quinta-feira, novembro 29, 2018

Quinta, 29.
De retorno a Défense, desta vez para ver o Mercado de Natal que dia 21 abriu ao público. Quando o certame era nos Champs Elysées, eu tinha o hábito de lá ir comprar os produtos da marca Marseille. Sob o Arco da capital dos negócios, depois de os ter adquirido, dei uma volta a ver se ali a qualidade era melhor que no anterior lugar. Por ser mais pequeno e labiríntico, não se via logo o mau gosto de certos produtos, mas eles estavam lá.  

         - Egon Schiele (1890-1918). Austríaco, ligado ao grupo expressionista Arte Nova, morre com a mesma idade de Basquiat, deixando uma obra por acabar. Mais reduzida que a do pintor americano, povoada de um mundo estranho, onde nada parece real, apesar da sua obsessão pelo corpo feminino que deforma, o casal que vê de través, a paisagem sombria, tocada pelo esgar que a pinta de cores ilusórias. Acusado de imoral, o artista é terno para a prostituta, o corpo abandonado à realidade que o habita, marginal, com um leve toque de dignidade, de onde se desprende doçura, ternura, com semelhanças a Oskar Kokoschka. Aliás, em certos trabalhos, entra também qualquer coisa de Gustav Klimt com quem aprendeu. Se me fosse permitido, diria que todas as fases concepcionais de Schile, podem ser vistas e estudadas através do seus auto-retratos. Ao contrário da maioria dos artistas que têm de si belas imagens e são muitas vezes mais belas que o modelo, o pintor amargurado dá-nos a fotografia do seu mundo exterior visto do interior onde parece pairar a poesia do mal-amado, daquele que não se encaixa em lado nenhum. A Fundação Louis Vuitton presta um alto serviço à cultura com as duas excepcionais exposições: Jean-Michel Basquiat e Egon Schiele.  

Auto-retrato de 1912






Dos últimos 

quarta-feira, novembro 28, 2018

Quarta, 28.
Há dias a televisão ofereceu quase três horas a Nicolas Hulot – o ilusório homem do Planeta. A dada altura desinteressei-me. O programa é como aquele da RTP1 Prós e Prós. O homem prega bem, muito do que diz é razoável, mas a prática é absolutamente outra a começar pela sua vidinha airada com três carros, não sei quantas casas, um quotidiano abastecido do melhor da sociedade de consumo. Numa palavra: caviar e champanhe. A cena política em toda a parte está vassala das suas contradições e quem vier de trás que feche a luz. Os meus amigos (alguns) acusam-me de pretender mudar o mundo. Não se trata disso, mas sim de alterar a submissão dos mais fracos em favor da loucura e da opulência dos fortes (financeira ou de poder). O que me revolta é ver tanta e tão profunda disparidade. Veja-se o caso mais recente do senhor Carlos Gohosn. 

         - A primeira cópia de O Juiz Apostolatos tenho-a sobre a mesa de trabalho. De vez em quando folheio-a como quem deita uma olhada distraída a algo que conhece de longa data. Umas vezes o que perscruto agrada-me, outras entristece-me. Mas o resultado final irei saber quando me dedicar à correcção e limpeza do texto. Por agora quero distância, reflexão, embalo. 


         - Outro dia, Francis convidou-me a aparecer no seu minúsculo apartamento com uma vista esplêndida sobre o canal. O pretexto foi dar-me a conhecer a sua colecção de gravuras do tempo de Napoleão III sobre o início do Caminho de Ferro em França, datadas de 1850. Na ocasião, mostrou-me a obra completa de George Sand, de 1854, maravilhosamente encadernada, ilustrada por Tony Johannot e pelo filho da escritora Maurice Sand. Francis, coleccionador de arte, organiza de quando em vez exposições. Os americanos não o largam propondo-lhe milhares de euros por isto e por aquilo. Ele resiste. Por vezes, em momentos de aperto, vende uma peça, uma tela, uma escultura antiga. Por exemplo, o seu acervo de arte africana é notável, das poucas valiosas que a França possui, e disputado pelos curadores internacionais. O Museu Nacional de Etnologia, em Belém, possui uma obra por ele oferecida. Foi decerto herança da família ou do realizador Marcel Carné com quem foi ami intime. O interior é um pequeno museu de bom-gosto, simpático, acolhedor. Apesar de exíguo, nem por isso deixa de nos acolher parecendo aos nossos olhos ávidos das belas coisas imenso. A marca da personalidade do seu ocupante, está sólida em cada divisão.  

segunda-feira, novembro 26, 2018

Segunda, 26.

