segunda-feira, fevereiro 27, 2023

Segunda, 27.

Luís Montenegro não me convence minimamente – é igualzinho a Costa, Sócrates, às queques do BE e assim. Possui a mesma argumentação, os mesmos esgares, as mesmas cumplicidades, os mesmos jogos, as mesmas mentiras, o marimbando-se para o país, um forte interesse pelos negócios e as negociatas. (Helder, costuma dizer-me o Simão: com essa liberdade, não encontrarás editor que queira editar-te - e eu ralado.)

         - Mais um triste acidente que condenou à morte pelo menos 59 migrantes ao largo de Itália. A embarcação trazia entre 150 e 200 fugitivos da miséria da Somália, Afeganistão e Paquistão. 

         - Ontem e sábado passado, foram dias de despejo de professores e outras associações nas ruas em protesto contra a norma de José Sócrates que continua a sua vidinha de subterfúgios na Ericeira, ao sol, a barriga dilatada de percebes, camarões, santolas assente nas pernas finas de caranguejo; enquanto os docentes acampam em frente ao Parlamento há três noites gélidas e outros revoltados reclamam aumentos para fazer face ao custo de vida que não pára de aumentar. 

         - Esta questão levanta uma outra: a diversidade hoje de sindicatos. Coisa que não satisfaz de maneira nenhuma as centrais tradicionais, associadas aos partidos PS, PCP, PSD. Estas e sobretudo a Intersindical, costumavam utilizar os trabalhadores para lutas que não lhes diziam respeito. Impunham estratégias, forçavam acções, baralhavam a actividade política de quem estava no poder, traduzindo todo este funcionamento marginal em benefícios partidários. Os trabalhadores perceberam, tarde, o engodo e embarcaram à descoberta de gente que melhor traduzisse os seus interesses de classe. O cenário agora é diverso e os sindicatos irmãos dos partidos, vão ter muita dificuldade em impor os seus slogans velhos e relhos.        

         - O Governo do PS, claro, quer criar um regime de isenção sobre as mais-valias das vendas de imóveis ao Estado e municípios. Para isso, não se importa de onde vem o dinheiro de particulares e empresas, indo ao ponto de isentar até os fundos e offshores. Esta medida, para eles dramática, pretende responder à crise habitacional cumprindo, enfim, a Constituição que dá o direito a cada português possuir casa... A especulação imobiliária entrou em festa.   


sábado, fevereiro 25, 2023

Sábado, 25.

O doutor honoris causa, engenheiro de princípio de vida, com diploma tirado ao domingo, de seu nome José Sócrates, socialista, bem entendido, não pára de nos surpreender. Em 2022, em plena crise covid, arranjou meio de um tal Adelino Machado, residente em Paris onde se dedica à compra e venda de imóveis (entre outros negócios), embora falido, lhe enviar para a sua conta na CGD, a quantia de 12.500 euros mensais. Parece que o ilustre ex-primeiro ministro foi contratado para dar pareceres sobre negócios ou coisas semelhantes. Nada mau. De facto, o homem deve ser especialista em tais actividades, pois dez anos depois de ser apontado pelo MP de vários crimes de corrupção, ainda está em liberdade, a passear pelo Brasil e Europa e a viver à beira-mar de barriga farta como qualquer capitalista inglês ou americano. 

         - Quelle pagaille! Por todo o lado súbita descida de temperatura, aqui como nos EUA onde cidades e vilas estão num caos. A quantidade de neve é tal, que paralisou a vida em Nova Iorque e noutras zonas do país. Eu voltei a acender a lareira e ontem, tendo passado o dia em Lisboa, fiz para aquecer a pé a distância entre o Saldanha e o Corte Inglês onde fui pagar o que consumi no mês passado. Com isto tudo mais as piscinadas e o corte da erva, a tensão está já no normal. Continuarei com a porcaria química (só metade da drageia) até dia 9 de Março, altura em que a minha generosa médica me quer tornar a ver. Deixei de estar obcecado com a medição, mas confirmo que ela sobe quando escrevo duas horas no romance – pelo menos mais três décimas. Esta semana, neste particular, não me posso queixar. Das cento e tal páginas que devo rever, já conclui metade. E encontrei matéria interessante, passagens bem urdidas, sobretudo no que diz respeito a Ana Boavida. O despertar de Leonardo no concerne ao casamento onde há sempre um que domina o outro, tem excertos curiosos do ponto de vista psicológico, rompantes imprevistos para Ana que pensava ter no esposo o cordeiro domesticado. 

         - Aquela de o ministro dos Negócios Estrangeiros ter convidado Lula da Silva para discursar na Assembleia Nacional no dia 25 de Abril, não lembra ao careca. Marcelo não gostou, a direita não apreciou, a esquerda só o PCP (claro) se congratulou. O Presidente nunca gramou o sujeito. Eu tenho-lhe alguma estima porque tive pena de o ver, cândido e humilhado, seguindo o Presidente da República como um cordeirinho nas deslocações que ele faz ao estrangeiro. Agora só aplaudo se houver coragem do Presidente da Assembleia da República, convidar sua excelência o senhor José Sócrates para estar na primeira fila do Parlamento. 


sexta-feira, fevereiro 24, 2023

Sexta, 24.


Em memória dos heróis mortos numa guerra idiota, quando se assinala um ano sobre a invasão do exército russo sob as ordens do ditador Putin. Glória à Ucrânia! Glória ao seu nobre povo!  


quinta-feira, fevereiro 23, 2023

Quinta, 23.

Ainda que não perceba mais esta do Presidente da República em atribuir o grau da Ordem da Liberdade a Volodymyr Zelensky, insurjo-me contra o parecer do PCP quando critica Marcelo reafirmando que esta condecoração deve ser recebida “com indignação por todos quantos conhecem o valor da luta pela liberdade que o povo português travou ao longo de décadas contra o regime fascista.” Puro obscurantismo. Como se os russos vivessem sob um regime democrático, onde a liberdade impera, e restaurar o império em pleno século XXI fosse um direito. Não meus senhores, Zelensky não “personifica um poder xenófobo, belicista e antidemocrático”. Se há alguém a quem esta idiotice concerne, é a Volodynyr Putin. O Presidente da Ucrânia limita-se a defender o seu território, soberano e livre, e fá-lo com a coragem que espanta o mundo livre e civilizado. Ele defende-se, defendendo-nos. É por estas e por muitas outras que o povo português que hoje sabe o que é a liberdade, deu ao Partido Comunista uns míseros 4 por cento nas últimas eleições. Nunca serão poder – só pela força, amordaçando a liberdade.

         - Infelizmente, outro remédio não tenho, que entrar na Lisinopril. Depois de duas semanas a experimentar as minhas mezinhas, a tensão só um dia esteve nos meus queridos 13,2-7,4 e outro nos 14,0-7,9. O resto dos dias andou pelos 15, 16. Mesmo assim, contrariando o que me foi proposto, optei por partir em duas partes a porcaria química. Desejo que seja por pouco tempo. 

