ele próprio criou para se honrar, a que assistiu a família e os funcionários que não puderam debandar. 

         - O Governo decidiu, enfim, encerrar escolas, creches e universidades a partir de amanhã. O primeiro-ministro fala do alastramento do novo vírus versão Reino Unido. O ministério da Educação, diz que é um atentado aos jovens louquinhos por aprender. A mim quer-me parecer que eles apoiam o chefe do executivo, a ferver por ficar em casa. Bom. Façamos então de conta que este ano todos chumbam por faltas ou conhecimentos. Para ano haverá mais vida e mais ensino e o mundo nem deu pelo atraso ao saber dos que os pais defenderam da doença. Porque, é bom que os inteligentes adeptos pela continuação das escolas e universidades abertas saibam, não são só os alunos que estão em causa, é também o número impressionante de pessoas que se deslocam, convivem, reúnem por causa dos filhos, netos, sobrinhos, etc..   

         - Foi feito apelo aos portugueses para que doem sangue numa altura em que as reservas estão no fundo e as necessidades a aumentar. Centenas dos nossos bravos concidadãos apareceram de pronto, não se importando de esperar na fila que dava a volta a Instituto Português do Sangue várias horas. Compareceram 1600 dadores e recolheram-se 1279 unidades. Estou emocionado a agradecer a estes meus compatriotas. Este é o coração do português de antanho.  

         - Devido ao isolamento, falei ao telefone com a Carmo, João, Maria José, Fortuna, Carlos Soares, Alexandre, Gi, António. Tempo fúnebre a associar-se ao número crescente de mortes por Covid-19. Tenho as lareiras acesas todo o dia, alimentá-las é uma actividade como qualquer outra. Nos hospitais os médicos têm o ingrato e decerto doloroso encargo de escolher quem vive e quem deixam morrer. Tudo isto é assustador! Se tivéssemos dirigentes destemidos e que pensassem em primeiro no exercício humano do poder, teríamos evitado esta devastação. E não me venham falar do que se passa lá fora - não sou tão inconsciente que não saiba ver as diferenças. Entre ontem e hoje, sob imensas dificuldades e incertezas, escrevi 28 linhas no Matricida. Dentro destes muros, cercado da chuva miúda e do céu de uma tristeza infinda, nem as árvores bulem.  Silêncio e serenidade. Le nec plus ultra. 


quarta-feira, janeiro 20, 2021

Quarta, 20.

Só a pressão demove António Costa de prosseguir na péssima orientação relativamente à Covid-19. A ele e ao sacristão Marcelo Rebelo de Sousa. O resultado da abertura no Natal e fim-de-ano que, de resto, foi aprovada por todos os blocos partidários no Parlamento, trouxe centenas de mortos e um assustador número de infectados por coronavírus, transformando os hospitais numa loucura que sacode a morte e o sofrimento para as ruas da amargura colectiva. O recente confinamento foi uma espécie de comédia que pôs a ridículo o Governo e divertiu os simples que aproveitaram as “excepções à lei” para gozar os dias banhados de sol e as praias desertas até aqui. Agora, enfim, parece que Costa vai fechar escolas e outros organismos, a exemplo do que fez em Março e Abril do ano passado, isto se suas excelências decidirem marcar a reunião com os técnicos de imediato. Em Portugal tudo é madraço, e os mortos podem esperar que Costa e Marcelo se dignem enfrentar o problema. A primeira resposta à terceira vaga do coronavírus que aproveitou da negligência dos governantes para se difundir por todo o lado, vai ser dada com a abstenção de domingo. Se esta for de mais de 70 por cento, para mim, as eleições deviam ser repetidas noutro momento propício. Não podemos ter - a democracia não autoriza -, um Presidente aprovado por 30 por cento da população votante. 

         - Sim, é insuportável viver desta forma antinatural. Até eu que por escolha de vida me vi sempre confinado, vejo-me agora contrariado por ser a pandemia a reter-me em casa e não eu a exercer o meu direito de escolher viver como melhor me apraz. Este mundo crepuscular onde as pessoas dialogam do fundo do medo, da distância e da desconfiança, é um mundo inumano que espelha os primórdios da humanidade quando as guerras, os ódios e a exploração humana, eram a normativa do comportamento social. Depois, Jesus Cristo instituiu o Amor e foi o grande embate que aproximou os homens e destruiu os prepotentes, os ídolos e os tiranos, irmanando numa mesma família a humanidade inteira. Somos parte de um todo, cada um de nós é único na imensidade da diversidade. Este hiato que nos afasta hoje, servirá um dia para nos reencontrar numa outra qualquer forma de vida mais equilibrada, simples, em torno da justiça que todos e a cada um abraça.  

         - Às oito da manhã franqueava a porta do Auchan. Por lá andei a fazer as compras necessárias, junto com meia dúzia de fregueses, alguns jovens (que me surpreendeu) outros nem tanto. Almocei os restos que sobraram de ontem e anteontem e logo de seguida mergulhei na parte final do romance de Francisco José Viegas, A Luz de Pequim. Que deslumbre! Que surpresa encontrar um autor deste gabarito, ainda por cima português, e, segundo pressinto, com fortes ligações à literatura europeia, nomeadamente, francesa. Foi a grande descoberta que me deu uma felicidade imensa e dou de conselho aos meus leitores leiam este romance bem escrito, com todos os elementos narrativos e romanescos intercalados numa impressionante teia policial que serve ao narrador para entrar na sociedade mesquinha e lobriga que é a nossa. Vento e chuva. Tempo desagradável. Nenhuma réstia de sol desceu das alturas. Vou fazer uma sopa. 


terça-feira, janeiro 19, 2021

Terça, 19.

A verdade é esta: vamos ter que pedir contas aos governantes que nos andam a enganar, desmultiplicando-se em discursos enviesados para fugir à justiça popular. Esta, se fôssemos um país civilizado e informado, seria nas urnas; sendo o país que somos vai ser através de grupos extremistas, de iluminados ou de um qualquer ditador de meia tijela. Se não o fizermos por nós, que o façamos pelos que morrem na completa solidão nos hospitais do desespero quotidiano e do salve-se quem puder. 

