quinta-feira, fevereiro 29, 2024

Quinta, 29. 

A vida não cessa de nos surpreender. Deu-se o caso ontem de ter estado hoje com uma amiga de longa data à conversa durante o almoço no restaurante do C.I. onde nos encontrámos por acaso. A dada altura perguntei-lhe pelo filho que conheci quando era criança e toda a gente dizia possuir a beleza que os realizadores procuram para os seus filmes - tal a formosura que o rapaz exibia. Um amigo da família, na altura com cinquenta anos, tomou por discípulo o miúdo e entre 10 e 14 anos. O homem, amante de desporto, arrastou-o para toda a sorte de modalidades: parapente, natação, esgrima, patinagem, uma ou outra actividade mais radical. A família tinha confiança nele, mais a mais porque era vizinho e o filho com tanto desporto não iria entregar-se à droga ou a outro qualquer modo de vida que o destruiria. Quando o rapaz atingiu os 15 anos, começou a recusar acompanhar o “padrinho” apesar da insistência dos pais e do bem que o desporto lhe fazia. A partir dessa idade, subitamente, tornou-se rebelde, caprichoso, perdeu anos de estudo, não saía de casa agarrado à Internet. O tempo passou. Um dia um primo mais velho, indo o filho da minha amiga já nos 21 aos, convida-o para irem juntos a uma discoteca. Bem bebidos, o nosso Ricardo (nome fictício) começa a desabafar e conta-lhe que X. o tinha apalpado, friccionado e mais não sei o quê, durante anos. No dia seguinte, o primo desloca-se a casa dos pais do rapaz e conta-lhes o que o filho lhe tinha narrado na véspera. Confrontado, Ricardo nega tudo. Os pais, porém, associam situações passadas, comportamentos, estados de alma, coisas ditas e subentendidas e não têm duvida que X. abusou do filho. Avançam para o confrontarem, mas ele nega que alguma vez tivesse feito o que quer que fosse ao rapaz, “isso são coisas da sua imaginação”. A mãe, não é pessoa que se deixe levar e começou a desenvolver buscas e veio a saber que X. já havia feito o mesmo com outras crianças – era, portanto, pedófilo. O caso é apresentado na polícia, uma advogada é contratada e pede logo 1500 euros para tratar de levar o criminoso a tribunal. Anos depois nada. Um dia, numa conversa com amigas, uma advogada destaca-se e diz-lhe que vai tratar do assunto. De facto, meses depois a coisa começou a andar. Ouviram-se estas e aqueles, o juiz juntou provas, mas a Covid instalou-se e de novo tudo se obscurece. Até há dois anos. O tribunal volta a reunir provas e chega a conclusão que X, era useiro e vezeiro em fazer mal a crianças. Condena-o a pagar 1500 euros à vitima hoje com 35 anos, inscreve-o na listas de pedófilos e durante um ano anda controlado com pulseira electrónica e obrigatoriedade de se apresentar na esquadra todos os meses. Na sentença, o juiz, dirigindo-se a Ricardo e aos pais pede-lhes desculpa, mas devido à idade do criminoso nada mais pode fazer. Ricardo conheceu já inúmeras mulheres, casou com uma e divorciou-se, continua a ser acompanhado pelo psiquiatra. “É um belo homem, alto e bem constituído, as mulheres não o largam”, diz-me a minha amiga. Perguntei, utilizando a linguagem mais sensível que me ocorreu, se X. o havia magoado, respondeu-me que não. E logo pensei nas pobres crianças violadas por padres por esse mundo fora. 

         - A Cáritas divulgou números que falam por si e não necessitam das promessas aldrabonas dos políticos que sempre se estiveram nas tintas para o país real, nem da manipulação dos números do Instituto Nacional de Estatística para nada.  Um milhão e 200 mil são pobres e 17 por cento vive na miséria estrema. Mas estes números pecam por não contar com mais pelo menos um milhão a viver na pobreza envergonhada e faz pela vida na razia da existência. Esta vergonha social não foi construída pelo desprezo que os socialistas votaram as pessoas, é estrutural e cresceu muito com a democracia fragilizada pelas lutas ideológicas. Para os políticos que nos saíram na farinha Amaro é natural, congénita, de pouca importância. 

         - Por essa Europa forçada a viver em pleno inverno, a neve cai com abundância, o frio é  medonho, e em consequência vários mortos como em França. Por cá, na Serra da Estrela e nos pontos mais altos cai neve, o vento sopra não deixando os pobres dormir com tranquilidade. Nalguns pontos grandes geadas queimam tudo. 

         - Quem defronta mesmo as piores vergonhas e insultos, são os homens que se guerreiam pelo poder. Prometem tudo e até aquilo que não têm. Eles sabem que nós sabemos que os seus cozinhados programas de governo, não são para cumprir e a democracia não possui formas de os fazer executar – é assim há 50 anos. 

         - Vou à natação. De seguida, se os ventos vierem de feição, atirar-me-ei a roçar a erva.


segunda-feira, fevereiro 26, 2024

Segunda, 26.

Situemo-nos na história do romance de Lídia Jorge, Misericórdia. Não se tratando propriamente de uma autobiografia, nem de um diário, o facto é que como no-lo diz a autora, ele foi construído a partir de notas e, inclusivamente, do desejo da mãe que a filha viesse a escrever algo a partir das folhas A8 que a falecida tinha rabiscado durante os dois últimos anos de vida no lar de terceira idade Hotel Paraíso.       

O fascinante deste romance, é que mãe e filha nele coabitam, melhor dizendo, as duas escrevem-no como se a mãe contasse à filha a sua história e esta respondesse recriando uma relação que nem sempre conheceu dias felizes.         

Abro um parêntesis, para informar os leitores pouco afeitos às questões da literatura, que normalmente um autor está mais exposto, mais inteiro, no romance do que no diário. Do diarista devemos desconfiar, e provas não faltam ao longo dos tempos, já do romancista precisamos de desvendar muitos dos seus mistérios e quase sempre a sua verdade e idiossincrasia está exposta àqueles que o lêem, largados à vida com seus delírios e paixões que acodem à nossa atenção e se expandem de página em página. Diria que o diarista constrói-se a si mesmo; o romancista expõe-se através das personagens e da trama que forma os alicerces do romance. 

Assim falando, Lídia Jorge oferece-nos um bloco familiar que é de todo o oposto ao mundo cristão da família concebido pela Igreja, à hipocrisia que ronda o núcleo familiar, com fachada e retaguarda, modos e linguagem de ligação a um quadro social fantasioso. Escrito, como só uma mulher era capaz, com uma extrema sensibilidade, afecto íntimo, doçura nas palavras e nos actos, que nos envolve e estimula o que há de melhor na humanidade.        

Os 71 capítulos, sem contar com o posfácio, narram os dias, felizes e infelizes, da mãe no lar com o nome pomposo de Hotel Paraíso. Aí aguardam a morte quase uma centena de homens e mulheres com primazia destas, às ordens de Ana P. de Noronha a directora, e um quadro de assistentes, mulheres e homens, que está sempre a girar por cansaço, mesquinhices, ordenados de miséria. Maria Alberta Nunes Amado, dita Alberti, tudo anota de uma actividade indolente, quantos falecem e deixam o Salão Rosa, o rumor invejoso de uns e outras, os velhos da Sueca que ostracizam o jovem imigrante marroquino Ali Abdul apenas porque, contou ele a Alberti, “a mulher é para marier, o rapaz é para aimer, a cabra é para o plaisir, mas também os amores que se estabelecem e crescem entre Dona Joaninha e cada um dos recentes vistosos anciãos que entram no lar ainda com fôlego amoroso para o sucesso.          

Alberti como a maioria das suas companheiras, a aristocrata dona Rita de Lyon, dona Joaninha a namoradeira, dona Luísa de Gusmão, dona Plínia com cem anos, ali está, ali desembarcam todas não por vontade própria, por escolha ou decisão consciente e imperativa, mas porque o destino lhes outorgou aquele fardo final pesado de carregar contra a existência que se recusa a obedecer ao que sempre havia sido.          

