terça-feira, março 29, 2022

Terça, 29.

Augusto Santos Silva é hoje empossado Presidente da Assembleia da República. Numa entrevista (disfarçada) que deu a Bárbara Reis (Público de domingo), diz uma série de realidades sobre a sua pessoa e personalidade que julga o definem. Um amigo acha-o um político “à inglesa”, ele diz-se essencialmente professor universitário e, sobretudo, intelectual, o João recorda-me que Santos Silva pertenceu ao MRPP, eu ponho em causa a “liberdade” que ele diz ser o pavio por que se norteia. Mas diz mais. “Sou religioso? Sou. Mas católico não. Acredito em Deus? Acredito numa coisa (numa coisa!!!) que o Pessoa diz melhor do que ninguém (felizmente): `Deus é existirmos e isso não ser tudo.`” Mas tem um “santinho” que o acompanha: Maria de Lourdes Pintasilgo. Todavia, baralhando e tornando a dar, prossegue: “O cristianismo faz parte do espaço público e a dimensão religiosa é absolutamente essencial.” Para complicar ainda mais as nossas mentes: “As escolas não podem ter crucifixos; os padres e os bispos não podem participar em coisas (eu diria actos, mas o intelectual insiste nas “coisas”...) públicas; a Igreja e o Estado têm de estar completamente separadas; a religião é do foro exclusivamente individual: não acredito em nada disto.” Agora pasme-se: “Por isso acham que eu sou o chefe de fila da ala católica do PS.” Valerá a pena dissecar este naco de prosa de uma baralhação completa? Não. Apenas recordo a sua excelência que ele, como todos os filiados em partidos, não são de todo livres. E já agora as maiores felicidades para o cargo que, humildemente, espero não seja tão anódino como foram os que exerceu como ministro. O PS congratular-se-á porque adora águas paradas; eu que sou temperamental prefiro os homens frontais e combativos. 

         - Difícil, muito difícil, regressar à realidade quotidiana; instalar nos dias os ritmos da escrita; respirar a fragrância da Primavera; sentir o corpo subir do fundo da saudade aos alvores de cada dia renascido de esperança. Ou ficar só até ao fim dos tempos.  


segunda-feira, março 28, 2022

Segunda, 28.

Quando voltei do Porto, pedi em Campanhã um lugar sem passageiro por perto. O funcionário riu-se e eu interpretei aquele sorriso matreiro como algo estranho. Soube do resultado quando o cobrador me indicou o último lugar do derradeiro vagão. Foi a minha vez de sorrir, pois a carruagem que arrancou da estação vazia, foi a pouco e pouco enchendo até, do ponto onde me encontrava, a ver como uma camarata ambulante onde os passageiros, espojados, dormiam. 

         - Vou tentando também eu entrar nos carris da vida. Ainda não respondi nem a metade dos amigos que quiseram manifestar-me apreço no momento triste por que passo. Os ritmos do dia-a-dia não foram inda restabelecidos; a escrita continua a ser uma miragem à parte as tentativas deste registo. Por outro lado, a somar à infelicidade pessoal, junta-se o mundo tal qual ele se nos desvenda com sua fúria de horrores, destruição e morte. Amigos mais chegados padecem dos males da idade, como se um harém de misericórdias não bastasse para acompanhar as suas dores e maleitas. A verdade é que não aceitamos a velhice, a nossa fragilidade, recusamos enfrentar o tempo dando-lhe a volta ou desafiando-o a entrar connosco numa outra etapa com seus rumores, visões, sentimentos, ritmos e cadências em sintonia com o corpo que se foi apoderando de nós ou nós dele. No fim, lá onde o ciciar se impõe, é na morte que pensamos sem capacidade para a aceitar. E no entanto, não se morre porque se é velho, mas porque nascemos para morrer. Se conseguirmos interiorizar esta verdade de uma pureza extrema, a vida, esta e a que vier, esta que nos coube e a que nos caberá, fará parte de um ciclo natural, lógico, preciso e determinado para fechar a nossa presença na terra e entrar numa outra forma de vida, sem tempo nem lugar, próximo do Criador que nos aguarda puros e inteiros, felizes por nos ter dado a conhecer esta terra, os filhos, os amigos, os sítios, o sol, o mar, as vozes, os rostos belos e únicos, os amores que nos couberam viver, os silêncios que nos lavaram a alma, as paisagens e a arte que nunca iremos esquecer, porque tudo nos foi dado e nos pertence por direito enquanto seres que por aqui passaram na expectativa da vida eterna. Vivamos, pois, o que somos, como somos, na certeza que a matéria está constantemente em transformação e pode haver beleza, energia, entusiasmo desde que aceitemos cada hora, cada dia, como se fosse o primeiro de uma outra vida, infinitamente mais importante e enriquecedora. O nosso sofrimento, por muito doloroso, não se compara com o Daquele que viu o seu Filho morrer crucificado na cruz – aperta-se-nos o coração só de imaginar. 

