sexta-feira, junho 30, 2023

Sexta, 30.

Alinho esta presença no café da Fnac. Refugiei-me aqui para cumprir duas horas de escrita no romance (p. 99), mas um grupo de mulheres brasileiras tomaram todo o espaço emitindo vozes estridentes que não deixam cinco minutos ao silêncio. Desisti daquele para entrar neste diário, forma saltitante de olhar o mundo, descortiná-lo pedaço a pedaço, num fugitivo olhado, mergulho em mim para sorver o que no fundo subjaz como partícula inquieta da realidade. 

         - O mínimo que se pode dizer é que a França está doente. Tudo serve aos franceses para incendiarem carros, equipamento urbano, transportes públicos, edifícios de câmaras municipais (julgo que é a segunda), numa fúria de destruição selvagem que impressiona e dá que pensar. Desta vez foi a morte de um rapaz de 17 anos, em Nanterre, às portas de Paris, por não ter obedecido à ordem do policia para que parasse o carro. O agente da autoridade foi preso por abuso de poder. Mas o adolescente já tinha cadastro por crimes anteriores. 

         - Estou do lado de António Costa quando exige que os inquilinos dêem o seu aval à instalação de um AL no prédio. Discordo completamente dos argumentos frágeis do líder do PSD, nas tintas para o desassossego dos locatários,  montado na ideia que se vão perder milhares de empregos e negócios. Esta praga que aumentou o preço das casas, expulsou os velhos dos centros urbanos, instaurou a desordem e o ruído, não passa nem por sombras pela sensibilidade do mediano social-democrata. 

Já não me encosto ao primeiro-ministro quando depois de andar a combater aqueles que lhe pediam mais impostos para os donos de supermercados e bancos sempre recusou ou taxou pequenos montantes, venha agora apregoar que está contra a senhora Lagarde nas políticas de contenção do custo de vida e descida da inflação. Costa está sempre na crista do que o insufla, o longo prazo, as vistas largas, não é com ele. Depois, ele conta com a memória curta dos portugueses. 

         - Três horas mais tarde, troquei de café a caminho da estação. Abanquei no Vitta Roma onde o ar condicionado funciona a fundo. Quando ia a regressar ao romance, eis que entra um grupo de velhas psitacídeos, ruidosas, excitadas, qual delas a mais tagarela que encheu o espaço até ali tranquilo.  


quinta-feira, junho 29, 2023

Quinta, 29.

Se as reformas deste governo para a Cultura são aquelas que o respectivo ministro projecta, como a passagem de museus e outras estruturas culturais para os municípios, então temos o caldo entornado. Com a ignorância e analfabetismo dos nossos autarcas, é certo e sabido que sobre a cultura vão recair negociatas, aproveitamentos indevidos, verbas para os inscritos no partido, jobs para os lambe botas, etc, e muitos etc.. Também não seria de esperar do actual ministro. Depois de andar anos a laudar Costa, sem preparação nem conhecimento (de que são exemplos as muitas recusas financeiras para manter companhias de teatro de referência, por exemplo), outra coisa não seria de esperar. Ele é um ministro do partido, como o foi o ex-ministro do Interior, senhor Eduardo Cabrita. 

         - Não resisto a transladar de um artigo do escritor Restes de Carvalho, este bocado de prosa, coincidente com muito do que eu aqui tenho escrito sobre o assunto, não porque seja mais conhecedor ou inteligente, mas porque não gosto de andar em manada, adoro estudar os assuntos com a mais profunda precisão possível, e não dou crédito nenhum às meninas e aos meninos (e já agora aos políticos ignorantes que funcionam d´prés lobbys) que vêm à televisão dar conselhos de bem defender o Planeta. Por isso, para mim, as palavras do cientista Freeman Dyson, no contexto de uma entrevista, falecido há três anos, são a referência que devo seguir.

"Os efeitos do aquecimento global serão mais vantajosos que prejudiciais. Os seus cálculos sobre o dióxido de carbono levam-no a concluir que: Muitos leigos crêem que esse gás na atmosfera resultará em séculos de desastre. Nada menos verdade. Uma molécula de CO2 permanece apenas sete anos na atmosfera, sendo depois absorvida pelos oceanos ou pela vegetação. É um equilíbrio muito dinâmico e totalmente ignorado pelo público.

Um facto matemático que também deveria ser mais conhecido, acha Dyson, é existir uma função logarítmica nos efeitos físicos do CO2. O que significa que quanto maior for o volume desse gás na atmosfera, mais diminuirão os seus efeitos. Do ponto de vista da sociedade isso é extremamente tranquilizante.

- É interessante  notar – disse o jornalista – que muitos (cientistas) cépticos acerca do aquecimento global são pessoas idosas. Porque será?

Dyson permaneceu calado alguns segundos, o seu olhar preso no do interlocutor:

- Os cientistas idosos são financeiramente independentes e podem falar com toda a liberdade… Fora de dúvida existe um lobby do clima. Há um vasto número de cientistas que ganha dinheiro assustando o público. Não digo que o façam conscientemente, mas é facto que muitos rendimentos provêm desse medo.

O presidente Eisenhower disse um dia que o poder dos militares em determinado momento se torna  perigoso, pois é tão grande. O mesmo se constata com o lobby do clima: com o poder de que dispõe torna-se perigoso." 

         - Há várias noites que dormia mal por causa do calor. Então decidi dormir com a janela entreaberta e os meus repousos voltaram a ser de sete horas plenas. Outra vantagem de viver no campo - não há ruído nenhum que entre no quarto e nos perturbe. 


quarta-feira, junho 28, 2023

Quarta, 28.

Ontem fui visitar a Teresa Magalhães ao lar. Desde que vim de Paris que não tive oportunidade para o fazer e a ausência pesava-me já na consciência. Fui, pois, ao princípio de uma tarde quente, paralisante. Achei-a bem quando comparada com o desastre que observei no Hospital Santamaria e Capuchos. Falou, falámos, nem sempre para mim compreensível, mas já sem um grito, o semblante quase normal, o apetite voraz, o discurso corrente. O quarto estava climatizado, uma grande janela em frente quando se entra, deixava entrar a luz coada da tarde. Teresa quis ver o céu e pediu-me que levantasse as persianas, depois que corresse as cortinas e por fim que erguesse a cabeceira da cama para que pudéssemos olharmo-nos nos olhos, a sua mão na minha como fez questão de ter. Contei-lhe o que me havia dito o filho, Marcus, na Brasileira horas antes, os olhos rasos de lágrimas, um artista de uma sensibilidade doce e íntima (ele é músico nas grandes orquestras), segundo o qual esperava levar a mãe nem que fosse por um fim-de-semana ao seu apartamento no Chiado. Lúcida, Teresa, objecta que não será tão depressa. Mas quando lhe falo que a acho muito melhor e lhe digo que devia pensar em retomar a pintura, lembrando-lhe a última série de telas de uma interrogação psicológica profunda, ela acrescenta “e belas” provando que o seu cérebro já equaciona a memória e distribui respostas.   

         - António Costa diz que é o garante da estabilidade e não tenciona assumir qualquer cargo na UE aonde parece que o aguardam (no dizer dos seus correligionários). Esperemos, de pé, para ver. O seu percurso é muito parecido com aqueloutro, sempre de sorriso macaco (ex-MRPP), que ocupou um alto cargo em Bruxelas a par de negociatas e corrupção de toda a ordem, até que, em agradecimento, foi convidado a trabalhar no banco americano que serviu enquanto no cargo.  

         - Os ecos da impulsão do submersível onde morreram cinco pessoas não pararam. Soube-se agora que um dos donos do brinquedo, Stockton Rush, uma das vítimas, na fúria do lucro, substituiu o aço (mais resistente) do casco do brinquedo, por titânico mais barato.   

         - Putin, o ditador forte com pés de barro, está perdido no meio de tanta fraqueza, desonestidade, prepotência e desvario político. A propósito, dava tanto jeito ao PCP que fosse verdade estarem os EUA por trás da “traição” do assassino Prigozhin. 

         - Apanhei uma cesta de ameixas pretas. Como não poderei comer tal quantidade, farei compota. Um homem prendado assim, é de estimar... 


segunda-feira, junho 26, 2023

Segunda, 26.

A propaganda a gente deixa-a para António Costa e seus apaniguados. A realidade é todavia outra e bem pode ele e o seu sucessor ex-ministro das Infra-Estruturas, Nuno Santos, que recentemente se louvou e apregoou resultados fabulosos por onde passou, TAP e CP. Assim, segundo o relatório Portugal, Balanço Social agora conhecido, a taxa de risco de pobreza ou exclusão social é de 22,4%, o que representa um aumento de mais de 250 mil portugueses em risco de pobreza ou exclusão social ou seja mais de um quinto da população. Por outro lado, os vinte por cento mais pobres detêm, em 2020, 10% do rendimento total do país, enquanto os 25% mais ricos ficam com 47 por cento. Estes valores, diz o estudo, aproximam-se muito de 2007, desperdiçando-se assim a evolução de uma dúzia de anos. Esta é directa a fanfurrice de Costa e à miserável prática política de sua excelência.