Dona Alberti tenta escapar por entre as sombras humanas que enchem o lar, almoçam e jantam juntas, dormem em quartos de duas e quatro camas, num quotidiano onde cada qual tenta disfarçar alcançando voos muito distantes dali. No caso de Maria Alberta Nunes Amado, a evasão faz-se pelo espírito, entregando-se ao sonho, atravessando a janela do seu quarto, para rever a fímbria marítima que se avista do terceiro piso, num Algarve pronto a acolher turistas vindos dos quatro cantos do mundo; aguardando pela visita da filha sempre ausente em viagem; recordando as árvores e as flores do seu jardim na casa familiar deixada para trás, como para trás deixou tudo menos os sonhos, as recordações, o que ficou por dizer, o que cala para todo o sempre. Algumas dessas mágoas regista-as nas folhas A8. Tem aquele hábito de seguir a filha, escritora, de passar para o papel tudo o que de importante acontece dentro daquelas quatro paredes, outrora um hotel.        

Curiosamente ou talvez não, pouco frequentado pelos familiares que ali depositam os seus entes e se esquecem que eles continuam a existir embora vestidos com a estamenha da morte que é a velhice. Entre si, aquele mundo vegetativo reinventa-se, conta-nos outra história paralela à outra que viveram fora daqueles muros impregnados da certeza do fim – a formidável história de prosseguirem vivos renasce para os levar a  aceitar não só a finitude como o renascimento da vida através das recordações e das fragilidades, das doenças e do vazio habitado pelos pensamentos que não contam a ninguém. Maceram as horas, os dias, os anos... O tempo parece tê-los pendurado no que lhes resta do muito que já não possuem.

Eis senão quando entra o sargento João Almeida. Vem sem farda, de bengala, mas conserva a elegância e usa telemóvel. Não só dona Joaninha se precipita sobre ele, como Alberti que vive na obsessão de saber qual a capital do Azerbaijão. A lonjura aproxima aquela comunidade de gente alheia ao exterior, que se arrebata com o futuro a acontecer na palma da mão do ex-agente da autoridade, o sentimento que o saber é eterno e como eterno pode sobreviver à morte e cerca todos os estratos socais que ali coabitam. Para dona Joaninha ele é o homem formoso, cheio de charme que lhe interessa; para dona Alberti a magia que exibe ao toque no aparelho; para os homens (poucos) o companheiro da sueca no grande salão da residência ou lá fora no jardim quando faz bom tempo. Todavia, o que de mais íntimo nos chega, está plasmado nas folhas amachucadas que dona Alberti guarda debaixo do travesseiro. “O meu espírito, por mais confinado que seja o percurso do meu corpo, até agora, verdadeiramente, não conhece prisão. Esta é a minha casa, mas o mundo lá fora é o meu espaço real.”          

Forma de falar. Porque quando chega o SARS-COV2 e tudo e todos se vergam a um minúsculo vírus escapado pela loucura do homem, o Hotel Paraíso fecha portas e janelas, o jardim é invadido pelo silêncio, as ruas desertas, os funcionários do lar vão desaparecendo um a um, os velhos e velhas circunscritos e isolados uns dos outros, nas ambulâncias seguem os que foram ceifados pela doença cruel, toda uma multidão de gente veste-se como astronautas e a vida parou no meio do mundo abstracto onde agora não se vê vivalma. 

Dona Alberti está atenta a tudo isso e regista nas suas folhas o fim de um mundo outrora risonho apesar de alimentado por ódios, ambições, deserções. “A vida é movimento, quem mais se agita mais vive. A vida é fome, sobrevive quem mais come. A vida é bruta, vence quem mais luta.”

Até que um dia, as janelas e portas da residência abrem-se, as cadeiras aparecem sob as árvores do jardim, novos colaboradores dão entrada na instituição, a vida retoma o seu ritmo lento de quem é comandado e só lhe resta obedecer, porque essa é também a missão da noite que afoga dona Alberti de sobressaltos, sonhos vadios, tumultos e negrumes que ela ousa enfrentar e depois desesperada tenta antecipar o seu próprio fim. “Então a noite, essa noite sem forma animal nem humana, apenas escuridão e voz, perguntou – Chora, chora, porque não choras? Eu respondi: Porque sou forte, porque não me rendo, porque não tenho medo da noite, nem de cair no vazio que a sua forma sem forma mostrava na escuridão, mas o meu corpo, sim.” 

De nada serve dona Mariline, a líder do grupo de cantoras que apareciam de vez em quando para lhes levantar o moral e erguê-las até ao Criador. Ela, Alberti, agarra-se a Lilimunde, a empregada brasileira sua irmã em destino e salvação, explorada mas sempre confiante, alegre, enfrentando a vida que se estilhaça a seus pés. E também a mensagem que lhe deixou antes de morrer o senhor sargento João Almeida depois de a informar que Baku é a capital do Azerbaijão: “Dona Maria Alberta, mande sempre. Tenho toda a informação de que precisa no meu telemóvel.”

Ali “tudo o que acontece, acontece pela penúltima ou mesmo pela última vez”. Que importa quando tempo, como a poeira, assenta para reviver a memória nas páginas de um livro transformado numa obra de arte, intemporal, fascinante e original, que só um autor maduro consegue projectar e que a morte, essa noite escura como breu, jamais sepultará. Apetece dizer, depois de uma obra deste quilate, tudo o resto “é lixo”. 




domingo, fevereiro 25, 2024

Domingo, 25.

Eufemisticamente os nossos jornalistas dizem que a campanha para as próximas eleições começou hoje. A verdade é que António Costa à frente da banda dita socialista, nunca por um só dia deixou de fazer propaganda a propósito de tudo e, sobretudo, de nada. A lata do seu Vasco Gonçalves chega a ser patética. Ou será que o homem não se enxerga, vive noutro planeta, ou desembarcou aqui vindo do fim do mundo onde o socialismo ensaia os primeiros passos. Seja como for, pela parte que me toca, não vi um único debate, entrevista, mesa de redonda, comício, arruada nem conto fazê-lo até ao fim da gritaria. Há anos que não voto, descrente desta democracia saloia que tanto atrai os incautos. Desta vez irei fazê-lo com uma única intenção: afastar por vinte anos os socialistas do poder. Portanto, exercerei o voto de protesto fazendo a cruzinha num dos pequerruchos partidos – mas nunca naquele que tem consistentemente um por cento. 

         - Justamente. Porque falei no bicho, pensei no peditório para a Cáritas que julgo estar em curso. Ouvi na RTP1 um respeitável senhor com alto cargo na Organização, dizer que dispunha apenas de 200 mil euros para acudir a centenas de necessitados. Logo o socialismo me veio à lembrança, o verdadeiro, não aquele que exerce o senhor Pedro Nuno Santos, aqui apelidado de Vasco Gonçalves. Pois o homem, vivendo em Lisboa há uma data de anos, disse na folha da Assembleia Nacional que a sua residência era na santa terrinha lá para o Norte e, nessas condições, deputado por excelência, recebe ajudas de custo. Sabem quanto? Precisamente o montante que a Cáritas dispõe para matar a fome aos cada vez mais pobres que o seu socialismo criou. 

         - A esquerda deles anda revoltada por o Chega em meia dúzia de anos estar já na terceira posição da confiança dos portugueses. Em vez de se revoltar, devia perguntar-se a quem se deve assacar responsabilidades de um tal mérito, num partido sem ideias, sem programa, vivendo do oportunismo populista, da frustração das pessoas e das mentiras que a esquerda continua a apregoar como se os séculos não tivessem passado e estarmos hoje, mulheres e homens, no século XIX.  

         - Por todo o lado há um despertar das consciências que nada tem a ver com ideologias antes pelo contrário, estas querem apropriar-se do fenómeno. Falo do movimento dos agricultores, mas também podia falar da tomada de consciência dos jovens (certos pelo menos) relativamente ao nosso Planeta. Os que trabalham a terra, até hoje, foram escravos das grandes empresas distribuidoras e supermercados. São eles que nos alimentam, mas para o fazerem passam mal, vivem pobres, sujeitos ao clima e à loucura dos lucros daqueles que não sabem o esforço do trabalho de sol a sol, oito dias por semana, trezentos e sessenta dias por ano. Por isso, contaminados uns pelos outros, em vários países da Europa como noutros continentes, não largam a rua em protesto por uma vida digna. Julien Green dizia que não conhecia um só editor pobre, mas sabia de muitos escritores a viver na pobreza. O mesmo se pode constatar com os homens que cultivam a terra. Eles fizeram a guerra por eles, entre eles, sem apoio de centrais sindicais, partidos ou associações disto e daquilo, enfrentam os governos e sabem hoje a força que possuem. Glória lhes seja feita. Até a União Europeia vergaram – e bem com saber e revolta. 

