segunda-feira, fevereiro 28, 2022

Segunda, 28.

Foi bonito de ver milhares e milhares de pessoas gritando pela Ucrânia. Embora só possa oferecer lágrimas e palavras, comecei o dia de ontem assistindo a missa em favor da Ucrânia e da sua gente. No meio da multidão, muito oportunismo político-partidário com os principais líderes dos partidos que convocaram a manifestação a sobrevalorizar atitudes e bênçãos em que não acreditam e sempre combateram em sentido contrário. Bom. Hoje está agendada uma reunião entre a Ucrânia e a Rússia na fronteira do inimigo bielorrusso. O heróico Presidente diz não acreditar num bom resultado e tem razão. O seu trabalho e resistência, não deve ser desconsiderado por um louco e assassino. Nesse entretanto, o barulho dos canhões não vão parar, talvez até se intensificarão aproveitando a expectativa do encontro. No meio da contra-informação reinante, apenas se sabe com certeza, é que Kiev não caiu, contradizendo a expectativa dos comunistas portugueses que diziam – a exemplo da Crimeia – que o país passava para as mãos do ditador em dois dias. 

         - Neste entretanto, muita coisa se sabe sobre a desumanidade e crueldade dos camaradas invasores. Por exemplo, que fizeram vomitar dos aviões uma chusma de brinquedos – telemóveis, pequenos carros, bonecas, etc. – destinados às crianças, mas imagine-se!, prontos e explodir-lhes nas mãos. Mais: que encarregaram soldados russos de vestir a farda ucraniana, misturando-se com os militares naturais e assim comporem uma segunda fila de ataque. Para não falar das milícias, pagas e de uma barbaridade incrível, espécie de espiões prontos a tudo. 

         - Apesar da disparidade de forças desta guerra idiota, ela não deixa de ser também uma peleja fascista, de superioridade elitista, que o ditador Putin julgava ser a feijões. Não obstante o drama dos deslocados somar já vários milhões (dentro e fora da Ucrânia), o facto é que a loucura do ditador e seus oligarcas, está a sair-lhes pela culatra. Repare-se: a União Europeia, enfim, tarde e a más horas, uniu-se e começou a agir de uma forma concreta e urgente, enviando material bélico, tomando acções imediatas para favorecer os esforços dos ucranianos e, pasme-se!, a senhora Ursula Von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, acaba de propor o estatuto de país candidato à Ucrânia ou seja a entrada na Europa dos 27, isto independentemente das acções económico-financeiras, cancelamento de contas bancárias da máfia putiana, interdição de entrada dos seus pomposos jactos privados no espaço europeu, navios, e troca de pagamentos pelo sistema SWIFT que eu pessoalmente há semanas beneficiei e confirmo a eficácia. Dir-me-ão e com razão: a Rússia teve tempo para se prevenir e injectar milhões de rublos no sistema bancário. Eu sei, foi outro erro dos EUA e da UE. Por isso, nunca acreditei nas sanções deste tipo e sempre considerei que era pela força que as coisas se deviam orientar. Pelo simples facto: Putin, sendo primário, não conhece outra alternativa e louco e obstinado como é (anteontem lançou a ameaça da bomba nuclear). Se me perguntam se creio nisso, eu direi que sim, acredito que ele é capaz de incendiar a terra como fizeram os americanos em Hiroxima. Um velho de setenta anos, destravado mentalmente, com aquele rosto a pomadado, aqueles olhos de águia de rapina, aquela pele de coco, aquele olhar vedado à sensibilidade, instigado e sentindo-se derrotado, é capaz de tudo. O país conheceu através da sua história, da Rússia Ksarista à construção do bolchevismo e do marxismo, homens furiosos, psicologicamente tresloucados, desumanos e para quem o seu irmão estava sempre abaixo das suas loucuras idealistas, das formulações políticas. A propaganda nunca os largou e a Europa saída da II Grande Guerra, apanhou com o lastro bolchevista que encantou intelectuais e operariado, até à primeira metade do século passado. Cnach6o, c3p Putin. 

         - Tanto tenho para desabafar, atirar para fora o que me pisa o coração que, se quisesse expor-me completamente e contar a dor profunda que esta questão ucraniana me causa, julgo que teria de rasgar primeiro a minha tradicional reserva e por fim todo eu voltado do avesso, exibir a ira e revolta que me esmaga de tristeza.   

         - Encontrei esta tarde na Baixa um velho conhecido que se atrelou a mim não para falar dos infelizes ucranianos, mas para desabafar do possível rombo financeiro que a guerra vai causar à sua sólida posição bancária. Sem paciência, atirei: “Olhe goze o que tem porque se Putin utilizar a arma nuclear, toda a sua riqueza e mais os bancos que a guardam, fica reduzida a cinzas.” Ia-lhe dando o chilique (ou falico no português da impagável Madame Juju).  

         - Avistei, igualmente, um velho amigo dos tempos do MDP/CDE indignadíssimo com a investida da máfia autocrática russa. Disse-me que não entende a posição do seu partido e assegurou-me que muitos simpatizantes e membros do PCP estão a entregar os respectivos cartões. Respondi: “Sabes, o PCP por este andar passa a ser o partido do táxi.” Riu-se. 


sábado, fevereiro 26, 2022

Sábado, 26.

Os comunistas estão orgulhosamente sós como Salazar esteve. Ao lado deles no elogio ao ditador Putin, a Arábia Saudita, Índia e (+ ou -) a China.  

         - O João indignava-se outro dia contra a Hungria que dizia estar a garrotear a liberdade de imprensa. É o que acontece há muito tempo no país do seu adorado Vladimir Putin. Por lá é ainda pior, pois com grandes manifestações a decorrer por toda a Rússia contra a guerra na Ucrânia, foram presos pelo menos 2.000 manifestantes. 

         - Eu gostava de elogiar Emmanuel Macron, mas hesito. Não sei se todos aqueles salamaleques ao ditador Putin são autênticos e traduzem a verdadeira vontade de ajuda a Zelenesky, ou não passam de desmedida ambição de poder; partindo do princípio que ele não é pateta e não gosta de ser humilhado.  

         - Admiro o sangue frio, a dignidade, a coragem, a grandeza e salutar orgulho do jovem Presidente da Ucrânia. Esta noite foi terrível, tanques e artilharia aérea bombardearam Kiev e os vestígios dos atentados chegam-nos em imagens ao pequeno-almoço. Deve estar próximo o seu fim. Mas ele é já o herói que o mundo julgava não existir, num tempo de medíocres e covardes dirigentes políticos.   

         - O mundo não será mais o mesmo. A prova está nos acordos saídos da II Grande Guerra entre a URSS, a Finlândia e a Suécia (com a ilha de Gotland, no centro do mar Báltico), a primeira com fronteira com a Rússia. O Kremlin acaba de  ameaçar os dois países com “sérias repercussões políticas e militares” caso tenham a veleidade de aderir à NATO. A Finlândia, a semana passada, deu 50 milhões de dólares de ajuda à Ucrânia e olha para a invasão como algo que lhe pode também bater à porta, apesar de os dois Estados terem estatuto de neutralidade.  

         - Por toda a Europa grandes manifestações contra a guerra. Amanhã (se se confirmar) haverá uma em frente à embaixada da Rússia, em Lisboa. Lá estarei apesar das dores que tenho no joelho direito e do consequente aumento do cisto de Baker, devido mais uma vez ao jeito que dei ao sair da cama.  


sexta-feira, fevereiro 25, 2022

Sexta, 25.