Quanto ao outro, enfant terrible do patrão, os números falam por si e contra sua arrogante excelência. Vejamos. O Público tem uma página online que acompanha os investimentos e trabalhos na ferrovia nacional. Leio (sem espanto nem dúvidas) que quase todos os projectos tardaram em arrancar e ainda mais a concretizar-se, “somando adiamentos e atrasos que fazem com que hoje, a três anos do fim do plano (de Fevereiro de 2016, dito Ferrovia 2020), ainda estejam por concretizar 18 dos 24 troços que estavam projectados para sofrer uma intervenção.” O grande plano ferroviário, foi lançado como tantos outros projectos socialistas: aos soluços e para a propaganda mais descarada. Diz o portal do diário: “O lançamento dos concursos públicos, as adjudicações, as consignações ou eram simplesmente ignoradas, limitando-se à sua comunicação no Diário da república, ou mereciam um discreto comunicado das Infra-Estruturas de Portugal (IP) ou do Governo, ou podiam ser alvo de uma apresentação mediática com direito a ministro ou primeiro-ministro.” E os números, os cifrões, os carcanhóis que para os socialistas nada representam nas necessidades nacionais e muito nos seus bolsos. “Só os atrasos nas obras dos vários troços somam já 26.880 dias, equivalente a 76 anos, tendo  sido gastos mais 19 milhões de litros de combustível pelos comboios da CP que podiam ter sido poupados, se as electrificações na rede tivessem sido finalizadas a tempo.” E passo as greves dos descontentes que tantos prejuízos têm causado aos passageiros.  

         - Fui à piscina com a roupa com que tinha estado pelas sete da manhã  a regar, a cortar as silvas que tomaram por completo uma laranjeira. O rapaz da recepção, vendo-me qual valdevinos sujo e roto, estranhou. Lembrei-me do pai de Miguel Ângelo que dizia ao filho: “Se quiseres viver velho, mantém a cabeça quente e não te laves nunca.”

         - Os intelectualoides da nossa praça, como outro dia um no Observador, vituperam José Milhazes na sua forma de falar e nos temas escolhidos frente a frente com o colega Nuno Rogeiro na SIC. O facto é que ele oferece mais garantias do que diz, embora não tenha o dom da palavra, nem se apresente como sabichão das dúzias, empinocado e de brilhantina no cabelo. Foi ele que primeiro nos alertou para o que viemos a ter servido a quente no fim-de-semana passado, quando despejou tudo o que sabia acerca do criminoso Yevgeny Prigozhin. Milhazes acreditou no mundo dourado do comunismo, viveu a experiência em Moscovo, recuou e hoje explica-nos como se deixou seduzir por uma doutrina de escravidão, falta de liberdade, aproveitamento da incultura de um povo que nunca viveu desafogadamente e foi escravo de sucessivos líderes marxistas-leninistas ou lá o que eram. Até porque não devemos levar a sério os comunistas portugueses de caviar e champanhe. Acabou de sair em português o livro de André Gide, Regresso da URSS. O grande escritor e prémio Nobel, quando voltou, deixou esta comprovação: "O comunismo não passa de um fascismo de direita.” A França pós-II Guerra, com o seu escol de intelectuais, esteve no limite de encalhar num regime comunista. 





domingo, junho 25, 2023

Domingo, 25.

Dois acontecimentos marcaram a semana passada. Ontem o confronto entre dois criminosos: Vladimir Putin e um tal Yevgeny Prigozhin com a Ucrânia de permeio. O mundo parou a ver o que dali ia sair, pois desde a véspera que o antigo cozinheiro do ditador tinha empreendido com cinco mil homens, todos mercenários da empresa Wagner da qual é proprietário, a conquista de Moscovo. A caminhada foi rápida, por auto-estrada (olé, olé), em tanques e veículos blindados, tenho conquistado a cidade de Rostov sem que tivessem enfrentado resistência. Mais acima, uns duzentos metros, estava o ditador à sua espera e a capital Moscovo preparada para o receber, com estradas cortadas, a ponte sobre o rio erguida, escavadoras a abrir rasgos profundos nos acessos, o exército nas ruas, os cidadãos convidados a ficarem-se em casa, as escolas encerradas por um mês, a Praça Vermelha cercada pelos guardas do palácio, Putin encurralado a sete chaves no baú dourado do Kremlin. Pelo caminho um helicóptero foi abatido pelos bárbaros da Wagner, algum tiroteio, mas o percurso parecia um passeio para o oligarca dono dos soldados. Eis senão quando, uma notícia expandiu-se: Prigozhin, não querendo um banho de sangue, desejando poupar os seus homens, interrompe o trajecto e mais tarde veio a lume que ele ficaria à guarda do ditador da Bielorússia e os seus soldados poderiam integrar o exército russo, sem castigos nem prisões. Tanto haveria a dizer deste saldo! Sobra, todavia, a fragilidade de Putin, as mentiras que ele propagou ao seu povo, a desorganização do exército, a incompetência, a triste figura que o líder moscovita transmitiu quando do discurso que fez à nação, chamando traidor e outros epítetos, para hora depois, percebendo que nem todo o exército estará do seu lado, que ficou mais só, o medo estampado no rosto, a opressão trágica do fim, obrigado a render-se ao criminoso Yevgeny Prigozhin. 

         - O outro acontecimento foi mais trágico e relaciona-se com a ganância, a avareza, o desprezo pela vida humana em favor do lucro. Enfiados num pequeno submersível, cinco milionários que pagaram para cima de 100 mil dólares para espreitarem o Titanic depositado no fundo do mar a 3780 metros de profundidade desde 1912. A empresa que se ocupa destas viagens perigosas, nunca se preocupou em certificar o veículo porque não queria pagar os custos da certificação! O Titan por impulsão matou os cinco homens que ficaram sepultados no fundo do Atlântico. 

Para os tentar resgatar enquanto existia oxigénio, gastou-se uma pequena-grande fortuna. Sim, qualquer vida é sagrada, mas não deve ser mais preciosa a vida de um milionário que a de um pobre coitado que foge da fome, da guerra, dos ditadores. As centenas de vidas ceifadas nas águas da Grécia e noutros países do Mediterrâneo, deviam merecer idênticos esforços. Estes dois actos, dizem com palavras de sangue e revolta, como os países e os Estados estimam com indiferença e desumanidade o valor das vidas de uns e outros. 

          - “Do que é que poderá ter acontecido” – linguarejar de comandante da Marinha.  

          - A Natureza tem muita força. As chuvas que caíram há duas semanas, foram suficientes para fazer regressar às suas propriedades o ganancioso dono da vinha paredes-meias com o meu espaço. Não terá rendimento nenhum e ainda bem para os consumidores porque os vinhos ditos bons carregam veneno desde a sulfatação das parreiras à “construção” do vinho.   

Há um mês

hoje


A paisagem que tenho  do meu quarto ao acordar.

          - Lembrei-me quando ia a caminho que possuía o passe vintage e meti-me no comboio. Não esperava vê-lo cheio como uma saca de batatas das que se vendem nas feiras daqui no dia de hoje. Fui a Lisboa resolver um problema na Internet e por todo o lado nem parecia ser domingo. Multidões passeavam e só na Fnac, na loja da Vodafone, eram mais os estrangeiros que os nacionais. A cidade modificou-se muito e quando lá vivia, perto do Chiado, pela manhã, não se via vivalma. Não sei se me agrada assistir a esta “evolução”, porque com ela é um pedaço de mim que se perde nas esquinas da memória. Lisboa, a cidade que me viu nascer, não me reconhece e quando a atravesso é como se fosse um fantasma sobrevoando espaços desaparecidos, sombras que fogem na minha frente, igrejas abertas sem fiéis, sinos tocando para surdos apressados, ruas onde os ventos enfunam manhãs soalheiras que desaguam na morte. Lisboa sem identidade. 


sábado, junho 24, 2023

Sexta, 23. 

Annie ao telefone. Que força de vida! Que capacidade de se manter à tona do sofrimento! Falou com a voz de une petit fille rangée que sempre lhe conheci, pediu-me para lá ir em Outubro de modo a que “o tempo entre dois encontros não lhe pareça tão longo”. Pobre amiga que os anos pesando-lhe não a derrotam. 

