sábado, fevereiro 29, 2020

Sábado, 29.
A polémica em torno do Museu Salazar ou mais precisamente do Centro Interpretativo de História e Memória Política da Primeira República e do Estado Novo não pára. 11.500 pessoas assinaram uma petição contra a criação do museu que entregaram ao Presidente da Assembleia da República pedindo que o projecto não vá por diante. Bom. Acho um erro. Primeiro, porque é um atentado à democracia; segundo, porque dá a impressão que a democracia tem medo do ditador que, todavia, não se assemelha a Hitler como pretende Marília Vilaverde Cabral. Se os senhores políticos forem sérios e honestos, competentes e equilibrados, souberem trabalhar para o bem comum, não há ditador que consiga impor-se.

         - Eu que ando com gosto nos transportes públicos que é o que devia fazer também a aristocracia de deputados, ministros, autarcas e toda essa nobreza do pós-25 de Abril, ouviria como eu escuto, invocar o nome de Salazar. E fazem-no - sobretudo os mais novos - não porque o tivessem conhecido, mas pelo que ouvem dizer em casa aos pais. O que traz o populismo, a invocação de tempos sem liberdade, do fascismo e dos valores  truncados são cenas como a de Luís Moreira, ex-dirigente do Benfica (lá está), condenado a 11 anos de prisão, e a pagar indemnizações que passam os 5 milhões de euros, às vítimas das aldrabices que compreendem falsificação de documentos e burla qualificada, isto é, ao abotoar-se com dinheiro de sinais de contratos de compra e venda de terrenos que não eram seus. A sociedade portuguesa, está minada de gente desta estirpe e é ela que afasta os cidadãos da democracia. Já aqui disse e volto a repetir: se um dia a ditadura ou qualquer outro regime duro voltar, a culpa deve ser assacada aos dirigentes e não ao povo que farto de ver cenas destas não acredita que haja gente digna e séria na política. O Parlamento, em vez de perder tempo a tapar o nome de Oliveira Salazar com interdições, devia levantar do chão sujo a excelência de conduta daqueles que nos governam.  

         - O artigo de Pacheco Pereira no Público de hoje que eu aconselho a leitura, é um achado.


         - Tempo chuvoso. Apesar disso, andei a queimar os braços das árvores que foram podadas. Avancei um pouco mais na biblioteca de cima. De leituras – népia.

sexta-feira, fevereiro 28, 2020

Sexta, 28.
E tu, que tens a dizer sobre o aeroporto para o Montijo, tu que és parte vivendo na zona? Nada ou quase nada. Apenas espero que não o batizem com o nome de um qualquer jogador de futebol, quanto ao mais burrié burrié. Agora do queria falar é daquele mau hábito dos socialistas em quererem fazer leis à medida da sua arrogância e poder. O senhor Pedro Nuno dos Santos com quem até simpatizo, insurgiu-se com o Presidente da Câmara da Moita, porque este boicotou o programa que parecia estar no papo e vai daí diz que é preciso alterar a lei de forma a tirar o poder excessivo na matéria aos autarcas. Onde é que já se viu isto?! Ah, já me lembro! O camarada José Sócrates, quando primeiro-ministro, fez uma lei ao seu jeito para fazer entrar malas de dinheiro que andava disperso lá por fora. Lembram-se? O primeiro beneficiado foi ele. Vivendo apertadinho do salário da função, quis guardar uns milhões para a reforma na Ericeira perdido o luxo do 6ème, em Paris. Não é que eu atribua qualquer qualificação ou competência aos nossos autarcas. Isto porque, sendo na quase maioria analfabetos, eles falam, laboram, emitem pareceres, constroem estruturas e projetam leis tudo sob as ordens expressas do partido. Este, por sua vez, jogando o jogo político que parece ser a raiz da democracia, opera não em função dos munícipes, mas dos interesses ideológicos ou simplesmente da ambição do poder absoluto.

         - Parece que as equipas de futebol deste reino amochado à modalidade, falharam todas a entrada no campeonato (um momento, vou ver à Internet) da Liga Europa. Ufa! Que alívio não só para o Planeta como para a nossa saúde mental!

         - Disse-me M. Armand, meu farmacêutico, que em Itália cada máscara de defesa do Covid 19 é vendida a 5000 euros! À conta do pânico das pessoas, há criminosos que estão a enriquecer comprando toneladas de máscaras e produtos de protecção contra o vírus.