         - Dia majestoso apesar de um pouco frio. A Piedade andou aí e eu enquanto ela aperaltava o salão, fui roçar mais um pedaço de erva nas traseiras da casa. De seguida, meti pés ao caminho (quero dizer com o carro) e fui fazer meia hora de natação. Após o almoço e umas vinte páginas de Aquilino, meio derrubado, entreguei-me a uma hora de sono. 


quarta-feira, fevereiro 22, 2023

Quarta, 22.

É por demais evidente que o Presidente da República, ao querer vigiar o andamento do PRR, está a dizer aos portugueses que não confia no seu “inteligente” pupilo. Há muitos milhões em jogo e o assalto a todo esse dinheiro é usual acontecer nos grupos que se formam para o concretizar. De outro modo, desde que entrámos na UE, Portugal devia ser um país pelo menos equilibrado e onde as desigualdades estariam muitíssimo atenuadas, se tivesse utilizado os fundos com saber e honestidade. Cinquenta anos depois da democracia e vinte e quatro anos na União Europeia, continuamos pobres, pouco cultos, sem assistência social digna, temos mais pobreza, vivemos de esmolas, os ricos estão mais ricos, os pobres mais doentes, analfabetos, miseráveis, rendidos a mediocridades infantis como futebol, concursos, passatempos de uma pobreza franciscana que apelam à vida vazia, parada no tempo, sem objectivos nem força anímica para fazer a junção entre os valores com valor e os que recriam sem juntar nada aos dias perdidos nas lamentações das greves, dos delírios parlamentares, dos discursos ocos, que varrem com palavreado a tristeza de povo que somos. Que sempre fomos, que sempre seremos. 


terça-feira, fevereiro 21, 2023

Terça, 21. 

A autêntica prisão em que está transformado o Irão, com centenas de mortos e jovens enclausurados, parece não abrandar. Mesmo com as tempestades de neve que impossibilitam a juventude de descer às ruas em protesto, é das janelas de suas casas que gritam “morte à ditadura”. 

         - A corrupção é a maior praga das democracias. Aqui ao lado, em Espanha, a Renfe encomendou 31 comboios por 258 milhões de euros, mas esqueceu-se que eles são demasiado largos para entrarem nos túneis. O mesmo se passou na Turquia onde muitas casas ruíram por terem sido construídas sem regras contra sismos. Ou em Portugal, logo após o 25 de Abril, quando o Estado obrigou milhares de automobilistas a comprar palas para as rodas traseiras dos automóveis, com o pretexto de evitar acidente ao carro que vinha atrás quando chovia. Ou quando dos grandes incêndios do Norte, em 2017 com as célebres golas antifogo. 

         - A semana começa como começaram tantas outras desde que Costa obteve a maioria: com greves. Há-as com os professores, enfermeiros, maquinistas da CP, mangas de alpaca do Fisco e não sei mais quantas outras sem voz que chegue às televisões. 

         - Ontem, tendo ido a Lisboa, almocei (bem) no restaurante panorâmico do C.I.. Depois deixei-me ficar preso à cadeira a olhar a cidade pardacenta, nem chovia nem fazia sol. Sentia-me bem ali após um longo trajecto pedestre que me trouxe do Campo Pequeno. Pensava no que havia escrito anteontem e recordava-me o quanto Julien Green sofreu por temer a Deus. Por natureza excessivamente dependente do sexo, levou a vida a cair naquilo que ele dizia ser “o pecado da carne” e a arrepender-se por ter ofendido a Deus, impondo-se jejuns terríveis e castigos sobre-humanos. Foi deveras um homem religioso que em muitos aspectos ultrapassou sacerdotes, bispos e cardeais de hoje. Caía e levantava-se e voltava a tombar nas ruas que eram para ele verdadeiras tentações. Confessava-se no seu diário. “En revenant chez moi, je me sentais un coeur de très jeune homme, malgré ces cheveux gris qui commencent à se mêler à mes cheveux noirs. Je voudrais pourtant, à cause de ces cheveux et de mon âge, n´avoir plus ces passions si exigentes qui m´ont longtemps mené et empêché de grandir, d´atteindre toute ma stature. Ainsi, je regrette d´être obligé, que mon corps soit obligé, d ´aller au mauvais lieu de la rue Duret et de m´y amuser avec un corps obéissant et passif qui m´est offert pour la somme de 200 francs.” Umas trezentas páginas adiante: “Pour les tentations, j´en evite un nombre considerèrable en baissant les yeux le plus possibles dans la rue. L´autre jour il m´est venu cette pensée: “Que les paupières baissées le soient les murs d ´en monastère.” 

         - Aguardava-se com curiosidade o que tinha Putin a dizer no seu discurso sobre o estado da nação, a par da incorporação à última hora de p.b de raiva contra Biden se ter deslocado pela primeira vez a Kiev e aí ter deixado mais uns milhões de ajuda à Ucrânia. Mas o que saiu, foi uma baforada de ódio, típico de um homem abandonado, derrotado, deixado só a falar para os seus correligionários atemorizados com as sanções que em qualquer altura poderão sofrer, se ousarem pôr em questão a utilidade da união do império soviético. Parece que o momento mais aplaudido, foi quando o ditador, desconstruindo a liberdade na Europa, se serviu do casamento entre homossexuais. Como se na Rússia por ele capitaneada, não os houvesse. Putin é um ignorante a nível de muita coisa e sobretudo da tecnologia dos computadores. Porque de contrário, iria ver como os rapazes se entregam uns aos outros nos chats russos e europeus. Talvez seja uma elite, até pelo esplendor das casas e sua decoração, belos corpos trabalhados e depilados, mas ainda assim não deixam de ser homens que se satisfazem com homens. 

         - Acabei de queimar os grandes ramos da árvore abatida há um mês. De seguida, de roçadora em punho, comecei a roçar a erva na parte da frente da casa (de quem entra). Duas horas depois, extasiei-me de felicidade a ver o resultado. Tudo sem o mínimo cansaço. Glória a Deus! 


domingo, fevereiro 19, 2023

Domingo, 19.