         - “... linguam mostram in qua nati sumus.” Li estas palavras em Pessoa ou Vergílio Ferreira não me recordo, descubro-as agora em Actos dos Apóstolos.  

         - Embora me tenha deitado muito tarde, às seis da manhã já estava a regar. De seguida fui a Lisboa aviar uma série de coisas em atraso e, tendo entrado no C.I., encontrei os Couto todos a uma mesa a almoçar. Zitó que não via há algum tempo, estava óptima, o marido idem, o André como de costume num recuo de personalidade que não chega a desabrochar decerto próprio da sua natureza. Todas as voltas sob um calor sufocante. Talvez o dia mais quente até agora. 

         - Terminei o livro de Juízes na narrativa Deuteronomística ou seja dos líderes militares.  Apesar das gratíssimas notas de rodapé de Frederico Lourenço, todo o texto é confuso, profundamente abastado de contradições, espécie de desordem social a varrer as páginas cuja história, melhor dizendo, as histórias são muitas vezes perturbadoras e incongruentes. 


quarta-feira, junho 21, 2023

Solstício de Verão.

Outro dia dei um salto a Aveiro em visita de médico e amanhã vou a Badajoz com a Maria José nas mesmas condições. Se recordo este facto é porque, dando uma grande volta pela cidade aonde não ia há uma data de anos, encontrei muita diferença do meu ponto de vista para pior. A dada altura, cumprindo as indicações de Ernst Junger (não tenho diérese), entrei no mercado coberto. Forma de falar. Porque de súbito chego a Londres dos meus vinte anos. Eu explico. Em Kilburn onde residia (não confundir com West Kilburn a localidade chique, por quem sois), no lar onde fiquei hospedado, todas as manhãs era-nos servido o breakfast. Entre a trapalhada de coisas que nos davam, uma encantou-me até hoje: a compota de laranja amarga. Venho a encontrá-la no mercado vendida por uma senhora de nacionalidade ucraniana, muito janota e séria (já explico). O frasco terminou esta manhã e durante todos os pequenos-almoços até hoje, revi a sala de jantar do edifício de dois pisos, o ambiente quente e barulhento, a atmosfera de felicidade que me invadia e o trajecto até ao centro onde tinha aulas. Acontece que nesse caminho, viajava comigo um colega brasileiro, rico, apessoado e trolaró como são quase todos os da sua nacionalidade. As diabruras entre nós, sacudiam os dorminhocos e circunspectos ingleses e na carruagem do metro onde seguíamos, tínhamos os olhos admirativos sobre os selvagens na força da juventude. Nunca consegui convencê-lo a acompanhar-nos, a Christian e a mim, a qualquer museu ou igreja. Mas íamos bastas vezes juntos almoçar ao Swiss Center nas costas de Regent Street no caminho para a City of Westminster. Suponho que só uma vez me deixou pagar a refeição. Era um rapaz que dava nas vistas, pela sua jovialidade, o seu temperamento solto, alegre, que enchia os minutos e saltava sobre os dias colhendo deles a heroicidade da vida. Quando me vim embora, continuando ele por lá, vi os seus olhos grandes e negros marejados de lágrimas. Quem diria! Benditas memórias que me fizeram reviver um tempo nestas manhãs submersas de incerteza! Quanto à seriedade da vendedora, tudo se resume ao esquecimento da minha carteira sobre a sua bancada. Ela devia conter uns trezentos euros e foi com aflição que entrei no mercado no seu encalço. Topei-a ao fundo, toda sorrisos, o braço estendido para devolver o que não lhe pertencia. (Não descreias das pessoas, miserável ser.)  

         - Há dias, na 2 francesa, assisti com interesse à entrevista de mais de uma hora, ao multimilionário Elon Musk. Gostei. Gostei francamente. Calmo, cordato, um sorriso discreto a aflorar com as respostas, simples nos modos e no tom de voz, quem não o conhecesse não diria que é o homem mais importante do mundo nesta altura. Sobretudo, o que me fascinou se for sincero, foram as suas propostas sociais e ecológicas; as repetidas vezes que disse ser a liberdade de expressão um marco importante que ninguém tem o direito de erradicar. Há nele um discurso para o longo prazo, coisa que não é vulgar nos capitalistas americanos ou outros. Homem da IA adiantou que devíamos retardar a sua implementação por ser demasiado perigosa para a humanidade. E deu exemplos do aproveitamento para a manutenção de regimes ditatoriais, liquidação de adversários, etc. Aconselho a sua audição. 

         - Ontem fui ao Dr. Cambeta. Antes passei na Brasileira onde encontrei os do costume mais um outro que não conhecia e, pelos vistos, disse-me o Virgílio, adorador da guerra na Ucrânia e de Putin. Pobre coitado. O nosso escultor, diz-me entre dentes: “Vou sair porque não posso ouvi-lo mais” e abalou. Segui-lhe o exemplo. Despachado do pouco que havia a fazer no consultório, estando paredes-meias com o Corte Inglês, fui lá almoçar. Encontrou um ex-colega da Rádio Universidade que não via desde os tempos fofos. X foi conhecido, trabalhou para além da rádio na televisão, nos jornais e está agora reformado. E coxinho, coitadinho. Disse-lhe: “Olha, é assim que vocês terminam todos; eu cheguei primeiro e tenho escola. Quando encontrar uns 12 na tua condição, abro uma academia e ensino a arte de bem coxear.” Pela cara que fez, não achou a ideia brilhante. 

         - O Verão começou hoje. Mas quem o atropelou foi o Inverno, deitando sobre o seu dorso toda a manhã grossos pingos de chuva, acompanhados de um manto compacto de nuvens escuras. Em certo sentido para mim, foi como se tivesse ido a Londres do meu tempo, e me deixasse flagelar com as cordas da memória.  


segunda-feira, junho 19, 2023

Segunda, 19.

O ministro do PS (como é que sua excelência se chama?) aquele importante, honesto, que não mente, nem persegue o poder, gosta de atravessar as ruas na limusine do Estado em total discrição, usa brinco não sei em que orelha, é tão zeloso que mandou classificar os documentos do Sistema Geral de Segurança da IP a que todos tinham acesso, sem que o vice-presidente da empresa tivesse conhecimento? Mas como é que o homem se chama que se me varreu o nome? Aquele que andou ao murro com o subalterno, mangas arregaçadas, aprendizagem nos bairros periférico de Nova Iorque, Londres ou Paris para não falar nos latino americanos! Possa, mas como é que uma personagem deste quilate foge do meu cérebro! Ainda por cima socialista. 

         - Eu tenho o hábito quando posso de ouvir ao domingo na Antena 2 o programa Café Plaza. O último teve como convidado António Calvário, o ilustre artista do meu tempo... hoje abandonado por estúdios de gravação, estações de rádio, televisões e grandes espectáculos. Que palavras sábias, que cabeça íntegra aos oitenta anos, que lições de vida, que voz!! Continua a trabalhar, mas foi afastado logo a seguir ao 25 de Abril e durante quatro anos de ostracismo viveu como pôde e sempre com dignidade. Depois surgiu o convite para fazer Revista à Portuguesa e o seu enorme talento ressurgiu com uma canção que andou anos na boca dos portugueses: “Mocidade, Mocidade.” Hoje luta por essa província fora a fazer espectáculos, a fazer aquilo para que nasceu, contra ventos e marés, contra a caganeira de canções e vozes estapafúrdias que por aí vai, temas não cantados porque não têm voz, não estudaram canto, falam sobre a música, toda ela banal, tuc-tuc ensurdecedor, poemas delico-doces para atrasados mentais, ou eróticos à maneira dos filmes pornográficos, formatados em karaokes de noites de bebedeira. Os grandes temas, musicados por grandes autores e compositores, quando a música era melopeia de sons que nos entrava no coração, servida por cantores de vozes sublimes, verdadeiras, nuançadas, aveludadas com arte e maestria, desapareceu absorvida por esta diarreia de vozes sem tonalidade, sem, como direi, melodia, analfabetos que se querem impor depois de terem passado por um concurso que não lhes ensina coisa nenhuma, mas serve para lhes agigantar o ego debilitado pela iliteracia e preencher os serões televisivos por truta e meia. E, todavia, há novos artistas com imenso talento – David Fonseca, António Zambujo, Salvador Sobral (depois da chacha da Eurovisão), Áurea, Catarina Deslandes – e um ou outro mais. À boa maneira dos países subdesenvolvidos, a comunicação social que os acompanha, concerta opiniões para não passar por analfabeta ou retrógrada. 