Os soldados russos entraram na capital da Ucrânia. Vieram tocados e em obediência ao ditador que botou discurso antes da partida. Putin, nessa mensagem para os seus concidadãos e para o exterior, excedeu-se a falar da Europa do após Segunda Grande Guerra. Falou de “desnatizar” a Ucrânia e defender o povo vítima de “genocídio”. À ignorância histórica do senhor da Rússia, respondeu (em russo) o Presidente Volodomir Zelenskij: “Como pode um povo que perdeu mais de oito milhões de vidas na vitória contra o nazismo? Como posso eu ser nazi (ele é judeu)? Digam isso ao meu avô, que fez toda a guerra na infantaria do Exército soviético e morreu como coronel na Ucrânia independente.” Apetecia-me acrescentar muito mais sobre o assunto, mas não quero tirar a eloquência, a verdade pura e límpida, às palavras de Zelenskij que dá a vida pelo seu povo em condições humilhantes, tendo em conta as tropas e material de guerra dos sociais fascistas, que mataram já para cima de cem pessoas e mais de 100 mil fugiram ao horror da guerra. 

“Quem quer que se atravesse (cito ainda as palavras do ditador) no nosso caminho, ou mesmo quem nos ameace a nós e ao nosso povo (onde é que eu já ouvi isto?), deve saber que a resposta russa vai ser imediata, e levará a consequências que nunca enfrentaram na vossa história.” Tem razão. De facto, as muitas reuniões, conferências de imprensa, comunicados, deslocações, avisos, propostas, sanções não passam de blá-blá, provando que os políticos de hoje são bonecos falantes, frágeis, tímidos, e a olhar para o seu majestoso umbigo. Desde o fraco Biden ao clube da UE, todos ofereceram uma imagem confrangedora de quem primeiro se quer defender por medo, depois perder o poder. A esta gente só a economia interessa – o Presidente ucraniano tem razão quando diz estar sozinho a enfrentar Golias. 

         - Como eu desde a primeira hora previ. A argumentação é que o país não faz parte da NATO, mas em quantos outros países e partes do mundo americanos e europeus não entraram de armas na mão sem que essas nações fizessem parte da Organização? As sanções que uns e outros implementaram, é dito pelos próprios, terem resultados e consequências a longo prazo. Mas a guerra com o seu quadro terrível, é presente. Os ucranianos não têm armamento, exército, nem estruturas de defesa que possa fazer face à Rússia. Os políticos falam a longo prazo, os pobres ucranianos querem agora, neste momento em que são obrigados a largar tudo e fugir ou a combater corpo a corpo. Isto é o que está a acontecer agora. A guerra é hoje com o seu horror, o desespero, a morte, destruição e, dentro em breve, a ocupação russa e a perda total de liberdade e soberania. 

         - Mais uma vez, independente do clube da União Europeia, o primeiro-ministro inglês fez a diferença, irrompendo com medidas imediatas concretas: travou o acesso dos corruptos oligarcas aos bancos, proibiu a entrada de aviões da Rússia, de cidadãos russos no país e assim, entre outras medidas pesadas. Por cá, como se os negócios de Estado fossem coisa privada, não sabemos, por nos esconderem, quantos oligarcas possuem “vistos gold”.  


quinta-feira, fevereiro 24, 2022

Quinta, 24.

O que era absolutamente previsível aconteceu: às primeiras horas da manhã de hoje a Rússia invadiu a Ucrânia e a guerra começou. Sabemos como começou, mas não sabemos como terminará nem quando. Como não antevemos quantos milhares de mortos irão somar aos milhares que aconteceram nestes últimos anos entre as ditas “repúblicas independentes” e a Ucrânia. Esta vai ser terrível e nela se testarão todas as armas bélicas mais avançadas. “This is a war of aggression. Ukraine will defend itself and willl win. The world can and must stop Putin. The time to act is now.” Palavras dramáticas do ministro do Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Dmytro Kuleba.    

         Entretanto, multiplicam-se as reuniões, as análises, as estratégias, os comentários, mas é mais uma vez Reino Unido que passa à acção ajudando directamente a nação soberana a manter-se independente. De resto, dando a ideia que nada estava preparado, tanto nos Estados Unidos como na Europa, discute-se, discute-se, discute-se e zero de concreto ainda aconteceu. 

17 horas e 22 minutos.

O que se pergunta é porque razão, ante o modelo bélico das últimas semanas, as forças que se dizem aliadas de Kiev e do seu jovem Presidente, não se posicionaram para impedir a catástrofe que acontece em directo diante dos nossos olhos incrédulos. Espera-se agora pelas sanções que irá tomar Biden. Mas porque não as tomou ele há mais tempo, estando perante de um ditador louco, insensível, desonesto, cínico? 

          - Putin vai perder em todas as frentes e já começou a pagar: antes eram uns 10/15% de ucranianos que não queriam que o país fizesse parte da NATO, hoje quase a totalidade reclama a entrada. Não conheço nenhum ditador dos tempos modernos, que não tenha sido morto da forma mais inglória e trágica. 

         - A China, com outro sistema ditatorial, observa. O que sair deste confronto ditará as próximas investidas de Pequim. Povo paciente, tentacular, atacará quando ninguém esperar. É por isso que a democracia não pode deixar de ajudar a Ucrânia. Espero, por outro lado, que parem com os negócios que reduzem o Ocidente a lacaios destes arrogantes e déspotas governantes. 

         - Não consegui concentrar-me durante todo o dia, pensando nos amigos ucranianos que me ajudaram aqui durante anos. Desde um sacerdote e seu filho, ao Brejnev o ano passado, foram inúmeros os que vieram, dedicados e sérios, através do Fortuna que acudiu e alojou dezenas que fugiram da fome e da guerra nos primeiros tempos da ambição do prepotente Putin. 

         - Até o dia sombrio se aliou à tristeza que me invade.    

         - Felicito António Costa pelo modo claro, rápido e eficaz como tem reagido aos acontecimentos, assim como a competente intervenção do ministro dos Negócios Estrangeiros. 


quarta-feira, fevereiro 23, 2022

Quarta, 23.

Enfim o PCP disse de sua justiça relativamente ao que se passa entre a Ucrânia e a Rússia. Não nos surpreendeu. Continua o ferrenho defensor de causas perdidas, sempre extremado, nos braços dos ditadores. Aliás, todo o longo e lamurioso comentário, já eu o tinha ouvido ipsis verbis do João Corregedor, ao telefone, segunda-feira. E como sempre, só não lhe desliguei o aparelho na cara, por estima por ele. Em grosso, o que o Partido reivindica, é o não cumprimento por parte da Ucrânia dos acordos de Minsk, quando quem falhou desde a primeira hora foi Putin, e logo na sequência da anexação da Crimeia e da guerra civil no Donbass. O acordo foi uma autonomia mitigada, visto essencialmente por Putin, em questões nacionais, com o direito de vetar, por exemplo, a adesão da Ucrânia à NATO e à União Europeia. Para não falar do cessar-fogo que nunca foi cumprido por nenhuma das partes. Volodymyr Olexandrovyth Zelensky arrisca-se a ficar só com os amigos egoístas e débeis que tem nos EUA e na União Europeia. O perigoso é que o cenário de guerra se assemelha muito ao da Primeira Grande Guerra, com a imagem das trincheiras e dos jovens soldados tristes, obrigados a morrer pela loucura de um só homem protegido pela nomenclatura militar tartamuda. Como regime exclusivo de um ditador, a corrupção é mais que muita. Os oligarcas que nasceram da sua política, e até o próprio ministro da Defesa actual, possuem contas astronómicas nos EUA e na Europa – estão todas congeladas. Com certeza esta medida desespera-os mais que a própria morte.  

         - Comprei uma mochila que tem a garantia de 30 anos (a que pus na reforma durou quatro e custou 30 euros), por esta dei 50 euros. É só dividir esta importância por trinta. 