         - Insistiram que a democracia não teria esse nome se o calendário da ida às urnas não fosse cumprido. Já ouvi uma voz anónima gritar: “Se estamos confinados, porque razão saímos para votar.” Em tudo a marca do desenrascanço, da impreparação, da falta do trabalho aturado e cuidado. Exemplo disso, foram as longas filas para exercer o direito de voto no passado fim-de-semana, que os que a ele acudiram fizeram-no para escapar às longas bichas que o Governo prevê para este domingo; mas também o boletim de voto onde até imprimiram um candidato-fantasma, um tal Eduardo Nelson da Costa Batista que vem à cabeça dos legítimos a Belém. Espero que a ironia seja levada às últimas consequências e o povo vote massivamente nele – o fantasma da assombração socialista. 




segunda-feira, janeiro 18, 2021

Segunda, 18.

Faz medo ler os jornais ou ver televisão. Dizem eles que somos o primeiro por milhão de infectados e mortes por Covid-19 no mundo. Assustador. O primeiro-ministro está reunido de novo para remediar mais uma lacuna no exercício da pandemia e encurtar razões àqueles que se estão nas tintas e continuam a fazer a vidinha como se nada se passasse. Que falta de previsão, incrível! Tudo surge aos bochechos como se o que está em causa não fosse suficientemente aterrador. Temos milhares de funcionários, ministros e secretários de Estado, secretários e secretárias, diversos empregados em número impressionante por toda a administração pública, e parece que não se lhes exige nada, a ronceirice continua sem responsáveis. Só os médicos, enfermeiros e pessoal auxiliar, ante o desastre, o sofrimento e a morte, não abandonam os seus postos, os seus doentes e firmes continuam a lutar contra o inimigo devastador. Admiro esta gente, como tenho consideração pela ministra da Saúde, a directora da DGS. Tenho para mim que quando a política se imiscui na ciência, temos o caldo entornado. Os votos e o poder têm de passar por cima dos cadáveres – é imperativo.  

         - Devido aos arruaceiros de Trump, toda a América está em estado de guerra, e só nas imediações do Capitólio estão mais militares que nas guerras do Vietnam ou Iraque. Tudo para assegurar que os fanáticos não actuem durante a tomada de posse de Joe Biden marcada para 20 deste mês. Que mundo! 

         - Tarde soalheira passada estendido na chaise longue a ler. A manhã abriu alva e brumosa. O silêncio pesado e o latir dos cães na vizinhança chegava em golfadas surdas. Devia aproveitar este tempo outonal para começar a cortar a erva em frente da casa, mas não me sinto ainda robusto para o fazer. Estou à espera que me tragam a botija de gás que reforçará o conforto no salão, no recanto do escritório. Estou sem TV5Monde e, por isso, mais exposto às merdelhices nacionais. Uma hora ao telefone a falar com amigos ensanduichados nos apartamentos, em Lisboa. 16 horas e 43. O mundo é uma caverna medonha. 

Hoje, devido à paisagem que a neve altera, foi o meu amigo pintor Werner Schneider, que me mandou esta foto do seu jardim de Wallisellen, Suíça. 


domingo, janeiro 17, 2021

Domingo, 17. 

É alarmante o que se passa nos hospitais com a chegada ao minuto de novos contágios. Os noticiários televisivos e as primeiras páginas dos jornais, falam em catástrofe e hoje parece colher unanimidade que o governo tem conduzido muito mal o assunto. Com mais de 10 mil casos por dia, o SNS não tem condições de acudir a todos com a dignidade que cada um merece. Se Costa e Marcelo actuaram e continuam a actuar muito mal, também é certo que os portugueses não levam a sério a doença nem os governantes. Neste caldo as mortes, todos os dias, são às centenas. Tudo por culpa da ganância de votos e poder que concedeu o Natal e a Ano Novo no pressuposto que o povo era razoável. É desconhecer a mentalidade das gentes de hoje. Eu sou de opinião que a distância entra governantes e governados é cada vez mais abissal. Assim o diálogo é de surdos, mas o vírus que não sabem quem é quem, ataca indiscriminadamente. 

         - Assim as eleições para a Presidência. Porque motivo não foram adiadas? Seria mais vantajoso e a democracia sairia honrada. Assim, penso, a abstenção vai ser enorme por incúria e sabe-se-lá-porquê de quem nos governa. A própria campanha dos concorrentes está reduzida a questiúnculas sem importância, traduzidas em farpas pessoais, atacando o Ventura e dando-lhe notoriedade, sendo a necedade nacional crassa, quem poderá afirmar que houve campanha. Com pelo menos 128.165 doentes internados (dados de hoje) fora os milhares em casa ou a seguirem tratamentos contra as sequelas, e, ainda, os milhões que não quererão sair de casa, o quadro deste escrutínio é a vergonha dos políticos que dizem defender a democracia. 

         - Lionel e a mulher, são médicos. Ele foi infectado, ela não. Ambos trabalham em hospitais públicos, ambos são saudáveis. Eles e os filhos que foram contaminados, estão bem. Mas os -17 graus que ontem estiveram em Estrasburgo, são um perigo para a calamidade que cobre o mundo inteiro. 

         - Saí para comprar o jornal e tomar chá a convite da Glória e do Raul. Ela transborda de talento para a doçaria. Confinados, é na cozinha que passam a maior parte do tempo. Todos os dias a Glória faz um bolo. Vim de lá com um de abóbora e outro de coco. Uma delícia que como à fatia de manhã com o primeiro Nespresso e depois do almoço com o segundo e... basta. Missa transmitida dos Açores, celebrada pelo padre Bruno Rodrigues da igreja de Santa Bárbara, Terceira. Homília notável centrada nas raízes primitivas da Igreja. Sacerdote de uma simpatia e simplicidade, visivelmente crente, culto e atento à sociedade presente. Leituras ao sol quente depois do almoço: jornais, Green e Sontag. As geadas são convidadas durante a noite para as manhãs brancas de 0 graus.


sábado, janeiro 16, 2021

Sábado, 16.

