Segunda,
10.
Que
dizer deste dia senão que se instalou nele a transparência reconfortante da
felicidade. De manhã, embora desmotivado, sentei-me à minha mesa de trabalho e
comecei, hesitante, uma nova versão de O
Matricida. De súbito o céu desceu sobre a página em branco, as vozes e os
movimentos das personagens vieram juntar-se em torno da escrita e o mistério
desabrochou. Com uma nitidez impressionante, comecei a ver a história de cada
um, o sítio onde ela acontecia, o tom, a trama que se entrelaça para realçar o quadro
histórico onde uma série de vidas vão acontecer. De um ápice escrevi três
páginas e senti que o enredo se ajustava àquilo que queria contar, sem
desprimor do muito que se associará no correr dos meses e talvez anos que
levarei a contar a vida de Semyon. Do que sei, todavia, a partir de hoje, é que
não sou mais um inútil, um tipo sem rumo, sem horizontes nem força anímica para
continuar a viver. A morte afastada, trouxe-me mais anos de vida que espero
cumpri-los no delírio e submissão à escrita, amarrado à cruz leve e pesada da
construção de um romance. Deo gratias.
- Dois homens estiveram aí a podar as
árvores. Um deles tinha um nome franciscano – Florindo. Uma parte das
amendoeiras foram liquidadas por estarem já exangues há anos, as que ficaram
tiveram uma tosquia jeitosa para continuarem em vida; outra parte das macieiras
deixaram de viver, as restantes foram aparadas à maneira, idem para
ameixieiras, pereiras, pessegueiros e até as figueiras.
- Dia singular, cinzento. Excitado
pelo facto de ter o romance a cada minuto do dia e às vezes da noite á minha
espera. Alinho estas linhas diante da lareira acesa.