         - Fui à Nespresso comprar café e encontrei no lugar do costume o pobre que estende o tapete, põe um pires aos pés, abre um livro e abstrai da sua condição de mendigo. Depois de lhe ter dado uma moeda, sendo curioso, perguntei-lhe o que lia, virou-me a capa: A Biblioteca da Morte (penso) de um autor americano. Digo-lhe: “Isso não tem nada a ver com a Morgadinha dos Canaviais que lia há semanas.  Pois não, isto é aventuras.”


terça-feira, fevereiro 22, 2022

Terça, 22.

O jogo do ditador confirmou-se: Vladimir Putin acabou de reconhecer independência às “repúblicas populares” de Donetsk e Lugansk. Logo a seguir assinou dois decretos de mobilização do Exército russo para a “manutenção da paz” nos dois territórios separatistas, verdadeiros baluartes dirigidos e sustentados pelo Kremlin, usurpando-os à Ucrânia. Estas milícias, somam-se aos 190 mil soldados russos dispostos ao longo da fronteira ucraniana. António Guterres disse e bem que esta manobra da Rússia “é uma violação da integridade territorial e da soberania da Ucrânia” sendo “incompatível com os princípios da Carta das Nações Unidas”. António Costa condenou a invasão; dos comunistas – que eu saiba – nem uma palavra. Macron prepara represálias económicas. Mas para mim, quem mostra ajudar sem ambiguidades, é o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, que vai enviar tropas, navios de guerra, aviões e armamento defensivo, além de propor à NATO acção de grande escala. Os ingleses, sempre foram o baluarte precioso da democracia.  

         - Desde as oito e trinta da manhã que um homem meteu ombros ao trabalho de desbastar as oliveiras. No centro da quinta deixou dois montes gigantes de galhos para queimar, depois de ter cortado os mais grossos para a lareira. Veio num dia absolutamente maravilhoso, lançando poeira e raios de sol quentes sobre a terra já gretada com a falta de chuva. Não devia levantar hosana ante a magnificência de um dia assim, mas corre por aqui, saltando e bailando, uma felicidade nua, radiante, serena e impregnada da ligeireza dos dias felizes de verão, das longas e abundantes horas de leitura sob as oliveiras – árvore sagrada que vem dos confins de tempos imemoriais. Rejubila, moço, rejubila.  


segunda-feira, fevereiro 21, 2022

Segunda, 21.

Fala-se da seca e atribui-se à mudança do clima. Mas eu lembro-me de anos infernais de calor e pouca chuva pelos anos Setenta e Oitenta. Não quero dizer que esta baralhada climática não tenha mão humana e, sobretudo, industrial relacionado com a ganância e o consumo criminoso que só beneficia os ricos e muito ricos. O ensandecimento da Natureza é a forma que ela possui para se defender, contra-atacando. Vem isto a propósito de a semana passada a tempestade Eunice (agora é moda dar nomes a estes sustos) ter causado avultados prejuízos e até mortes em vários pontos do globo, desde a Escócia ao Brasil. Neste país onde tudo acontece grande e feio, em Petrópolis, deslizamento de terras arrastou pessoas, casas, automóveis e árvores causando pelo menos meia centena de mortos e centenas de pessoas desaparecidas. Em Pas de Calais, os estragos foram consideráveis. Todavia, à boa maneira portuguesa, passado o susto tudo volta ao que era, reflecção e atitude não é connosco. 

         - Às centenas multiplicam-se as escaramuças entre russos e ucranianos. Em duas semanas de ameaça de invasão da Ucrânia, o Ocidente e os Estados Unidos prosseguem conversa sobre conversa, sem que saia algum acordo possível com Putin senhor todo poderoso. Não me cheira nada bem a estratégia. No final é Putin que vai sair vencedor duma guerra idiota que os ucranianos não merecem. Não considero um acordo que humilhe a Ucrânia obrigando-a a renunciar à sua independência. Se isso acontecer, é a democracia que sai derrotada e as ditaduras russa e chinesa vitoriosas. Os políticos europeus foram ingénuos ou gananciosos ou ambiciosos ao entregarem-se a potências que não têm o mesmo estatuto político, ficando dependentes das suas autoridades em matérias essenciais à vida dos seus concidadãos; refiro-me ao gás natural e a outros negócios que abdicaram de mão beijada. 

         - A Covid-19 já era. Pelo menos é o que os nossos políticos dizem ao povo que pensa através das suas ordens e dos pareceres televisivos. Conclusão: à minha volta são já várias as amigas e amigos que estão retidos em casa com SARS-CoV2. Todos vacinados, todos temerosos pelas consequências. Pior: no pico da pandemia, escaparam ao contágio.  A Zé que aí esteve domingo, disse-me que tinha contraído a doença há dois meses e, embora negativa hoje, os membros inferiores nunca mais foram o que eram, para além dum cansaço imenso permanente.  

         - A cangalheiro que havia surgido dos nevoeiros da noite do dia 15, tinha afinal uma mensagem a levar às personagens que se vão descobrindo no romance. Nada acontece por acaso. O que ele deixou plasmado na página desta manhã, é de uma importância inestimável para os moradores do beco Alexandre Ribeirinho. Eu não imaginava que ele trouxesse uma força moral incrível ao romance. Mas trouxe. E deixou-me estupefacto. 


sábado, fevereiro 19, 2022

Sábado, 19.

Em sempre achei que o Governo e a Administração Pública, tratam os portugueses como lacaios e trampolim dos seus interesses partidários. Daí lhes pagar eu com a mesma moeda: não tenho respeito por quem não tem por mim. De contrário, atente-se ao que se passou nas recentes eleições onde, pura e simplesmente, foram eliminados 150 mil votos dos emigrantes da Europa. A maioria estava ganha, o PSD danado por ter perdido aquilo que pensava ser ginjas; uns de ganância, outros de raiva, os 150 mil boletins já não serviam a ninguém e, talvez, ainda viessem aumentar a vergonha da abstenção. Outra interpretação teve o TC, e contra o parecer do constitucionalista Presidente da República e a ignorância dos restantes, mandou que a consulta fosse repetida. A ver vamos se desta vez não é a abstenção que ganha.  

         - As escaramuças provocatórias já aconteceram na fronteira entre a Ucrânia e a Rússia. Eu estou com Biden, não tarda a invasão vai acontecer. O mais estranho de tudo isto, é que nem a Europa, nem a NATO ou os EUA, vão apoiar os infelizes ucranianos. Cheira-me. Farão invectivas financeiras e económicas que alguém irá furar e com o tempo Putin acaba a dominar todo o país.  

         - 61 por cento dos portugueses não leram um único livro nestes últimos anos! O mundo político e jornalístico, científico e do ensino, abrem a boca num espanto que mete medo. Eles ainda não meteram nas cabeças iluminadas, que o país onde vivem é habitado por uma qualidade de gente apostada em contrariar o Portugal de esquerda que durante 50 anos combateu os três F: Fado, Futebol e Fátima. 

         - Ontem, manhã excepcionalmente produtiva: duas páginas. De tarde fui a Lisboa resolver assuntos. No metro, entrou e sentou-se a meu lado, um tipo de raça, perdão, agora diz-se género indiano. Logo retirou do bolso o inseparável telemóvel e pôs-se à conversa naturalmente estridente e à velocidade dum foguete. Do que eu percebi foi: “ caga caga sime ca”, e antes que começasse a cheirar mal mudei-me, rápido, para o oposto da carruagem. Possa! Bufas e o resto não é comigo! 

         - Uma rapariga caiu à minha frente (pelos vistos não são só os coxinhos, coitadinhos, que se espalham). Um homem prestou-se a levantá-la, perguntando: “Deu-lhe algum chalique?” A madame Juju diz falico. Em que ficamos? 

         - Estou a fazer tempo para que chegue a tia Júlia e tutti quanti. Tenho a lareira acesa na sala de jantar e os acepipes na mesa. Esta tia é especializada em doces, vai trazer um de chocolate e nozes. Adoro. Mas sempre com os olhos postos na minha irmã que, de repente, ficou diabética. Horror! Horror! 