O programa apregoado por Costa e pelo comentador dominical da SIC, StayAway Covid, como o melhor da Europa ou não fosse nacional, foi um fiasco e revela uma vez mais a forma irrefletida como as coisas se fazem no nosso país. E lembrar-me eu que António Costa queria obrigar-nos a instalá-lo nos nossos telemóveis.  

         - O João ao telefone, a voz emotiva: “Helder, quando é que nos tornamos a ver!” Referia-se à violência do novo confinamento que nos isola uns dos outros.         

         - À elegância dos termos “achatar a curva”, “bazuca”, surgiu agora  “asilo” para definir o antigo SEF. Que falta de sensibilidade linguística, senhores! Ou antes que inclinação para o português de chinelo!  

         - Pus-me a imitar o professor Marcelo na versão comentador televisivo e, entre 0 a 5, saiu-me isto: 

Marcelo Rebelo de Sousa, sem pontos por ocupar já o palácio; 

João Ferreira 5 o mais digno e avisado de todos, incluindo o actual Presidente; 

Ana Gomes 4 uma pequena decepção; 

Marisa Matias 3 sem palavras; 

Tiago Mayan 2 inexistente; 

Trump, perdão, André Ventura 0 um boçal com possibilidades de ficar em segundo; 

Vitorino Silva 1 o bobo da corte. 


quinta-feira, janeiro 14, 2021

Quinta, 14.

Estamos de novo confinados. A ordem é para cumprir e as coimas para quem não obedecer subiram para o dobro das praticadas anteriormente. Quem manda, manda e Costa ordena. Fá-lo atirando para trás das costas a sua incúria, o seu contributo governamental, a sua atarantação, o seu desleixo quando antes do Verão decidiu ir de férias, levantar os hospitais de campanha suplementares, dando por adquirido que a Covid-19 já era. Para não falar na continuada falta de assistência aos lares onde na primeira vaga tantos velhos morreram, a impreparação para as eleições a Belém, a abertura no Natal, a tardia implementação de regras que evitassem os milhares de mortes e infectados, o estado da saúde com os doentes não Covid a sofrer entregues à sua sorte. A dupla Marcelo e Costa devia ser penalizada por tanto erro e incompetência, leviandade e negligência. A economia que os dois tanto querem proteger, agradece esta nova ordem por quinze dias (talvez renovados por outros tantos) de prisão domiciliária de quase 10 milhões de pessoas. A desorganização e o laxismo é a ordem que este governo socialista criou para vender uma imagem propagandista. A realidade encarregar-se-á de enterrar os mortos e reduzir o SNS a uma panaceia. 

         Neste entretanto, passámos de 642 casos no primeiro confinamento, para 517.108 até ontem! Dias houve em que tivemos mais de 10 mil novos casos em 24 horas. Os lorpas jornalistas da TV, pensando tratar-se de uma maratona qualquer, falam em records. Mortes foram até agora 8380. 

         - A família do malogrado Ihgor Homenyuk, assassinado nas instalações do SEF no aeroporto por agentes do organismo, graças à acção da notável provedora da Justiça Maria Lúcia Amaral,  foi indemnizada em 800 mil euros. É justíssimo! Só desejo que daqui em diante, quando concidadãos nossos passem idênticos crimes, a verba ande pelos mesmos valores. 

         - Trump parece que vai mesmo ser afastado de funções, no primeiro impeachment da história americana. Aos votos dos democratas, juntaram-se (julgo) que dez dos republicados. Enfim! Mal seria que uma democracia com dois séculos e meio, fosse tão frágil que permitisse que monstros como Trump passassem incólumes. Com a votação do Senado, Donald Trump fica impedido de se recandidatar a qualquer cargo político.

         - Frio e geadas. Sol a jorros por todo o lado. Algumas compras de manhã e de tarde trabalho no romance: 61 linhas nestes dias. Estou a terminar o fabuloso romance de Francisco José Viegas. Que voz! Que profundidade na abordagem social da nossa identidade! Esta escrita rejuvenesce de algum modo Portugal. É a abordagem profunda da memória nacional, desimpedida dos fantasmas que entretiveram o país à sombra de valores que hoje sabemos serem redutores da liberdade. 


quarta-feira, janeiro 13, 2021

Quarta, 13.

Qualquer um de nós que tenha de enfrentar o sofrimento e solicite socorro ao SNS que Costa diz estar a funcionar, percebe a mentira e o logro da coisa. Foi o meu caso. Como acima disse, vendo-me numa aflição de dores, telefonei à direita e à esquerda e ninguém respondeu. Lembrei-me de enviar um mail para o meu centro de saúde, pasme-se, só hoje responderam. E para quê? Para me dizer que tenho uma consulta telefónica (!) marcada para... dia 2 de Fevereiro! Não é anedota, juro. Isto foi ontem. 

         Esta tarde, no Vitta Roma, estava eu à espera do João para almoçarmos, quando toca o portátil. Era uma funcionária do centro de saúde a pedir-me desculpa por tudo o que ocorreu (ou não ocorreu) comigo. A médica não gostou de ler o que eu escrevi no mail, e desfeche em mil escusas. Ainda por cima, o documento foi endereçado a uma funcionária que já lá não trabalha. Bom. Ante um pedido de desculpas - que eu considero o mais nobre gesto do ser humano -, rendi-me e às tantas era eu que lhe pedia perdão por ter sido tão franco.  