         - Passei uma parte do dia à roda dos tachos, confeccionando dois pratos no forno e uma sopa tudo para arquivo e consumo ao longo da semana. 


sábado, fevereiro 24, 2024

Sábado, 24.

Passam hoje dois anos sobre a invasão da Ucrânia pelo fascista ditador da Federação Russa Vladimir Putin. Apoiado por todos os outros monstros que reduzem os seus povos à escravidão, aos maus-tratos, à morte e à prisão, com a benevolência ou o medo dos países democráticos, o encolhimento da UE com seus dirigentes medíocres e titubeantes, num mundo em eleições por todo o lado e, nessas condições, a coçar a sua barriga, o monstro tem conseguido avançar precariamente quando comparado com o projecto de meia dúzia de dias que era o seu para tomar todo o país. Deste contexto e do mundo inteiro, ressaiu um homem valente, decidido, jovem e crente em valores morais e éticos, determinado e só, lutando pelo seu povo e por todos nós, um líder que se distingue dos demais pela ousadia, fé e confiança na liberdade: Volodymyr Olexandrovytch Zelensky. Enquanto a Rússia recebe 1,2 milhões de munições do boneco de borracha da Coreia do Norte e outras ajudas do Irão, num “rácio de 12 para 1” (palavras de Mykhailo Podolyak conselheiro do Presidente ucraniano), e as ajudas dos EUA, da UE são escassas e só lamentos e promessas têm adiantado, à excepção da Alemanha e Reino Unido, Japão e países nórdicos, a Ucrânia, apesar do abandono e das lágrimas de crocodilo, resiste heroicamente à barbárie do facínora Putin e dos seus amigos do PCP e outros quejandos espalhados pelos países subdesenvolvidos da África e América Latina. Isto mercê (volto a citar o conselheiro de Zelensky ao Público) “das influências e a corrupção da Rússia sobre os países europeus, através das suas redes que trabalham com o pretexto da cultura, ciência, negócios, difundindo as suas narrativas. Outro factor é a impreparação psicológica para se perceber que esta guerra não se trata de território (pense bem leitor no que se segue), mas sim de respeito pelas regras.” Só mais uma nota para recordar que os idiotas François Hollande e Nicolas Sarkosy no seu tempo, embrulhados em negociatas com a Rússia e a China, pensaram pôr os Estados Unidos de parte. E quem não se lembra da ingenuidade de Emmanuel Macron quando julgava ter poder sobre o tirano russo se deslocou a Moscovo e falou dezenas de vezes com ele ao telefone, humilhando-se e humilhando os europeus, pondo, inclusivamente em causa a NATO alinhando com o louco fanfarrão Donald Trump. Biden foi mais assertivo, chamando a Putin “filho da puta”. Este é cá dos meus.   

          - Cruzes, chega de médicos! Ontem estive com a médica de família e um seu aprendiz, um jovem clínico interessante, que me fez lembrar a personagem principal do meu romance O Pesadelo dos Dias Felizes, recusado por duas editoras, com a palmatória da censura, “o tema não se adequa ao nosso catálogo”. Ambos de uma simpatia que se eu estivesse a morrer ressuscitaria de imediato. Levei-lhe a quantidade de exames – análises, receituário médico, observações do cardiologista, electrocardiograma, eco ao fígado e abdómen, dois novos medicamentos propostos pelo afamado professor do coração – e depois de tudo visto e discutido entre eles comigo sempre a entremeter-me, o diagnóstico foi idêntico ao do cardiologista: “O senhor não tem doença nenhuma, os exames estão óptimos, e apenas precisa de não se emocionar. Volte cá para Maio com os dois exames: M.A.P.E. e exame de esforço como o cardiologista pretende.” Rindo-se: “E não se esqueça do comprimido para a tensão todos os dias.” “Que vou tentar substituir por um complemento alimentar” – acrescentei.  

         - Bons momentos em casa da Glória e Raul. Um excelente bolo de maçã e mel com um chá de ervas, à lareira, a conversa a fluir por duas boas horas. 


quarta-feira, fevereiro 21, 2024

Quarta, 21.

Os médicos privados e não sei se os públicos, criaram uma fórmula muito curiosa para se desembaraçarem das perguntas incómodas dos seus pacientes: se se trata de uma pessoa mais idosa que se queixa de qualquer mal a necessitar de resposta convincente, eles despacham-na “isso é da idade”; se se trata de um jovem lançam “isso é uma virose”. E assim a medicina vai dando fabulosos lucros a toda a gente menos aos doentes. 

         - Esta norma actual, vem do desprezo que António Costa teve enquanto governante pela saúde. Como diz Luís Montenegro e bem, nos últimos oito anos construíram-se 23 hospitais privados e zero públicos. Costa não fez nada que jeito tenha, e o pouco que fez foi empurrado pelos protestos das vastas camadas sociais: professores, médicos, enfermeiros, polícias, guardas prisionais, agricultores, funcionários públicos, habitação, etc. O Vasco Gonçalves do PS, como se nunca tivesse feito parte da equipa governamental, promete mundos e fundos, diz que vai fazer isto e aquilo, e o que todos perguntam é se o homem não é socialista, não esteve no governo, não votou leis ao lado de António Costa e não contribuiu para a paralisia do país.

         - A propósito pois que há leitores que felizmente se interessam por mim. Na segunda-feira lá fui ao cardiologista que me recebeu fora do seu horário habitual de trabalho e por isso lhe estou grato. Levei-lhe a taleiga de análises e exames que a médica de família pediu. O clínico analisou tudo cuidadosamente, auscultou-me, fez um electrocardiograma, conversou muito tempo comigo, para concluir aquilo que eu sempre dissera: o que tive foi um pico de tensão por ser uma criatura muito sensível. Escapei, provavelmente, de um AVC devido ao escape do derrame sanguíneo pelo nariz. Mas aparentemente não há doença nenhuma, as análises estão impecáveis, até o colesterol desceu substancialmente apenas com o Danacol – acordo que fiz com a cara Dra. Vera Martins do Centro de Saúde. Conclusão: o que preciso é de controlar a tensão arterial. Mas dizia eu ao médico, se a escrita me altera dos pés à cabeça! Então ele teve uma ideia: passou-me um laxante para dissolver debaixo da língua antes das duas horas de trabalho, o meu querido Valdispert “é muito fraquinho”. Trata-se de coisa – diz ele e eu acredito – inócua. À parte isto: vou lá voltar daqui a dois meses para um M.A.P.A. de 24 horas e uma prova de esforço que disse querer ser ele mesmo a fazê-la. 

         - Contudo, para se perceber no que a pouco e pouco o Hospital da Luz se transformou, quando lhe expliquei como fui atendido em trinta minutos, rápido e eficiente, mas com o médico de serviço a dar-me um comprimido de longo efeito na descida da pressão e a despachar-me com a ordenança de ir vigiando a tensão e mais nada era preciso fazer. “Se a tensão continuar a subir, volte cá.” Tive eu de insistir me desse algo que me protege-se de outro susto. Ele receitou-me então Amiodipina 5 mg. (que estou já a tentar substituir por um produto natural), adiantando que não tomasse logo. Tudo isto expliquei ao cardiologista que retorquiu com indignação “Ele apenas fez isso?”

         - Não há que admirar. Naquele mesmo hospital quando lá levei a Piedade, o clínico que a atendeu, fez uma série de exames que custaram uma fortuna e não serviram para nada ou antes obrigariam a que ela lá voltasse porque, claro, só dias depois eles estariam disponíveis. Foi lá o neto buscá-los e como ela não tem médico de família e os dois centros de saúde daqui não a receberam, eu consegui um médico na Quinta do Anjo que leu os exames e a medicou em consonância. Quanto a ela como a mim, o que o hospital queria era facturar 95 euros duas vezes! A saúde está transvertida num negócio das arábias. Quem tem dinheiro sobrevive, quem não o tem vive em sofrimento e morre abandonado. Pode-se dizer que os socialistas são criminosos no modo como governaram o país.

         - Passei uma hora a roçar erva de metro de altura. Nenhum cansaço, mas cuidava que a tensão devia estar como a daquela senhora janota do Centro de Saúde nos 26. Não: 13,1-6,7. Oh! 


domingo, fevereiro 18, 2024

Domingo, 18.

