domingo, fevereiro 12, 2023

Domingo, 12.

Pois é. Desloquei-me ao meu velho Centro de Saúde para ouvir a Dra. Vera Martins acerca da maluqueira com que me queria despedir deste mundo oferecendo-me pontapés e bofetadas a mim próprio. Surpresa para a minha gentil clínica, seguida de alguns exames, pesquisas oculares, testes de força nos braços, pernas, tudo para encontrar tonturas, hesitações, desconcentrações e assim. No final tudo estava nos conformes. Foi quando lhe disse da cena canalha com o João Corregedor e do quanto me arrependo de ter entrado no seu jogo, de resto sempre o mesmo, vindo das mesmas hostes, dos extremos de ódios. E perguntei-lhe se não teria sido uma descarga do sistema nervoso. “É bem possível. Vamos ver a tensão.” Vi mudar o seu rosto jovem e sereno e perguntei se havia algum problema. “Vamos voltar a medir.” Daí a instantes: 20! Surpreende-se ela e eu, normalmente com 13 às vezes 14 de sistólica. Olhei-a, olhámo-nos. Então disse: “Sabe estive a almoçar no meu restaurante de quase uma vida, no Rato, um temperadíssimo arroz de polvo e, de seguida, fiquei aqui em frente à conversa com o livreiro desta livraria que se vê da janela. A conversa foi tão interessante, passou por vários escritores e obras, que me empolguei de satisfação ao ver o rapaz beber as minhas palavras com simpatia e interesse. “Deve ter sido tudo isto que me arrebatou e atiçou a minha sensibilidade.” Deixou por momentos o gabinete e voltou com um comprimido que me pediu pusesse debaixo da língua e esperasse na sala de espera uns momentos enquanto atendia o próximo paciente. Assim foi. Daí a quinze minutos veio-me buscar e voltou a medir a tensão: tinha descido um pouco, mas nada de substancial. Disse-lhe: “Ainda bem. Porque não quero que o meu cérebro seja uma papa. A vida chama-me de todos os lados e eu preciso de estar atento e empenhado.”  “Não quer ir ao hospital? – Que ideia! Então como a saúde anda sob a batuta do senhor António Costa! Horror! Horror!” Combinámos, então, que faria um tratamento à base Lisinopril que, segundo leio na língua das recomendações do medicamento, dá para tudo e mais alguma coisa; e também um TAC ao crânio (este deixou-me feliz porque gosto de saber como vai o meu mais estreito e querido amigo). Mas não lhe prometi que tomaria o comprimido dos velhinhos, coitadinhos. Chegado a casa, medi a tensão: 16,2-8,5. Bom. 

Fui ontem comprar a terapia e comecei a tomar um produto natural à base de oliveira, tília, alho, valeriana, visco branco, etc. Vou seguir com esta estratégia e ver que evolução tenho. Se não achar saída para equilibrar a tensão entrarei, triste, na droga química. Todavia, já hoje registei 14,9-8,3. Vou seguir o registo do stress por duas semanas altura em que a Dra. Vera Martins me quer voltar a ver e eu irei depositar o sucesso do meu tratamento nas suas mãos. 

         - A propósito de hospitais versão António Costa. A pobre da Teresa Magalhães, remetida para aquele deserto chamado Belas, sofreu uma embolia pulmonar e o filho foi resgatá-la para a levar ao Santa Maria. Esperou, nada mais nada menos, que 15 horas para entregar a mãe aos cuidados de médicos competentes. Quinze horas! O Marcus é músico numa orquestra e estava (julgo) na Suécia a tocar; voltou aflito para Lisboa e ainda teve de gramar quinze horas de espera! Conto ir ver a pobre Teresa terça-feira, prometendo não fechar os olhos aos horrores que sei de antemão ir atravessar. 

         - Os professores, ontem, fizeram talvez a maior manifestação de todos os tempos. Foram de todo o país para cima de 150 mil a desfilar na Av. da Liberdade contra as políticas do “senhor António Costa”. Eles assim o designam e bem. Doutor, que eu saiba, só os médicos. Esta saloiice bem portuguesa devia ser abolida. Só existe aqui e nos países africanos onde precedem o senhor doutor de sua excelência – coisa de preto.

         - Acerca do número infindo da gatunos que se apropriam dos dinheiros públicos, os moralistas têm o hábito de dizer, vitoriosos: “Apanha-se mais depressa um mentiroso que um coxo.” Pergunto eu que destas minudências nada percebo: e se o mentiroso for coxo?  

         - Pensa-se que ao lado dos mais 24 mil mortos até hoje na Turquia e Síria, 100 mil estejam debaixo dos escombros. Se assim for esta tragédia é a maior não só deste século (até agora), como do anterior. São lancinantes as imagens que nos chegam da Turquia a toda as horas. Felizmente, dentro destes instantes de horror, chegam outras de lágrimas de felicidade. Quem desespera, são os infelizes da Síria, mergulhados naquele caldo de sangue que é a guerra: Rússia, curdos, milícias daqui e dali, Bashar ninguém está interessado em acudir e salvar os que jazem, muitos provavelmente ainda vivos, dos escombros da terra.

         - E no entanto a vida é tão fascinante! Ontem, no Fertagus, já a noite se havia estatelado sobre a terra, o comboio a abarrotar, muita animação, ruído, do fundo da carruagem onde eu seguia perdido nos meus pensamentos, irrompe de súbito uma lengalenga ao modo rap, com sotaque angolano, longo poema de protesto e graça, que nos pôs a todos de olhares e ouvidos no rapaz de olhos ternos e baços, esguio e bonito, que dedilhava a sua guitarra como um choro comovente de esperança...