         - Fui a Lisboa e passei na Brasileira para ver os amigos: Virgílio, Maria Luísa, António, Carlos, Castilho. E o Igor o empregado que tão bem trata de mim, disse-me que tinha estado em casa isolado com Covid. Há duas semanas começou com uma dor horrível na coluna, que seguia por ali abaixo e apanhava-lhe um pé, tinha febre, tosse. Fez o teste e deu positivo. De regresso a casa ficou isolado num quarto, uma chateza devido ao facto de ouvir a filha e não poder tomá-la nos seus braços. Deram-lhe Paracetamol e anti-inflamatório e ao fim de quinze dias, negativo, voltou o trabalho. Pareceu-me um pouco cansado e falou-me nas dores insuportáveis. Pensei logo em mim, se as dores lancinantes que tive não foram a raiz do vírus chinês. Mas depois, chegando à minha antiga clínica oral para ser observado e voltar com o orçamento de modo a compará-lo com o do SAMS, ao entrar, calçados os “chinelos” de natação, desinfectadas as mãos, a funcionária apontou-me o termómetro à testa e saiu 35º de temperatura. Fiquei soulagé. Ufa! 

          - Esta noite deve ter nevado, porque ao acordar vi o campo como se de neve se tratasse. Fui artilhado de abafos e cheio de medo de ser contaminado para o Chiado. Fertagus quase vazio, metro idem. O resto das viagens, fi-las em táxi e quando retornei, fui lanchar a casa da Glória e do Raul. Agora vou acender a lareira e devia ver no TV5Monde,  Des racines et des Ailles, o canal tem som, mas não tem imagem. 


terça-feira, janeiro 12, 2021

Terça, 12.

No país corre a terceira vaga de Covid-19. Temos de agradecer aos senhores Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa que quiseram corresponder à inversão do Natal em um momento de consumo exagerado em torno da ideia de família que já teve melhores dias. Nos países atrasados é deste modo que se governa, indo na corrente popularucha, ignorante e pobre, servindo-se dela para ganhar votos e popularidade, acentuando a distância entre uns e outros. Em seguimento: temos a autoridade que eles representam e gostam de exercer, a confinar todo o país esta semana e por? 

         - De contrário, veja-se. A filha do João, professora distinta, quando deixou o Santa Maria a seu pedido depois de 40 dias nos cuidados intensivos, pelas cinco da madrugada (!), débil e quase moribunda, tinha à sua espera uma equipa de televisão que lhe perguntou se era a professora que tinha contraído o coronavírus na escola onde a directora havia afirmado não haver casos da doença. O contágio detectou-se logo na sequência de uma reunião de professores. Mais. A propaganda que eu tanto odeio a este miserável governo, suprimiu-lhe 40 por cento do salário quando, por diversas vezes, ouvi na televisão dizer que os doentes com Covid continuariam a ser pagos pela totalidade. Outra mais. O Filipe, bom criativo publicitário, com dois filhos, está há mais de um ano a procurar emprego e pelo tempo que esse trabalho tarda a encontrar, a Segurança Social reduziu-lhe o subsídio de desemprego e ele passou a receber 400 euros! Poderia citar inúmeros casos que renegam a propaganda de feira de Costa, até porque é com casos concretos que não só estou mais perto das pessoas, como se torna fácil estendê-los a milhares de outras vítimas. 

         - Neste entretanto, o ditador Xi Jinping ping ping, prossegue a caça às bruxas. Não se sabe do dono da Alibaba, Jack Ma. Há dois meses que desapareceu do mapa, ele que é um acérrimo defensor da democracia e dos direitos humanos, apesar de ser o homem mais rico da China. O imperador vermelho, persegue todos e qualquer um que se oponha à sua sábia conduta moral e social. Por exemplo, Ren Zhiqioang, empresário de imobiliário acusa o Partido Comunista (digo bem comunista) Chinês de gerir atabalhoadamente a pandemia que começou lá, foi condenado a 18 anos de prisão. Mas há mais: Meng Hongwel, antigo chefe da Interpol, desapareceu em Setembro de 2018. Tinha sido condenado a 13 anos de prisão por corrupção. Para não falar de jornalistas, médicos, pessoas que divulgaram o flagelo no início.  Destas arbitrariedades o PCP nada diz. Chiu! 

         - O frio polar continua. Quando o sol abre é outro o dia, a manta de gelo derrete e a quinta volta ao seu natural. Esta manhã não pude lavar-me nem utilizar a cozinha porque a água dos canos congelou. Felizmente que lenha não me falta e é com ela que aqueço as divisões de cima e de baixo da casa. A China que nos domina em vários aspectos, esfrega as mãos de contentamento: ganha com a energia em alta, os equipamentos hospitalares, os cimentos, etc.. Depois do almoço, sento-me ao sol lá fora deliciado a ler a saga do inspector Jaime Ramos. Que história! Que manta incrível que decerto levou o autor, Francisco José Viegas, a organizar em paralelo uma agenda monumental de referência ao prosseguimento da história! Um tal empreendimento é trabalho de uma vida!  Como Proust com A La Recheche du Temps Perdu. Estou acalmado das dores, o tratamento da doutora funcionou. São 11 horas e 23 segundos. 


segunda-feira, janeiro 11, 2021

Segunda, 11. 