Ainda reflectindo sobre o que então disse, há um facto que é incontornável em toda esta questão: nós, sobretudo, na juventude, não dominamos o animal sensual que acorda em nós – somos pura e simplesmente dominados por ele. É neste aspecto que eu penso que não ofendemos a Deus quando o acalmamos nas diferentes variantes dos nossos prazeres e realizações sexuais. Porque o instinto é também obra do Criador, portanto, o pecado concebido pela Igreja é decerto modo uma afronta contranatura. Onde entra o pecado dito mortal, é quando submetemos o outro, forçando a sua liberdade, a sua identidade intrínseca, escravizando-o e conduzindo-o por caminhos que não o dignificam ou realizam. O pecado, depois de muito pensar e ler muita teologia, ficou resolvido dentro de mim desta forma decerto simplista: ofendo a Deus quando ofendo o meu semelhante enquanto imagem fulgurante do Criador. Não conheço nos Livros Sagrados nenhuma regra para o pecado. É certo que no século I, quando Jesus Cristo habitou os caminhos terrenos dos homens, a actividade sexual desses povos era selvagem, sem regras, a mulher era objecto do homem, os filhos qualquer coisa que nascia do azar. Uma sociedade assim constituída, naturalmente, provocava desajustes de muita ordem e a escravidão da mulher e o poder dos poderosos, reduziam à insignificância todo o ser humano. Hoje sabemos que o homem não necessita das normas canónicas e até religiosas, para se conduzir como ser civilizado. É, todavia, importante saber que a solidariedade, o amor, a igualdade são valores sagrados do cristianismo. Sem eles, as sociedades modernas, não teriam rasto de suporte, nem a aceitação de que usufruem. Penso que a recusa ou não aceitação do sexo como realização fecunda do ser humano – e daí a normativa de os padres serem solteiros e toda a filosofia de São Paulo sobre esse tema – tenha em conta o facto de a actividade sexual ser tão possessiva que só a entrega solitária e única e disponível a Deus é aceite. Aceite não de qualquer maneira, nem por todos e cada um, mas por aqueles que receberam a graça de consagrar a sua vida ao Senhor e ao próximo. A filosofia de Cristo foi de tal modo revolucionária, e, como direi, veio inclusivamente dar sentido a muito do que vinha de Xénon, Sócrates, Aristoteles muitos séculos antes de Cristo, até a chegada de Santo Agostinho (354-430) d C. É esta a base das leis europeias e dos seus povos. A Europa tal como a conhecemos, não pode disfarçar a presença de Deus, não pode fechar os olhos às catedrais, a homens como Pascal. A sua doutrina foi e é inspiradora e nem Karl Marx escapou a deitar nas suas ideologias derivados da tradição cristã e do ensinamento de Jesus Cristo. É por isso, que as acções dos padres da igreja dos nossos dias, nos escandalizam e interrogam. Deitar borda-fora tanto sacrifício, tanta luta, tanta aproximação a Deus, tanto sofrimento e tanta ressurreição leva a descrença dos valores imortais da Igreja Católica. 

         - A terrível tragédia que assolou a Turquia e a Síria não pára de nos surpreender. Cidades e vilas – Mustafa, Osman, Neslihan - 260 horas sob escombros, ainda acontecem milagres: pessoas e animais saem vivos à superfície. Só na Turquia morreram 46 mil pessoas. Horror! Horror! 




sábado, fevereiro 18, 2023

Sábado, 18.

Não se fala noutra coisa para regozijo das meninas queques do BE, da esquerda PS e da reserva recatada do PCP. Grosso modo, para todos o facto de a Igreja estar a ser exposta devido aos criminosos actos ou pecados mortais que ela própria sempre apregoou, contra menores e muitas vezes crianças, engrandece-os como se dentro das famílias, nos partidos, em instituições como universidades, escolas, institutos de menores com vidas problemáticas familiares e sociais, nas empresas, repartições públicas, esse tipo de investida não existisse. O assédio e a brutalidade está por todo o lado numa sociedade aberta, sem cultura nem valores, onde o básico, o primário tomou conta de tudo e de todos. Aqui como noutros países ditos desenvolvidos. Porque isto não tem a ver com a pobreza embora esta esteja à mercê de si própria e tenha menos defesas para enxotar o poder dos que julgam dispor de tudo e de todos. António Barreto, na sua coluna de hoje no Público, acerta na mouche quando denuncia: “Há também os abusos, o assédio e as violações de adultos. Sem falar nas numerosas instituições sociais e equiparadas, colégios privados, internatos, organizações desportivas e militares, lares, associações de juventude e outros. Sem esquecer, evidentemente, que é no seio da família que ocorre a maioria de abusos e de violência.” Sem falar nos conventos de freiras e seminários, acrescento eu. Bem sei que a carne é fraca, que o físico jovem é um cavalo desalmado, que é dificílimo suster os instintos quando se tem vinte anos, mas uma coisa é investir sobre uma criança indefesa, que ainda não conhece os segredos que o seu corpo guarda para lhos revelar mais tarde e outra, muito diferente, é entrar num corpo que ainda não desabrochou para o vislumbre e o prazer de si próprio. Tal como com a idade Deus nos prepara para a morte, assim na infância vamos a pouco e pouco descobrindo as sensações, o brilho das estrelas, os êxtases do nosso corpo, os silêncios iluminados ao toque, a transformação física em algo que se objectiva em nós e nos outros, porque o olhar como uma lanterna vai transfixando as intimidades para as trazer ao pleno, ao fosforescente instante em que deixamos de ser um para passarmos a ser dois em um. 

Todo este fascinante mistério do desenvolvimento humano, que começou no ventre da mulher, é de tal modo luminoso, transcendente, como se um diálogo interior formasse uma capa de felicidade que nos protege durante a nossa caminhada por este mundo. Deus fez-nos um a um, ninguém é igual a ninguém, e todos estamos sob a mesma protecção, ricos e pobres, a vida consagrada no altar do Amor transcendental que nos devia merecer todo o respeito como acontecimento único e irrepetível. É por isso que toda a violência sobre crianças indefesas, velhos frágeis, pobres sem eira nem beira, devia ser também nossa. Somos enquanto sociedade responsáveis uns pelos outros, com maior propriedade e humanidade que todas as leis e códigos feitos sobre os joelhos por políticos que nunca olharam o sofrimento e agem na indiferença do poder que tudo pretende submeter. À sociedade dos governantes interessa-lhes o todo, a nós o singular, aquele que está próximo de nós, que sofre em silêncio por ter desistido da esperança e ter entregado à solidão o desvario da renúncia. 

As muitas denúncias que o trabalho do grupo de pessoas elaborou e deu-nos a conhecer, não podem ficar circunscritas no dossier, têm de ser julgadas em tribunal como crime contra a inocência e o resguardo da pureza. Aqueles crimes dizem respeito a cada um de nós; não podemos ficar indiferente a eles, ainda que eu, pessoalmente, tenda a perceber que é difícil dominar os instintos sexuais, sobretudo quando, como no caso dos sacerdotes, sendo homens como nós, possuem um corpo e instinto que exige a consumação do prazer enquanto pacificação. Mas a escolha foi de cada um deles: Deus ou a vida de pecado que inunda a humanidade. E tal como as sociedades hoje encaram a sexualidade que muitos atribuem ás descobertas de Freud, a sua função junto dos crentes devia ser ainda mais inspiradora. Felizmente que Deus existe e olha-nos com a Sua infinita compaixão e espero perdão. 


sexta-feira, fevereiro 17, 2023

Sexta, 17.

Tudo o que este governo implementa, tarde e a más horas, tem sempre um mas. Nada é claro, transparente, lógico, cordato. Depois da famigerada lei Cristas que Costa não alterou, nunca mais os inquilinos de casas tiveram sossego, nem os jovens ousaram aventurar-se a alugar um apartamento por modesto que fosse. Surge agora um novo pacote para a habitação, fresquíssimo, e já com um assalto monstruoso de ameaças por parte dos senhorios, presidentes de câmaras, proprietários de Alojamento Local e não sei mais quem que neste domínio não faltam os especuladores.  

