segunda-feira, fevereiro 24, 2020

Segunda, 24.
Fui ver o filme de Bong Joon Ho, Parasitas. Uma grande surpresa! Não conhecia o realizador, estou distante da filmografia sul-coreana, dos actores e ambientes sociais. Não porque o país seja fechado como o seu vizinho da Coreia do Norte, mas porque talvez viva muito concentrado na Europa onde, afinal, com as novas tecnologias somos confrontados com as mesmas tragédias e as pessoas não sejam assim tão diferentes nas suas lutas e ambições, quero dizer, a pobreza e a riqueza como opostos não diferem lá como cá. Duas famílias são o centro do enredo: os Kim, os pobres; os Park, os ricos. Os primeiros, vivem numa espécie de bairro de lata, com toda a precariedade e promiscuidade daí resultantes; os segundos, habitam uma mansão desenhada por um grande arquitecto onde as novas tecnologias, ou “fetichismo tecnológico” como lhe chama Lídia Jorge, abundam e encandeiam os novos-ricos como os pacóvios pobres. Os dois extremos da sociedade, equidistantes socialmente, não podem, afinal, viver uns sem os outros. Os ricos não dispensam os pobres embora o desejassem; os pobres não desobrigam os ricos porque a avidez os contagia. Conhecemos isso quando do 25 de Abril de 1974. O filme não diz como os Park conseguiram a sua imensa riqueza, mas o que transmite claramente é que ali os parasitas são os Kim. Porque vivem na fossa de pequenos serviços, desorientados como toupeiras arquitectando uma saída para as suas vidas paradas, cheias de ganância, onde a desordem e o caos assentou arraial. Em breve projectam um plano de assalto aos ricos. A isca vai ser o filho Ki-woo, que acaba empregado como explicador de inglês da filha dos abastados Park. Entra depois o pai para chauffeur, a filha e a mãe para governanta (a excepcional actriz Chang Hyae Jin). O cerco está montado, os Kim cumprem o plano de assalto estudado pelo pai, feito de vigarices e artimanhas criminosas onde os Park demasiados ingénuos e levianos caiem como tordos. Deste modo, aproveitando uma saída dos proprietários ricaços, apropriam-se da mansão para um fim-de-semana à maneira dos ricos. A bebedeira e o descalabro é total. Quando, de súbito, surge numa noite diluviana, a governanta que eles por tramoias imorais conseguiram afastar da casa. Vem buscar qualquer coisa que tinha deixado para trás. A nova governanta abre-lhe a porta e, por uma série de peripécias que no filme jorram muitas vezes de uma forma inconcebível, dá a conhecer aos bêbados inchados da importância de serem por um dia os donos daquilo tudo, o bunker onde está o namorado escondido e ela alimentou durante anos sem que os Park dessem por isso. O pânico instala-se, as lutas dos dois campos são muitas e monstruosas, filmadas com o telemóvel do namorado que ameaça enviar aos Park. Que nesse momento telefonam a dizer que estão a chegar de volta e pedem à governanta que trate do jantar. No circulo infernal que se segue, a antiga governanta é deixada entregue à morte, enquanto os invasores arrumam a casa em desvario e a cozinheira prepara a refeição. Entram os quatro membros da família rica – a filha,  o apaparicado filho mais novo, pai e mãe – sem que os quatro miseráveis tenham tempo de se escapar. Escondidos debaixo de mesas e sofás, até ao dia seguinte quando a mulher do rico pdg decide dar uma festa. Durante o festejo, o namorado investe e a mortandade é atroz, somada ao pai da família pobre que sai do esconderijo para matar o dono da casa, recordando-se do que ele havia dito sobre o seu cheiro corporal que impregnava o carro. Enfim, foge quem pode, pai e o filho, a mãe e a filha, sob rede de chuva torrencial que expõe a indecência em que vive a população do pueblo. Depois o filho que tinha ambições de ser alguém e a sua aprendiz de inglês estava pelo beicinho por ele, volta à mansão que já está à venda. Num rasgo de lucidez, ele percebe as diferenças abismais entre ele e a sua apaixonada e recusa envolver-se. O que ele ignorava, é que no bunker estava barricado o pai que a Polícia procurava. Este, através de Código Morse, consegue estabelecer contacto com o filho. O filme termina com a ambição de Ku-woo decidido a trabalhar para um dia adquirir a mansão dos Park. Enfim, é um fim que deixa ao espectador acreditar ou não na geração mais nova cujos sonhos é ter aquilo que a inveja e a cobiça alimenta, pensando que a riqueza nasce da preguiça. Pelo menos foi assim que eu o resumi.  


         - Tinha pensado ir a Lisboa, mas acordei paralisado, caminhando com imensa dificuldade, agarrado às paredes, com dores insuportáveis na perna que as raparigas olham com desvelo e me deixam tomado de uma quente e por vezes insuportável excitação. Com o pequeno-almoço tomei meio Ben-u-Ron e sentei-me à mesa a trabalhar. Pelas onze já não sentia dores nenhumas e depois do almoço fiz as minhas clássicas duas horas de leitura. De seguida, fui buscar o Fortuna para me ajudar a montar a estante que trouxe do IKEA. Fortuna é nervoso, faz tudo à pressa e, nessas condições, não atinava com o desenho que acompanha a montagem. Tentou, do alto dos seus 84 anos, mas tive de lhe dizer que era melhor irmos chamar o Álvaro, o santeiro. Regresso com ele e num ápice, sem quase olhar o croqui, o rapaz ergue a estante. Este esforço da minha parte, completamente incompreensível para mim tendo em conta o começo do dia, levou-me a estar em cima das pernas (a que agrada às raparigas e a que encanta os rapazes), sem uma dor ou uma incomodidade. Nesse entretanto, o telefone não parava – era a equipa dos tertulianos a quererem saber se estava melhor. João Corregedor, deu-me a chave que abriu a minha inquietação: o esforço feito com o transporte da estante. Deve ter razão, porque a dor surgiu do nada e meio comprimido a eclipsou. Agora, 20,09, sentei-me, enfim, diante da televisão para ver o meu programa favorito – Échappées Belles.