Quando deixámos o Hospor, diz-me a Glória: “Agora venha jantar a nossa casa.” As poucas dores que persistiam, parece que foram engolidas pela gratidão e apoio do seu convite. A casa onde entrei amparado pelo marido, estava muito bem aquecida, um grande fogo ardia na lareira do vasto salão, em torno da qual confortáveis sofás de couro convidavam ao relaxe. Jantar simples, animado, convivial. De seguida, pelas nove e trinta, pedi para regressar a casa embora a Glória tivesse adiantado a hipótese de eu ficar lá a dormir. Agradeci, comovido. No dia seguinte, sábado, fui à farmácia aviar a receita médica (anti-inflamatório e um laxante muscular). Vinha a sair, quando ouço chamar por mim – era o Raul que estava ao volante do jipe. “Então já por aqui?” Digo-lhe que fui comprar os medicamentos e ele: “Então porque não comprou ontem, já poderia ter começado o tratamento.” Respondi que não queria incomodá-los mais. Comoveu-se ele e com os olhos chamejados de lágrimas: “A Glória vai levar-lhe uma sopa logo à tarde.” Disfarcei como pude a comoção, sensível como sou despedi-me atabalhoadamente.  As dores tinham voltado em força, o acordar fora dramático, a descida das escadas, degrau a degrau, as duas mãos agarradas ao corrimão que o saudoso Augusto desenhou. Depois do almoço, passei pelas brasas, deitado na chaise longue, diante da lareira que a Piedade acendeu. Por isso não dei pela vinda da Glória e quando mais tarde abri a porta da cozinha para acalmar os esfomeados Blacka e Botas, encontrei um saco contendo uma caixa com sopa, seis ovos das galinhas dos meus amigos, amigos e meia tarte de maçã. Moral da história: amparado por amigáveis seres que eu não suspeitava capazes de gestos tão generosos, espontâneos, vindos do coração que explode solidariedade, pus-me a pensar, a comparar outros acenos de companheiros de route, com anos de camaradagem e cheguei à conclusão que das poucas vezes que precisei deles, só me deram palavras hipócritas e nenhum conforto e só alguns tal como a Glória e o Raul, fizeram comigo o mesmo caminho de compaixão e carinho: Zitó e Couto, Tó e João, Alice, João F., Carlos, António e Idalina e ainda a Carmo Pólvora que me ofereceu guarida na sua casa da Lapa, esperando não me esquecer de nenhum desses ternos companheiros das horas inundadas de incerteza e sofrimento – ao todo, em toda a minha vida, duas vezes. 

         - Estas reflexões levam-me a outras quiçá mais lancinantes que se alargam por esse vale de lágrimas em que se transformou o SNS. Antes da vinda dos meus gratos amigos, estando desesperado, telefonei e mandei e-mail para o meu centro de saúde, para o daqui, para o hospital de Setúbal e ninguém, absolutamente ninguém, se dignou responder. Percebi que estava abandonado à minha sorte. No Hospor despendi uma boa soma, fui bem acolhido, as dores abrandaram e espero que o tratamento me cure. Mas pensei enquanto aguardava que o analgésico fizesse efeito, nos milhares e milhares de pobres que naquele momento estariam a sofre resignados, entregues à morte antecipada, depois de uma vida de trabalho, descontos e miséria. Eu tenho sido saudável até hoje, mas devido à escolha de vida que é a minha, encaro os acidentes de saúde com um nisto de susto e heroicidade, necessitando e apreciando todavia uma companhia mesmo quando tenho uma simples gripe. Talvez reminiscências infantis quando nada disso me carecia. Mas todos esses irmãos, a quem falta o mínimo de sobrevivência, meio século depois de Abril de 1974, com vários governos socialistas, laudas de verborreia em favor “dos mais desfavorecidos” e nada ou quase nada foi feito para que todos tivéssemos dignidade e apoio na velhice e na doença, dois pilares fundamentais da vida humana. Governa-se de improviso, de qualquer maneira, apenas apoiados na importância que cada um confere ao seu estatuto, políticos montados nos tronos que por unanimidade construíram, olhando os desgraçados dos seus concidadãos do alto dessa espécie de coroação que são os cargos públicos. Exibem-se provincianamente nos palcos dessa Europa corrupta, tratando da sua vidinha, arrebanhados numa redoma de privilégios – reformas vitalícias por meia dúzia de anos de trabalho, seguros de saúde, bons salários, etc.. Bendita pandemia que pôs a nu um país que os políticos – todos – nos andaram a enganar existir. 

         - Mas os momentos difíceis são igualmente para mim espaços de confronto com a realidade pessoal. Mal diminuída a dor, logo monto no entusiasmo que os momentos de sofrimento me causaram e exulto por os ter vencido, apaziguado numa espécie de santificação que se alarga não só ao corpo como à intimidade do meu viver. Instala-se a confiança, aquela sensação de felicidade que dá valor a cada pormenor, a cada raio de sol a espreitar pela janela, o olhar viaja sucessivamente pelos espaços familiares, o corpo, aligeirado da dor, reinstala-se no seu rumo quotidiano e tudo o que ficou para trás é recordação de proeza e combate. Mas passamos a dar mais valor aos amigos, os verdadeiros, olhamo-los agora do lado solidário que ilumina a nossa vida com o facho insuspeito que não estamos sós. Os telefonemas são constantes, muitos vêm com sinceras propostas, outros com desculpas como a do João Corregedor, que me disse: “Helder, pensei ir-te a ir buscar, mas a Marília fez um trombo numa perna e tivemos de a levar ao médico”. Azar o meu! Eu que não lhe havia pedido nada, como aconteceu há dois anos quando na Brasileira disse que, devido ao avião para Cracóvia descolar às cinco da madrugada, outro remédio não tinha que pernoitar em Lisboa, no B&B do Carlos Neto, por 50 euros. Logo o João: “Olha podias ficar em minha casa, mas o quarto está ocupado pelo meu filho retornado de Paris.” Contudo, o Carmo disse in petto: “Não vais nada pagar 50 euros, que disparate; ficas em minha casa com a vantagem de estares próximo do aeroporto e haver uma praça de táxis à porta.” Mais uma vez perdi o conforto do apartamento do meu ex-colega e deputado comunista. Pouca sorte a minha! Espero que não haja terceira vez, assim como assim, não tenho de observar o confronto com outra realidade. 

         - O frio continua, não só em Portugal como por outros países da Europa, nomeadamente, em Espanha com a capital bloqueada de neve com mais de um metro. Até no Alentejo nevou e aqui, todas as manhãs, o verde do chão foi substituído por uma camada espessa de gelo. A Annie dizia-me ontem que em Paris nunca tiveram um inverno tão ameno. Os defensores do planeta dirão que isto é devido aos exageros consumistas das multidões. 