         - Para que não digam que o Executivo está mole, sem expectativas, ideias, pactos, investidas económicas e outras, eis que, por custos estratosféricos, o Ministério da Justiça apresentou com direito a vestido novo na televisão, a entrada de Portugal (dizem que somos o primeiro do mundo, não se riam que a coisa é séria) a utilizar a Inteligência Artificial pelo sistema Chatbolt, uma espécie de programa ao jeito dos discos pedidos que então existia nas rádios. A sigla GPJ (Guia Prático de Acesso à Justiça), pretende (dizem eles) simplificar o acesso do cidadão numa linguagem mais acessível à Justiça. E esquecendo-se que estão a falar com analfabetos - pois só eles possuem o dom do conhecimento tecnológico avançado -, informam que o modelo linguístico é o GPT-3.5, usado pelo ChatGPT da Open AI. Perceberam seus ignorantes e estúpidos? Orgulhem-se de serem portugueses e terem o melhor e mais original dos governos do planeta. (Aqui entre nós que ninguém nos ouve: toda esta maquinaria só tem um fim: que não os incomodemos pessoalmente. O funcionalismo público odeia ter na frente cidadãos revoltados contra os telefones que não funcionam, os funcionários que os tratam a baixo de cão, as demoras nos processos, as filas prolongadas de sublevados, as questões para as quais não têm resposta e assim). Não tarda toda esta parafernália tecnológica será destruída a pontapé por um povo enfurecido.  

         - Ontem fui ao Dr. Cambeta. No Fertagus, logo descendo os três degraus da carruagem, nos reservados a grávidas, coxinhos, coitadinhos e velhos xexés, estavam sentados, um em frente do outro, dois rapazes de uns vinte anos. O que ombreava comigo, tinha as pernas juntas literalmente a tocar o membrudo da frente, de coxas abertas para as acolher. O que era inquietante, é que durante quase todo o percurso (mesmo quando estivemos parados por causa de avaria numa máquina que vinha em sentido contrário), eles nem um sussurro tivessem trocado. Iam mergulhados numa espécie de abstracção ou alucinação que a paisagem alimentava. Mais o da frente, que o do meu lado entretido a marrar no telemóvel até certa altura. Digo certa altura, porque, de súbito, sem um sorriso, olhar, rumorejo ele pega não mão do parceiro e começa a acariciá-la. A coisa deu-se a meio do percurso e foi até Sete Rios quando ambos saíram à minha frente. Eram duas figuras estranhas. O da frente, de olho azul, rosto austero, cabelo cortado à escovinha, claro, ar sonhador, com uma espécie de gola que lhe chegava ao contorno do queixo, tatuada a negro, com galgos ou coisa parecida e as costas das mãos cobertas cada uma por uma cabeça de animal, que adornava inclusivamente os dedos. O outro, cabelo escuro, pestanudo, rosto redondo, cheio de ferro por todo o lado – orelhas, nariz, lábios -, mas ar decidido parecendo mais novo e, sobretudo, uns olhos melados, negros e expressivos, como os dos rapazes de Ticiano. Como nunca escutei um simples diálogo, imagino que a conversa se tenha esgotado durante a noite, entre lençóis, olhos nos olhos, tocados pelo arrebatamento que só o silêncio dedilha nos fios da noite, qual guitarra muda nos botaréus dos desejos que humedecem, fatigam e silenciam... 

         - Fui nadar meia hora à piscina da vila. Magnífico. Há dois anos e meio que lá não ia e soube-me muito bem o exercício. Quando vinha a sair, despedi-me das empregadas e empregados que encontrei na recepção. Uma delas gritou lá do fundo: “Até à próxima, senhor Helder!” Voltei-me e respondi: “Como é que ainda se lembra do meu nome dois anos e meio depois? Bela memória!” “Oh, não se esquece porque o senhor tem qualquer coisa!” Nem me dei ao trabalho de averiguar que coisa misteriosa é essa, farto de ser confrontado com o meu alter ego que desconheço. Já na rua diz-me um senhor careca de fino aspecto: “É. Olhe que ela tem sessenta anos!”  


terça-feira, fevereiro 14, 2023

Terça, 14.

A direita cresce como cogumelos graças à dita esquerda. Esta precisa de umas chicotadas como propunha “o grande educador da classe operária” Arnaldo de Matos que obrigava os traidores a denunciarem-se publicamente. Mas cresce de mãozinhas juntas, dedinhos contra dedinhos, na pose à Marques Mendes. 



         - Ontem ouvi o que tinha a dizer da sua vidinha o Miguelinho Sousa Tavares. Tenho simpatia e antipatia por ele, nunca o levei muito a sério e, com o tempo, evitei saber o que pensa disto e daquilo (porque o homem é como Marcelo - sabe tudo). Da apresentadora, Chiu! Retenho, todavia, uma frase que eu costumo deixar aqui: para mim (e pelos vistos para ele) basta olhar nos olhos dos políticos manhosos para se perceber ao vêm. Quando ele recordou a casa dos pais, senti um bate de nostalgia. E viajei para esses loucos anos passados na Rádio Universidade, especialmente uma manhã que encheu a tarde toda passada na Travessa das Mónicas a entrevistar Sophia, a mãe. Miguelinho estava lá e nunca mais me esqueceu, vá-se-lá-saber-porquê. Teve comigo algumas gentilezas que não esqueço. Está envelhecido como estamos todos nós e não vem mal ao mundo por isso. Revi-me nele e estou absolutamente de acordo com o que disse acerca da educação e excessiva proteção aos meninos e meninas de hoje. Bate aí a mão, camarada. 

         - Outro dia, no delírio de conversar sobre livros, não deixei o simpático livreiro sem trazer na mochila um livro de Jean D´Ormesson, a biografia de Simone Veil que há muito queria ler e Eric-Emmanuel Schmitt. Que tentação! 

         - Fui ver a Teresa ao Santa Maria. Pobre amiga! Peço a Deus que a ajude a passar este doloroso momento para ela, filho e amigos. João (tirei-o da quarentena em que o tinha posto depois do nosso almoço no 1900) telefonou-me a dizer-me se o acompanhava. Veio de lá impressionadíssimo. Eu encaro a vida e os seus casos de forma mais natural: o sofrimento, a solidão, o despojamento, etc..


segunda-feira, fevereiro 13, 2023

Segunda, 13.