         - O Black apareceu atrelado à namorada de uma vida e a mais uma madama gémea. Ele que tem entrada na casa, exibe-se, orgulhoso, para as outras que ficam à porta num coro de vozes que impressiona.


         - Almocei com o Corregedor no Rossio e despachei-me para chegar a tempo de ir comprar tochas, gasolina e outros produtos para continuar os trabalhos iniciados há dois dias. Dei descanso ao cérebro não lendo nenhumas linhas à parte as do Público.  

quinta-feira, fevereiro 27, 2020

Quinta, 27.
Prossigo o arrumo dos livros, aproveitando para limpar o pó a cada um e a estante que vai de um lado ao outro, de cima abaixo da parede. Que mundo ou antes que mundos! A cada passo tropeço num título, num autor e à memória vem o instante em que o descobri, os momentos eternos consagrados à sua leitura. Felizmente que o cérebro possui a capacidade de reter só o que lhe convém. De contrário, com tantos quilómetros de páginas, estaria esmagado de cansaço e a memória estagnada de esgotamento. Se Deus me desse mais uns vinte anos de vida, voltaria à maior parte daqueles volumes e refrescaria os dias na recordação da sua descoberta, no entusiasmo da sua leitura, na absorção de ideias e filosofias que nortearam a pessoa que sou e com a arca de horas felizes ao seu contacto, partiria então ligeiro e mais humano, pronto para conhecer o mundo que me espera no fio denso da eternidade...

         - Sanders vai à frente pelos democratas na corrida às presidenciais dos Estados Unidos. Espero que desta vez o seu partido não tenha a veleidade de o substituir por uma qualquer dondoca tipo senhora Clinton. Porque apesar da idade, os jovens que põem de lado qualquer ser humano com mais de cinquenta anos acautelem-se, e assentem os olhos no dinâmico septuagenário. O líder, lá para os lados americanos, é considerado comunista. E no entanto, as suas ideias são o que há de mais equilibrado e sensato.

         - Vou mais uma vez citar Lídia Jorge e com que prazer o faço: “...nas editoras é preciso haver uma alteração. Quem escolhe livros para a sociedade tem um papel fundamental e não pode estar esmagado pela ameaça das vendas que não acontecem, porque o que hoje se vende é lixo.”

         - Já que cito Lídia Jorge, convoco também Ovídio que fica bem ao lado da excelente escritora e vai de acordo com o momento que traz meio mundo em pânico: “Como é bom ir entre altos astros, como é bom deixar esta terra, morada inerte, e, levado numa nuvem, pousar nos ombros possantes de Atlas, e, de longe, observar lá em baixo, os homens vagueando à toa, desprovidos de razão, assustados, cheios de medo de morrer.”

         - Nunca os acantos que decoraram os altares dos templos gregos estiveram tão exuberantes. A centenária oliveira que eles atapetam com a beleza das suas folhas milenares, sorri de contentamento e eu com ela quando ao fim da tarde me sento no rebordo de tijolo construído pelo saudoso Ti Luís a ruminar sentimentos venturosos.




         - Acode à tarde clara uma quietude de verão. A Piedade andou aí a limpar o que a estante de cima sujou com sua montagem. A porta da cozinha está aberta de par em par e entra desusado o sol que invade o vasto espaço de luz e seca o chão da esfregona que aí bailou às ordens da minha empregada. O Black foi ao Haiti em busca das cachopas doidas de cio. Há dois dias que não aparece. São 14 horas e 36 minutos.

quarta-feira, fevereiro 26, 2020

Quarta, 26.
O Covid 19 traz já muitos países em estado de alerta, com milhares de casos de infecção e pelo menos 2700 mortes. Propagado pela China onde o primeiro médico entretanto falecido deu o alerta, e onde pessoas desapareceram por denunciarem através de telemóvel o início da epidemia, é hoje uma manta de martírio e medo para todo o mundo. Mas o ditador que tudo controlou, continua no poder. O desarranjo do avanço viral, leva já alguns países a fechar fronteiras, a pôr de quarentena cidades e vilas, à desaceleração da economia, ao stresse global das populações. Portugal, decerto, não fechará o aeroporto enquanto não atingir as 30 mil camas! Eu que estou de partida, não escondo a apreensão de ir para um país que continua de portas abertas a todo o mundo. Não ignoro os milhares de chineses que estudam nas universidades húngaras, como não sou surdo aos amigos que me aconselham a não partir, mas espero regressar são e salvo. Ontem a TSF difundia: temos, enfim, um caso com coronavírus! A notícia parecia anunciar a chegada a Portugal do Pai Natal. Por sobre tudo, a realidade impõe-se: em qualquer lugar estamos à mercê da morte.