         - Resta-nos o espectáculo insano do princípio de golpe de estado na América, com invasão do Pentágono incentivada por Donald Trump que não aceita a vitória de Biden. Parecia idêntico ao que se passou no PREC com as mesmas cenas na Assembleia da República. A imagem de uma democracia com mais de 2 mil anos comandada por um louco, antecipa o que pode acontecer no mundo onde alguns ditadores espreitam a oportunidade para se apresentarem como salvadores. Nunca vi nenhum género de esquerda penitenciar-se pela chegada destes anormais à cena política. Criticam-nos, mas se são aceites é porque ela, a esquerda, falhou redondamente e deixou campo aberto para que  os déspotas se instalem.  


domingo, janeiro 10, 2021

Domingo, 10. 

Quarta-feira, ao acartar um tronco pesado para dentro de casa, dei um jeito à perna que só aos homens interessa, e o joelho ressentiu-se e eu paralisei. Já antes, talvez motivado pelo peso da lenha com o frio das manhãs e dos fins de tarde, comecei a sentir dores em toda a zona lombar como me aconteceu em Janeiro do ano passado. Logo me socorri do Arthotec que o Tó me receitou há anos e do Picalm. As dores todavia, não abrandaram e pelo contrário iam-se tornando insuportáveis. Até que sexta-feira, tendo-me telefonado o Alain e depois a Glória, encontraram-me num estado lamentável de sofrimento. Glória e Raul largaram tudo e vieram em meu auxílio. Chegaram com o Jipe aquecido e meteram-me com grande dificuldade lá dentro sem me dizerem para aonde rumavam. Vi-me num instante em Setúbal, no hospital particular. Entro pelas urgências e sou daí a um quarto de hora introduzido num gabinete onde vou ficar mais meia hora até que chega uma médica espanhola que me observa. De pronto concluiu: primeiro, que o medicamento do Tó não servia para o meu caso; segundo, que lhe parecia ter eu uma contracção muscular grave. Transito então para um gabinete onde abanco numa poltrona, ao lado de mais três pacientes. Outra demorada espera. Por fim, aparece um enfermeiro que me diz que arregace a camisa para me administrar uma injecção na veia do braço sem que antes me dê a beber um laxante que me não relaxou porra nenhuma (para utilizar uma expressão do Carlos).  Vou ter que esperar ainda mais meia-hora, espaço que deu tempo aos meus vizinhos para debandarem. De tempos a tempos, o enfermeiro pergunta-me se ainda sinto dores. Para me ver livre daquele antro e preocupado com os meus amigos em espera, digo que me sinto óptimo. Chega por fim a doutora que me vê de perna cruzada e me diz: “Já está de perna cruzada isso é bom.” Volta a ausentar-se. Fico ali, só, a observar o movimento dos enfermeiros e auxiliares. Continuo com o cateter no braço e digo ao enfermeiro para mo tirar “porque quero-me ir embora”. Ele responde que não o faz enquanto não receber ordens da doutoraça. Esta vêm, por fim, dando-me alta. Impressão geral da unidade hospitalar: boa, cuidados com contágios Covid, rapidez no atendimento e fica por provar se o tratamento e a análise clínica foram correctos. Fico-me por aqui, embora tenha mais a acrescentar. Amanhã se estiver para aí voltado e não andar aos ais com dores. 

         - Pelo que se vê e eu nas condições de saúde acompanhei, o lodaçal político em que vive o país é uma desonra e uma vergonha para a democracia e para os portugueses. Se é esta gente que nos quer governar, mais vale ir viver para um qualquer país do terceiro mundo – é igual e não temos ilusões. 

         - Neste entretanto, ocorreram tantos acontecimentos que mereceriam um apontamento, mas não estou com miolo para os narrar. Frio siberiano. A Piedade, generosamente, vem acender-me as lareiras para eu não carregar lenha cá para dentro. Escrevo de gorro diante do aparelho a gás. 


quarta-feira, janeiro 06, 2021

Quarta, 6.

No debate entre Ana Gomes e João Ferreira, grosso modo, estive do lado do candidato do PCP. Achei que ele não foi só mais consistente como objectivo. Aliás, há muitos anos que o venho seguindo e sempre o achei um futuro promissor secretário-geral do partido. Quanto ao velho tema da saída de Portugal da UE, também eu partilho desse desígnio embora, com esta pandemia, os cidadãos tenham, enfim, ocupado o centro da União que, espero, seja para manter. 

         - Faleceu João Cutileiro. Houve um período em que o visitava com frequência no seu refúgio de Évora. Sempre tive simpatia pelo artista e achava o homem desempoeirado de cabeça e ideias. Nunca o vi sem estar a trabalhar. Quando eu chegava, parava para subirmos ao primeiro andar da casa e tomarmos um chá. Tenho uma peça dele aqui em casa que adoro, como gosto da sua imensa e variada obra escultórica que prima pela originalidade, a modernidade e a força das formas. É para mim um mistério que em parte a arte explica, a sua obra admirável que conjuga a cor e a forma num mesmo e eterno sentido, nascida surpreendentemente da pedra bruta. Só a genialidade de um artista singular como ele, podia trazer para a história da arte um cunho absolutamente único, libertário e independente como ele era na realidade. Tantos se vão, Santo Deus! É todo o nosso mundo que sofre a derrocada e nos deixa isolados, num país de analfabetos, entregue ao supérfluo, à esmola, sem identidade nem sentido do sagrado, numa pelintrice quotidiana que não irmana antes incita ao egoísmo. 

         - “A China ainda não deu todas as autorizações necessárias para o trabalho dos cientistas que integram a missão da Organização Mundial da Saúde (OMS) que devia ter começado já nesta terça-feira a investigar a origem do novo coronavírus. “Estive em contacto com responsáveis de topo chineses e mais uma vez tornei claro que esta missão é uma prioridade para a OMS. Estou muito desapontado”, afirmou o director-geral desta agência das Nações Unidas,  Tedros Adhanom Ghebreyesus, numa conferência de imprensa.“ Do Público sem surpresa para mim. A China ainda não deve ter aprontado todos os estratagemas. 

