segunda-feira, fevereiro 10, 2020

Segunda, 10.
Que dizer deste dia senão que se instalou nele a transparência reconfortante da felicidade. De manhã, embora desmotivado, sentei-me à minha mesa de trabalho e comecei, hesitante, uma nova versão de O Matricida. De súbito o céu desceu sobre a página em branco, as vozes e os movimentos das personagens vieram juntar-se em torno da escrita e o mistério desabrochou. Com uma nitidez impressionante, comecei a ver a história de cada um, o sítio onde ela acontecia, o tom, a trama que se entrelaça para realçar o quadro histórico onde uma série de vidas vão acontecer. De um ápice escrevi três páginas e senti que o enredo se ajustava àquilo que queria contar, sem desprimor do muito que se associará no correr dos meses e talvez anos que levarei a contar a vida de Semyon. Do que sei, todavia, a partir de hoje, é que não sou mais um inútil, um tipo sem rumo, sem horizontes nem força anímica para continuar a viver. A morte afastada, trouxe-me mais anos de vida que espero cumpri-los no delírio e submissão à escrita, amarrado à cruz leve e pesada da construção de um romance. Deo gratias.

          - Dois homens estiveram aí a podar as árvores. Um deles tinha um nome franciscano – Florindo. Uma parte das amendoeiras foram liquidadas por estarem já exangues há anos, as que ficaram tiveram uma tosquia jeitosa para continuarem em vida; outra parte das macieiras deixaram de viver, as restantes foram aparadas à maneira, idem para ameixieiras, pereiras, pessegueiros e até as figueiras.


         - Dia singular, cinzento. Excitado pelo facto de ter o romance a cada minuto do dia e às vezes da noite á minha espera. Alinho estas linhas diante da lareira acesa.