         - Dia infernal de vento. Rajadas longas e fortes, frias e desalvoradas, passam por aqui a grande velocidade e derrubam laranjas e material que encontram no pátio, galhos de árvores. O Black, decerto com medo, não apareceu até agora. Está tudo suspenso. Só a melodia das lufadas se ouve sob o sol terno e limpo. 


quinta-feira, fevereiro 17, 2022

Quinta, 17.

Helder, peço-te que não desistas. Mesmo que a tua escrita, a tua revolta, o teu desajuste de um tempo hipócrita e perigoso incomode, vai em frente e galga os muros de silêncio que te isolam e faz ouvir a tua voz nos sombrios espaços que magoam milhares e milhares de seres humanos abandonados à sua sorte. Vida igual a esta que te coube viver, não encontras em mais nenhum planeta. Sê, portanto, inteiro naquilo que fazes, translúcido no que dizes, ainda que a tua voz não encontre ressonância na concavidade de um tempo votado ao disfarce fraterno.  


quarta-feira, fevereiro 16, 2022

Quarta, 16.

Faleceu Artur Albarran. Lembro-me, quando o jornal O Século fechou, termos dito um ao outro: “E agora?” Ele estava nas lonas, sem dinheiro e eu idem, o 25 de Abril na rua e empregos na nossa área precários. Passaram alguns anos e quando saiu um dos volumes do meu diário, ele que apresentava o noticiário na RTP, fechou a emissão com referências elogiosas ao meu livro. O que veio a seguir, não quero pronunciar-me porque nada tem a ver com o amigo que sempre me respeitou e ajudou. A fortuna favoreceu-o, mas arruinou-o e provocou-lhe talvez o cancro que o matou. Ontem, ao deitar, pedi a Deus que o recebesse no seu Reino. Do que possuía – se alguma coisa ainda tivesse – deixou por cá por inútil para aonde partiu.  

         - Levantei os olhos do estaleiro e coloquei-os como quem põe os óculos e retomei o missal de Julien Green, Toute Ma Vie, onde o deixei, p. 600. O escritor, voltou à sua vida de mictórios públicos, saunas, engates de rua. Ao fim de talvez dois anos sages, ei-lo entregando a alma ao diabo. Umas simples pernas nuas quando os rapazes se passeiam em calções, é suficiente para um hino a beauté masculina. Duas horas exaltantes, ao sol, depois de uma manhã na escrita de A Camisa de Linho (título provisório). 

         - Falando de Green estou-lhe grato pelo muito que me ensinou relativamente à técnica e concretização da escrita. Embora nos períodos criativos mais intensos continue a ser perturbado durante o sono, com aparição de personagens, enervamento, presságios e pesadelos, já não me socorro com frequência da Euphytose. Aprendi que a escrita é trabalho próprio do atleta de longo curso, que necessita de tempo, de muito tempo e paciência, e deve brotar sempre que possível de forma natural, isto é, dando livre curso às ideias e às imagens. Tenho que abarcar se tiver de passar duas horas à roda de uma palavra ou período, devo fazê-lo assim como me devo sentar à secretária quando sentir o impulso da escrita. Forma de falar. Em verdade, como se viu ontem, o romance segue-nos para todo o lado, é o nosso crochet como dizia Aquilino.  

         - No Fertagus, uma mulher armada ao fino, dizia insistente ao telefone: “Filha, o que tu precisas é de tomar uns comprimidos para desiludir o sangue.” Independentemente da ausência do contexto, a frase em si é um achado. 

         - Voltando ao Museu Vieira da Silva/Arpad Szenes. Durante anos frequentei-o mesmo quando lá ia comer qualquer coisa à hora do almoço, trabalhando ali perto. É uma casa muito agradável, fraterna, que foi adaptada a museu, mas que em verdade devia ser as divisões íntimas do casal com as suas vidas próprias e independestes lá dentro. Assim como está, é núcleo de telas e esculturas distribuídas por dois andares e umas quantas salas de paredes brancas e portas que comunicam em sucessão de divisão em divisão. Felizmente, nas janelas da frente, avista-se o jardim das Amoreiras que parece uma extensão do edifício com o aqueduto romano a circunscrever o espaço. O sol entra por aquelas janelas de guilhotina e reflete-se nos quadros dando movimento e outras cores, luz e sombras numa contribuição que decerto agrada aos artistas. A Natureza ao banhar aqueles espaços silenciosos, transforma a arte introduzindo densidade, fazendo renascer cada tela do mutismo e do silêncio que o tempo a impregnou. É como se a Arte, a Natureza e o Artista fossem uma só criatura que nos invade e paralisa da religiosidade que emanam. Eis alguns exemplos.  

Vieira da Silva

Arpad Szenes

Menez 

Costa Pinheiro (?)

         - Acabei o trabalho no jardim e meti ombros a aparar os muros em torno da piscina. Comecei chocho e findei galopante. Excelente manhã de trabalho no romance. Aqui faz frio, acendi a lareira do salão. 


terça-feira, fevereiro 15, 2022

Terça, 15.

O estudante de Ciências, de seu nome João, que a PJ foi buscar a casa um dia antes do ataque “terrorista” que planeava levar a cabo, só encontrou no quarto do arguido o seguinte armamento bélico: pequenas botijas de gás, facas, dardos e flechas! Nem ao menos um plano foi encontrado que desse consistência ao imenso trabalho dos agentes. O que eu concluo daqui, é que o nosso João é um revolucionário romântico. Para se curar desses sonhos, apareceu já a turbamulta dos inefáveis psicólogos e psiquiatras que lhe vão tratar da saúde mental. Está num hospital-prisão, mas os agentes policiais estão cá fora!  

         - Esta noite fui acordado pelas duas horas com a história do cangalheiro que não estava prevista entrar no romance. Voltei a adormecer, mas o meu cérebro prosseguiu a tal ponto que hoje, na viagem que me trouxe de Lisboa a Palmela, me perdi completamente na efabulação que havia começado a desenvolver esta manhã e ficara consignada em 12 linhas. O problema é que tendo ido a Campo d´Ourique comprar queijo para a raclette que conto oferecer, sábado, aos meus cinco convidados, cheguei à estação Roma/Areeiro faltavam quinze minutos para a partida. Vejo chegar um comboio e entro nele, desejoso de me sentar para me ocupar da senhora Mimi, esposa de Florido, que tem loja funerária na Rua Joaquim Couto e confina com a grande Praça Borges Coelho. Fui por aí fora sem tocar o olhar nas terras e paragens, integralmente mergulhado na sequência da história. Até que a dada altura me vejo só, o Fertagus parado e a voz de um africano que me toca no ombro: “Irmão, para onde vai? Palmela. Este volta para Lisboa é o próximo que vai até lá.” Devo ter feito uma cara abrutalhada, porque o simpático rapaz explica-me que aquele trem termina ali a viagem. “Para Palmela tem que montar aquelas escadas ali, atravessar a estação e do outro lado pegar a linha 1 e acrescentou: mas despache-se porque o comboio chega daqui a quatro minutos.” Aí vou eu pedindo à perna que os rapazes acham o máximo e arquitetam sonhos que não ouso contar, que puxe pela outra que as raparigas acham mimosa e enternecedora e onde se pudessem depositariam um beijo repenicado, e ambas conduzidas pelo meu cérebro doido de divagar, arribo quando a carruagem está a parar na gare. Entro como um vulcão numa divisão pestilenta de corpos suados, à cunha, pedindo aos deuses que não me tragam nas duas estações que me separam de casa nem Mimi nem Florido e o filho destes que a minha mente maluca entretanto decidiu associar à narrativa. 


segunda-feira, fevereiro 14, 2022

Segunda, 14.