         - Porque o mundo deve ao criminoso Putin o fim doloroso de velhos e novos. Se nos lembrarmos o que foi o inferno na Síria, podemos antever o fim da Ucrânia. Um homem que não respeita a vida humana, não merece viver. Tem de ser julgado e condenado à pena máxima. Não pode escapar como escaparam Estaline e os seus carrascos imediatos sucessores. Por isso, tenho dificuldade em compreender Macron que, decerto por ambição pessoal e política, teima em manter diálogo com um monstro. 


domingo, março 27, 2022

Domingo, 27.

O perdão é o sentimento mais nobre do ser humano; e quando a absolvição é feita sem recurso à dor da sua causa, é fenda de luz que inunda os corações. Assim aconteceu com um amigo da minha (nossa) adolescência tumultuosa, livre como poucos a tiveram, disponível para conhecer e praticar tudo o que os meus delírios impunham e a sofreguidão da idade exigia. Não me arrependo de nada, não sinto a mínima falta ou pecado, por tudo o que livremente fiz, sofri, vivi, pratiquei com paixão, até ao abandono de mim pelas horas tardias das noites claras, que se fundiam nas madrugadas banhadas do cansaço do amor experimentado e consolado até ao apaziguamento do corpo e da alma. Este amigo, soube por outro, que eu passava por um momento difícil com morte da Maria Luiza e logo me telefonou como se os anos de silêncio se tivessem eclipsado e nos tivéssemos despedido na véspera. Todas as palavras trocadas eram os sons que a amizade reconhece e conforta. Com a singular retoma do que ficou interrompido. 