Vou ser breve como breve é a vida. Pondo de lado a política caseira que é confrangedoramente insignificante, não suporto o sufoco do assassínio de Alexei Navalny às ordens da cópia para pior de Estaline. Por ele fui esta manhã assistir à missa na igreja dos Navegantes, em Setúbal. Que descanse em paz, longe do carrasco que lhe tirou a vida. E que a liberdade que o levou à morte, seja brevemente instaurada na Rússia morto o algoz. Que os regimes democráticos hoje atacados por esta escumalha de autocratas, resistam não só a eles como à corrupção que está sempre do lado do poder qualquer que ele seja. 

         - Ontem fui almoçar ao 1900 o meu restaurante de uma vida. Na sala duas alas de professoras com t-shirts pretas, reunidas em confraternização. O barulho era tanto que comi à pressa e desandei. Antes de deixar o estabelecimento, disse-lhes que as pessoas bem educadas não gritam, falam baixo e não incomodam quem está por perto com as suas estridentes vozes. Elas iam integrar mais tarde a manifestação contra as condições degradadas do ensino socialista. 

         - A esse propósito, ocorre-me perguntar: se o novo secretário-geral do PS, senhor Vasco Gonçalves, perdão, Pedro Nuno Santos recebe por estar deslocado da sua santa terrinha para cima de 200 mil euros de ajudas, por que razão os professores destacados para fora das suas permanências habituais, não têm direito ao mesmo subsídio de deslocação? 

         - Ontem, antes de deixar o C.I., fui viajar pela vasta livraria do andar de baixo. Inevitavelmente em mim, não resisti à tentação e trouxe comigo  o recentíssimo romance de Valter Hugo Mãe, Deus na Escuridão e Uma História Partilhada de Júlia Navarro. 


sábado, fevereiro 17, 2024

Sábado, 17.

Coisa maravilhosa: pela primeira vez depois do meu susto, entrei no romance a avancei meia página. Teria estado no Corte Inglês uma hora a trabalhar antes de a foule surgir de todos os lados inundando o rés-do-chão até então vazio do vozeirão à portuguesa, quero dizer, aos gritos. Cheguei a Lisboa muito cedo, o computador na mochila, para levantar os exames que devo levar segunda-feira ao cardiologista. Pelo vi, nada de especial a assinalar, todos os parâmetros estão nos conformes e até o colesterol desceu sem sinvastatinas, apenas com o Danacol. 

         - Putin, depois de mandar matar o seu adversário, não quer entregar o corpo de Navalny como lhe pede a família. Mesmo morto, o tirano entende que tudo lhe pertence, a vida e a morte, o corpo e as dores dos entes queridos, mulher e dois filhos. Este fascista deve morrer em breve.  

         - Por cá é a mediocridade habitual. O mundo fervilha na iminência da hecatombe, mas os nossos políticos entregam-se a coisinhas, a blasfemiazonas, a ódios de estimação, a alienação partidária, ao faz-de-conta, ao trivial de promessas, ao brouhaha que nada diz nem acrescenta de essencial, aos insultos, num espectáculo degradante que vai deixar em casa a maioria dos portugueses por não haver gente competente, séria e à altura do país. Eu não vi um único debate televisivo e não senti precisão. Aprendi com os jovens a alhear-me desta gentalha vaidosa, convencida, vulgar e nas tintas para as pessoas. Portugal não vai ficar bem entregue a nenhum deles - infelizmente. 

         - A corrupção vai continuar e até aumentar com truques refinados que escapam ao olho do juiz. Como agora com o triste escândalo da Madeira que envolveu empresários e políticos e fez cair o Governo. Três arguidos foram detidos mais de duas semanas, por a PJ ter encontrado nas suas residências envelopes no montante de 679.500 euros. De súbito, os três da vida airada, são soltos porque o juiz de instrução, um tal Jorge Bernardo de Melo, entendeu não haver indícios de crime. Afinal de contas, qualquer cidadão pode ter em casa ou na sua posse o montante em notas que quiser. De onde veio tal importância? O doutor juiz não tem nada a ver com isso. E pronto. Melhor: e “prontos” (para falar como eles). Os políticos, nomeadamente, António Costa que repetia à exaustão “à política o que é da política, à Justiça o que é da Justiça”, querem agora refazer por conveniência todas as estruturas do Código Penal e da Procuradoria da Justiça. Há mais de vinte anos que eles andam a falar na reforma da Justiça, mas não o fazem porque a corrupção que eles sustentam não deixa. Eles são os principais interessados em protelar tal iniciativa. 

O rapaz era fresco. Dizia-se ao tempo que uma photomaton assim produzida, era obra de um tipo peneirento.  


sexta-feira, fevereiro 16, 2024

Sexta. 16.
Não sei o que deu à Gi. Todos os dias envia-me fotografias dos tempos em que a beleza me invadia e a vida corria solta pelos becos mal afamados da minha inquietude. Ver-me nestas fotos é admirar um passado acelerado, sem escolhos, entregue à loucura da liberdade sem freio, ao destino incerto prodigalizado pelas longas horas dos dias e das noites eternas. Segundo ela, este espólio, pertencia à minha saudosa irmã que me estimava como um filho, devido aos quinze anos de diferença que tínhamos. Sem ela, não teria recordação desses tempos revolutos, dessas tardes belas e desassossegadas, passadas na Rádio Universidade a gravar o programa Nova Musa. Este era emitido aos domingos de manhã, tinha sonoplastia do João David Nunes e a gravação do Jorge (não recordo o apelido). O Zé Nuno Martins, anunciava-o assim: “Segue-se o programa Nova Musa do catedrático Helder de Sousa.” Lente ou não, o facto é que me empenhava em fazer um trabalho digno que durou, se bem me lembro, quatro anos e foi premiado como o melhor da estação. A medalha que recebi deve andar por aí perdida.

Na cabine de gravação apresentando o meu programa.

         - Não me conformo com o que se passa na Palestina. Os mortos passam já dos 20 mil e destes 11 mil são crianças. O ditador israelita, anuncia para breve o ataque final ao que resta dos ternos palestinos. Ninguém consegue detê-lo e só se ouve a voz vibrante do secretário Geral das Nações Unidas, António Guterres. Netanyahu que engendrou toda esta chacina, devia ser condenado no Tribunal Internacional dos Direitos Humanos. É compreensível que o ódio aos judeus cresça por todo o lado – isso deve-se ao corrupto primeiro-ministro e ao seu ominoso ministro da Defesa Yoav Gallant. 

         - Quando estava a concluir esta página, entra-me a notícia da morte do opositor ao ditador Putin, Alexei Navalny. Vem da plataforma X, da página do ministro dos Negócios Estrangeiros Português, João Cravinho: “Presto homenagem a Lexei Navalny que resistiu ao regime de Putin e lutou pela democracia na Rússia. Putin, que exerceu o seu poder arbitrário prendendo-o em circunstâncias cada vez mais draconianas, é responsável pela sua morte. Condolências à família e ao povo russo.” Um facínora morre com as mesmas armas que mata – assim acontecerá não tarda à besta que o mandou assassinar. Não entendo, não posso entender, porque razão o PCP louva uma monstruosidade desta espécie.  

quinta-feira, fevereiro 15, 2024

Quinta, 15.