Na hora presente o mundo está suspenso do ataque da Rússia à Ucrânia e desse modo no envolvimento dos EUA e de alguns países da União Europeia no conflito. Contudo, no Portugal primário e selvagem e da respectiva imprensa em concomitância, os telejornais abrem com o espectáculo degradante dos energúmenos do futebol a distribuir murros e ofensas verbais, num ping-pong grosseiro entre adeptos e equipas do Futebol Clube do Porto e do Sporting Clube de Lisboa. Ainda os “democratas” apregoam que o país mudou muito!  

         - No Portugal dos pequeninos, sobrou da semana passada um episódio em que eu não acredito minimamente: a descoberta do “criminoso” de 18 anos, que se preparava para praticar um acto “terrorista” na universidade onde estuda - Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. O feito que não chegou a ser graças à pronta intervenção da Polícia Judiciária, bem entendido, que se antecipou por informações fornecidas pelo FBI, sempre atento ao que se passa na dark web (a plataforma do crime organizado). Acontece que o pobre rapaz, como milhares de outros jovens e, talvez como este que aqui escreve, utiliza a Internet (decerto sob um nick), para lançar bacoradas próprias da idade, da frustração, do desalinhamento numa sociedade horrível onde não há lugar para os frágeis, os sensíveis, os que precisam de tempo para pensar e fazerem-se alguém. Dizem os seus colegas de faculdade que o rapaz, vindo duma povoação perto da Batalha há meia dúzia de meses, embora reservado, era um tipo porreiro sem a mínima marca de criminoso. Eu imagino a dor dos familiares, mais a mais residentes numa pacata vila, assim como a do arguido exposto com a crueldade própria da raça portuguesa nos jornais e televisões, como se fosse o perigoso Al Capone dos tempos modernos. Dizia Ana Sá Lopes no Público de Domingo, que este caso, levado com “brilho” (as aspas são minhas) pela PJ, “tem obviamente que ver com a gritante desigualdade da Justiça entre ricos e pobres”. E tem toda a razão, é bem observado. Mas é também a maneira que a PJ tem para salvar a face dos muitos fracassos, entre eles o do burlão banqueiro detido na África do Sul. A Polícia actua como se no país não houvessem crimes de colarinho, de corrupção, de juízes que traficam sentenças, de lavagem de dinheiro, de advogados e políticos protegidos por leis que eles próprios urdiram, etc. etc.. A verdade é esta: se a Polícia Judiciária não tem criminosos nem crimes em que se ocupar, acabe-se com a organização! Os contribuintes agradecem. 

         Quando é que neste país aparece uma equipa governamental séria, capaz de reformar com justiça, imparcialidade, indiferente aos lóbis e à escumalha que está por todo o lado? Será que irei morrer com o desgosto de haver vivido numa terra manchada da injustiça dos inocentes?  

         - Sexta-feira fui com a Carmo Pólvora ao Museu Vieira da Silva atraído pela pintora recentemente falecida, Lourdes Castro. Até porque o acervo do museu não mudou nem foi acrescentado de novas obras (se a minha memória não me atraiçoa). Apesar de ser gratuito, por lá andámos nós mais um casal jovem e outro de idade avançada. (Bem sei, bem sei, não se trata do museu Ronaldo e quejandos.) E artistas só a minha amiga que é na realidade uma grande pintora. Porque a maioria dos que se dizem artistas, a arte não é uma necessidade interior, intrínseca, um murmúrio profundo, secreto, sagrado – é um simples e por vezes útil cartão de visita. Bref. O museu é simpático e acolhe artistas portugueses de diversas tendências artísticas, com especial domínio do casal Vieira da Silva e Arpad Szenes. Eu, dos dois, prefiro Arpad que sempre me pareceu mais criativo, mais “louco”, com um traço ligeiro que retrata a juventude que o habitou até à morte e a modernidade que nunca deixou as suas telas. Algures, nestas páginas, registei tudo o que Manuel Cargaleiro me contou do casal e, sobretudo, dele. Dispenso-me – até pela natureza do que ouvi – a trazer agora para aqui esses “segredos”. 

         - Recordando Cargaleiro, ontem lembrei-me dele porque peguei numa garrafa decorada com a sua pintura e que ele me ofereceu, e olhei longamente a cozinha onde o artista quando por aqui vem gosta de estar em  longas tardes de conversa fiada. Digo-lhe: “Manel, vamo-nos sentar no salão, estamos melhor.” E ele, abrindo os braços: “Gosto mais deste brique-a-braque. 

         - Ao museu voltarei outro dia. Por agora, estando ainda sob o efeito do fim do dia que me trouxe de regresso a casa, depois de ter estado algum tempo com a Carmo numa esplanada do Rato, quando a noite silenciosa começou a vislumbrar-se por entre os prédios altos da cidade, o horizonte para lá da Basílica da Estrela desenhado de lilás, as carruagens atulhadas de viajantes, a covid miragem arremessada para trás das costas, uma certa alegria abanada nos corações dos transeuntes, foi à sacristia deste presbitério que me penitenciei por ter ousado olhar quem, numa miríade de graciosidade e beleza, me convidou para uma dança desempoeirada que eu desgraçadamente não fui capaz de acertar o passo. 


domingo, fevereiro 13, 2022

Domingo, 13.

A hipocrisia que marcou o João nos anos que passou na Assembleia da República, onde os ditos representantes do povo, para não se tratarem por doutores (uns serão não sendo médicos, mas por jactância; outros por saloiice sendo analfabetos), acharam uma regra de tratamento que os põe ao mesmo nível: “senhor deputado”, pouco importando a cábula do Direito ou a instrução primária de cada um. Assim, aonde quer que vamos, João apresenta-me dizendo: “Aqui o Dr. Helder de Sousa...” que me irrita sobremaneira. Por essa Europa fora, tenho imensos amigos formados e com teses importantes, que só soube do doutoramento que fizeram por mero acaso. Entre nós, qualquer pacóvio é doutor... da mula ruça. Esse direito (em Portugal pode-se dizer que se trata de um direito) devia ser outorgado apenas aos médicos. Ai, Helder, Helder, em que país vives criatura de Deus! 

         - Ainda o João. Tive uma discussão violenta com ele a propósito (para mim) da loucura expansionista de Putin. Nesse desencontro, ele invocou tratados do tempo de Bush que eu conheço, mas nada quis saber do direito da Ucrânia, enquanto país livre e independente, poder escolher autenticar tratados, negociar com quem quiser, entrar na União Europeia, ser uma democracia. Invocou a invasão da Crimeia como um facto consumado “até porque na altura a Europa e os EUA não estrugiram nem mugiram”. E não obstante, ele acha que os russos têm o direito de não querer nos países limítrofes a OTAN ou a NATO, porque essas organizações são uma ameaça à sua independência! Que eu saiba não são os ucranianos que estão a pensar invadir a Rússia. É evidente o que quer João Corregedor e os do seu partido, é uma invasão rendida, conformada, mas já não vai ser possível hoje. E, do meu ponto de vista, só foi possível então porque o Presidente da Ucrânia, era pró-russo e um fugirão que corrompeu e foi corrompido. Pergunto-me qual a razão deste conflito. Parece-me uma guerra idiota, sem razões concretas, apenas afirmação de Putin para o interior do seu país, forma de esconder o que por lá vai e não sai para o exterior. O jogo é macabro. Diz que não quer a invasão, mas está há semanas em manobras bélicas na fronteira com a Ucrânia; prometeu a Macron diálogo, mas este é incompatível com manobras militares. Depois, o grande mistério é este: os comunistas bateram-se aqui contra a ditadura e bem; porque razão as ditaduras russas, chinesas, norte-coreanas são aceites e apoiadas por eles?! Haverá ditaduras más (a de Salazar) e ditaduras boas, como direi, democráticas (de Putin e Xi Jinping)?  