         - Assim, ontem, também a Maria José me telefonou a dar-me os sentimentos, acrescentando não ser saudável ficar nesta altura só. Primeiro, ofereceu-se para passarmos uns dias, depois ante a recusa, “pelo menos vamos almoçar juntos”. Fomos. Almoçámos na esplanada de um restaurante no castelo e ficámos ao sol a conversar por umas duas horas. De seguida, convidou-me para ir conhecer o seu novo atelier na Quinta de Alcube, perdida na serra, entre vinha e oliveiras, um lugar que temos de palmilhar por curvas e contracurvas, ladeiras perigosas e caminhos de terra batida com árvores caducas a dividir o circuito da estrada. Chegados ao fim de meia hora de viagem, somos confrontados com esta inquietação: “Como é possível encontrar aqui tanta gente!” O atelier da minha amiga, escultora e ceramista, fica em contrabaixo do edifício-mãe, umas quatro divisões por onde serpenteia uma atmosfera de serenidade e moldes de ilustres figuras que nos olham com espanto. Uma desordem estudada e simpática acolhe-nos sem nos solicitar o olhar atento, como se toda a obra da artista fosse coisa inacabada e, por isso, a merecer apenas um relâmpago de passagem. O silêncio e as clareiras de sol, com arbustos e árvores a tocar os telhados baixos, apressam-nos o passo para o exterior onde o silêncio é atravessado pelo vento manso da tarde já um tudo nada cálida. Fico aí a estender o olhar que toca todas as membranas de verdes, como se salmodiasse um hino íntimo saído daquela natureza virgem, parada, hirta, por entre troncos grossos e folhagem de cambiantes inebriantes que odores de vinho servido mais acima ali redopiam. Quero lá ir espreitar o tumulto de vozes, a roncaria dos motores mais abaixo, os passos no caminho atapetado de folhas secas; mas não despego o olhar do horizonte fechado lá ao fundo num esplendor de luz faiscada de raios de sol de uma intensidade estranha e bela. Não é a Primavera que chegou, é outra estação que se fixou no céu e nos encandeia e deslumbra porque não se parece com nenhuma outra estação do ano. De súbito enormes clareiras de silêncio. Vou-me por ele, banho-me nas suas ondas, respiro os aromas da terra que sobem do fundo dos alçapões onde corre a vida que ninguém ousa vislumbrar. Há muito que não sei da minha amiga, sinto-me ali só, reduzido à insignificância de um insecto sem asas, que rasteja no chão de solo meio arenoso, sem receio de tropeçar. Até que às tantas, da soleira da porta, ouço: “Vá de carro, contorne à direita e suba a encosta até à adega.” Pareceu-me uma ordem e ali mesmo digo adeus a Maria José e guio o carro pela encosta a cima, periclitante, como quem experimenta um chão de minas. Lá no cimo, em redor de árvores amplas, um corredor de mesas e cadeiras, acolhe dezenas de pessoas estendidas a bebericar vinho e a comer pão com queijo ao que me pareceu de produção local. Fixo aquela massa de gente, seres desconchavados, baldados por ladainhas mal aprendidas que irrompem a serra como lâminas que ferem não só as árvores como aquela paz, aquela beatifica tarde tocada a sol claro e silêncio cristalino. Curioso, paro o carro e vou caminhar por ali por acolá, sem perceber que apelo sinto eu quando todo o meu interior se restringe, se encolhe, se distancia daquela alarve vivência que colhe do instante o nada que nada contém. Retorno a casa pelo caminho contrário, descendo para Setúbal com o Sado à direita e a urbe estendida à esquerda. Penso no que somos, grosso modo, uma massa de gente provinciana, sem finesses, bruta e quente, odorífera e mal cultivada, incapaz de reconhecer o mal do bem, praticando um e outro consoante a circunstâncias e as fúrias do momento, nunca assentes em padrões civilizacionais que caracterizam a linhagem de um povo sensível. A Igreja de Salazar e Caetano, formou-o virando os valores do avesso. Só daqui a quatro ou cinco gerações, seremos outra massa de gente mais equilibrada e humana. 

         - A mim quer-me parecer que o ditador ao vir agora com aquela que a “operação militar especial” entra numa fase de “libertação do Donbass” (entenda-se terminada), pretende limpar a imagem do seu falhanço da Ucrânia num todo. 

         - A guerra da Ucrânia veio, curiosamente, unir aquilo que Trump havia dividido, como juntou a Europa aos EUA e ainda deu força à UE. 

         - Joe Biden chamou “carniceiro” a Putin e com toda a propriedade. Pode não ser politicamente correcto, mas é a verdade tendo em conta a chacina por ele levada a cabo na Ucrânia.


sexta-feira, março 25, 2022

Sexta, 25.

Os que podem fogem, os que estão fora recusam-se a entrar – este é o retrato dos ditos oligarcas. Até o pavoroso Chubais, que ajudou Putin a implementar as privatizações, nos anos 1990, raspou-se. O povo respirou de alívio – odiava-o. 