         - Frio extremo. Estão em acção em todas as partes da casa lareiras e caloríferos. Só os gatos parece não serem atacados, continuando a brincar nas ervas juncadas de gelo. Quando cheio de pena que apanhem algum resfriado os chamo para dentro de casa, não param quietos cheirando todos os cantos da casa, roendo fios de electricidade, montando a sofás e mesas. Consequência: retorno à rua. O sol abriu um sorriso dourado agora (10 e 16 minutos). Vou atacar o romance a ver o que sai. Sob enormes esforços, palavra a palavra, pude fechar a manhã com 26 linhas. São 12 horas e 38 minutos.   





terça-feira, janeiro 05, 2021

Terça, 5.

Carlos do Carmo é a imagem da hipocrisia das televisões. Nos últimos anos, dizia-me ontem o João Corregedor ele, fadista, por ter fama de comunista, nenhum canal o convidava para o quer que fosse. Este lamento fazia ao meu amigo o cantor com frequência. Agora, para não perderem o comboio da popularidade fácil, ocupam-se dele como se fosse um dos seus. Que mundo idiota ! 

         - Os hospitais estão de novo a abarrotar de doentes por Covid. A quem tem que se assacar responsabilidades? Ao Governo, naturalmente e ao Chefe de Estado. Ambos preocupados com os votos que cada um julga pertencerem-lhe, abriram mãos no Natal e o resultado está à vista. Se fossem responsáveis e não pensassem só nos seus interesses partidários, não teríamos agora tanto sofrimento e tantos médicos e enfermeiros no limite das suas forças.

         - O caso do procurador José Guerra não cessa de crescer; até os colegas de Bruxelas vêm dizer que uma fraude é sempre uma fraude e em qualquer língua. A ministra da Justiça, tenta passar pelos pingos da tempestade e dá a imagem muito habitual do mundo político: habituados a mentir, ao faz de conta, já nem notam que falsificar documentos é crime. 

         - O termóstato do carro, esta manhã, registava – 5 graus. Imagino que a noite deve ter sido muito fria porque o campo despertou alvo. Ao contrário do que é habitual, estive na cozinha a confeccionar dois pratos para arquivo. Li Green e Francisco José Viegas lá fora ao sol. Alimentei a salamandra da sala de jantar onde almocei e a do salão. É um trabalho como qualquer outro, com a desvantagem de ser ininterrupto. Dia sereno. Pouco trabalho no romance. Escrevo no escritório, o radiador aceso, a paisagem solarenga diante dos meus olhos imóveis. Terminei o ano de 2020 com 226 páginas. Se multiplicarmos este número pelas últimas 4 décadas (o Diário publicado fecha em 1979) dará um grosso volume com 9040 páginas! É obra! 


segunda-feira, janeiro 04, 2021

Segunda, 4.

Respigo do blogue de Rentes de Carvalho: “Já vezes sem conta o desejei, o terramoto que limpasse este país da pobreza, do desleixo, da batota e do faz de conta, dos robertos tão miseráveis que nem escondem os cordelinhos. Robertos desavergonhados, que vivem de mão estendida, mas acham sempre pouco o que lhes dão por caridade. Podem bazofiar, fingir que o ganham e, parolos, chamar-lhe bazuca, mas triste país o que vive de mão estendida e desespera quando a UE demora com o  Subsídio de Reinserção Social.” Assino de cruz. 

         - Um grupo editorial onde só conheço duas editoras, mandou-me um mail desafiando-me a enviar-lhe um original com resposta “dentro de 10 dias”. Cheira-me que aquilo é dirigido ou alimentado por aquela “editora” que me rotulou de génio e original e logo a seguir, como não alinhei em desembolsar 2 mil euros, passei a autor medíocre. A essa “editora”, o que penso, é que algo de O Rés-do-Chão de Madame Juju lhes ficou a bater na moleirinha, porque a partir daí nunca mais me largaram. Eu mantenho-me na minha: se acham que algum mérito tem o meu trabalho, que apostem nele. Da minha parte, recuso-me a pagar para trabalhar. A escrita, como já aqui disse vastas vezes, é um acto sagrado e como tal deve merecer o máximo respeito. Já basta aquela que me ficou a dever direitos de autor no valor de 12 mil euros. 

         - Ontem esteve aqui muito frio. Vai daí, como tinha a sala de jantar aquecida, foi lá que jantei diante da salamandra. Estranho momento que teve a duração de um festim em família. As cinco luzes do lustre acesas, diante do grande tapete de casamento que comprei na Tunísia, a larga mesa com a terrina Viúva de Lamego ao centro, os quadros do Rocha Pinto e do Robert nas paredes, sob uma atmosfera festiva, como se os convivas ali estivessem comigo, deu-me uma alegria intensa, irreal, mas concreta a um tempo, porque a animação era muita e eu vivendo-a por dentro era o folião mais irrequieto do todo o grupo. 

         - Fui a Lisboa. Primeiro, na Brasileira com o António, Teresa, Carlos, João. De seguida, com estes dois, almocei no Roma Vitta que começou dentro do estabelecimento e terminou na esplanada. Grande e nem sempre sossegada conversa. Mesmo assim, apesar do frio, estendemo-nos em viagens sobre arte que nos levaram a vários pontos do globo. Acabei de acender a lareira no salão. O frio amainou. Só engrossou o silêncio. São 17 horas e 24 minutos. 


domingo, janeiro 03, 2021

Domingo, 3.

Do rescaldo da semana sobra o cargo principesco, em Bruxelas, oferecido ao camarada magistrado José Eduardo Guerra. O Governo, através da sua ministra da Justiça, passando por cima da escolha independente de Ana Mendes de Almeida, enviou à Procuradoria Europeia, um falso curriculum do senhor procurador. Instada para se pronunciar sobre o assunto, Francisca van Dunem, respondeu outro dia: “Isso é assunto confidencial”, recentemente: tentativa de “envenenar a vida política”. Ela que até era dos poucos da equipa de António Costa com a folha limpa, sujou-se agora para defender o partido. Todavia, esta é também a imagem de um executivo que, como Sócrates, quer ter em todo o lado peões de brega. 