Fui a Lisboa tratar de assuntos e depois tinha intenção de ir ao cinema. Saiu tudo às avessas. À chegada a Sete Rios, vejo a estação plena de passageiros transtornados, os seus programas ultrapassados, as portas fechadas do metropolitano e uma voz informava que a Linha Azul fora interrompida devido à tentativa de suicídio de um rapaz que se atirou para os carris. Enfiei-me num táxi. O condutor, até ao Rossio, desabafou com um caso idêntico, a mulher que fizera já três tentativas de acabar com a vida devido a conflito com a Segurança Social onde trabalha. Mudaram-na de serviço e de zona e ela pediu um atestado que pudesse provar que a mudança não partira dela. A organização não satisfez o pedido e, a parir daí, instalou-se o inferno na vida a pobre funcionária. O condutor, dizia-me comovido: “já não sei como evitar que ela dei-a cabo dela e de mim.” Que país é este, ainda por cima governado pela esquerda?! Dá que pensar. 

         - A comissão independente para avaliação dos testemunhos das vítimas de abusos sexuais por parte da Igreja católica, foi hoje apresentada. Pelo menos 4815 crianças foram abusadas desde 1950 até hoje. Que diria São Paulo desta avalanche de viciados? D. José Ornelas, diz-se que “é uma ferida aberta que nos dói e envergonha”. 

         - Com as minhas mezinhas, a tensão andou todo o dia de hoje por 13,0 – 6,6. 

         - O trágico número de mortos na Turquia e Síria: 50 mil. 


domingo, fevereiro 12, 2023

Domingo, 12.

Pois é. Desloquei-me ao meu velho Centro de Saúde para ouvir a Dra. Vera Martins acerca da maluqueira com que me queria despedir deste mundo oferecendo-me pontapés e bofetadas a mim próprio. Surpresa para a minha gentil clínica, seguida de alguns exames, pesquisas oculares, testes de força nos braços, pernas, tudo para encontrar tonturas, hesitações, desconcentrações e assim. No final tudo estava nos conformes. Foi quando lhe disse da cena canalha com o João Corregedor e do quanto me arrependo de ter entrado no seu jogo, de resto sempre o mesmo, vindo das mesmas hostes, dos extremos de ódios. E perguntei-lhe se não teria sido uma descarga do sistema nervoso. “É bem possível. Vamos ver a tensão.” Vi mudar o seu rosto jovem e sereno e perguntei se havia algum problema. “Vamos voltar a medir.” Daí a instantes: 20! Surpreende-se ela e eu, normalmente com 13 às vezes 14 de sistólica. Olhei-a, olhámo-nos. Então disse: “Sabe estive a almoçar no meu restaurante de quase uma vida, no Rato, um temperadíssimo arroz de polvo e, de seguida, fiquei aqui em frente à conversa com o livreiro desta livraria que se vê da janela. A conversa foi tão interessante, passou por vários escritores e obras, que me empolguei de satisfação ao ver o rapaz beber as minhas palavras com simpatia e interesse. “Deve ter sido tudo isto que me arrebatou e atiçou a minha sensibilidade.” Deixou por momentos o gabinete e voltou com um comprimido que me pediu pusesse debaixo da língua e esperasse na sala de espera uns momentos enquanto atendia o próximo paciente. Assim foi. Daí a quinze minutos veio-me buscar e voltou a medir a tensão: tinha descido um pouco, mas nada de substancial. Disse-lhe: “Ainda bem. Porque não quero que o meu cérebro seja uma papa. A vida chama-me de todos os lados e eu preciso de estar atento e empenhado.”  “Não quer ir ao hospital? – Que ideia! Então como a saúde anda sob a batuta do senhor António Costa! Horror! Horror!” Combinámos, então, que faria um tratamento à base Lisinopril que, segundo leio na língua das recomendações do medicamento, dá para tudo e mais alguma coisa; e também um TAC ao crânio (este deixou-me feliz porque gosto de saber como vai o meu mais estreito e querido amigo). Mas não lhe prometi que tomaria o comprimido dos velhinhos, coitadinhos. Chegado a casa, medi a tensão: 16,2-8,5. Bom. 

Fui ontem comprar a terapia e comecei a tomar um produto natural à base de oliveira, tília, alho, valeriana, visco branco, etc. Vou seguir com esta estratégia e ver que evolução tenho. Se não achar saída para equilibrar a tensão entrarei, triste, na droga química. Todavia, já hoje registei 14,9-8,3. Vou seguir o registo do stress por duas semanas altura em que a Dra. Vera Martins me quer voltar a ver e eu irei depositar o sucesso do meu tratamento nas suas mãos. 

         - A propósito de hospitais versão António Costa. A pobre da Teresa Magalhães, remetida para aquele deserto chamado Belas, sofreu uma embolia pulmonar e o filho foi resgatá-la para a levar ao Santa Maria. Esperou, nada mais nada menos, que 15 horas para entregar a mãe aos cuidados de médicos competentes. Quinze horas! O Marcus é músico numa orquestra e estava (julgo) na Suécia a tocar; voltou aflito para Lisboa e ainda teve de gramar quinze horas de espera! Conto ir ver a pobre Teresa terça-feira, prometendo não fechar os olhos aos horrores que sei de antemão ir atravessar. 

         - Os professores, ontem, fizeram talvez a maior manifestação de todos os tempos. Foram de todo o país para cima de 150 mil a desfilar na Av. da Liberdade contra as políticas do “senhor António Costa”. Eles assim o designam e bem. Doutor, que eu saiba, só os médicos. Esta saloiice bem portuguesa devia ser abolida. Só existe aqui e nos países africanos onde precedem o senhor doutor de sua excelência – coisa de preto.

         - Acerca do número infindo da gatunos que se apropriam dos dinheiros públicos, os moralistas têm o hábito de dizer, vitoriosos: “Apanha-se mais depressa um mentiroso que um coxo.” Pergunto eu que destas minudências nada percebo: e se o mentiroso for coxo?  

         - Pensa-se que ao lado dos mais 24 mil mortos até hoje na Turquia e Síria, 100 mil estejam debaixo dos escombros. Se assim for esta tragédia é a maior não só deste século (até agora), como do anterior. São lancinantes as imagens que nos chegam da Turquia a toda as horas. Felizmente, dentro destes instantes de horror, chegam outras de lágrimas de felicidade. Quem desespera, são os infelizes da Síria, mergulhados naquele caldo de sangue que é a guerra: Rússia, curdos, milícias daqui e dali, Bashar ninguém está interessado em acudir e salvar os que jazem, muitos provavelmente ainda vivos, dos escombros da terra.

         - E no entanto a vida é tão fascinante! Ontem, no Fertagus, já a noite se havia estatelado sobre a terra, o comboio a abarrotar, muita animação, ruído, do fundo da carruagem onde eu seguia perdido nos meus pensamentos, irrompe de súbito uma lengalenga ao modo rap, com sotaque angolano, longo poema de protesto e graça, que nos pôs a todos de olhares e ouvidos no rapaz de olhos ternos e baços, esguio e bonito, que dedilhava a sua guitarra como um choro comovente de esperança... 


sábado, fevereiro 11, 2023

Sábado, 11. 