A pobre Annie já pouco nos pode acompanhar, a Robert e a mim, nas nossas visitas a museus e outros lugares históricos. Embora possua três ou quatro obras de Miró, não foi connosco ao Grand Palais conhecer a exposição que tem tido uma afluência incrível. Com efeito, talvez não seja para mim das melhores exposições que vi. Houve até duas ou três salas que me desagradaram. Contudo, se a ideia foi traçar o percurso artístico do catalão, desse ponto de vista foi cumprido. No Grand Palais como por todo o lado quando me confronto com a obra de Miró, não me atardo a compreender o que me entra pelo olhar. Cada tela é para mim uma impressão, um resvalo pelo domínio de uma certa intimidade, da festa retardada na infância quando a criança se deleita a compor cores e traços, a experimentar decorar a percepção de um mundo que irrompe das suas ficções. Talvez seja por isso que o pintor poucos títulos dá aos seus quadros. Basta-lhe o equilíbrio concepcional, a metafísica que enche o espaço, a poesia que plana, a liberdade que impõe a alegria, a felicidade e o desvario que tem na cor a sua presença singular, a assinatura que recentra o olhar e nos irmana. Hodierno de uma época excepcional, pelo número de artistas e pelo jorrar de estilos, escolas e disciplinas, Miró, após uma breve incursão pelo Cubismo, logo se distancia para prosseguir o seu caminho independente e feliz. Os anos passam, Miró recolhe-se numa introspecção onde só o azul do céu e as estrelas vêm em seu socorro restabelecendo o caminho de uma espécie de santidade abrigada na memória da infância que nunca o largou.  
A Bailarina (o Cubismo depressa abandonado) 
Picasso e Braque não andam longe 

O grupo dos surrealista 
A  cor! A cor! 
Ao cento George Malkine e Yvette Ledoux beijando-se 
                                                                                                                                                                                                                        
Paisagem Imaginada 
Silêncio 



domingo, novembro 25, 2018

Domingo, 25.
Ontem ficámos circunscritos ao nosso bairro. As manifestações foram autorizadas para o Champ de Mars onde não apareceu vivalma. Impondo as suas regras, os Gillets Jaunes tomaram os Champs Elysées e a polícia carregou com água e gás lacrimogénio. Grande desordem que se estendeu até à noite, incêndios, barreiras destruídas, violência áspera. Por toda a França, as mesmas cenas. Chou Chou mandou dizer que não cede, diz que tem a maioria quando na realidade possui apenas 20 por cento. Os franceses perceberam (tarde) de que lado está o Presidente. Chou Chou desde o primeiro momento que governa contra a maioria, de joelhos diante do grande capital, da banca e dos ricos como outrora esteve prostrado à América. O princípio é este: afrontar as multinacionais é fazer crescer o desemprego, é assistir à debandada do grande capital. Como se com a globalização os interesses da minoria abastada tivessem em conta os factores sociais das populações. Que partam, que dégagés essas desumanas e egoístas criaturas. Que o povo aprenda a viver sem eles e os Estados desenvolvam políticas mais equilibradas, gastem menos dinheiro em obras de fachada, em erros estruturais, em roubos e conluios à direita e à esquerda. É isso que as pessoas exigem. E não as suas democráticas ordens ditatoriais.

         - Devido ao temor das auto-estradas cortadas, desistimos de ir passar o fim-de-semana a casa de Madame Guyollot, e no caminho revisitar Vézelay, na região da Bourgogne. A nossa antiga vizinha queria-me ver, estar comigo e daí o convite. Na impossibilidade, pedi a Annie que convidasse Francis para o almoço que eu próprio prepararia. O que veio a acontecer, mas tendo ele encomendado o foie gras e um prato delicioso a um amigo cozinheiro. Francis Vanoverbecque é a generosidade em pessoa, um vulcão vociferando ideias, frases, expressões, violência e humor. Ele a Annie não se entendem porque Francis detesta o PS, Macron, Hollande e tutti quanti; ela, apesar das coisas insanas que o Partido lhe fez, não desgruda de o defender. Evidentemente, estas ricaças (penso em Françoise) são socialistas...


         - Chove. Choveu todo o santo dia. Temperatura amena.

sexta-feira, novembro 23, 2018

Sexta, 23.
Aller! Sai da fossa e levanta o futuro! Pensa que fizeste o melhor que sabes, sem cedências nem pactos morais ou políticos, levado pelo penhor da arte que não se ajoelha diante de ninguém nem do seu próprio criador.  

         - Lanche ajantarado em casa da Eliette, rue Saint Honoré. O apartamento fica entre o Louvre e o Palais Royal, numa zona muito animada, antiga, com restaurantes por todo o lado, lojas chiques e clientela aisée. Como o vinho de champanhe encheu o serão, eu soltei-me e disse provavelmente imensos disparates. Que importa. Acresce que tinha acabado o romance na véspera e encontrei quando ia a caminho uma loja de fotocópias. Entrei e perguntei quanto me custaria a impressão das quase trezentas páginas. Surpreendido com o valor, não hesitei e em cinco minutos tinha a minha criança nos braços (em Lisboa, por idêntico trabalho, paguei mais do dobro). A reunião durou até tarde, cinco pessoas têm muita coisa para dizer, não é verdade. Fazia um frio gélido e o metro estava àquela hora à cunha. Quando entrei em casa e, sobretudo, no meu quarto bem aquecido, rejubilei de contentamento e por momentos deu-me vontade de retornar ao mesmo lugar, olhar como uma criança sonhadora as luzes, as mil luzes que encandeiam de felicidade o parisiense que cada vez mais sou.

         - Bain de bouche, traduz para a nossa língua o elixir para bochechar a boca, e lembra na sua composição duas palavras um jogo de bambino.


         - Os Gillets Jaunes como chamam aos que bloqueiam estradas e acessos às cidades, não desistiram. Para este fim-de-semana, parece que contam com a participação dos camionistas. Se assim for, Chou Chou perdeu em todas as frentes.