         - António Costa deu-nos a conhecer a desolação do seu Governo. Aquilo é uma roda de bajuladores ao jeito do socialista que adora ter quem lhe engraxe as botas todas as manhãs. Aquela de compensar o camarada autarca com o cargo das Finanças, ele que deixou a Câmara de Lisboa num desastre financeiro e obteve favores na compra da casa que habita, não lembra ao tinhoso. Ainda que o arrogante ditador que gere a TAP fique entalado nos carris dos comboios, vá que não vá. De tudo aquilo, só dou o meu aval à ministra Marta Temido, a Maria Vieira da Silva e dúvidas a António Costa e Silva na pasta da Economia e do Mar. Globalmente, Portugal, apesar dos mil milhões de esmolas da UE, vai continuar a marcar passo, a pobreza a aumentar, a cultura a diminuir, o fosso entre ricos e pobres a crescer, os instruídos e analfabetos a prosperar, muita contestação nas ruas, o país eternamente adiado. De todos os futuros governantes, aquele que é o protótipo do que acabo de afirmar, é Pedro Adão e Silva. Foi-lhe conferida a pasta da Cultura! Como? Com que bases, experiências, gostos? O seu esplendor foi milimetricamente calculado: televisão, prosazinhas em jornais, participações em debates, elogios ao patrão de Norte a Sul, até à nomeação no grupo dos democratas que saudarão os 50 anos da democracia. Brrrrrrr! 

         - Ainda mal começaram a trabalhar, já a guerra na Ucrânia os protege dos aumentos que a pouco e pouco se vão instalando por todo o lado e afirmam ser inevitáveis. Primeiro, vangloriaram a globalização, através da qual a vida quotidiana iria ser suave e repartida por todos; depois, desviaram o olhar da corrupção que desvairou com tanto dinheiro à mão de semear e fez dos chicos-espertos milionários; aqui como por essa Europa fora. Pagava-se para que os portugueses abandonassem os campos, deixassem de produzir cereais, pastagem para gado, legumes, leite, enfim, produtos sazonais e autóctones; o país era feliz com os produtos vindos de fora, em abundância e pagos com o dinheiro dos nossos impostos; cada português tinha o seu carrito-trono e pavoneava-se pelas auto-estradas de braço de fora, cabelo ao vento, ar de rico do Brasil, embora o depósito levasse de cada vez 10 euros. Os nossos políticos eram os mais felizes dos cidadãos que prometeram em eleições pouco concorridas defender no cubículo de Bruxelas. Forma de falar: em verdade limitaram-se, vergados, a aceitar o que os grandes países impunham. Hoje, com a Rússia assanhada, prometem reequacionar as políticas económico-financeiras, refazer a Europa mais independente, mais abastecida dos seus próprios produtos e necessidades. Too lat.     

         - Veio aí pedir-me 100 euros emprestados dizendo que mos devolve daqui a quinze dias. Fui ao Multibanco por eles e quando lhe passei para as mãos as notas, agradeceu e diz-me que daqui a um mês, mês e meio liquidará a dívida. Não conto mais com o dinheiro. Finalmente ele ajudou-me muito quando aqui cheguei e a soma é para construir o seu mausoléu. Que Deus permita o tenhamos por mais (pelo menos) dez anos de convívio. Curiosa a sensação de felicidade, de leveza que senti logo que ele deixou o portão. 


quarta-feira, março 23, 2022

Quarta, 23.

Por muitas cambalhotas que os comunistas dêem, a evidente aceitação da invasão da Ucrânia é por eles louvável. O argumento é sempre o mesmo: os EUA e a NATO de que a Rússia foi cofundadora, são ameaça à estabilidade do regime de Putin. Com os comunistas, há sempre um “mas” que orienta os seus projectos expansionistas, que o diga o ex-deputado João Oliveira e subscritos pelo Avante. Depois, a geração mais nova, sem fugir aos mandamentos impostos pelo partido, larga pareceres como este emitido pelo mais jovem e credível de entre eles, João Ferreira, declarando que “o PCP faz uma declaração clara e inequívoca da violação da integridade territorial da Ucrânia é, à luz do direito internacional, inaceitável e merece condenação”.  Há sempre demasiados “mas” na oratória comunista. Eu prefiro os “ses” de António Barreto numa recente crónica. 