         - Assim, o alarido de desmaios que acontecem às meninas e aos meninos que se dizem universitários, cujos pais gastam uma pipa de massa para os fazer doutores, quando se confrontam com quase os mesmos salários dos técnicos disto e daquilo, portanto, hoje mais importantes que a turbamulta que as faculdades despejam no mercado, doutorados disto e daquilo, mas analfabetos. Somos o que somos, pequenos, ignorantes, convencidos, com o génio em cima puxado por sua excelência o Chefe de Estado. Mas o que Marcelo e os socialistas (não os serventuários, os de gema que os há embora em reduzido número), o que eles deviam dizer a esta juventude que só vê dinheiro, é que o ensino, a cultura é a base que engrandece um povo, o torna mais humano, mais civilizado, mais integrado no mundo de valores morais – o resto vem por acréscimo e vem quase sempre. 

         - A política andou sempre de braço dado com o futebol. Quem não se lembra dos bilhetes (gratuitos) que o corrupto Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, oferecia ao ex-ministro das Finanças, Centeno, para os jogos no estádio da Luz. Pois agora, soubemos hoje, António Costa foi assistir ao jogo ombro a ombro com primeiro-ministro Orbán, líder da extrema-direita, a convite do presidente da UEFA. Foi no Falcon 50 da nossa Força Aérea paga com os nossos impostos, ao invés de um avião privado pago pela pobre Organização. 

         - Andei a cortar os rebentos às oliveiras. Cheio de dores nas costas, fui fazer meia hora de natação. Dia equilibrado, quero dizer, trabalho reflectido no romance. Leituras, rien de rien. 


domingo, junho 18, 2023

Domingo, 18.

A mim quer-me parecer que ainda sai do inquérito da comissão parlamentar à TAP uma absolvição geral, com eleição do arrogante Pedro Nuno Santos para secretário-geral do PS e para presidente o inocente Fernando Medina. Aliás, quem ler os jornais destes últimos dias, verificará que os jornalistas de serviço, já preparam a estratégia de inocência destes cavalheiros. 

         - António Costa é definitivamente o dono disto tudo. A mais recente do aproveitador das dúzias, foi utilizar o Falcon 50 da Força Aérea Portuguesa em campanha ao cargo de Presidente do Conselho Europeu. Sua excelência, em viagem à Moldávia, para a II Cimeira da Comunidade Política Europeia, ordenou ao piloto que descesse no aeroporto da capital húngara, porque queria ir abraçar o seu amigo José Mourinho que jogava no Puskás Aréna a final entre o Sevilha e o Roma que o português treina. Socialista à moda do reviralho, Costa que tanto mal diz do seu colega primeiro-ministro Viktor Orbán, não se importou de ficar sentado lado a lado com ele, na tribuna de honra. Esta atitude serventuária ante os grandes, é apanágio dos fracos, dos imbecis; sem falar na falta de tudo e mais alguma coisa quando se serve do dinheiro que não lhe pertence para gozar e promover-se à tripa-forra. A classe política, militar, gestores públicos, etc., etc., vive num mundo de fantasia e realeza com os impostos elevadíssimos que todos nós pagamos. Há um abismo entre governantes e governados próprio dos regimes oligárquicos. Definitivamente, é para lá que caminhamos.   

         - Em compensação, como os desgraçados e pobres não interessam a nenhum socialista (estou a lembrar-me também do camarada Hollande) e por eles só se poderá alcançar o Céu, lugar que o agnóstico Costa diz não existir, ele e nenhum outro elemento do seu desgraçado governo, se lembrou de ir a Pedrógão Grande, honrar a memória das 115 pessoas que morreram em 2017 queimadas pelo fogo e as ordens erradas da Polícia. Apareceu o líder da Iniciativa Liberal e o Chega. O primeiro-ministro, decerto da sua nova casa à novo-rico de um mau gosto incrível, twittou qualquer coisa hipócrita que não convenceu nenhum dos infelizes. 

         - Anteontem o meu  iPhone depois de chegar a casa tendo ido a Lisboa e por lá ter andado às voltas, registava: lanços de escadas 13 pisos; passos 6372; horas de sono: 7 h. 55 min. Nada mau se o rapaz estiver correcto. Que estes gadgets nem sempre são o que aparentam. 

         - Um ataque terrorista levado a cabo pelo estado islâmico no Uganda fez 41 mortos. A maioria rapazes de uma escola, mas também esfaquearam e mataram as raparigas no dormitório feminino anexo. Quando se pensava que o terror tinha adormecido, eis que acorda com a sua crueldade habitual. 

         - Por aqui me fico. Vou ouvir Bernstein a dirigir Brahms na bonita sala de ópera de Viena.   


sexta-feira, junho 16, 2023

Sexta, 16.

Os dias em que consigo mergulhar no romance, são dias profundos abastados de tudo o que falta ao comum dos mortais. Há um tempo que venho preparando no meu cérebro o insólito encontro daquele que será o segundo marido de Ana Boavida. Já fiz e desfiz duas páginas e esta manhã, estando no café da Fnac ao Chiado, tentei de novo construir a cena. Não foi um passo em falso, mas também não me parece que tenha preparado psicologicamente o leitor para a entrada daquele que alterará radicalmente a vida da minha heroína. Terei de tentar quantas vezes for necessário, porque essa história de inspiração é própria de estreantes e amadores. 

         - A BBC diz que viajavam no barco da maior tragédia migratória 700 pessoas, o canal 2 (francês) fala em 600, o Público adianta 750, entre as quais várias dezenas de crianças. O que se sabe de concreto é que só 104 foram resgatas com vida. Um horror! Um náufrago gritava: “Quero a minha mãe!” O hipócrita Governo grego, decretou um dia de luto nacional, mas nada faz, nem tem feito, para amparar quem arriba aos seus portos. Pelo contrário. São os que fogem dos seus países por diversas razões, que evitam (por conhecimento) acoitar-se à Grécia. Por seu lado a UE fecha os olhos, finge desconhecer os dramas, está-se nas tintas para as vidas humanas que terminam nas praias espanholas, italianas, turcas ou gregas.  

         - Assistimos a mais uma sessão no Parlamento sobre a TAP – essa nojeira-merdalheira que os socialistas nos oferecem diariamente. O senhor das esquerdas do partido, quer que passemos por idiotas e dá loas à sua passagem pela CP e companhia aérea. Seja. Todavia, os trabalhadores dos comboios estão em greves sucessivas há pelo menos três meses; a TAP está esfrangalhada; a mim nunca me devolveram a viagem que não pude fazer em 2021 devido à pandemia à Hungria; o lucro completamente estapafúrdio que ele diz ter conseguido quando dirigiu a TAP, se aconteceu, foi à conta daquilo que ele proibiu aos privados de fazer. Eu não suporto estes cangalheiros da democracia, todos empinocados, senhor deputado para aqui, senhor deputado para ali, excelência isto, excelência aquilo, é-me ridículo, falso, provocador do estado de inércia e corrupção em que o pais se encontra. O João Corregedor ainda não se libertou do clima de insurreição espanhola que varre a Assembleia da República. Quando vem ao meu encontro, se for na Brasileira, digo-lhe: “João, assim engravatado, de fato completo, é para ires ao encontro dos camaradas. Por isso, desce ali a Rua do Alecrim, vai até ao Cais do Sodré, vira à direita e ao fundo vez um mastodonte edifício é lá que tens de entrar.” Ri-se.    


quinta-feira, junho 15, 2023

Quinta, 15.

Se foi possível a UE unir-se em defesa da Ucrânia e por acréscimo à sua própria protecção, por que razão ao fim de tantos anos e tantas mortes e humilhações e abandonos e fome e dor e sofrimento vividos por milhares de seres humanos fugidos da guerra, da escassez alimentar, da miséria, dos tiranos; os 27 países que compõem a União, não se põem de acordo de forma a acolher com humanidade os infelizes que arriscam a vida, atravessando mares e nações, em condições inumanas para se abrigarem junto de nós! Todas as semanas e meses, barcos abarrotados de infelizes chegam às costas do nosso continente e muitos morrem à vista do seu sonho, como foi agora o caso do naufrágio de 59 pessoas de 100 resgatadas na costa sul da Grécia. Os líderes mundiais parecem só se preocupar com as suas economias, o PIB, as negociatas, os votos, deixando para último plano a ajuda e a solidariedade que enobrece e salva da morte crianças, jovens, mulheres e velhos. Esquecemo-nos que somos filhos de uma geração que fugiu da guerra e encontrou abrigo e paz em países insuspeitos que os acolheram de braços abertos. 