Volodymyr Zelensky em périplo pela Europa, elogiou os valores da União Europeia, o nosso modo de vida, a sociedade que somos, onde as pessoas têm futuro, as fronteiras não são violadas, a liberdade impera. “É esta Europa que estamos a defender nos campos de batalha da Ucrânia”, afirmou. Absolutamente de acordo com esta réplica de de Gaulle. Nunca os actuais dirigentes europeus e americanos, emproados e convencidos, pensaram que iriam descobrir nele um verdadeiro líder, que recusou o el-dourado oferecido por Biden, e preferiu lutar pelo seu país e pelo seu povo. Eu não troco a minha condição de europeu pela de americano ou russo ou chinês. E entendo o líder ucraniano na sua ambição de querer juntar-se a nós. Espero que não se deixe corromper pelos seus pares ocidentais. 

         - O número de mortos no sismo que abalou a Turquia e a Síria na madrugada de segunda-feira aproxima-se agora dos 26 mil. As autoridades dizem que o balanço final será ainda mais dramático, à medida que as equipas de resgate e salvamento prosseguem nos seus trabalhos. Pior sorte teve a zona da Síria em guerra apoiada por Moscovo. As equipas de resgate tiveram dificuldade em aproximar-se, porque da parte de Bashar al-Assad e Putin encontraram dificuldades.  

         - Esta semana voltei ao Dr. Cambeta. A dada altura, sentado na cadeira e operando o meu ilustre estomatologista, ouvi-o dizer à assistente que tinha de comprar uns óculos próprios para proceder aos tratamentos dentários. De seguida ouvi falar em 4000 euros, logo retorqui: “Pois. Por isso é que estes tratamentos são caros!” Noutra altura, o doutor disse-me que a broca (que ele só utiliza uma vez) custa 300 euros. Não estou a ver o Estado a gastar tanto dinheiro quando um dia, distante de 100 anos, proceder à instalação como deve ser do serviço de medicina dentária à população. Por mim que já cá não estarei, só espero não me cruzar com o bandalho do socialista François Holland e ouvi-lo dizer: “Aqui vai mais um pobre desdentado.” 

         - Ontem fui à minha médica de família para averiguar as causas da demência que me tocou inesperadamente há quinze dias. Falarei disso amanhã. Hoje estou centrado no frio que se abateu aqui em casa e me obrigou a acender tudo o que me traga aconchego e calor. 


quinta-feira, fevereiro 09, 2023

Quinta, 9.

O número de mortos na Turquia e Síria devido a terramoto ocorrido segunda-feira, com magnitude de 7,8, aproxima-se dos 13 mil. Dizem os cientistas que o abalo teve ramificações sísmicas em todo o mundo. Todavia, na televisão, assistimos a autênticos milagres, com crianças a saírem dos escombros intactas e a algumas a sorrir. A humanidade com o que resta de solidário e bom, acorreu em massa à Turquia e menos à Síria onde a guerra ainda dura. A tamanha desgraça, somam-se as baixas temperaturas, a neve que cai em espessos flocos confundindo terra e céu. O mundo atravessa uma fase terrível e todos nós dispensaríamos mais esta calamidade. 

         - Portugal, sob a égide socialista, conhece um dos piores momentos da sua história recente. Não sei quem bole nesta altura, pois há um mar de greves a paralisar o país. Este, real, humano, suado, e não aquele de António Costa que só ele e os senhores deputados conhecem. Há paralisações na CP, nas Infra-Estruturas rodoviárias, nos professores, no metro de Lisboa, nos Transportes Sul do Tejo, no sector judicial, ufa!, chega! 

         - Anteontem vieram cá almoçar alguns amigos. Passámos um dia agradável, sobretudo, porque conseguimos arrancar de casa o Virgílio. O dia ajudou, cheio de sol e leves penumbras a toldar o firmamento, sem, contudo, fazer desaparecer o brilho das árvores, o cântico dos pássaros, os aluviões de corvos. 


 
Virgílio Domingues, escultor; António Carmo, pintor; e este que raramente se apresenta.(fotos de Idalina Carmo)

         - Depois do almoço, fomos a Setúbal revisitar o museu da cidade que tem no primeiro andar, oferecida à cidade, a obra maior do escultor. Virgílio Domingues parece confiar agora mais no seu destino etimológico, na sua espetacular força artística, que molda com aprumo e poesia peças extraordinárias de força, temática e memória. Perpassa por quase todas elas uma leve sombra que matiza e concentra as formas transformando-as em peças de arte que não cessamos de admirar de todos os ângulos. Porque de cada ângulo descobrimos o todo e do todo abraçamos as linhas puras de beleza e força estrutural que concentram. Há naquele núcleo de mais de cinquenta peças, uma unidade intrínseca, homogénea, de certo modo única, inspirada em Henry Moore, mas equidistante dele porque passou pelo crivo crítico, figurativa e abstracta, olhar-memória que retém a fulguração do instante, a mão sensual e forte de Virgílio Domingues. 






quarta-feira, fevereiro 08, 2023

Quarta, 8.

Quando disse que o livro do cardeal bibliotecário não me desiludiu, referia-me ao que afirmei em 1 de Dezembro do ano passado. Quanto à leitura, grosso modo, não me desapontou embora também pouco ou nada tenha acrescentado ao que conhecia das Cartas e vida de São Paulo. Contudo, devo ser sincero que a primeira metade do livro me irritou, e me fez lembrar a obra de João Lobo Antunes, Numa Cidade Feliz, onde metade do trabalho são excertos de outros autores. Quanto à construção propriamente dita da obra, pareceu-me ter sido estruturada a partir de coisas esparsas – conferências, seminários, notas – porque a unidade é demasiado centrada em outros autores que estudaram S. Paulo e somam nada mais nada menos que 11 páginas, corpo 6 no final do livro. Depois, irrita-me sobremaneira, aquela forma de expor e desenvolver as ideias que tem de passar forçosamente pela complexidade do raciocínio, a avoejar ao pomposo, ao difícil como fazem os filósofos do século XX. Este exemplo, a ver se alguém me explica o emaranhado do período ( pág. 27): “Agamben defende que o essencial da reflexão de Paulo então “sobre aquilo que resta” e que a categoria do “resto” (leimna), um tópico que pertence à gramática profética e messiânica, funciona como chave de resolução da dialética “universal vs. particular” na teologia paulina.”  Ainda este outro pedaço (eles são muitos) na conclusão do que disse Giorgio Agamben: “ Neste sentido, o “resto” emerge “como um tipo muito peculiar de máquina soteriológica”, que metamorfoseia em todos os âmbitos (por exemplo, desde a noção de povo à noção de democracia) a cartografia do presente, introduzindo uma lógica nova. Não admira que Giorgio Agamben creia ser esse “o único argumento político real”. Como se vê, tatibitates puro. Nesta parte do livro, percebi a mistura que o ilustre cardeal faz da temática paulina com a política. É outra tendência da nova etapa da Igreja que bem compreendeu Lenine, quando aconselhou que para a destruir se  amalgamasse a política... 