         - Evidentemente, esta situação é maravilhosa para os mass media. É ver a satisfação como televisões e rádios divulgam a informação. Se parassem para pensar, veriam que as percentagens são ridículas face ao número de cidadãos, por exemplo, da China neste momento de 1.409.649.785 habitantes. Mas sem estas tragédias, os órgãos de informação, obrigados por anunciantes e pela sobrevivência das suas máquinas infernais e pelos detritos televisivos que dão aos seus espectadores tratando-os como mentecaptos, não contariam para nada. O negócio, o volume de facturação é muitíssimo mais importante que uma vida humana por mais iluminada que seja. A informação é espectáculo e no espectáculo não pode faltar o drama e a tragédia – e neste, se possível, ainda o coitadinho.

         - Ontem estive na Brasileira com os habitués. Depois almocei no Chiado com um amigo de longa data e despachei-me para casa onde o trabalho fascinante de restituir ordem na biblioteca de cima me deixa em estado de êxtase. Vou ter que deslocar milhares de livros, tendo dado à nova estante a primazia dos testemunhos: diários, memórias, confissões, visões sociais e politicas dos escritores e sociólogos que fui lendo. Este estado é tão empolgante, que saio da cama ainda faz escuro para tocar em cada volume como se tateasse a carne viva do seu autor. Ainda, em sequência, é toda a ordem artística do espaço que vai sofrer alterações. Os quadros e mobiliário vai ocupar outros lugares de forma a que o conjunto resulte numa verdadeira obra de arte.

         - Esta frase sublime de Lídia Jorge na entrevista que deu ao Público: “No livro está o pensamento demorado” (por oposição ao digital). Ela é o que resta da grande literatura universal. É dos poucos escritores portugueses que leio sempre com imenso agrado. Cada livro seu fala e diz o que o mundo não gosta de ouvir.


         - Trabalhei no romance. Duas horas a penar praticamente inúteis. Interrompi esgotado e fui fazer meia hora de natação. De seguida almocei, depois duas horas de leituras e a meio da tarde comecei a dar nas figueiras e pessegueiros a bordalesa. Frio. Tarde comme ci, comme ça.  