“Se a Europa souber lutar eficazmente contra a corrupção, contra os políticos predadores e contra os bandidos bilionários, indígenas ou estrangeiros, que têm estado na vanguarda da pior Europa que se imagina, a que facilmente troca a moral e a lei pelo ouro.”

“Se a Europa e os europeus souberem organizar-se mental e politicamente para se defender dos grandes poderes que os cercam e se podem transformar em ameaças, o poder americano, os exércitos russos, o terrorismo islâmico, a indústria chinesa e a imigração africana.” 

“Se a Europa souber respeitar o melhor da sua história, a sua cultura, e a sua melhor história, a da liberdade.”

“Se os europeus souberem e quiserem, farão uma Europa . Livre e em paz.” 

         - Para aligeirar o peso da morte e, sobretudo, da ausência, passei muitas horas no meu quarto de adolescente na Foz a ler. Deste modo, terminei o terceiro volume do Diário de Julien Green, aquele que nos anuncia a chegada de Jean-Éric Jourdan mais tarde filho adoptivo do escritor com o nome de Éric Jourdan Green. Como eu sempre previra, a ligação dos dois homens, ou antes a união de Green com o adolescente, segundo o herdeiro da obra de Éric e por tabela de Green, Tristan de Lafond, terá acontecido num daqueles encontros de rua que Julien teve com centenas de jovens. Aliás, os amigos e visitantes ocasionais do escritor, rue Vaneau, citando Lafond, “venus avec l´espoir d´entendre de la bouche même du maître ce qu ´il avait à dire, et non pas de celle de sa Pythie, aussi talentueuse fût-elle (os gregos não diriam melhor)”. Mauzinhos... 

         - Por todos estes dias, chuva q.b.. Vou daqui a nada ao dentista experimentar a prótese definitiva. A vida, enquanto força criadora que gera a substância essencial de alento, vai a pouco e pouco empurrando o desespero para dar lugar à força que tudo regenera. Reina ainda uma certa lassidão magoada, mas à superfície de mim, sinto ressuscitar os pequenos salmos que consubstanciam a unidade deslaçada. 


terça-feira, março 22, 2022

Terça, 22. 

No melhor pano cai a nódoa. O ministro dos Negócios Estrangeiros que se distinguia como um dos melhores da equipa de Costa, anunciou alterações às emissões de certificados de nacionalidade a descendentes de judeus sefarditas. Até aqui tudo bem. É mais que justa a alteração, sobretudo tendo em conta o favorecimento ao oligarca russo (ele já tem três nacionalidades), senhor  Roman Abramovich. Mas... (com António Costa há sempre um mas) esta nova mexida não atinge aquele capitalista. Dá para entender? Entende-se muito bem, oh sim! Entre nós há que defender os interesses económicos de advogados, consultores, bancos e serviços. O senhor Abramovich é um entre centenas. E Costa não é Boris Johnson. Infelizmente. 

         - Os ataques criminosos à Ucrânia parece estarem-se a intensificar. Bombardeamentos indiscriminados a hospitais, maternidades, prédios de habitação, o teatro de Mariupol, uma ou outra igreja, grandes vias. A guerra já praticamente entrou na capital e pergunta-se porque razão não está o país reduzido a cinzas, sabendo-se da diferença abissal entre Golias e David. A resposta não é só uma, mas todas elas banham Putin na derrota, na barbaridade e na indiferença do ser humano que conta muito pouco para o ditador. Opor um homem com estas características aos Estados Unidos, é possuir uma dose excessiva de fanatismo e querer fazer recuar o mundo para os tempos pré-históricos, sinistros, aterradores, que foram os de Hitler, Estaline e a Guerra Fria. Putin há muito que se sabia era um homem perigoso, sem palavra, obcecado, fanático, megalómano. Se pensarmos que a NATO foi organizada com a participação do alcoólico Boris Ieltsin, que assinou, inclusive, em 1997, o “Acto Fundador”! Putin, além do seu trabalho de toupeira no KGB, soube tirar do então Presidente da Rússia, um homem débil, fraco, que governou a Federação Russa quase sempre alcoolizado, temos a matriz daquele que lhe sucedeu. Diga ele o que disser: a verdade é que ninguém atacou a Rússia, mas Putin que acordou czar decidiu invadir a Ucrânia, um país de gente boa, trabalhadora, que ama as artes e o seu país. 