A construção da biografia de Paulo de Tarso faz-se em torno das cartas 14 paulinas e dos Atos dos Apóstolos e também de Lucas, numa reedificação da vida e obra do apóstolo até à sua morte ou desaparecimento, em Roma, no tempo do imperador Nero. Os dois primeiros capítulos, parecem ter sido escritos para mentes elevadas, que adoram a cacofonia das palavras, a complicação do texto e a escrita em circuito fechado. Fizeram-me lembrar Vergílio Ferreira e o seu ensaio O Existencialismo é um Humanismo. Quando o li, fiquei no escuro e foi preciso ter voltado a reler Sartre para compreender o ensaísta português. Escrevi-lhe nesse sentido, dizendo-lhe que compreendi o Existencialismo melhor e mais profundamente através de Jean-Paul Sartre que lendo a sua explanação filosófica. Não me respondeu, como nada disse quando nos encontrámos mais tarde em Paris. Com Tolentino de Mendonça aconteceu-me o mesmo e, embora considere o seu projecto interessante sob vários pontos de vista, sobretudo os que o prendem aos aspectos teológicos, ficou-me, todavia, a impressão de ler coisas esparsas, reflecções alinhavadas, até porque não despeguei do que conhecia das Cartas e de S. Paulo através da biografia de N. T. Wright. 

Talvez devesse reter-me no subtítulo: Reler São Paulo. Neste particular, no meu caso, o livro do ilustre Dicastério, produziu em mim esse louco desejo de voltar a reler as Cartas do Apóstolo. E talvez de uma forma, como direi, mais profunda, mais rente à História, seguindo o divulgador da Palavra na sua luta por Cristo Jesus e nas suas obsessões doentias. Por exemplo. Metamorfose Necessária, nada diz do doentio desprazer do sexo em São Paulo. Aborda de passagem a circuncisão de Timóteo pelo próprio Paulo de Tarso, mas as sombras e o bosque onde ele se esconde continuam a exercer dois mil anos depois muita estupefacção e desgraça para os católicos. Foi mesmo a partir dele que a Igreja de hoje impregna de condenação todo o acto sexual tido à margem do matrimónio. Milhões de seres humanos foram afastados dos altares e sofreram tormentos profundos (caso de Julien Green) só porque a sua vivência natural tendia a ser anti-natura à luz dos cânones da Igreja, vividos e estudados sob os códigos paulinos. Pessoalmente, prefiro, neste particular, Santo Agostinho. Porque a doentia tendência de Paulo em se concentrar no pecado da carne, retirava a felicidade e o prazer que são obras de Deus, a toda a criatura humana, transformando-os num castigo incompreensível que nem os sacerdotes dos nossos dias suportam e daí o que se conhece de pedofilia nos dois sentidos: masculina e feminina.  

Não quero com isto dizer que os padres não devam estar sujeitos à castidade. Devem, mas estão como todos nós, constrangidos pelo pecado. Quando se escolhe a vida do sacerdócio, escolhe-se ser diferente, ser o representante de Deus na terra, junto de todos, pobres e ricos, pecadores e impenitentes sensuais. Não é pelo julgamento que pertence exclusivamente a Deus, que se deve exercer o magistrado, mas sim pela compreensão da complexidade do ser humano. Por causa de Saulo, a Igreja parece só reconhecer no sexo o erro maior, aquele que Deus não perdoa, aquele que nos reduz à alienação do sacrifício e da privação.  

Contudo, a páginas tantas, José Tolentino Mendonça, parece regressar a si, quase põe de parte o grande trote dos filósofos e teólogos que convocou desde o início do ensaio, e passa a dar-nos uma ideia do seu pensamento – o livro ilumina-se como por encanto. O discurso solta-se, torna-se menos denso de vocábulo rebuscado, as ideias circulam de página em página, livres das bengalas dos que no final do ensaio se apresentam. 

Uma nota para o revisor. As edições da Quetzal são habitualmente rigorosas. Noto à margem, como exemplo, nos dois últimos livros que li, Melancholia de Francisco José Viegas e Evangelhos Apócrifos, no primeiro detectei uma gralha e no segundo só uma. Ou, o mais certo, atendendo à personalidade do autor, estas para mim estranhezas, não passem de toques linguísticos próprios do nosso cardeal. Mesmo assim aqui ficam: “... o que é o amor senão aceitar permanecer numa absoluta vulnerabilidade, numa radical posição de franqueza diante do outro? (pág. 28-29)” ou “não podia não ser (pág. 77)” ou “não pode não ser (pág. 78)” ou “por isso, não pode não afirmar (pág. 107)” “A teologia cristã da esperança irrompe do inaudito evento em que Deus ressuscita (pág. 139)” “Evento!” Não seria antes acontecimento? O livro está cheio de “eventos” ou “A provação é o lugar onde se fortalece aquela confiança chamada a ser radical... (pág. 143)” Isto para não falar na quantidade da palavra “radical”, decerto muito moderna para o escritor ou, talvez, segundo a obsessão da Igreja, mais próxima dos jovens radicais. 


domingo, fevereiro 05, 2023

Domingo, 5.

O patriarca da Assembleia da República, ex-MRPP, diz e bem, “o avanço da extrema-direita será comparável a uma doença que progride, enfraquece e pode ser fatal para o regime político característico dos países da União Europeia: a democracia liberal e de forte cunho social”. Pois é. De quem é a culpa? Quando a dita esquerda labora programas de direita e ao jeito do capitalismo mais duro e constrói corrupção em catadupa e desarma os trabalhadores com ordenados e miséria enquanto aos ditos gestores oferece salários escandalosos e ainda por cima bónus que não se assemelham, nem de perto nem de longe, aos que sua excelência o senhor António Costa mandou distribuir pelos pobres que trabalham de sol a sol, a chamada extrema-direita que, todavia, está no Parlamento a defender melhor e mais acintosamente o seu programa, só pode medrar. Não que tenha ideias, um projeto decente e judicioso, mas sabe montar e bem nos desastres produzidos pela esquerda ou esquerdas. Esta, vergonhosamente, está há dois meses para resolver o problema criado por outro grande socialista de seu nome José Sócrates com os professores e nada conseguiu até hoje. 

         - Não despego do horror que foi para mim ver a agressão bárbara ao jovem imigrante em Olhão. Pior: a autarquia, a Polícia, a Segurança Social nenhuma destas entidades se aproximou para ajudar os infelizes (sabe-se que já foram outros estrangeiros atacados pelo mesmo gangue). Inclusivamente, nem os energúmenos ainda foram presos. Mas louvo o que ainda resta das raízes cristãs no povo, esses anónimos que socorreram o nepalês com dinheiro, comida e conforto moral. Bem Hajam.     