segunda-feira, fevereiro 24, 2020

Segunda, 24.
Fui ver o filme de Bong Joon Ho, Parasitas. Uma grande surpresa! Não conhecia o realizador, estou distante da filmografia sul-coreana, dos actores e ambientes sociais. Não porque o país seja fechado como o seu vizinho da Coreia do Norte, mas porque talvez viva muito concentrado na Europa onde, afinal, com as novas tecnologias somos confrontados com as mesmas tragédias e as pessoas não sejam assim tão diferentes nas suas lutas e ambições, quero dizer, a pobreza e a riqueza como opostos não diferem lá como cá. Duas famílias são o centro do enredo: os Kim, os pobres; os Park, os ricos. Os primeiros, vivem numa espécie de bairro de lata, com toda a precariedade e promiscuidade daí resultantes; os segundos, habitam uma mansão desenhada por um grande arquitecto onde as novas tecnologias, ou “fetichismo tecnológico” como lhe chama Lídia Jorge, abundam e encandeiam os novos-ricos como os pacóvios pobres. Os dois extremos da sociedade, equidistantes socialmente, não podem, afinal, viver uns sem os outros. Os ricos não dispensam os pobres embora o desejassem; os pobres não desobrigam os ricos porque a avidez os contagia. Conhecemos isso quando do 25 de Abril de 1974. O filme não diz como os Park conseguiram a sua imensa riqueza, mas o que transmite claramente é que ali os parasitas são os Kim. Porque vivem na fossa de pequenos serviços, desorientados como toupeiras arquitectando uma saída para as suas vidas paradas, cheias de ganância, onde a desordem e o caos assentou arraial. Em breve projectam um plano de assalto aos ricos. A isca vai ser o filho Ki-woo, que acaba empregado como explicador de inglês da filha dos abastados Park. Entra depois o pai para chauffeur, a filha e a mãe para governanta (a excepcional actriz Chang Hyae Jin). O cerco está montado, os Kim cumprem o plano de assalto estudado pelo pai, feito de vigarices e artimanhas criminosas onde os Park demasiados ingénuos e levianos caiem como tordos. Deste modo, aproveitando uma saída dos proprietários ricaços, apropriam-se da mansão para um fim-de-semana à maneira dos ricos. A bebedeira e o descalabro é total. Quando, de súbito, surge numa noite diluviana, a governanta que eles por tramoias imorais conseguiram afastar da casa. Vem buscar qualquer coisa que tinha deixado para trás. A nova governanta abre-lhe a porta e, por uma série de peripécias que no filme jorram muitas vezes de uma forma inconcebível, dá a conhecer aos bêbados inchados da importância de serem por um dia os donos daquilo tudo, o bunker onde está o namorado escondido e ela alimentou durante anos sem que os Park dessem por isso. O pânico instala-se, as lutas dos dois campos são muitas e monstruosas, filmadas com o telemóvel do namorado que ameaça enviar aos Park. Que nesse momento telefonam a dizer que estão a chegar de volta e pedem à governanta que trate do jantar. No circulo infernal que se segue, a antiga governanta é deixada entregue à morte, enquanto os invasores arrumam a casa em desvario e a cozinheira prepara a refeição. Entram os quatro membros da família rica – a filha,  o apaparicado filho mais novo, pai e mãe – sem que os quatro miseráveis tenham tempo de se escapar. Escondidos debaixo de mesas e sofás, até ao dia seguinte quando a mulher do rico pdg decide dar uma festa. Durante o festejo, o namorado investe e a mortandade é atroz, somada ao pai da família pobre que sai do esconderijo para matar o dono da casa, recordando-se do que ele havia dito sobre o seu cheiro corporal que impregnava o carro. Enfim, foge quem pode, pai e o filho, a mãe e a filha, sob rede de chuva torrencial que expõe a indecência em que vive a população do pueblo. Depois o filho que tinha ambições de ser alguém e a sua aprendiz de inglês estava pelo beicinho por ele, volta à mansão que já está à venda. Num rasgo de lucidez, ele percebe as diferenças abismais entre ele e a sua apaixonada e recusa envolver-se. O que ele ignorava, é que no bunker estava barricado o pai que a Polícia procurava. Este, através de Código Morse, consegue estabelecer contacto com o filho. O filme termina com a ambição de Ku-woo decidido a trabalhar para um dia adquirir a mansão dos Park. Enfim, é um fim que deixa ao espectador acreditar ou não na geração mais nova cujos sonhos é ter aquilo que a inveja e a cobiça alimenta, pensando que a riqueza nasce da preguiça. Pelo menos foi assim que eu o resumi.  


         - Tinha pensado ir a Lisboa, mas acordei paralisado, caminhando com imensa dificuldade, agarrado às paredes, com dores insuportáveis na perna que as raparigas olham com desvelo e me deixam tomado de uma quente e por vezes insuportável excitação. Com o pequeno-almoço tomei meio Ben-u-Ron e sentei-me à mesa a trabalhar. Pelas onze já não sentia dores nenhumas e depois do almoço fiz as minhas clássicas duas horas de leitura. De seguida, fui buscar o Fortuna para me ajudar a montar a estante que trouxe do IKEA. Fortuna é nervoso, faz tudo à pressa e, nessas condições, não atinava com o desenho que acompanha a montagem. Tentou, do alto dos seus 84 anos, mas tive de lhe dizer que era melhor irmos chamar o Álvaro, o santeiro. Regresso com ele e num ápice, sem quase olhar o croqui, o rapaz ergue a estante. Este esforço da minha parte, completamente incompreensível para mim tendo em conta o começo do dia, levou-me a estar em cima das pernas (a que agrada às raparigas e a que encanta os rapazes), sem uma dor ou uma incomodidade. Nesse entretanto, o telefone não parava – era a equipa dos tertulianos a quererem saber se estava melhor. João Corregedor, deu-me a chave que abriu a minha inquietação: o esforço feito com o transporte da estante. Deve ter razão, porque a dor surgiu do nada e meio comprimido a eclipsou. Agora, 20,09, sentei-me, enfim, diante da televisão para ver o meu programa favorito – Échappées Belles.