         - Ontem trabalhei depois da leitura duas horas a roçar erva. Quase terminei o jardim e só não aconteceu porque decidi fazer nova passagem à frente da casa. Hoje fui ao mercado mensal do Pinhal Novo comprar pés de morangos e amores prefeitos que conto dispor amanhã. Dia murcho. Chuva, nem vê-la. Neste preciso momento, começou a cair uns pingos esparsos.


quinta-feira, fevereiro 10, 2022

Quinta, 10.

Não gosto do Chega e como os meus leitores talvez tenham observado, pouca ou nenhuma importância lhe dou neste registo. Contudo, não estou de acordo com a posição de António Costa ao recusar recebê-lo nos encontros preliminares para o programa de governação. Esta sua atitude, só dá força e relevo a um partido que não a merece; além de expor a pouca relevância que Costa dá à democracia. Começamos mal, excelência.  

         - Não se fala doutra coisa: da seca. Há muitos meses que não temos chuva e as barragens desceram assustadoramente, planos estão em curso de contenção de gastos de água, tudo para que este bem essencial não falte nas casas dos portugueses. Tudo isto é certo, mais cordato seria acompanhá-los com informação que ensinasse o português a economizar não só a água como todos os outros bens de consumo. Alguns amigos que aqui vêm, admiram-se com o trabalho que tenho a aproveitar cada litro de água, reutilizando-o nas regas e casas de banho. Outro dia mostrei ao Nieto quanto pago por mês à EPAL de cá, ele arregalou os olhos, descrente: 3,78 euros mês.  

         - Ainda nós por cá vamos indo. Se pensarmos em África, onde o líquido indispensável à vida pura e simplesmente desapareceu, (lembro-me da Etiópia dizimada pela fome e morte), temos o quadro de miséria e pobreza que a Covid-19 veio juntar ao desespero que acampou por esse mundo fora.  

         - Segunda-feira, estando a trabalhar no romance, a dada altura, senti dois abanões fortes que me pareceram duas rajadas de vento ou o ruído de um carro a alta velocidade. Fui ver. Lá fora não havia vestígios preocupantes, tudo permanecia sereno banhado do sol da manhã já quente àquela hora. Pensei tratar-se de qualquer coisa lá longe que o silêncio do campo aproxima. No dia seguinte, o João falou que tinha havido um ligeiro tremor de terra. 

         - Vou ter que pôr os olhos no estaleiro e abandonar o breviário de Green na página 600. 


quarta-feira, fevereiro 09, 2022

Quarta, 9.

Ontem estive sem acesso à Internet porque um craque moderno e virtual, decidiu atacar a Vodafone onde estou domiciliado. Vai daí não se perdeu nada. E no entanto esbanjei um dia que poderia ser útil à humanidade, na medida em que cada gesto e timbre de voz pessoal, é um elemento essencial ao provir dos outros... Bref. Passei-o inteiro em Lisboa, tendo começado por ir ao C.I. fazer duas compras e de seguida ao encontro do João à Brasileira para um almoço no seu restaurante preferido, onde se come mal e para o que nos oferecem, caro. Todavia, o simples facto de estar com o meu amigo por quem tenho grande estima, hoje muito mais livre e corrigido dos ímpetos totalitários, é um prazer que me enche de satisfação.  Falou-se de tudo um pouco, mas como dois gentlemen no ripanço da idade, almoço arrastado e vivo. Dali tornei ao C.I. porque o João queria encontrar a moldura ideal para o original que comprou ao Carlos Soares. Regressámos a Av. de Roma, ele para casa, eu para tomar o comboio de volta a Palmela. A tarde ainda ardia de calor, do Inverno passáramos ao Verão e, devido ao estímulo da refeição, tínhamos cede. Sentámo-nos numa esplanada perto da estação. Foi quando houve um ligeiro frisson, ao ouvi-lo dar razão a Putin na loucura do ditador em avançar sobre a Ucrânia, invocando um tratado do tempo de Bush que limitou a presença da NATO às portas da Rússia. Onde é que isso vai! Putin que entretanto invadiu e instalou-se na Crimeia, não admite à Ucrânia que seja um país soberano e, portanto, com direito a escolher os aliados que lhe convenham. Admito que sou impulsivo ante injustiças e negociatas partidárias e ideologias totalitárias, mas nunca deixo de falar aos meus adversários e, no caso do João Corregedor, já estivemos mais longe um do outro, mas a amizade e camaradagem de antigamente aproximou-nos. A dado momento, ele falou de um artigo que está a escrever, dando-me conta em linhas gerais e logo eu: “Esse artigo até parece escrito por um tal Helder de Sousa.” Riu-se, satisfeito.  

         - Avancei hoje mais um pouco na limpeza do jardim com a roçadora. Terminei a transpirar como um qualquer trabalhador do campo. Subi a tomar um duche quente e desci para me entregar à ociosidade folheando um livro de arte. Por hoje basta! Nada de política. Costa medita, entrou nos jogos de poder, organiza o seu staff. Marcelo observa de longe, e já voltou para botar discurso sobre tudo e nada. Que praga, hei! Excelente manhã de trabalho no romance. 


segunda-feira, fevereiro 07, 2022

Segunda, 7.

Morreu a semana passada Lauro António. Houve uma altura em que privávamos com muita regularidade no Diário de Lisboa. Eu achava-o uma espécie de aristocrata do cinema a sua paixão. Quando convidou Vergílio Ferreira para entrar no seu filme Manhã Submersa, apesar do desalento do escritor, acho que o soube dirigir com sensibilidade e gosto. De resto, era um esteta com quem gostava de falar muitas vezes até altas horas da noite no Granfina. 

         - O borralho das eleições ainda derrama toda a sorte de comentários e ensaios políticos. Foi o caso este fim-de-semana de António Barreto e Teresa de Sousa. O curioso, é que nem um nem outra, se tenham referido à abstenção, como se quase 50 por cento dos portugueses tivessem morrido ou emigrado para os confins da Ásia. Acho uma falta grave da parte de ambos, ou talvez não bem vistas as coisas: quem não aparece, esquece. Todavia, os danos quem os sofre é a democracia, quero dizer todos nós. 

         - Uma criança de cinco anos caiu a um poço com 32 metros no Norte de Marrocos. Durante cinco longos dias bombeiros e polícia tentaram resgatar o miúdo, em condições-limite, dado que tiveram que escavar um túnel para tentar chegar ao garoto que tinha vários ferimentos. Os pais e milhares de pessoas assistiam às operações, equipas de televisão chegaram de todo o mundo. Todo o esforço foi em vão, Rayan não sobreviveu. Mas valeu aquela extraordinária acção humanitária. Não descreias, Helder, nunca dos homens. Há em cada um um abismo incomensurável de mistério, o que vês quando olhas é quase sempre a face dissimulada do que ocultam. 

         - Os políticos (alguns pelo menos, normalmente os medíocres) estão convencidos que possuem o poder que lhes permite toda a espécie de loucuras – não têm, não valem dez reis de mel coado. De contrário, reparem no multimilionário da Amazon, na sua ambição saloia e arrogante de querer ter o barco mais caro e grande do mundo que mandou construir na Holanda, para que o iate possa deixar o estaleiro, terá de ser desmontada a Ponte Koningshaven do séc. XIX, que resistiu à II Grande Guerra e depois de sua excelência passar, voltará a ser montada. A operação rondará vários milhões que a Câmara do sítio aprovou porque... precisa de dinheiro! E como Sr. Amazon o tem, tudo pode, quer e manda. Por isso é que um amigo, ainda por cima artista, me dizia há dias que viemos ao mundo “apenas para ganhar muito dinheiro”... Vive ele bem? Cala-te boca. 