         - Outro escândalo no futebol: tráfico de adolescentes. Pelo menos 15 jogadores foram vítimas, muitos vindos da América do Sul e Médio Oriente. Prometeram-lhes contratos e formação, mas o que tiveram foi depressões e abandono. O SEF fez buscas na Bsports Academy, uma escola de futebol em Riba d'Ave e Famalicão. A escola vende um programa de treino e está legalizada como entidade profissional com autorização do governo português. Os adolescentes foram aliciados nos países de origem, por olheiros e empresários, com a promessa de treino e contrato com os principais clubes. As famílias pagam entre 500 e 1000 euros por mês pela estadia dos menores em Portugal. As pressões chegam a surripiar os passaportes e manter os rapazes fechados, num clima insuportável, muitos fugiram. Há pelo menos um suspeito de tráfico de seres humanos: Mário Costa. Este cavalheiro, ocupava o alto cargo de presidente da Mesa da Assembleia Geral da Liga Portugal. Admiram-se? Eu nem um pouco. 

        - Domingo passado, não podendo deslocar-me a Setúbal para assistir à missa, liguei a RTP1. Então não é que o pároco de serviço naquela igreja da Madeira, era o célebre padre Tony! Desliguei o aparelho com o pensamento nas desculpas que devo ao Senhor, mas não suporto um sacerdote que consulta o relógio, fala barato, nervoso, profissional até dizer chega. Ele, naturalmente, pensa que os jovens acorrem à igreja atraídos pela sua modernidade. 

O terraço na sua exuberância de Verão, com as hortênsias a sorrirem aos dias e tardes soalheiras...   


... de tal modo que também invadem o interior da casa com a sua presença serena.   




quarta-feira, junho 14, 2023

Quarta, 14.

O multimilionário a quem não foi suficiente a fortuna e procurou na política o que a riqueza não lhe pôde dar, de seu nome Silvio Berlusconi, faleceu anteontem aos 86 anos. Muita tinta sobre o homem, mas quem pôs sobre a poeira de tudo o que se escreveu e ouviu o mais acertado epitáfio, foi Jorge Almeida Fernandes, ao escrever: “Gostava de estar sempre no palco, mas governar aborrecia-o. A herança governamental é um imenso vazio.” 

         - Ainda não abrandou a discussão sobre os cartazes que mostraram António Costa com focinho dum porco e foram exibidos por alguns professores nas comemorações do Dia de Portugal, em Peso da Régua. O visado diz que os cartazes são racistas e eu compreendo o que ele quer dizer. Seja como for, quem sai sujo desta lamentável comédia, são os professores enquanto classe, embora só uns poucos estejam envolvidos na cena canalha. Marcelo, mais uma vez, marcou a diferença. Também a sua imagem estava maltratada pelos mesmos professores, mas ele não se indignou dizendo que só o ofende quem ele deixa e não quem quer. 

         - O moribundo presidente da Bielorrússia, veio a terreiro fazer uma ameaça que devemos levar muito a sério: se se sentir atacado, não hesitará em utilizar a arma nuclear. Parece que os oposicionistas internos, querem tomar o poder antes da chegada do armamento nuclear estratégico porque, acham e bem, então ficarão sob o jugo absoluto de Putin.  

         - Calor q.b. De manhã andei a capinar com um sacho, li uma hora e trabalhei outra no romance. De seguida fui fazer trinta e tal minutos de natação. Ninguém a estorvar-me e, nessas condições, pude ficar um pouco mais tempo. Este sol ainda não queima ou antes talvez abrase, mas como desce do céu limpo, brilhante, saudável, recebo-o com gratidão e exponho-me com jovialidade. Ele vem trazer-nos aquilo que este desgraçado país não nos dá – o conforto quedo de nos sentirmos sossegados e felizes. Voltei a montar o Estio lá fora: almofadas, colchões, cadeiras, chapéus de sol. Levei para a biblioteca de cima uma trintena de livros que comprei entre Paris e a Feira de Lisboa. E o tempo para ler tudo isto, onde posso eu comprá-lo? 


terça-feira, junho 13, 2023

Terça, 13. 

Antes que me esqueça, quero deixar um louvor à jovem médica de Medicina Interna, Dra. Diana Carvalho Pereira, que teve a coragem de denunciar as práticas hediondas dos seus colegas no Hospital de Faro. Enfrentando a sua pouca prática médica, mas sabendo já distinguir como se tratam os doentes, investe sobre os seus colegas barões da medicina, que se permitem causar danos irreparáveis aos pacientes. Foram 11 os casos de erros e negligência no serviço de cirurgia entre Janeiro e Março deste ano. Três morreram, dois estão internados nos cuidados intermédios, os restantes tiveram lesão no corpo associada a erro médico, que vai da castração acidental, perda de rins à precisão de colostomia para o resto da vida. Na altura os médicos-funcionários públicos irresponsáveis, riram-se da sua queixa e abandonaram-na na prática corrente do exercício da medicina. Hoje estão todos suspensos e vários a contas com a justiça, a Ordem dos Médicos, o Hospital de Faro. Sábado passado, a Dra. Diana Pereira escreveu um artigo no Público (por sinal muito bem escrito, coisa rara na classe médica) em que diz: “É suposto fazer o luto por cada doente que morre.  Não é suposto desvalorizar porque “é mais uma vaga”, como em tempos eu e outros profissionais ouvimos dizer, perante uma verificação de óbito.” Claro está, estes médicos são a vergonha de uma classe, grosso modo, diferente. Por isso, daqui agradeço a Dra. Diana Carvalho Pereira o seu gesto arrojado. E para provar que nem todos os clínicos são deste quilate, há uns anos já, vi o meu amigo Dr. António Nunes, escrever preto no branco que um colega tinha feito um erro grosseiro num acto médico.  

         - Ontem fui com o João Corregedor à Feira do Livro. Almoçámos por lá e ficámos que tempos à conversa na esplanada. Não se falou propriamente de política, mas abordou-se o estado calamitoso em que vivemos sob a égide de António Costa. Eu disse-lhe: “Embora não aprove nada do que Costa tem feito (ou não tenha o que vem a dar no mesmo), mas não esqueço que ele é um democrata ferrenho. Dois exemplos: quando da covid-19 ele podia ter controlado isto tudo e, pelo contrário, portou-se com dignidade dignificando democracia. Outro: Os governos anteriores ao seu, andaram de joelhos diante da UE, ele ergueu-se, erguendo-nos impondo a sua visão económico-financeira, forçando a sua personalidade e saindo vencedor do desprezo que antes a União tinha por Portugal. Ele colocou-nos em pé de igualdade. Longe vão os tempos em que o boçal Sarcosy e aqueles senhores dos países nórdicos e mais a Holanda, com desprezo a mão sacudindo para longe os que “só sabem gastar e não produzem nada”. De livros trouxe Pierre Hadot, Bohumil Hrabal, Katherine Mansfield, Paul Bowles, Seneca.  

         - Voltei à natação. Não aqui porque pelo arranjo da ruptura de um cano e substituição dos skimers, pedem-me uma fortuna. Talvez este ano não me aventure. 

         - A vinha é uma planta selvagem. Até onde os meus olhos se estendem, o mar castanho da desgraça ficou a magoar a paisagem, o dono destes muitos hectares nunca mais veio por aqui. Eis senão quando, a chuva caiu. Logo este espaço imenso sorriu de um verde cintilante transformando completamente o vinhedo morto num sopro de vida. 


domingo, junho 11, 2023

Domingo, 11.

Continuando. Os socialistas já tinham inventado a arte de mentir, criaram também agora o génio de empobrecer. Arvoram-se em grandes mestres de finanças ao ponto de toda a União Europeia estar a depauperar-se, enquanto nós estamos inchados da boa vida, do dinheiro que corre a jorros nos bolsos dos portugueses, da vida bela que cada um leva, do crescimento de 2 pontos e qualquer coisa... É o maior embuste que a democracia conheceu, não esquecendo que foram eles que descobriram as cativações e a arte de anunciar um decreto antes de ele ser rubricado, estender depois uma aranha densa na sua aplicação, cheia de condicionantes, avanços e recuos, até que no ar fique somente as intenções virtuosas de um partido preocupadíssimo com as condições sociais do povo.  E, todavia, é tão fácil de compreender. Se eu não gastar o que recebo, e for acumulando atinjo uma confortável conta bancária. Quem olhar o montante dirá: “Este tipo é rico. Tem uma data de massa à ordem no banco.” É mais ou menos isto que a dupla Costa-Medina faz. Retêm para passar uma imagem de contenção e seriedade em Bruxelas, mas Portugal vai definhando sem investimentos, reformas, salários condignos, o SNS a mirrar, os professores na rua há quase um ano (dito isto, não acho digno de professores, os cartazes de Costa exibidos em Peso da Régua), a pobreza a crescer, o quotidiano de dez milhões de seres humanos reduzido à comiseração, às esmolas, a corrupção instalada, os ordenados criminosos dos amigos, a máfia política à solta e passo. Perguntar-me-ão: “E quem queres tu pôr no poder?” Tanto me faz. Já não voto em partidos, voto em pessoas. Sei que o líder do PSD é medíocre, disse-o há muito tempo, conhece o jogo de governar deixando tudo como está, na linha de António Costa que paralisou completamente o país em sete anos de (des)governação e ele segue no mesmo sentido. Nunca se lhe ouviu uma ideia, um programa claro; só o panegírico corriqueiro daquilo a que Costa chama “fazer política”. Portugal, em 50 anos de democracia, definhou moral e eticamente; a luta pelo poder não tem em conta os interesses da comunidade; os partidos são grupos de arruaceiros; os portugueses mereciam melhor sorte. 