         - Segundo as Nações Unidas, o conflito já provocou mais de 3,2 milhões de refugiados e a morte de para cima de 200 crianças, 816 mortos e 1333 feridos civis. Mas estes números são o que são. Nada se sabe ao certo e muito menos quantos soldados pereceram de um lado e outro da guerra. 

         - Prevendo que Putin (como eu penso também) não se vai ficar pela Ucrânia, a Estónia, Letónia e a Lituânia expulsaram em conjunto vinte diplomatas russos dos seus territórios.  

         - Eu sou extremamente sensível à amizade. Daí que, ao cabo de muitos telefonemas (para casa e portável), aceitei encontrar-me com o João, deixando claro que não podia haver discussão sobre a invasão na Ucrânia – e ele cumpriu. Assim abancámos na Confeitaria Nacional para um almoço que decorreu muito simpático e agradável, ajudando-me mesmo a levantar o moral que trago muito em baixo devido ao desaparecimento da minha irmã. O Carlos Soares apareceu mais tarde e a conversa a três sobre arte romana de que o nosso amigo conhece todos os meandros, foi curiosa não estando eu nem sempre de acordo com ele, sobretudo no que nela aferrou dos gregos. 


domingo, março 20, 2022

Domingo, 20.

Paz aos mortos, a todos os mortos. Acredito que todos estão melhor que nós vivendo sob céu luminoso, conhecedores da Face de Deus, ao abrigo da angústia infinita, violência e horrores inumanos. Para nós que por cá nos quedamos, é indiscritível a tristeza que nos pesa num dia de trevas que enegreceu o mundo de luz e de vida. 


sexta-feira, março 18, 2022

Sexta, 18.

Aquilo já não é uma guerra, é um autêntico massacre. O desespero de Putin que julgava ter os ucranianos no papo, suporta com dificuldade a humilhação de ter que os enfrentar em várias frentes e por um tempo longo. A sua loucura vai levar à miséria o pobre povo russo que nunca viu a prosperidade, e está agora ainda mais reduzido à pobreza, ao silêncio e aos insultos soezes de Putin contra aquela parte lúcida que protesta contra a guerra. No meio de todo este sofrimento, as mulheres de Kiev, esta manhã, enfeitavam os jardins da praça principal de cidade com túlipas de cores correspondentes à insígnia do país. Um povo assim, que ama a música e a beleza, não pode ser deixado nas mãos de um tirano sanguinário. 

         - Entretanto, a pouco e pouco, vamos sabendo dos enormes privilégios daqueles que lambem tudo o que o anafado ditador tem para abocanhar. Só o Reino Unido, governado por um homem arguto e defensor da liberdade, confiscou um extraordinário património que vale cerca de 120 mil milhões de euros! São uns 370 nomes de onde se destacam 50 oligarcas a começar pelo primeiro-ministro da Federação Russa, Mikhail Mishustin, o ex-primeiro-ministro e actual presidente do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitri Medvedev, o ministro da Defesa, Serguei Shoigu, o porta-voz do autocrata, Dmitri Peskov, o do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova, etc., etc.. Boris Johnson decretou sanções a um punhado de corruptos e opulentos capitalistas, que fizeram fortunas incríveis à sombra do invasor, congelando-lhes os bens e os activos financeiros, para além da proibição de viagens de e para o país. E lembrar-nos nós que a riqueza do povo é um ínfimo dígito do PIB: 1%.  