Vou refazendo os dias como eles eram antes do susto. Ontem, tendo chegado à Avenida da Liberdade pelas nove da manhã, logo me enfiei numa clínica para a série de exames que pedira à minha médica de família na tentativa de descobrir a razão do pico de tensão na noite de 2 para 3 deste mês. Bateria de análises ao sangue, ecografia ao abdómen e rins. Parece que tenho este ligeiramente gordo, eu que sou magro, vinga-se o filtro em engordar. Bref. Desci depois do Marquês de Pombal, a pé, toda aquela artéria até à Brasileira, um pouco atordoado pelo que ia descobrindo de transformação. Perdeu toda a graça de antanho. Antes, somavam-se num cruzamento maravilhoso, todo o tipo de lojas, para todas as bolsas, pequenas e grandes, abastadas e simples, numa variedade original que a humanizava e levava o passante a espreitar para dentro de cada capela enfeitada ao gosto e riso do proprietário e graça da empregada. Pequenos cafés desciam connosco, a par de uma ou outra pastelaria fina e raro estabelecimento de moda com marca de luxo. Ao centro, havia esplanadas sempre muito animadas que se alongavam pela noite fora, num convívio onde não faltava o bota a baixo ao regime escutado por algum pide de serviço. Havia cinemas, teatros, botequins onde se bebia excelente ginjinha e os apreciadores à porta em animadas discussões sobre os seus clubes de eleição, ervanárias, retrosarias e casas de electrodomésticos. Restaurantes para todas as bolsas de um lado e outro da avenida, assim como lojas utilitárias, pensões baratas, prostitutas descendo das laterais até aos passeios largos da larga alameda. A beijar os extremos de ruas e becos que nela desaguavam, bares gays em abundância, sempre animadíssimos, onde iam pela calada da noite os homens do regime e mais tarde os da democracia. A faca na liga atraía essa fauna de homens na maioria casados por disfarce, infelizes e carentes, que tinham nas porteiras e nas serventes a informação precisa do perigo de engatar este ou aquele. Eu muitas vezes, saindo do jornal que ficava no Rossio, depois da uma da madrugada, entrava nessas fascinantes catedrais do pecado e da perdição ou nas marisqueiras onde os “senhores de posição” levavam os chulos e os rufias a jantar antes do delírio da descoberta de corpos decerto sujos e nauseabundos, mas impregnados do cio que saboreia as horas e adormece o corpo na inquietação do perigo. Havia entre essa gente “importante”, quem obrigasse os rapazes da vida airada a um duche antes do envolvimento sexual. Eu escutava toda essa ladainha dos adolescentes cheios de vício, que iam com este e aquele, e transmitiam entre si os apetites sórdidos da clientela com nomes sonantes da nobreza à política. Até ao raiar da manhã, a Avenida da Liberdade era uma passarela onde desfilavam lado a lado, putas e prostitutos. Desciam do Parque Eduardo VII onde a festa começava logo ao cair da noite, entre os arbustos e o fosso do Jardim de Aclimação, com os carros a passar e a fazerem códigos de luzes como flaches a arder na noite escura. Era pegar ou largar. Se o preço e o aspecto convinha, por precaução, a coisa fazia-se ali mesmo, no banco de trás, um suspiro breve, uma dor instantânea, um sopro de liberdade. E toca a andar, venha o senhor que se segue. Toda esta animação, só adormecia assim que o dia raiava para retomar mais tarde quando as sombras da noite aspergiam do céu a inquietação dos cantos e recantos, vielas e becos, que deitavam para a grande avenida hoje morta pela veracidade do lucro, as lojas chiques, a preços mais elevados que as suas congéneres de Paris ou Nova Iorque. Olhei uma lateral e outra, e só vi o vazio que a riqueza e o luxo semeia, satisfaz mas nunca sacia. Àquela hora da manhã, não se via vivalma dentro dos estabelecimentos, porque, talvez, é ao fim da tarde ou pela calada da noite, que dos carros de alto coturno, descem os novos-ricos que a democracia criou: jogadores de futebol, políticos e empresários da candonga, africanas vaidosas e inchadas, dondocas que se deitam com esses monstros de corpo e alma, assassinos, ladrões do género José Sócrates, todo um mundo inútil que malbarata a fortuna em merdelhices que qualquer pessoa minimamente culta despreza. Entrei numa loja de decoração e saí espavorido com o mau-gosto, a saloiice, perguntando-me quem em seu perfeito juízo compraria aquele sofá, aquele canapé, aquela musselina estampada de um horror de meter medo ao diabo. 

         - Chegado à Brasileira já lá estava o João à minha espera. Ficámos como é nosso hábito em amena cavaqueira até perto da hora e meia, altura em que levantámos amarras para um restaurante em Alvalade, O Bistro, que eu não conhecia. Antes porém, perto de nós no café do Chiado, todo ele hoje armado a internacional, repleto 360 dias por ano (Natais incluídos) de turistas, pagando com os olhos da cara, duas simpáticas raparigas (julgo italianas) jogavam às cartas. Delícia suprema pelo inusitado e por aquele golpe que sem querer introduz um toque de familiaridade e provincianismo num mito de excelência. 

         - Quando entrei no O Bistro, tive a sensação que o tempo tinha voltado para trás, para esses anos loucos entre as duas Grandes Guerras. A dona do estabelecimento, vestia à moda dos Anos Vinte, a decoração viajava por lá, a clientela igual, só a cozinha pertencia aos tempos presentes com preocupações bio, sem aditivos, os legumes em primazia e a simpatia e acolhimento em lugar de destaque hoje uma raridade. João fez incursões ma non troppo, pela política e no conjunto das horas a harmonia reinou para meu bem não fosse a tensão aumentar. 

Aqui tudo é saudável. 

         - A pobre Piedade lamuriou por aí hoje manhã e tarde. Tento fazer o que posso por ela, mas não sei se o que realizo ela compreende e aceita. Fiz meia-hora de natação. Tensão mantem-se nos 13,6-7,1. Gastos horas nesta palração, mas ainda não entrei no romance. 


terça-feira, fevereiro 13, 2024

Terça, 13.

Não estamos sós. Cada vez mais radica em mim a certeza de que algo ou alguém nos orienta e nos protege. Eu costumo dizer que quem crê nunca está só. Não vou citar quantas vezes na minha vida esta certeza se cumpriu para não parecer uma daquelas beatas de missas e persignações e nenhuma atenção ao outro e total indiferença à caridade cristã como intimação principal da vivência da fé. Contudo, se me permitem, conto o que este susto de que tenho falado aqui, tem sido para mim um impulso de exultação. Não só porque passei a amar mais intensamente os dias, como me debrucei na atenção a tudo o que me rodeia ou levita no espaço e no tempo que me coube preencher no afogo do imprevisto. 

Comecemos pelos amigos. Eu julgo sempre, dada a minha natureza, digamos, secreta e solitária, que não os tenho. Porque, nas sociedades modernas, o solitário é um hilota que não integra nenhuma espécie de convívio onde quase sempre o vazio impera e a falsidade vibra. Há num punhado de gente a festejar a união da amizade, qualquer coisa de estranho, um fulgor de aridez, muitas vezes de patetice, por onde não perpassa nada de substancial porque, dizem, a vida é para ser vivida no folguedo da festa sem objectivo, a festa pela festa, na alegria e no convívio, sem pensamentos nem temas que possam conflituar com a reunião heterogénea que fora convocada. Eu sou dos que privilegio o diálogo face a face, sem hora, onde os temas são despejados entre mim e o outro e os segredos se soltam na liberdade de duas almas irmanadas nos mesmos interesses e objectivos. Tudo o que ali se diz é sagrado porque vem directo do coração, na confiança e identificação que as grandes amizades não dispensam e o tempo sepulta no sacrário que incorpora o momento e a recordação.  

Assim, devido ao sobressalto que tive, fui beneficiado com a chegada de um amigo íntimo de outrora que, pelo que percebi, é meu leitor sem que nunca se tivesse manifestado. Um outro, optando pela mesma técnica do Luís P. A., recorreu ao Facbook para me encontrar, e surge do nada num momento crítico para mim. Sem falar naqueles que todos os dias telefonam, especialmente o João Corregedor, a Alice, a Maria José, Fr. Hélcio... A todos o meu reconhecimento. 

Depois vêm as tais circunstâncias inexplicáveis, como aquela de haver telefonado para o consultório de um cardiologista célebre para marcar consulta e ter recebido a informação de só para Outubro haveria vaga! De seguida fico, vá-se lá saber porquê, à conversa com a secretária do ilustre clínico. A dada altura, de súbito, a chamada é interrompida. Volto a tentar e de imediato encetamos uma conversa sobre livros, autores. Eu digo-lhe que estou convencido que nada tenho no coração, que o que me aconteceu não passa do impulso que a escrita provoca em mim, ao ponto de me invadir o corpo inteiro. Ela pergunta-me o meu nome. Silêncio. Grande silêncio. Penso que desligou, não ela está do outro lado e diz-me que o meu nome não lhe é estranho. Surpresa da minha parte. E logo: “Esteja descansado que eu vou falar com o Dr. R. e depois volto a ligar-lhe.” Fê-lo à meia-tarde para me dizer que tenho consulta marcada para o início da próxima semana. 


segunda-feira, fevereiro 12, 2024

Segunda, 12.