         - Leio sempre com toda a atenção as crónicas de Teresa de Sousa no Público. Nem sempre estou de acordo com ela, mas quase sempre partilho da sua visão do mundo. No artigo de hoje, “Putin como Estaline”, aborda o hediondo bombardeamento à barragem de Kakhovka. Segundo o jornalista do Independent, Gay Walters, a ordem veio de Putin, simples e eficaz, rebentem com a barragem; acrescenta a cronista: “A ordem veio de Estaline. Foi dada em Agosto 1941. Era a forma mais fácil e mais bárbara de conter o avanço das tropas nazis na região ucraniana de Zaporijia. Calcula-se que tenham morrido entre 120 mil a 180 mil pessoas.” Quando pouco tempo antes, acrescento eu, a união entre nazis e as tropas de Estaline era perfeita. Mais adiante, a propósito da guerra, continua a jornalista: “Quanto à guerra, há centenas de jornalistas da imprensa livre no terreno, há satélites, há informação dos serviços secretos ocidentais, há explicações operacionais dos militares americanos e europeus – um manancial de dados que a imprensa livre escrutina diariamente. Na Rússia, pesa o silêncio próprio das ditaduras. Quem critica a invasão fica sujeito a uma pena que pode ir até 15 anos de prisão.”   

         - Na mesma edição do jornal, tenho prazer em ler todos os domingos Frei Bento Domingues. Devo confessar contudo, que nem sempre assim foi. Só muito tarde o comecei a espreitar e depois a ler com atenção. Isto porque, muito cedo, percebi de que lado estava sua reverência e non mi è piaciuto a mensagem escondida nas entrelinhas. Como hoje, quando leio: “Neste momento, vivemos num mundo afectado por várias guerras. A única tarefa que os cristãos devem incentivar é a procura da paz baseada no diálogo que envolve um processo diplomático, sempre demorado, mas incomparavelmente mais rápido e eficaz do que a continuação dos conflitos e da guerra.” Os comunistas que quase desapareceram do mapa, rejubilam. Eles também querem a paz, mas a paz que não toque no que a guerra roubou. Em Setembro de 1949, Truman, anunciou que os russos tinham a bomba atómica. Desde então para cá, o mundo vive num quadro frágil onde se confrontam democracias e autocracias. Umas e outras querem a paz. Mas enquanto as primeiras podem dispor do seu destino, em liberdade; as segundas subjugam e condenam os cidadãos ao ostracismo dentro das suas próprias pátrias. Quem decide no segundo caso pela paz ou pela guerra? Este pensar de sua excelência, é para além de padronizado também datado. É uma forma de dizer do tempo do fascismo, da esquerda do Largo do Rato, que hoje está do lado de Putin, gritando pela paz. 

         - Anteontem fui à Feira do Livro. Estive de manhã com o João e o Carmo na Brasileira. O Carmo diz que o João está muito mais calmo e já não atira postas (apetecia-me bostas) de pescada marxistas por dá-cá-aquela-palha. Ainda bem. Todavia, eu estou sempre de pé atrás. Bom. Fui. Subi a ala direita e desci. Aquilo está muito mais longo que em anos transactos. Pouca gente. Tempo ameno. De manhã tinha chuviscado. O que me lá levara, encontrei no stand da Gulbenkian – o terceiro volume dos textos filosóficos de Marco Túlio Cícero. Depois, quando desci, espreitei vários stands e comprei o volume póstumo do Diário de Vergílio Ferreira apresentado pelo meu saudoso amigo Helder Godinho. Como acho já ter dito aqui no ano passado, a feira para mim representa muito pouco, porque sou informado ao longo do ano das publicações e vou comprando o que me interessa. 

         - Tudo nos tempos modernos tem um nome. Assim as tempestades e outras sinistras faces de revolta da Natureza. Este Óscar que nos visitou a semana passada, semeou desastres e prejuízos imensos à sua passagem. Como vivemos em depressão permanente, passamos a doença às sacudidelas furiosas do clima, esta foi a “depressão do Óscar”. 

         - Alguns dias depois de ter chegado de Paris e como é meu hábito, trago o necessário para uma boa raclette entre amigos. Os que convidei, sobretudo a Maria José, ficaram doentes ao verem o desastre em que está transformado o oceano de vinha do meu vizinho. Cada um aventou uma hipótese, mas nenhuma delas encaixa no crime ambiental que aqui aconteceu. 

         - Ontem e hoje, várias horas de trabalho neste registo. E o romance? Cala-te. 


sábado, junho 10, 2023

Sábado, 10.

Semana trágica para a Ucrânia. Em Kherson uma criminosa acção russa, destruiu a barragem de Kakhovka inundando um vasto território de 600 quilómetros levando casas, haveres, e causando a morte a pelo menos a dois cidadãos. Na região de Mikolaiv, no afluente do rio Dniepre, outra vítima e mais o desespero de 2200 pessoas que as autoridades tiveram de socorrer. Vi na TV uma ucraniana aflita à procura do seu cão e quando o encontrou, exclamou com ele nos braços: “Oh, (nome do bicho) estás aqui!” e na divisão ao lado, lamenta: “os meus livros como ficaram!” Um povo assim merece todo o nosso apoio, a par da dedicação aos animais, também o amor à cultura o engrandece. Ele é a linha forte que nos impede de ter a guerra na Europa. Glória a ele e à Ucrânia! Dito isto, no jogo sujo de quem cometeu aquela iniquidade, eu inclino-me perante as circunstâncias, para Putin – é próprio da sua natureza o desprezo pelo ser humano, pela vida seja qual for a sua forma e condição. 

         - Marcelo está em Peso da Régua, o local escolhido para festejar o Dia de Portugal. À chegada dos convidados, entre eles um tal Galamba, os populares vaiaram-no. O Presidente da República no discurso que fez este ano, justapôs uma metáfora: “É preciso cortarmos os ramos mortos, que atingem a árvore toda” referindo-se ao Governo socialista. Pois eu, se tivesse poder para isso, podava a árvore toda, deixando um único rebento na pessoa do ministro da Administração Interna, senhor José Luís Carneiro – é a única pessoa séria e competente deste executivo.   

         - Insisto para mim próprio: não desmereças da humanidade. Diante dos teus olhos, dois factos recentes o provam: aquele rapaz francês de 24 anos, de nome Henri, estudante de filosofia, católico, que anda em peregrinação pelo país a visitar as catedrais francesas, estando de passagem por Annecy, investiu com a única arma que possuía - a mochila -, contra um desvairado que havia entrado num parque infantil, atacando com arma branca várias crianças entre o 1 e 4 anos. Algumas estão hospitalizadas em estado crítico. Macron, à maneira francesa que Marcelo imita e bem, foi juntar-se às crianças e aos seus familiares. Dirigindo-se ao herói que com coragem enfrentou o criminoso, perguntou-lhe como lhe poderia agradecer. Henri, respondeu: “Apenas com um convite para a reabertura de Notre-Dame de Paris.” 

Desta vez estou convencido que se tratou de um milagre. Quatro crianças que estavam desaparecidas há 40 dias, na sequência da queda de um avião, onde viajavam com a mãe e outras pessoas (todas mortas), na floresta amazónica da Colômbia, foram encontradas com vida. Elas pertencem ao grupo indígena Uitoto e foram descobertas graças às insistentes buscas das autoridades que, para tal, gravaram uma mensagem da avó para os netos. Os altifalantes foram colocados na aeronave, e as crianças, entre os 11 meses, 4, 9, 13 anos, ouviram a voz da anciã e esperaram que as fossem resgatar. No tempo que passaram sós na floresta, comiam o que viam a avó comer. Foi graças a este método que sobreviveram. Bela história. 

         - Bruxelas anunciou que a UE entrou em recessão. Portugal diz estar livre deste zorrague. É mentira como é falso tudo o que o actual governo diz. Amanhã explicarei por que digo isto. Os portugueses sabem na pele que estão em recessão, basta perguntar a qualquer daquelas meninas que têm a caixa dos supermercados, elas sabem mais e profundamente de finanças que o sacristão de Costa. 