         - Comecei de máquina nas mãos, a roçar a erva do jardim (nas traseiras da casa, mas de frente para quem entra). Aconteceu no seguimento das duas horas de leitura ao sol. A Piedade apareceu e logo que me viu, lançou: “Nunca o vi sossegado, tem que estar sempre a trabalhar. Ou é a escrever ou a ler. – Pois é. O trabalho dignifica, mas não é por causa do dinheiro. – Lá isso é verdade. Sem dinheiro não se faz nada.” Proudhon não é para aqui chamado e julgo que nem se estuda em Portugal. Dia magnífico como só o campo nos oferece. 


sexta-feira, fevereiro 04, 2022

Sexta, 4.

Nós só conhecemos a verdadeira dimensão das injustiças sociais, do abismo entre ricos e pobres, de como estes vivem no fosso da sociedade e aqueles na escandalosa exibição da vida dourada, quando um qualquer miserável, desses que são escravos do dinheiro e é nele que exibem a sua importância, é chamado à razão pela justiça independente e séria como a que pratica o juiz Carlos Alexandre. Refiro-me ao ministro, digo bem ministro, que ostentava os chifres no Parlamento, de seu nome Manuel Pinho, que com todas os falcatruas, cargos políticos e empresariais, corrupção e desvios ao fisco, granjeando epítetos do melhor técnico do mundo, aufere mensalmente a reprovável reforma de 26 mil euros! (Ao lado desta inteligência iluminada pela riqueza, os 10 mil de aposentação de Cavaco Silva são uma gorjeta.) Gostava de ver a cara dos 90 e tal por cento de portugueses que são obrigados a sobreviver em média com 400 euros! Mas isto, este escândalo, não apareceu nem aparece nunca em nenhum dos programas da direita: PSD, CDS, PS. Os portugueses, sobretudo os que trabalham de sol a sol, honradamente e com imensos sacrifícios, mereciam governantes e políticos mais humanos, competentes e sérios. Esta cambada que nos saiu na sorte do infeliz destino, devia ser toda fechada numa aldeia alentejana onde as árvores, os frutos, o chão que pisam, o céu que os cobre, as casas que os abrigam, fossem forradas a ouro tão brilhante que lhes cegasse a ganância e os reduzisse a excremento que nem a terra adubaria.   

         - Mas há mais. Outro dia, numa volta pela Baixa, deparei com uma daquelas sapatarias que existiam na minha adolescência e julgava já transformadas num restaurante para parolos, desses que proliferam por toda a cidade, com comida à moda deste e daquele país, gourmets incluídos. Entrei. Uma empregada, só, atendia um casal de velhotes. Quando chegou a minha vez, pedi para observar um par de botins que me pareceram os mesmos que tinha visto no Corte Inglês, mas por (rigorosamente) metade do preço. Adianto que os coxinhos, coitadinhos, não podem calçar qualquer sapato, daí pagarem sempre muito mais que os que caminham como soldados, quero dizer, monotonamente iguais e direitos. Confirmei que os mesmos eram fabricados no Norte e como a borracha era também igual aos da loja espanhola, sou informado tratar-se da mesma firma nortenha. Compro. Vou para pagar por contacto (o sistema nascido com a Covi-19 e evita marcar o código), surpresa!, a funcionária diz-me que não está activado. “Porquê? pergunto. Porque o banco cobra-nos mais uma taxa para além da que pagamos por usarmos a máquina.” Fiquei irado. Quis morrer ali mesmo, deixando este mundo sôfrego pelo deus dinheiro. Depois, no regresso, veio-me à ideia uma notícia segundo a qual os bancos cobram, por dia, entre taxas e comissões, 4 milhões de euros!!! Disto não se ouviu uma palavra de nenhum partido durante a campanha para as legislativas. Portugal vai continuar enfermo por mais 50 anos. Que este registo seja o murro no estômago de um tempo de enganos e logros, avaro e explorador. E vivemos nós em democracia, que seria se vivêssemos em ditadura? 

         - O sol sorriu-nos por lapsos de momentos e recuou. Dia pesado, de Jumbo, triste, frio. Tenho duas lareiras acesas, mas de cada vez que saio do salão para a cozinha, é como se atravessasse a Sibéria. Mesmo assim, seguindo as instruções da Piedade, podei as hortênsias que tenho em vários sítios. Trabalho terminado. 


quinta-feira, fevereiro 03, 2022

Quinta, 3.

No espesso volume das 422 cartas trocadas entre George Sand e Gustav Flaubert (correspondência luminosa de dois grandes escritores), por vezes, ela parece não perceber a natureza e os sentimentos do amigo. Flaubert vive desesperado, os amigos mais próximos vão morrendo, a Comuna instalou-se e ele detesta os republicanos que a exaltam na Assembleia Nacional, a mãe falece, e em cartas pungentes ele derrama a solidão que abala o coração da amiga, Croisset é um refúgio de onde ele não quer sair para ir ao encontro de outros artistas e, sobretudo, dela que lhe responde ao seu jeito, em 26 de Outubro de 1872 : “Eh bien, pourquoi ne te marierais-tu pas? Être seul, c´est odieux, c´est mortel, et cruel aussi pour ceux qui vous aiment. Toutes tes lettres sont désolées et me serrent le coeur. N´as-tu pas une femme que tu aimes ou par qui tu serais aimé avec plaisir? Prends-la avec toi.” Ele responde-lhe numa longa carta (330): “Quant à vivre avec une femme, à me marier como vous me le conseillez, c´est un horizon que je trouve fantastique. Porquoi? Je n´en sais rien (em itálico). Mais c´est comme ça, expliquez le probleme. L´être féminin n´a jamais été emboîté dans mon existence. Et puis, je ne suis pas assez riche. Et puis, et puis..." Nas reticências, reside todo o mistério que Flaubert quis que Sand descobrisse (pag. 467, 470). 

         - Eu que ando a leste de tudo, fui informado esta manhã pela Piedade, que sua excelência o senhor primeiro-ministro contraiu SARS-CoV2. Rápidas melhoras, ilustre personagem. 

         - Terminei o trabalho de acrescentar a terra que veio do fundo da quinta nos canteiros de hortênsias. Preparei dois grandes vasos para plantar pés de morango. 

         - Entre leituras e escrita o tempo esvai-se na doce melancolia do dia pardacento: paisible in tranquilittate.  


quarta-feira, fevereiro 02, 2022

Quarta, 2.

Glória telefonou de Paris pedindo-me que redigisse uma carta para enviar ao lar aqui de Palmela onde deixou a mãe, informando-o que a progenitora não voltaria para lá devido às condições de higiene e saúde em que o irmão (está aí há dois dias regressado de França) a encontrou. Até sarna a pobre da dona Lurdes tinha. Que tristeza! Eu peço a Deus que me leve antes de conhecer essas cavernas onde a morte vive no meio dos restos de vida e da indignidade humana. Bom. Glória, o filho, a nora apanharam covid e estão num estado miserável. Ela foi daqui há um mês para assistir ao nascimento do segundo neto. Perante os sucessivos apelos para que se vacinasse, sempre recusou sem apresentar razões. O marido, mais inteligente, vacinou-se cá com as três doses – foi o único que não foi infectado. Diz-me a Glória que daqui a três meses vai, enfim, deixar-se inocular, referindo o sofrimento por que tem passado: falta de olfacto, gosto, os músculos das pernas tão fracos que nem consegue andar. (Olha do que eu escapei em Outubro e Novembro do ano passado, em Paris!)

         - A classe política em Portugal, alimenta-se da pobreza e da necedade do povo. 