Não preciso de emitir opinião, basta transcrever o que o Público publicou para se constatar que tudo quanto o Vasco Gonçalves do PS apregoa, não passa da eterna propaganda socialista, inventada por António Costa, apoiada por Marcelo Rebelo de Sousa e rubricada pelos acólitos que entraram nas diversas esquipas governamentais. Referiu o jornal o escândalo do tráfico de seres humanos para a agricultura e 41 criminosos foram acusados pelo Ministério Público de exploração e condições de vida inumas, sobre pessoas merecedoras do nosso respeito por terem vindo ajudar ao desenvolvimento do país. Uma testemunha referiu à Polícia Judiciária que os pobres trabalhadores “pareciam leões a atacar a comida”, um frango para não sei quantos. 

A foto fala por si. 

         - Faleceu Robert Badinter. Um grande homem, um judeu respeitado, um político honesto o que vem sendo raro, um homem de cultura, um humanista de primeira água. Fez parte do Governo de François Mitterrand e foi graças a ele que a pena de morte foi abolida em França. Conheço algumas das suas obras, entre elas, o ensaio sobre a vida dos pais e, sobretudo, da avó que imigrou para França no início do século passado. É um testemunho não só histórico como autobiográfico. 

         - Trump acaba de encorajar o ditador da Federação Russa, a “fazer o que quisesse” com os países devedores à NATO. Chamou-lhes delinquentes onde Portugal se inclui. A democracia está cada vez mais fragilizada por todo o lado, desde que entrou nela o poder do dinheiro em desfavor dos conceitos éticos, humanos e ontológicos. 

         - O reino do futebol está a ferro e fogo. Deixaram que as coisas avançassem, que tudo lhe fosse permitido, que nele se acoitassem os políticos manhosos, que o dinheiro entrado a rodos substituísse os nobres valores desportivos e fosse o atractivo maior de qualquer analfabeto sem condição nem educação, transformado em rei e senhor de um vasto império de gente tresmalhada. O resultado está à vista. O crime cresceu. Os tribunais disparam mandatos de prisão, a trafulhice atravessa transversalmente todas as classes sociais. Talvez no meio disto tudo, os jogadores não passem de simples escravos bem pagos. Os que o são. 

         - A minha sobrinha decidiu desenterrar o álbum de recordações e agora, a cada passo, traz-me de volta a minha juventude que me surpreende pela elegância e  beleza. São fotos que eu desconhecia existir e nunca havia visto.  

Que sermão era o meu e onde nesta idade? Mistério

No meu quarto já nesta idade rodeado de livros. 

         - António Costa ao abrir a caixa de Pandora, não imaginava o que dali saía. Os primeiros aumentos aos agentes de MP, despejaram nas ruas os protestos de uma quantidade de forças de segurança: PSP, GNR, bombeiros, oficiais de Justiça, médicos, enfermeiros, pessoal auxiliar, guardas prisionais, e passo e passo porque as cidades estão inundadas de protestos que ele diz não poder satisfazer porque está de saída. Será que no íntimo ele não percebe o desastre que foi a sua governação com maioria e oito anos com o país encostado às boxes da desgraça! 


domingo, fevereiro 11, 2024

Domingo, 11.

Prossigo como ensaio aos voos no romance cujo apelo não cessa de me atrair. Ainda que saiba que a tensão irá subir dois ou três pontos, é-me imprescindível fazer passar a minha existência por essas linhas salvadoras. Não me basta ler, preciso de materializar o pensamento na tradução que compõe a frase e define a sagração do acto de escrever. 

         - Assim, não consigo varrer do meu cérebro àquela voz de adolescente que me acudiu ao primeiro apelo para a Saúde 24 24. Ela sacudiu-me interior e exteriormente, dando-me coragem a não desistir de viver conforme os meus íntimos desejos, amparado ao silêncio, ao murmúrio do vento, da chuva, do diálogo das estrelas à noite, a beleza e arte por companhia, a voz dos deuses como chamamento ao deserto imenso onde estou de braços abertos ao mistério dos instantes que se acorrentam ao meu coração. Por perto está sempre o meu Criador. De outro modo, como foi possível que o segundo interlocutor, mais maduro e decerto experiente, me tivesse dito: “Tenha calma, nós vamos descobri-lo, eu não o abandono.” E depois, neste deserto sem nome de rua, sem número de porta, onde quase ninguém vive e eu me sinto no céu, depois de eu insistir em dar-lhe os parâmetros para GPS e ele os ter recusado, como foi possível que quinze minutos depois tivesse uma ambulância à minha porta. Quando o portátil tocou e eu sou chamado a abrir o portão, respondi à rapariga que não sabia se conseguiria andar até lá porque tinha a cabeça transtornada. Vou, todavia. Mal chego às grades, ela segura-me pelo braço, ajuda-me a rodar a chave e vem comigo a casa para me preparar a sair. Durante a viagem até ao hospital que eu não quis fazer deitado, ela está atenta, olha-me com ar admirativo provavelmente a pensar que tinha ao lado um herói. Nessa altura, mirando-me, pergunta-me se sou poeta. Digo-lhe, sorrindo, quando muito romancista. “Parece um poeta, um anjo.” No percurso, era no rapaz do Saúde 24 24 que pensava, na sua voz envolvente, segura, jovem, graças a ele ia a caminho, não digo da cura, mas da assistência. Há uma semana que não passa um dia sem que eu ligue as antenas do coração para voltar a escutar, no silêncio de mim mesmo, as suas palavras santas, lançadas ao ouvido do paciente, recolhidas no mais fundo de mim, de onde renascem para contar o milagre operado por Deus através dele. Porque tudo foi tão misterioso que é impossível não ter havido a intervenção do meu Criador. Mais: eu que me havia questionado inúmeras vezes sobre o problema de ajuda na hipótese de algum problema, estou agora absolutamente tranquilo graças àquela voz que deu fôlego e sentido à minha existência. “Tenha calma, nós vamos descobri-lo, eu não o abandono.” 

         - Os amigos não se reconhecem pelas palavras, mas pelos gestos acompanhados delas. Muitos são os que me telefonam todos os dias a saber como estou. Alguns, digamos, já esperava. Outros como o Alexandre que vive, julgo que em Oeiras e penso sem carro, disse-me ontem que se tivesse qualquer problema o chamasse “é só passar a ponte e logo aí estou”. Nem ele imagina quanto me tocou, me emocionou. Também a minha sobrinha está horas ao telefone. Hoje mandou-me “para me alegrar” esta foto que eu não conhecia, e me vejo com os meus doces dezassete anos com ela aos ombros no nosso jardim da casa da Foz do Douro. Digam lá se o rapazinho não é giro... E deste modo me livrei da suja e desumana política. 



sábado, fevereiro 10, 2024

Sábado, 10.

Insisto em retomar a vida, o mesmo é dizer em pegar pelo braço a escrita. Há uma personagem no livro de Lídia Jorge, Misericórdia, Dona Alberti, mãe da escritora, que anota nas suas folhas A8: “A vida é movimento, quem mais se agita mais vive. A vida é firme, sobrevive quem mais come. A vida é bruta, vence quem mais luta.” Vou seguir-lhe os passos e recomeçar a pincelar com palavras ressabiadas ou ternurentas, empurradas com que me resta de astúcia e vontade, o meu quotidiano. 

         - Para falar do que me voltou a acontecer na madrugada de 7 para 8 desta semana. Como disse fui fazer natação, escrevi neste diário, naquela de ver até onde me levava entrar de novo no ritmo da escrita. Acontece que ao acordar, vi de outra vez uma mancha de sangue na almofada e tinha 18, 7-8,4 de tensão. Derreti de imediato o SOS que a médica de família me havia receitado. Tomei o pequeno-almoço, engoli a pílula dos velhinhos e esperei pela resposta. No telemóvel assinalei 15,6-7,8. Como tinha combinado com a Glória e o Raul irmos tomar café juntos às bombas, despachei-me ao seu encontro. Não me sentia bem e eles notaram. Então a Glória disse-me que fosse com eles para sua casa. Lá estive toda a manhã acabando por lá almoçar, a lareira acesa no máximo, o ambiente acolhedor dos amigos e do espaço, as conversas soltas a encherem as horas sem tempo para pensar nas desgraças. De volta a casa, o medidor afixava 14,5-7.2. Maravilha. Antes porém, no decorrer da conversa, o Raul diz-me que toma o mesmo comprimido diário que me foi prescrito e para dormir uma benzodiazepina qualquer. Peço-lhe um para experimentar ao deitar. Se o fiz é porque estou absolutamente convencido que a origem deste descalabro se deve à minha hiper-sensibilidade. Eu explico. Quando acordei pelas cinco da manhã, fiquei sem sono e entrou de serviço a tonelada de frustrações, modelos de vida, revoltas pessoais e colectivas e até Ana Boavida se juntou ao coro dos assassinos. Lutei contra todos talvez hora e meia no fim da qual consegui conciliar o sono de novo. É quando volto a acordar, pelas sete horas, que vejo o sangue em pequenas gotas na cama. Desta porém, com a droga para dormir, acordei seráfico, verifiquei o travesseiro, depois medi a tensão e tudo parecia ter entrado no normal. Pensei: “Estas livre, rapaz!” 