         - Fui esta manhã ao mercado dos pequenos agricultores, em Pinhal Novo. Tenho lá três valentes vendedoras a quem compro tudo o que necessito. Nunca sei os seus nomes e, portanto, invento um para cada uma todas as semanas. Hoje deu-me para chamar a uma mulher baixa, sempre vestida de negro, semblante alarmista onde o sofrimento se instalou e ela aproveita para montar um carácter variante, senhora Umbelina. O filho que trabalha com ela, logo desatou a chamar-lhe assim, e as freguesas que eram uma meia dúzia, achando graça, diziam: “Dona Umbelina, um quilo de cebolas” e assim. Às tantas, toda gente que se aproximava, chamava pela senhora Umbelina. A visada, chateada, atira: “Vão todas para o c. mais a Umbelina”. Zarpei.   


quinta-feira, junho 08, 2023

Quinta, 8. 

Ontem passei na Brasileira a caminho do Gama Pinto onde tinha aprazado um exame ao estrabismo. Estrabismo que desapareceu provavelmente porque comecei a tomar Luteína. Bref. No velho hospital que eu tanto gosto, pelos diferentes gabinetes por onde tive de passar, só encontrei gente fabulosa: médicos, enfermeiros, técnicos. Por isso, custa-me deitar a baixo um sistema que possui gente de grande generosidade e competência. Não me lembro de alguma vez ter tido razão de queixa de quem quer que fosse nos (poucos) hospitais onde fui assistido. Desta vez porém, nem tempo tive para me sentar naquelas cadeiras duras do tempo de Salazar, e poucas páginas avancei no livro de Henry de Montherland que levei comigo. A médica precisa de mais exames para se enriquecer de forma a formar uma conclusão acerca do meu olho direito.  

         - O livro de António Costa Gomes, ainda não subiu à biblioteca de cima, porque raro é o dia que não releio os sublinhados. Trouxe do primeiro andar a obra que Yourcenar consagrou ao imperador, Mémoires d´Hadrien, para confrontar certas situações e rever este extraordinário livro que a escritora levou vários anos a pensá-lo e depois a compô-lo. O seu labor, estende-se por muitas cartas guardadas nos dois volumes de correspondência que a Gallimard editou há uns anos. Trouxe também aqui para baixo os massivos in-fólios (1543 p.), com as missivas trocadas com este e aquele historiador, este e aquele escritor ou leitor. O livro centra-se na construção da vila de Tivoli onde eu estive na companhia do Simão e por lá andámos a espreitar as recordações deixadas pelo imperador em memória do seu amante. Que conheceu com treze anos e até à sua morte, pelos dezanove anos, quando morreu afogado no Nilo segundo a lenda por amor e oferta aos deuses que prolongassem a vida do imperador. Não se sabe ao certo se foi acidente ou a vontade de o jovem eternizar o imperador. O que a partir daí aconteceu chega aos nossos dias na forma de inúmeros templos e até uma cidade, Antinoópolis, que Adriano erigiu forçando a deificação do jovem que nunca mais saiu do seu coração e se transformou numa obsessão na forma continuada de recordações e na saudade brutal que o abateu. A construção de Tivoli nos arredores de Roma, foi a forma que Adriano encontrou para permanecer com o amigo até a sua própria morte e levantar do chão todas os semblantes artísticos que o eternizassem. Cada estátua, cada altar, cada espaço de jardim, cada espelho de água tem a marca daquele que nunca mais o largou e que a morte não foi suficiente para os separar. 

Que tinha de tão especial o jovem Antinoo para além dos seus treze anos, que levou o imperador a sentir-se preso à sua natureza? Possuía aquilo que mais ninguém abarca: a singularidade que cada um carrega e o torna exclusivo. Claro, ao primeiro impacto, há algo que nos atrai independentemente da cultura ou da natureza obtusa que os nossos olhos captam. No caso presente, fora a voz do adolescente cantando ou declamando versos no meio da vinha, em Bitínia. Adriano, homem sensível, ouviu e viu um adolescente imprevisível, foi esse sentimento que o levou a pedir autorização aos pais para o levar consigo; para outros, nobres ou povoléu, um trejeito, um rosto, um cheiro, que sei eu, uma sintonia de obsessões que se materializam no objecto dos nossos desejos. Aquilo que nos faz únicos procura aquilo que no outro é singular. Como não há nenhum ser humano que seja idêntico, a escolha parece difícil no meio de tanta singularidade. Subjaz, todavia, um mistério que faz unir duas pessoas e permanece escondido aos olhos de toda a gente e inclusive dos próprios: a incógnita da preferência, os atributos que foram reunidos para a atracção e depois para a vida em comum. 

Antinoo, veio a descobrir mais tarde Adriano, encerrava em si apesar da extraordinária beleza física, um mistério, uma vida interior que se reflectia no olhar, na presença de algo que o paralisava, mesmo nos momentos íntimos quando os dois comungavam da natureza sensual que os unia, o jovem parecia ausente, perdido em mundos elegíacos. Adriano morre sem nunca ter podido decifrar o enigma chamado Antinoo, embora já em Tivoli, tivesse interrogado poetas, filósofos, rapazes do tempo do amante, numa busca perdida por retornar à presença do amor desaparecido tão cedo... O Senado inquieta-se e envia a Tivoli senadores capazes de levantar o moral do velho imperador, mas este corre com eles: “Deixem-me aproveitar a minha melancolia. Desejo aprender com ela. A minha angustia só a mim pertence e não quero partilhá-la com o Senado.” Quando Antonino Pio quis divinizá-lo, Adriano respondeu: “Eles não vão divinizar-me como fizeram a outros imperadores. Na realidade eu não sou divino. Sou apenas uma alma errante.” E de seguida: “Ao contrário, eles devem venerar Antinoo. Os seus bustos encontram-se em todo o Império, mesmo em sítios mais recônditos. O seu Templo, está quase acabado”, referia-se, suponho, ao santuário de Tivoli. A depressão nos últimos anos de vida era tal e tão profunda que Adriano, o grande imperador que ergueu o Império de forma tão grandiosa, parou as guerras, desenvolveu e administrou como poucos antes e depois dele, levou Marguerite Yourcenar a afirmar que se fosse só devido ao seu amor por Antinoo, importante contudo, ela não o teria imortalizado na obra acima referida. Adriano foi o vasto império, mais o outro lado que tanto prazer e aprendizagem lhe trouxe, mais a poesia e modos diferentes de viver a vida, de governar e preencher o seu coração, de olhar o seu próprio corpo. Plotine e Antinoo foram para Adriano duas formas diferentes de amor. 

Pelo menos duas vezes Adriano desafia a morte, desesperado pelos dias vazios do corpo do favorito. A Vila Adriana povoada de escravos e artistas, não é suficientemente atractiva, nem lhe traz de volta aquele que o seu coração não suporta a ausência. Antinoo ensinou-lhe que na vida há diferentes caminhos e todos podem ser caminhados, trouxe-lhe a musicalidade dos dias, a alegria da fusão de dois corpos num só, o encantamento das horas deitados lado a lado, olhando o firmamento estrelado das noites da Síria ou do Egipto, irrigou o seu interior de reminiscências suaves, humanas, frágeis e fortes, sentiu as suas mãos percorrer o seu corpo como memórias ancestrais que não perdoam ao tempo um olhar terno na contemplação de dois amantes enamorados. No desespero em que se transformou a sua vida, Adriano ordena a um escravo egípcio de nome Borio, por quem tinha afeição por lhe recordar Antinoo, que o matasse. O tempo passa e o escravo não vem para executar a ordem. Adriano vai no seu encalço e é informado que Borio se suicidou nos hangares da obra onde trabalhava. Segue-se outro escravo que igualmente recusa a ordem e finalmente o seu médico pessoal – nenhum teve coragem de atender a semelhante loucura. Até que é o próprio que vai tentar o feito saindo ferido. O oficial que o acompanha diz-lhe sendo ele o imperador de todos os romanos, pode alguém matá-lo! Resposta: “A maldição de Sartoriano vai acontecer. Eu que desejo morrer e não posso. Eles expulsam-me da vida e da morte.” Todo o drama do imperador, parece contido nesta perplexidade do livro La Sérénité Passionnée: “Il comprit mieux certaines nuits avec Antinoûs. Il sentit tout ce qu´il y avait de vitalité désespérée dans sa relation avec Antinoûs. Comment le garçon lui avait donné tout l´oubli qu´il y avait dans son corps. Comment même, avec ses caresses, il lui avait offert ce qu íl n´avait pas."




segunda-feira, junho 05, 2023

Segunda, 5. 