         - Quando não posso ou não estou com tempo (infelizmente) para ir assistir à missa a Setúbal, faço-o pela televisão. Só que hoje, tendo acordado ainda com os resquícios de ontem atacado de dores lombares devido ao trabalho do dia anterior, outro remédio não tive que usar estes métodos modernos. Encontrava-me, portanto, irritado. Logo me calhou um sacerdote do Funchal, cuja presença não gosto nada, pelo seu ar vaidoso, nervoso, convencido e mecânico de rezar a missa. Até o nome me abespinha: padre Toni. Talvez ele se chame António, mas a atracção pelos jovens obrigam a Igreja dos nossos dias a tantas cambalhotas para atrair a juventude! Quando eu penso o inverso: os jovens deixam-se atrair pelo que os repele. A escumalha dá-se com a escumalha. Não é assim? 


sexta-feira, fevereiro 03, 2023

Sexta, 3.

O homem apesar de pequeno, impõe-se em bicos de pés: “eu dei ordem”, “eu exijo”, “eu ordeno” e assim Carlos Moedas assumiu, potente e soberano, a condução do espectáculo religioso transmitido do “altar-palco”. Coitado. Até tem condições naturais para fazer melhor que o seu antecessor, mas não vai lá. Demasiada ambição ofusca-o. Lembro-me no tempo da troika ele ter afirmado estar de acordo com o plano traçado para Portugal, e de tal modo que ele e Coelho acabaram por duplicar o castigo aberto pela ladroagem socialista de José Sócrates. É este país é uma choldra. 

         - De acordo com o reverendíssimo abade, o sacristão apregoa todo babado que Portugal cresceu 6,4% mas é ainda uma previsão. Contudo, a técnica propagandística joga com o efeito do número - é este que é detido. Porque o nível de vida pobretão, as dificuldades em acompanhar a inflação, a paralisia, o rom-rom monótono do quotidiano, não é especulação “é o mercado a funcionar” – dizem eles. 

         - Vi uma cena canalha na TV que me impressionou: um imigrante agredido a pontapé, a murro e até tentativa de pegar fogo ao cabelo, por um grupo de miúdos selvagens, no Algarve. As autoridades já tinham referenciados alguns deles, mas esperavam o que viria a sair de um grupo de trabalho (mais um) formado para estudar o crescimento de delinquentes juvenis. O grupo foi constituído há seis meses, mas, como sempre, nada produziu. 

        - Depois do almoço, ao sol, sob o alpendre, comecei a ler um livro de contos de Aquilino Ribeiro, Jardim das Tormentas. Trata-se de uma edição numerada (nº 227), com assinatura do Mestre, e ilustrações de Luís Filipe Abreu. Tenho sempre grande prazer em voltar ao feiticeiro da língua, sobretudo depois de ter começado o ano com leituras todas de carácter religioso e teológico. Seguiu-se uma hora de sesta, absolutamente inopinada quando ontem, tendo-me dada a fagulha do sono (acontece muito raramente) pelas 22 horas, só tenha acordado às oito da manhã. Dez horas seguidas e abençoadas. Cheio de energia, atirei-me ao corte da erva no espaço que ontem havia começado e acartei para queimar os abrolhos das oliveiras. 


quinta-feira, fevereiro 02, 2023

Quinta, 2 de Fevereiro. 

Há muito que deixei de ouvir sua excelência, não perco o meu preciso tempo a conhecer mais do mesmo. Todavia, não consigo evitar os efeitos colaterais daquilo que ele tira da cartola das mentiras e propaganda, porque leio as gordas dos jornais, ouço rádio e escuto os amigos. Suponho que em todo o país só ele e o seu sacristão estão convencidos de que a governação tem sido exemplar e a vida dos portugueses melhorou com ela. Fico-me pela maior de todas as aldrabices: a promessa, no dia em que ganhou a maioria, de “estabilidade governativa”. Marcelo é cúmplice do desastre em que vivemos, porque não consegue separar o aluno “brilhante” que diz ter sido o seu, do governante chico-esperto, atabalhoado, com uma desastrosa práxis política em que pupilo se transformou. 

         - Eu creio em Deus, sou católico, mas não vou estar em nenhuma missa que o Papa Francisco celebrará em Portugal. A vinda de sua Santidade, está transformada numa feira religiosa onde todos ganham menos o Altíssimo que precisa de silêncio, desprendimento, humildade, pureza e fé e não de esta algazarra que se instalou onde todos anunciam ganhos preciosos. Eu tinha falado em despesas totais de 100 milhões – já foram ultrapassadas e estão hoje avaliadas em 160 milhões. É tudo a roubar, até os moradores dos prédios da Expo, pedem por um quarto/dia 1.000 euros! Quanto aos políticos, sobretudo o senhor Moedas (lá está ao nome fala por si), quer ficar na fotografia da história como o grande senhor que recebeu Bergólio com a ostentação que o discreto e humilde visitante dispensa. Para tirar os pobres que dormem nas ruas da capital, criar casas para a juventude, lares dignos para os velhos, uma cidade mais humana onde a exploração não exista, não há dinheiro. Estamos entregues à bicharada. Portugal nunca deixará de ser miserável, porque tem tido ao longo da sua história democrática políticos de meia-tigela, sem inteligência, cultura, seriedade e horizontes vastos. Que nunca souberam criar riqueza, manobrando os pobres coitados com a razia dos impostos, do comércio a pataco, da instrução básica; evitando criar indústria, preferindo viver de esmolas como nestes últimos seis anos tem acontecido com a mama da UE, que permitiu a António Costa e ao seu sacristão passar por inteligentes. Gastar à tripa-forra sempre foi o mérito dos socialistas. Adoram ter os pobrezinhos acalmados com as esmolas que lhes dão na forma de subsídios, de pequenos contributos sazonais. É o modo de baixar a pobreza dado que esta sem auxílios estatais não seria os criminosos 2,5 milhões mas o dobro.  

         - A lei da eutanásia vai e vem, é o ioiô querido da esquerda. Que insiste não obstante as dignas razões do PCP de votar contra, o indispensável referendo proposto pela direita e assim. Há uma tal obstinação pela morte que vem do facto de a vida nunca ter interessado à sentença banal, efémera, furibunda de ideologias, em que vivem a actuam sem discriminação acima do ser humano. Veja-se o desprezo que têm pela pobreza dos seus concidadãos, a indiferença às existências arrastadas e para eles inúteis dos velhos, dos sem-abrigo, da dignidade que cabe inteira em cada ser humano, interessando-lhes apenas o colectivo que é manada fácil de manobrar. A ligeireza e alegria como eles afrontam as pequenas vitórias de uma frase aqui, uma linha além, prontamente expurgadas do texto de forma a que o Tribunal Constitucional lhes devolva aquilo que denominam de “direito à morte com dignidade”. Meia dúzia de assassinos têm o poder de impor a morte a dez milhões. Em nome da democracia, nas costas da vida. 

         - Como poderei classificar o dia de hoje? De estado de graça é o que me ocorre. De manhã corrigi 10 páginas do romance, fiz depois um prato para arquivo, li debaixo do telheiro, fui continuar a roçar erva defronte do salão (só não conclui porque me faltou a gasolina), cortei os rebentos grossos de várias oliveiras, e, sem uma dor ou cansaço, tomei um duche e aqui me encontro a dar testemunho de um dia sem igual. Louvado seja Deus.