         - Ontem, decidi ir ao Centro de Saúde contar este episódio à minha médica. Disseram-me que tinha de passar pela enfermeira para medir a tensão. Como aquela unidade é a paz na guerra do SNS, fui logo atendido. Belíssima jovem, tão bela que lhe disse: “Não é preciso preocupar-se, estou curado. – Como assim? –pergunta muito admirada. – Porque a beleza exerce sobre mim um tal apaziguamento que todos os males desaparecem.” Riu-se. Contou-me, então, que na véspera tinha aparecido uma senhora de uns sessenta anos, muito janota, alegre, a vender saúde, com um pormenor: estava com 26 de tensão!!! A minha, nesse momento, com o balde de água fria, precipitou-se por ali abaixo. Ela registou para a médica 14,2-7,5. (A propósito, quando terminar estas notas irei ver que peso teve na construção destas merdelhices excitantes na minha tensão arterial, sendo que às nove horas tinha 13,5-6,0.)    

         - Conversei, conversámos. A dada altura pergunto à médica que substitui a minha de família, se não seria bom ver o que esteve na origem deste terramoto. Ela mostrou-se de acordo, e passa-me visita para um cardiologista com exames de esforço, entre outros. E também radiografia aos rins, barriga e o aparelho que mede todas as batidas do coração durante 24 horas e eu conheço de haver visto usar a Annie. Mais: quer uma bateria de análises ao sangue também. No final mostrei-lhe a caixa dos soporíferos e ela esteve de acordo que devia adormecer com eles, só que com dosagem mais baixa  de 3 mg., a do Raul é de 5mg. 

         - Dali fui a correr à Brasileira onde me esperava o João, preocupado. Ali ficámos à conversa e depois fomos almoçar juntos. Pelas cinco da tarde, tomámos o metro para a Avenida de Roma onde ele mora e eu pego o comboio de regresso a casa. Grande e enervante discussão política com ele a defender o PCP. Digo-lhe, gasta o resto da tua vida de outro modo. Não vale a pena morreres por 1 por cento de gente que o povo rejeita. Fulo contra-argumenta, dando conta dos debates que têm ocorrido nos canais televisivos. Respondo-lhe: não perco o meu precioso tempo com isso. Basta-me saber em que país vivo, quem são os nossos governantes, o que ambicionam, o que têm feito em 50 anos de democracia, o enriquecimento que têm tido, o bodo que dizem distribuir a torto e a eito, as esmolas na forma de subsídios e outros epítetos, sem nos dizerem onde vão buscar tanto dinheiro para aumentar salários, reformas, subvenções, se não ouço um único programa que fale de desenvolvimento. Calou-se, enfim!  

         - Ana Boavida deve sentir-se abandonada. Tanto tem borbulhado no meu cérebro! Longe dela, longe de mim. (Terminado este apontamento, findo com a tensão a  15,2-7,1). É sempre assim! E ocorre-me: Vergílio Ferreira tombou sobre a página, morreu a trabalhar.  


quarta-feira, fevereiro 07, 2024

Quarta, 7.

Retomemos a vida, segunda parte. O PS conta com os votos dos funcionários públicos, estes contam com o PS para lhes continuar a aumentar os salários e a manterem-se na ADSE onde podem escolher quem os trate. Esta injustiça que vem dos tempos da outra senhora, quando eles eram mal pagos e aquele complemento de escolha era a contrapartida da sua situação. Hoje tudo se passa ao inverso e ser-se funcionário do Estado é um privilégio não só porque não pode ser despedido, ganha melhor, como se arvora o direito de tratar mal o cidadão. A esquerda, travada nos seus ditames, pratica a contradição a seu bel-prazer: detesta os cuidados privados, mas é a eles que recorre quando a doença lhe bate à porta; dá primazia aos estatais, mas, como se viu nestes últimos oito anos, nunca os privados cresceram tanto, se construíram novos hospitais, clínicas e as seguradoras se expandiram em seguros de saúde. Há por isso um país socialista a dois ritmos: os fidalgos e os subalternos. Poderia também associar o ensino onde milhares de alunos transitaram do público para o privado. Ou dos transportes onde os públicos cresceram em orgulho marimbando-se para os passageiros e os privados sempre a horas, sem greves selvagens, impecáveis. A ordem socialista destes derradeiros anos, é execrável. A sociedade no todo está desfigurada, egoísta, aldrabona, sem conceitos éticos e morais, cada um por si e a miséria por todos. Portugal nunca saiu beneficiado com os socialistas. Antes arruinaram as finanças, corromperam, roubaram, manipularam, ao ponto de ter vindo a troika pôr ordem no país. Hoje, marcados pelo estigma de não saberem de finanças e atirarem o trabalho dos privados carregando-os de impostos para a acção dita social, que mais não é em muitos casos que a esmola farta ganhada pelo sector privado, que não dá riqueza nem levanta da miséria aqueles que nela, por inércia ou gosto, permanecem. Daí esta obsessão das “contas certas”. É a única arma que os vejo esgrimir com orgulho, uma arma muito pesada para o conjunto dos portugueses na miséria, na indigência, na privação quotidiana. Estamos mas pobres, mais atrasados, mais revoltados, mais invejosos, mais patetas, mais incultos, temos uma sociedade sem valores cívicos, abastada no futebol e seus escândalos, na mediocridade e alienação de programas televisivos de um baixo nível confrangedor, que alimentam à saciedade a vida vazia de um povo deixado ao abandono e ao salve-se quem puder. Ainda agora me sinto traumatizado por tudo o que vi nas Urgências do hospital de Setúbal. Que pobreza, que mergulho na era salazarista, que desonra para SNS que os socialistas desfizeram e qualquer Governo que venha, vai ter muito, mesmo muito, que trabalhar para se afastar dos idos anos do Estado Novo em que acabámos mergulhados. É como recomeçar tudo de novo. Esta tropa fandanga, de António Costa a Marcelo Rebelo de Sousa passando por ministros, secretários, gestores públicos toda esta gente nefasta, incompetente, falaciosa, propagandista devia entrar em pousio por vinte anos – como aconteceu aos socialistas franceses. São tipos destes que nos trazem a direita extrema ou a esquerda ditatorial. São fanáticos que se entendem às mil maravilhas com os opostos que combatem. 

         - A par do desastre que me aconteceu, tive ainda de tentar recompor a pobre da Piedade. O neto, numa ira de loucura motivada pela droga, desfez-lhe a casa, partiu móveis, loiça, arrancou linhas de electricidade, telefone, partiu os vidros das janelas. Aos oitenta e cinco anos é doloroso ter que passar por desacatos desta ordem. A amante que vive com ele, e não fala com a dona da casa, viu-se obrigada a chamar a polícia, tal o susto porque ambas passaram. 

         - Fui fazer natação. Antes tinha 16,4-8,5, depois 14,2-7,8. Todavia, evito escrever no romance porque tenho a certeza que o pico de tensão teve a carga das emoções acumuladas que a escrita me traz. E no entanto, segunda-feira, quando saí do Centro de Saúde, desaguei no café da Fnac e apliquei-me nele. Foi um disparate porque senti de novo o termómetro a subir. Vou ter de passar no hospital da Luz a ver se o Tó me acalma com a sua sabedoria.  


terça-feira, fevereiro 06, 2024

Terça, 6.