O desplante, a capacidade de iludir, mentir e absorver os impactos sociais disso tudo, é a marca que ficará da governação socialista orientada por António Costa. Há quem aprecie e diga até que o homem é hábil, inteligente, sabe manobrar, mas eu que vivo à distância e desse lugar observo imparcialmente, digo que é desonestidade, falta de ética, abandalhamento da democracia, supremacia. Não me esqueço quando estava no activo e lidava com empresários de vários sectores industriais, ouvia com frequência dizer que apreciavam mais o governo socialista que o social-democrata. E tinham razão, e sabiam de que falavam. Os socialistas – vou repetir-me – adoram dinheiro, riqueza, o fausto que ele projecta nas suas vidinhas antes pobrezinhas. Daí que estejam sempre prontos a atender, a tombar para o lado dos que julgam possuir o poder que dá um punhado de notas. Foi o que aconteceu com os Certificados de Aforro. Os banqueiros refilaram que os clientes debandaram a pôr o seu querido dinheiro nos rentáveis papéis do Estado e logo Costa, com aquele sorrisinho macaco que exibe com frequência, atendeu às suas súplicas e, expondo a arrogância que a maioria lhe (não) deu, criou outra emissão dos referidos certificados, mas com um rendimento mais baixo. Toda a gente percebeu que foi a Banca que impôs a acção, Costa e o seu secretário de Estado das Finanças (pobre homem cheio de dificuldade em provar o contrário) de joelhos, indiferente à classe média que vive no limite, serenou os insaciáveis banqueiros, à frente dos quais está o algoritmo da CGD. 

         - Depois, bem depois temos o eterno folhetim da TAP, à cabeça do qual aquela figura com ar periférico mas... socialista. O que chegou dos Açores e já vinha com a lição estudada, diz que o povo está farto dos episódios da referida telenovela. Fala em nome de todos nós, como se lhe tivéssemos passado procuração para tal e passando por cima das últimas sondagens que vão, precisamente, contra as suas afirmações. Por outro lado, o patrão diz que o povo lhe deu a maioria e, nessas condições, o Presidente da República e a oposição têm que ouvir e amochar. Sim, deram-lhe a maioria, mas foi na condição que cumprisse o que prometeu, coisa que está muito longe de acontecer. O país parou, literalmente, nestes derradeiros sete anos, e de nada adianta fazer de todos nós um número abstracto de almas para quem só conta a economia que, diga-se de passagem, eu não acredito. Sei como é fácil manobrar números, comprar pareceres, trocar as voltas às percentagens e assim. O país não tem investimento, vive de contas de merceeiro que António Costa tanto gosta, do turismo que não traz nada de proveitoso e pode de um ano para o outro arribar a outras paragens deixando-nos ainda mais pelintras. Estamos transformados num país de restaurantes, hotéis, comes e bebes; impusemos o pastel de nata e julgamos que somos o mais rico da Europa. Outro dia, estando em Beauvais (França), sou abordado por uma senhora que trabalhava na câmara da cidade. Quando lhe disse que era português, a mulher, vibrante, diz-me que tinha estado em Lisboa. Pergunto-lhe o que achou da cidade, resposta: “Adorei pastéis de natas.” É esta merdelhice de imagem que têm de nós – não passamos dum pastel de nata. 

         - Comecei  e terminei de cortar a relva em frente ao salão. 

         - A propósito da nova ideologia de que a esquerda se apropriou no século XX, perdidas todas as outras que anteviam o paraíso na terra, estando a reler o diário de Julien Green, esbarro nesta entrada, (13 de Julho de 1949): “Chaleur torride. Hier j´ai noté 49º au soleil.” (p. 744) Rien à dire.  

sábado, junho 03, 2023

Sábado, 3.

Na Índia é frequente haver acidentes de comboios. Desta vez aconteceu mais uma colisão entre três apinhados de passageiros e o número de mortos até ao momento cifra-se em três centenas e mais de um milhar de feridos. Horror! Horror! 

         - Henry de Montherland no seu livro Un Voyageur solitaire est un diable, cita Saadi: “Dans le délire de l´amour, ce n´est plus seulement la voix du chanteur, c´est le pas rythmé du cheval qui devient lui aussi un concert mystique.” 

         - Atirei-me às regas: árvores e flores. Quando saí depois da sesta, estando o interior da casa muito fresco, apercebo-me do forno que ia lá fora. Começa assim o calvário que vai durar até ao final de Setembro e talvez mesmo Outubro. Todavia, a surpresa maior, foi quando duas horas mais tarde ouço trovões e pouco depois a chuva começava a cair e ainda a ouço bater nas janelas quando são 17, 30.     

         - Toda a semana avancei um tanto no romance e por si só este facto traz-me vida à vida. Ontem saldei até o dia com uma página escrita sem esforço. Prouvera a Deus que todos os dias fossem cheios deste labor lento e obsessivo, deste rumor íntimo, traçado no fundo das manhãs como signo e sinal duma existência absoluta.  “L´art m´aide à saisir la vie”, dizia o imperador Adriano. Como eu o compreendo. 

         - De reter por absolutamente cristalino este registo onde não entrou a nojeira da política e seus adoradores. 


sexta-feira, junho 02, 2023

Sexta, 2.

É infelicidade nossa e da democracia, vivermos num país de políticos sem nível, sem moral, sem cultura, banais, medíocres, arrogantes, corruptos, convencidos e julgando-se superiores aos seus concidadãos que desprezam com ódio de classe que adquiriram na selva partidária. De contrário, não teríamos o espectáculo todos os dias no Parlamento, que devia ser a sede de todos nós, onde praticam palmadinhas nas costas untadas de ambição, alheios ao país real, num jogo que os diverte e enche o tempo pago por todos nós com língua de fora impostos exagerados que eles condenaram a Passos Coelho. Os verdadeiros problemas, como este da velhice, abandonada nos hospitais por não ter para onde ir, desde Março deste ano 1675 portugueses, mais 60% do que no ano passado, ainda por cima sob um governo dito socialista. É revoltante. É indigno. Todos lutam pelo poder e uma vez alcançado, governam-se a si próprios, enchem-se como podem, tentam altos cargos lá fora, fazem pela vidinha airada e egoísta que os provincianos ignorantes e os ambiciosos dizem depois serem o orgulho nacional. Nesta dança de interesses, ficam para trás os autênticos deveres do Estado e o país apodrece mergulhado num pântano de dor e tristeza. Falhanço sobre falhanço, conduz-nos necessariamente a uma qualquer ditadura. Nesse momento eles fogem, covardemente, para países que os acolhem e daí voltam a debitar as filosofias falsas e hediondas que mergulharam nas trevas os seus compatriotas largados à sua sorte. Uma vez mais. 


quinta-feira, junho 01, 2023

Quinta, 1 de Junho. 

Fui pela primeira vez desde que cheguei a Lisboa estar com a malta da Brasileira. Lá encontrei o Virgílio, a Luísa, Carmo e Castilho. A nossa mesa era uma ilha no meio do oceano de línguas e personagens de todas as nações. Tempo esplêndido. Depois desci o Chiado com o António e esbarrei com uma banca de livros velhos. Não resisti e comprei um livro fanado por cindo euros. Trata-se da obra de Gide La Symphonie pastoral (edição Gallimard de 1939) que não me lembro haver lido, dedicado a Jean Schlumberger de quem falei no início deste ano nestas páginas. Bref. Dei um salto de seguida à CGD e de imediato ao C.I. onde almocei no restaurante bem e a preço correcto. 

         - Quando regressei a casa, no Fertagus, entrou a dada altura um rapaz alto, em calções, perna salpicada de pelos negros q.b., traseiro redondo bem desenhado disposto de forma empinada, coxas fortes e bem formadas, rosto normal de sobrancelhas aparadas, o lábio inferior carnudo, o superior quase inexistente, todo ele mostrando um ar desafiante sob fundo ameaçador, irritantemente sensual, como a dizer “que todos me admirem, pois não estou aqui para outra coisa”. Devia rondar os dezoito anos insolentes. É um dos modernos onanistas que ignoram de que lado está a masculinidade. 

         - Respigo do Público: “Zeinal Bava foi condenado no Brasil a duas multas de 170 milhões de reais, equivalente a 31,5 milhões de euros. A condenação por parte da Comissão de Valores Mobiliários do Brasil diz respeito a dois processos sobre a operadora brasileira Oi, que foi liderada pelo português após uma parceria com a então Portugal Telecom.” E lembrar-me eu que este senhor foi durante anos louvado pela impressa portuguesa como o melhor PDG da Europa (ainda não se aplicava a sigla CEO como fazem hoje os saloios e pacóvios políticos e gestores da banca e de outros negócios)!