         - Fui a Lisboa a remoer o romance. Das oito e meia às onze da manhã, enchi página e meia. Todavia, durante as voltas por lá, só pensei no que escrevi. E com pouco entusiasmo. De volta a casa, dado o jantar ao Black, fui espreitar o que todo o dia me atormentou. Li e reli e não ousei apagar o texto, preferindo dormir sobre ele e amanhã decidir se fica ou é atirado ao cesto dos papéis. 

         - Antes de embarcar no Fertagus, às moscas, passei no Corte Inglês para trazer o jantar. E antes de sair do metro, preparei a moeda de dois euros que era tudo quanto tinha no porta-moedas. Mas pela segunda vez o rapaz não estava no seu posto habitual, e eu não pude acudir ao meu pobre. Forma de falar à Estado Novo. Porque no tempo de Caetano, as dondocas ricas e com remorsos de consciência pelo muito que tinham e faltava a 70 por cento dos portugueses, diziam “temos de acudir aos nossos pobres” e a Igreja aplaudia e elas comungavam como virgens celestes. 


terça-feira, fevereiro 01, 2022

Terça, 1 de Fevereiro. 

Vou gastar um pouco do meu precioso tempo (hoje, não tendo que comer, passei uma parte da manhã no Auchan de Setúbal a abastecer-me do necessário) a resumir as impressões que tenho das eleições de domingo. Não devia. Porque bastaria ler o artigo do Público, da autoria do nosso homem de serviço, João Miguel Tavares, para se ficar, em apenas uma página, com a síntese do que foi a vitória de António Costa e seus acólitos, Rui Rio, toda a esquerda e a Iniciativa com o rabinho liberal de fora, até ao pároco de aldeia que anda a pregar um pouco mais alto, de modo a convencer-nos que não é só fantasia e discurso intelectual para historiador ler. O homem, intelectualmente, é tão fanático como André Ventura. 
         
Sem tirar mérito a António Costa, alvitro que o país daqui a quatro anos estará exactamente como está hoje, mas com mais problemas de pobreza, de justiça, de saúde, de ensino e por aí fora. Nunca gostei de maiorias, pelo simples facto que, em maioria, o mandão refina, cresce de soberba, exibe arrogância, governa como muito bem entende e, como já se viu, enche os bolsos e dá a encher aos seus compinchas. (Lembro que na procissão dos suspeitos do MP, está orgulhosamente em primeiro lugar o pessoal socialista.) Com Costa, aquele que disse que o aeroporto teria de ser ali ou então altera-se a lei, vai conseguir impor a sua ordem irritantemente individual. Dizem os entendidos, que Costa ganhou por causa da magia de empurrar os medricas dos portugueses para o centro e deixar isolada a direita e a esquerda. São tácticas que penso não chegam aos cérebros distraídos dos nossos concidadãos, pelo simples facto que essa opção implica cultura política e personalidade, ousadia e cálculo. O português é por natureza conservador, pouco instruído, com gosto pelo comando, o senhor doutor, a força, a voz grossa, a gravata que distingue, o poder centrado num só homem. Por outro lado, no caso presente, preferiu mais do mesmo: não quer correr riscos, prefere a vidinha simples, futebol e telenovela, o sol que o aquece, a Senhora de Fátima que o protege, o vinho tinto e a febra (aqui há alguma mudança, antes era a sardinha, mas está cara) assada. Está igual ao padrão que Salazar construiu, não mudou uma palha. A democracia, no seu verdadeiro e profundo sentido vivencial, não lhe toca porque é manso, cordato, não gosta de quem faz ondas, ignora o “intelectual” que está sempre do contra, é capaz de matar a mulher com quem vive, mas abomina o ímpeto dos conceitos, das acções políticas, da contra-argumentação, do contrário, daquele que pensa e expõe com denodo as suas ideias. Tudo isso dá muito trabalho e ele é por natureza um funcionário, alguém que pratica as ordens sem pestanejar, e assim sendo tanto jeito dá ao governante como ao chefe de repartição; ganha pouco, mas esse pouco é suficiente para a insignificância de vida que leva; é invejoso, avaro e sente-se infeliz porque o vizinho do lado usufrui de mais cinco euros que ele. Vive das aparências, é rei e senhor montado no popó último modelo, ainda que de cada vez que pára numa bomba não pode meter mais que dez euros de combustível. É para este português que António Costa, sem qualquer esforço, vai governar. 

Contudo, há nestas eleições qualquer coisa de sublime que não se deve, claro, ao voto esclarecido do português – deve-se ao sistema eleitoral que ninguém está interessado em mudar. A esquerda e a direita (ainda que esta tenha auferido mais vantagem) são o mesmo reverso da moeda: vivem em mundos opostos a cobiçar o centro, esse centro que deu a vitória aos socialistas. Pessoalmente, como já disse, apreciei o pontapé nos rabos das meninas do BE, farto do seu assanhamento, da palavra doutoral do alto dos púlpitos ditos democráticos, o seu ódio à direita, a sua ambição de poder, o desprezo de quem não é por nós é fascista e assim. O conjunto que eu nunca levei a sério, assemelha-se a um jardim escola de meninas e meninos vaidosos e convencidos que acham que são os melhores da turma. Portanto, rua com eles e de vez. 
         
Fica o PCP o partido mais sério e honesto do espectro partidário. Não comungo de maneira nenhuma dos seus princípios, mas faço jus à sua conduta, ao seu pragmatismo, ao seu ideal de sociedade onde não gostaria de viver. Fazem aquilo a que todos chamam política, mas fazem-na com rigor, seriedade, convicção e da soma dos partidos são os únicos que confessam e praticam uma filosofia, têm ideias e ideais, e por eles se batem. Do meu ponto de vista, está a precisar de uma grande reforma, embora eu seja sensível àqueles velhos comunistas que, apesar da idade, batem-se garbosamente pelos ensinamentos que a clandestinidade lhes forneceu. Ver um homem como João Oliveira e, sobretudo, João Ferreira preteridos, dá que pensar. Aquela geração devia estar já à frente do PCP injectando ideias e conceitos novos, formas de exercer a política, capazes de ultrapassar o terror que impregna a bíblia sacrossanta e já não tem lugar no mundo de hoje e onde ainda impera (Rússia, China, Coreia do Norte e países africanos e latino-americanos) semeia o terror, reduz o ser humano a um boneco articulado, dominado por um só homem que diz exercer o poder em nome da ditadura do proletariado, com multidões controladas, admoestadas, reduzidas a uma vida humilde, calada, morta. O que me parece falta ao PCP é gostar de viver em democracia, aceitar os outros nas suas diferenças, nas suas ideologias, sem acrescentar alcunhas, ódio, distância. Mais a mais, quando em toda a Europa democrática, só conheço o PCP que ainda se senta nas cadeiras do parlamento. A pobreza endémica que subsiste depois de 50 anos de democracia, dá imenso jeito aos políticos ambiciosos que se apoderam do poder para satisfazer toda a sorte de maniqueísmos e falsas promessas. Estou tão cansado desta fórmula: direita, esquerda, volver. 

Todavia, por cima tudo o que os políticos festejaram ou disseram, não encontrei uma palavra de preocupação sobre a abstenção. Esta rondou os 42% em linha com o que se passava antes da pandemia. Quer dizer, quase metade dos portugueses está em silêncio, ou distanciados ou decepcionados ou descrentes ou insatisfeitos com o regime que nasceu com o 25 de Abril de 1974, mas isso aos políticos diz nada. Só lhes interessa o poder, mesmo que um dia apenas 10 por cento vá votar. Na ambição que os enlouce, estão-se nas tintas para os que como dizem faltaram “ao dever cívico de votar”. E, deixei-me que lhes diga, fizeram bem. Foi até um acto de patriótico, porque não querem ser tomados por idiotas. Vota-se – ou devia-se – votar num programa, mas esse programa nunca é cumprido e não há sistema que permita a dada altura do mandato, chamar os eleitores a referendar o que foi prometido e não foi cumprido.