Retomemos a vida depois de um interregno infeliz. De sexta para sábado, pelas quatro da madrugada, acordei alagado de sangue. Pânico, surpresa, estupefacção. Como fazer parar as golfadas que saíam do meu nariz tingindo de vermelho o travesseiro! Tendo a casa de banho no quarto, foi enchendo as conchas das mãos do que caía da narina direita que alcancei o lavatório. Misteriosamente calmo depois do embate inicial. Por sorte tinha um maço de algodão e foi com ele que consegui estancar o terror. Depois desci ao salão para medir a tensão, e sem surpresa li no mostrador: 22,1-11,2. Era o que eu supunha. Voltei a deitar-me e adormeci ligeiramente por um bocado. Acordo às seis de novo a sangrar, mas em dose reduzida. Experimento telefonar ao 24 24, mas não sei como fazer nunca tendo tido necessidade. Tento acalmar-me agora que sinto o enervamento a crescer. Vou a Internet e obtenho a informação. Ligo. Do outro pedem o nome e o número que dizem vir nas costas do Cartão de Utente. No meu sendo antigo, não existe nada. Volto à cozinha para substituir os tampões. De regresso, ensaio de novo, mas desta vez digito o número da Segurança Social que vem no cartão. Milagre. Atende-me uma voz de adolescente de uma simpatia excepcional a quem eu explico ao que venho. Ele recomenda-me calma e eu aceito. Explico tudo o aconteceu e o que estou a sentir naquele instante. “Eu tenho todo o tempo. Se tiver aparelho para medir a tensão, faça-o agora, eu espero.” “23,2; 12,6.” Vamos esperar um pouco para tornar a tentar. O resultado foi o mesmo. Então ele diz que vai passar a um colega. Fico triste de repente. Gostei daquela voz serena, daquele contacto que me iluminou aquele instante de trevas, daquela voz jovem que vibrou dentro de mim impulsionando–me a viver. Vou chorar.  Nesse momento ouço as palavras de homem feito, sábio, disposto também ele a ajudar-me. Quer a minha morada e diz que vai mandar uma ambulância. Respondo que não o faça porque vivo isolado, só, por vontade própria e é difícil alguém dar com a casa. Quero simplesmente saber o que devo fazer numa situação daquelas. “Vou mandar uma ambulância, não se preocupe que ela vai dar consigo”, diz-me, seguro. “Fique calmo e espere, vamos dar o número do seu portátil e se eles tiverem dificuldade, telefonam-lhe.” Estou sem palavras, o raciocínio não avança. Contudo, ainda lhe digo que tenho o portão fechado, mas ele não se demove. Não teriam passado 15 minutos e ouço o telemóvel. “Estamos aqui, mas não sabemos qual dos portões é, pode vir cá abaixo?” “Vou tentar, se não cair, tenho tonturas.” Saio. Eles estão ao meu portão, vejo-os através do que me resta de discernimento. Nem quero acreditar, tendo em conta o que ouço dizer do sistema. A rapariga (uma romena) pega-me pelo braço e conduz-me de novo a casa onde me arranjo para partir. Regresso à ambulância recusando deitar-me, quero ir ao lado dela, o rapaz a conduzir. A caminho do hospital de Setúbal, ela pergunta-me se sou poeta. Espanto meu. Digo-lhe quando muito romancista. “Você tem ar de poeta, parece um anjo.” Sorri. Não posso fazer outra coisa. Foi desse modo que ela me apresenta ao rapaz que estava na recepção do hospital a fazer a triagem. Fita amarela, pouco ou nenhuma gente. “Hoje aqui parece o céu”, diria mais tarde uma enfermeira. Vou esperar numa sala de poucas dimensões onde estão um médico africano, um ucraniano e uma portuguesa de nome Ana, nas urgências. Entro em pleno fascismo, a sombra hedionda de Salazar está ali omnipresente. Na sala estão e vão chegando doentes em macas, em cadeiras de rodas, elas em camisa de dormir, outros esfarrapados e de chinelos nos pés, falando em altos berros ao telemóvel, enquanto os médicos se trancam nos consultórios e aí ficam tempos esquecidos, sós. Alguns doentes são habitués diários, vê-se familiaridade entre eles e com os clínicos, a miséria e a demência coabitam e a chamada às consultas não avança. A quietude de quando cheguei, está transformada numa algazarra medonha que os bombeiros perfumam encostados às paredes e aos carros à entrada com os seus cigarros. Sinto invadir-me de uma profunda tristeza. Ser pobre e ainda por cima ignorante é anátema impossível de aceitar 50 anos depois do 25 de Abril. Quatro horas depois a ver a pobreza dos recursos médicos, dos doentes miseráveis, das condições mínimas que nada curam e só pioram, debandei. Pedi um táxi na recepção e rumei ao hospital da Luz do outro lado da cidade. Em cinco minutos tinha passado pela triagem, em dez estava diante de um médico com uns sessenta anos, que me mediu a tensão depois de ter ouvido o relato do doente até ali. Escutou sem emitir uma palavra, como se a ladainha lhe fosse familiar. 17, 4 – 8,2. Um pouco melhor. Dá-me um comprimido de longa eficácia e diz-me que vá vigiando a tensão. Pede-me que aguarde mais uns minutos na sala de espera. Assim aconteceu. Quando voltei a pressão arterial tinha baixado um pouco mais. Pergunto-lhe se não me dá nada para o problema, diz-me que não é preciso porque “isso foi um pico de tensão que deve ser vigiado”. Insisto que quero o comprimido que antigamente era dos velhinhos. Sorriu e passa-me a receita, acrescentando: “não o tome já. Vá vigiando e se a tensão crescer, então, sim”. Meia hora depois de ter entrado na unidade hospitalar, partia num táxi rumo a casa. À chegada: 13,6 - 7,8. Acontece que no dia seguinte, domingo, mal acordei, tinha um borrão de sangue na almofada. E no entanto havia dormido oito horas seguidas e profundamente. Foi então que decidi começar a tomar a droga. 


quinta-feira, fevereiro 01, 2024

Quinta, 1 de Fevereiro.

A França parece estar em revolução. Os agricultores bloquearam praticamente todo o país e Macron vai ter que negociar com eles em antecipação da senhora Le Pen. Os espanhóis, alemães, belgas e até em volta do Parlamento Europeu, há barragens destes bravos homens e mulheres que deixaram de confiar nos políticos. À pressa, ontem, a nossa ministra da Agricultura de uma mediocridade que faz pena, veio anunciar novas medidas de ajuda aos homens do campo. Estes responderam-lhe: “Paga antes o que nos deves há um ano.” Por cá, seguindo o ímpeto da revolta, os nossos agricultores bloquearam timidamente as fronteiras com Espanha. Fazem-no de olhos postos na polícia que vigia as passagens dos automóveis particulares. Eu, se bem conheço os franceses, garanto que a coisa não termina sem escaramuça com os agentes da autoridade. De mentira em mentira se fazem hoje os governantes.  

         - Estas formas de governar, fazem crescer os extremos da direita e esquerda. O PS raramente fez uma lei que não tivesse sido modificada dois ou três dias depois. O poder é uma obsessão que contagia esta leva de gente que o obtém para proveito próprio. Não governam para as pessoas, fazem-no para o gangue que os sustêm. Os projectos-lei não são estudados, avaliados, comparados, consistentes e bem preparados. Saem dos ímpetos das massas em luta por aquilo a que têm direito, mas que os políticos não governando para o todo, ignoram. Não há classe social alguma que tivesse obtido direitos sem luta. Quando devia ser o contrário. Aos governantes compete olhar por todos. É mais revoltante quando à governação se junta a ideologia. Porque esta é volátil, serve quem a pratica, e na prática não estabelece fronteiras demarcadas. Exemplo. Haverá diferenças de referência entre socialistas e social-democratas? Estamos porventura ainda no século XIX? 

         - Outro triste facto: Portugal desceu 3 pontos na tabela da corrupção nos últimos dez anos. 

         - Fecho com esta notícia fresquíssima lançada pela revista Visão: “Pedro Nuno Santos recebeu 203 mil euros em subsidio de deslocação (entre 2005 e 2015), apesar de ter casa em Lisboa.”  É tão bom ser deputado, ministro ou ter qualquer outra forma de vida pendurada no Estado. Segundo o magazine outros deputados foram investigados, mas a coisa morreu de imediato, abafada. É por estas e muitas outras, que a juventude diz ao Chega – chega-lhes. 

         - A Piedade esteve aí. Enquanto ela limpava o salão, fui abrir buracos na terra para plantar dois sacos de tudo e mais alguma coisa que trouxera do jardim da Alice. De seguida fui fazer natação, almocei,sentei-me lá fora a ler o jornal e Marco Túlio Cícero. O dia abarrotava de beleza, o campo é o seu reflexo., nós a sua justificação.