         - Comecei a ler com grande surpresa e agrado, A Luz de Pequim de Francisco José Viegas. Li os primeiros cinco capítulos e identifiquei-me logo com o romancista que trata os problemas da sociedade servindo-se do material romanesco. Ainda porque a sua escrita, para além de projectar valores humanos essenciais, traduz um conhecimento denso do indivíduo posto em questão ante considerações morais cuja resolução as leis não são tidas nem achadas. A personagem principal, o inspector Jaime Ramos, na sua forma desajeitada de proceder, encerra em si teorias e práticas de gestão criminal, que têm na psicologia do crime a raiz de estereótipos que se foram moldando através dos tempos. 

         - Tempo gélido, sobretudo a noite passada. Carrego constantemente as lareiras, mas a casa, nos espaços de passagem, continua fria. Apesar disso, um maravilhoso sol passeou-se por aí de manhã e parte da tarde. Depois o céu povoou-se de nuvens escuras ameaçando chuva e trazendo ainda mais tempo glacial. Escrevo diante do fogo no salão, o computador sobre os joelhos, um ar incerto dardeja sobre os candeeiros acesos, sombras que nunca aqui tinha entrado e são na sua intrínseca natureza aluviões ou acenos de memórias que eu julgava mortas e enterradas... Continuo a reler Green, pág. 610. (Com este tempo só a eléctrica chinesa lucra, aqui e por todo o mundo, é por tudo o que sabemos o único país com a economia florescente.) 


sábado, janeiro 02, 2021

Sábado, 2.

Praticamente, ontem, passei o dia diante da televisão. Depois do concerto de Viena, à tarde vi no ARTE outro com vários excertos de árias de compositores do séc. VIII e XIX transmitido da Veneza. Dos intérpretes destaco o tenor Xabier Anduaga, um nome a fixar. Espanhol de nascimento, 25 anos, rosto rústico, redondo, boca pequena, físico sólido, barba mal semeada, olhar profundo, e uma voz envolvente, poderosa nos cambiantes que nos hipnotiza. O teatro La Fenice, correspondendo aos tempos magros, estava vazio e talvez por isso a beleza dourada que o cobre tomasse contornos transbordantes de outrora, quando Verdi por ali andou e escreveu as suas memoráveis óperas. 

         - Eu, quando me sinto abandonado de mim próprio, quando a instabilidade me banha com trémulas fúrias interiores, quando me sinto desmotivado de quem sou, quando o vazio chega ao ponto de me transformar num alienado do desespero e da desorientação, é na leitura de Julien Green que me abrigo. Porque mesmo durante os anos desvairados que foram os seus, materializados em páginas e páginas ad nauseam, há sempre um fio condutor de equilíbrio que vem provavelmente da infância ou da presença e protecção de Deus, olhando descontente para a vida que o escritor levava depois de ter renunciado ao seminário onde este para entrar. A morte foi desde muito cedo uma obsessão que talvez traduzisse o risco da vida que a liberdade o levou a correr. Quando o filho de Thomas Mann, Klaus, o foi visitar, os dois homens falaram da morte, decerto porque ambos tinham a mesma vivência, o mesmo perigo. Assim, nessa tarde de 2 de Dezembro de 1932, escreveu Green: “Combien de gens sont vraiment dignes de la mort? Certaines catégories d´hommes devraient vivre éternellement, châtiment de leur petitesse. 

         - A casa guarda sucessivos sedimentos de frio. Durmo com o calorífero aceso, e aqui em baixo as lareiras em permanência a crepitar e mesmo assim, pela manhã, o desconforto penetra os ossos. Apesar do dia claro, cheio de sol, e do silêncio que a pandemia alargou, a vegetação continua húmida e a cara do inverno estampada no chão que a noite atapeta com espessa napa de gelo. Ao serão, em frente ao fogo, tudo se transforma. Hoje, sob grandes esforços, avancei umas quantas linhas no romance, é do esforço, por vezes, que chega a inspiração. 


sexta-feira, janeiro 01, 2021

Sexta, 1 de Janeiro de 2021. 

Como é meu sacro hábito, acompanhei o Concerto de Ano Novo pela televisão de Viena d´Áustria. O maestro Riccardo Muti voltou a dirigir a Filarmónica e introduziu muitos compositores novos. O curioso e divertido, foi ver os músicos aplaudirem-se mutuamente na falta de público devido à pandemia. Do alto dos seus maravilhosos 80 anos, o chefe de orquestra fez furor.  

         - Todos os políticos, na sua linguagem roufenha, forjada nas mensagens para o novo ano, falam de esperança. António Costa vai ao ponto de fazer o paralelismo entre o antes e o depois da pandemia, garantindo que outrora, com o seu governo, o país era um oásis de progresso e a pobreza já estava quase dizimada. Quanto a Marcelo, nem é bom falar. Ambos há muito que deixaram de governar com acções – bastam-lhes a palavra salmodiada, noite e dia, para o Chefe de Estado e insidiosa para o Primeiro-Ministro. 

         - O resultado da máquina diabólica que estabelece o PIB durante o Natal e fora dele, está plasmado nos números de novos casos por coronavírus. Quiseram trabalhar para o resultado das eleições e dinâmica económica e a tragédia está à vista: mais 7627 casos e 2329 mortos – estes são os mártires que pagaram com a vida a mais valia das empresas.

          - Morreu Carlos do Carmo. Apreciava o fadista que acompanhei toda a minha vida, mas punha de lado o homem pomadé, com as suas ideias políticas que sempre me pareceram frívolas para não dizer fingidas

         - Levantei-me tarde por ter estado ontem até perto da uma da madrugada a ver um excelente programa de variedades transmitido de Versalhes. 16 linhas no romance. Frio intenso. Dia suspenso do silêncio que por aqui cirandou. Cresceu a minha lista telefónica do iphone devido aos amigos que telefonaram a desejar Boas Festas. Mas agora começo por registar os números na Agenda Telefónica (à moda antiga) – conselho do técnico da Macintosh. Escrevo à secretária tendo de cada lado os meus guardas pretorianos: Botas e Blacka.