         - Faleceu outro dia Vicente Jorge Silva. Fomos vizinhos durante muitos anos, tomávamos café lado a lado, olhávamo-nos como quem se cumprimenta e conhece de ginjeira, mas nunca nos falámos. Ele sabia quem eu era, eu idem. A culpa deve-se a esta minha reserva que deixa passar o melhor que se cruza comigo. Descansa em paz, bravo homem, baluarte da liberdade das artes! Um dia destes por reler o teu livro (maravilhoso) Século Passado.

         - Não consigo deixar de transcrever o texto de António Guerreiro, um jornalista e pensador de primeira água, hoje no Público. Fala ele daquele que exibiu sempre um sorriso macaco, mas que a mim nunca de enganou, como bem se recordam os meus leitores de há muitos anos. “Complacência” é uma palavra que Durão Barroso nunca devia pronunciar para não nos lembrar a complacência de que beneficiou e continua a beneficiar. Tudo o que fez e disse desde que saiu a correr para presidir à Comissão Europeia só pode ser encarado com bonomia se usarmos uma boa dose de complacência. Ele encarna na perfeição o político sem qualidades (não se veja aqui uma menção ao Homem sem Qualidades de Musil, que era um conjunto de qualidades sem homem), a figura sombria que triunfa sem que alguma vez se perceba de onde vêm tão vastas aptidões. Será sempre lembrado como um detector de “armas de destruição maciça.” Refere-se o articulista, decerto, à guerra no Iraque de que o nosso pateta corrupto beneficiou quando foi chamado para o cargo máximo na UE. 

         - Na missa do Sétimo Dia, terça-feira, na igreja da Foz, dita Stella Maris, fui surpreendido pela quantidade de amigas e amigos que a minha irmã tinha sem que eu alguma vez tivesse vislumbrado. Gente de fé sincera, de amizade quente e afectuosa, que assistiu à missa com a compenetração que eu não me lembro de ver por aqui alguma vez. A dada altura o sacerdote, um homem de fé e não como os padres daqui que são técnicos religiosos, sempre ufa ufa para terminar o oficio litúrgico, falou da Maria Luísa e fê-lo com a voz embargada de emoção que me tocou profundamente. Mais: os cerca de 100 participantes (a minha sobrinha diz-me que deviam ser uns 80), a maioria comungou à sete da tarde. Ainda hoje retenho a voz do celebrante, ungida daqueles que verdadeiramente creem, voz quente e doce, que nos abraça a memória e o coração. À saída muitos foram os que me vieram saudar, com esta exclamação: “Tás na mesma! Tu não envelheces!” 

         - Também não quero deixar de agradecer às dezenas de amigas e amigos, leitores destes nacos mal-alinhavamos de prosa, que literalmente me entupiram o telefone de casa e o portátil para não falar nos e-mails. Alguns escritos deixaram-me em lágrimas, o coração apertado de comoção. Não sabia que tinha tanta gente ligada a mim, eu que sou solitário e estou habituado a contar apenas comigo. Alguns tentaram falar-me oito, dez vezes! 


quinta-feira, março 17, 2022

Quinta, 17.

Quando a minha irmã deu entrada no Hospital de S. João, fizeram-lhe o teste ao SARS CoV2 que deu negativo. Daí a três dias novo teste que acusou positivo. Eu não tenho dúvidas que foi o vírus que apressou a sua partida, não obstante as complicações que a levaram lá. O que se seguiu foi sinistro. Morreu só (todos morremos sós), mas nós já não pudemos visitá-la e a urna foi selada e levada directamente do hospital para o crematório. Daí a dois dias, deram-nos uma pequena caixa com as suas cinzas. Ali estava o resumo de uma vida, com todos os sofrimentos, alegrias, paixões, lutas, suor, lágrimas, invejas, vaidades, ambições, ganâncias, sonhos sedimentada em pó que foi deitado no jardim da casa onde ela viveu. Somos aquilo. Tudo o que conquistámos, resume-se a um pequeno monte de cinza a lembrar as palavras de Deus a Adão: “Comerás o pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de onde foste tirado, porque tu és pó e ao pó tornarás” (Génesis 3,19). O que fica de uma vida, não é aquilo que deixamos, mas aquilo que damos em amor, entusiasmo, força e solidária partilha. Aquela cinza será regada com as lágrimas da saudade e frutificará na nossa memória como tudo o que com ela partilhámos. 



         - Às vezes, da janela do primeiro andar da casa, no quarto onde está guardada uma parte da minha adolescência, olhando o jardim em baixo, dizia para mim mesmo para me confortar: “Morreste, és cinza como todos seremos um dia, mas não foste reduzida a pó pela loucura do terrorista que nos ameaça com armas nucleares.” 

         - Em 2014 foi decretado o embargo de armas à Rússia. Pois bem. O Público acaba de nos informar que tal exportação continuou até 2021. Entre os países que ganharam somas astronómicas, estão a França, Alemanha e imagine-se, até a Ucrânia! Dá para entender o mundo de hoje? A ceita de políticos que nos governam? A ganância dos milhões que tudo esconde? A ética e a moral que devia orientar as acções de quem manda? A natureza humana é uma criação que não bebe as suas origens na sagração, mas no deus dinheiro que a rege e dá poder e onde tudo é permitido - a morte como a luxúria.  Quanto a Macron, ainda um dia saberemos quanto ganhou ele com o negócio da governação. Ele é tirado a papel químico de Sarcosy. 


quarta-feira, março 16, 2022

Quarta, 16.

Acabei de chegar da Foz depois da missa do Sétimo Dia consagrada à memória da Maria Luísa falecida na noite de 9 para 10 deste mês. A minha irmã a quem me uniam laços não só fraternos de família como de cumplicidade de vida e amizade profundas, tinha entrado no hospital de S. João quatro dias antes, com um quadro complicado que juntava uma infecção urinária à falência cardíaca. Quando foi internada, feita a análise, não tinha covid-19, mas contraiu depois a doença que, estou certo, acelerou a sua morte. Dizia-me a minha sobrinha que foi para a mãe um alívio, dado que nestas derradeiras semanas o sofrimento era atroz. Todos nós somos crentes e sabemos onde ela se encontra e quando chegar a nossa hora nesse lugar haveremos de nos juntar. Esta certeza, torna a morte uma imensa e luminosa felicidade. A saudade e a dor saem enriquecias da fé que nos aguenta ligados. 

Pessoalmente, se pudesse, fugiria daqui. A casa parece-me gélida, oca, cheia dos múrmuros sinistros que levam e trazem sem descanso as memórias. Nunca entrevira este insuportável vazio, eu que sempre a tive como o lugar barricado às intempéries da vida. Desaparecidos os nossos pais e agora a minha irmã, reduziu-se o número chegado daqueles que por consanguinidade nos suavizam os sofrimentos. Que restem os amigos quando os hajam. 


quarta-feira, março 09, 2022

Quarta, 9.

Para sobreviver psicologicamente, voltei ao romance. Passei a manhã agarrado a ele como tábua de salvação e parece que tive a ajuda das personagens que me trataram com generosidade e alguma pena. Atulha-te, pois, nesse mundo; o outro onde habitas só faz sentido porque no fim te espera a redenção da morte e, portanto, a libertação total.

         - O barbeiro, um homem baixote, um pouco inchado do prazer da mesa, falando alto e com a autoridade de quem tem o mundo na sua cadeira, onde se senta o insigne militar como o tumefacto político, que com ele trocam ideias e mensagens secretas enquanto rodopia em seu redor, de tesoura e pente numa dança, dessas que traduzem os pequenos ódios e os grandes abalos partidários, dizia-me que Putin fizera um tratamento com botox e, indignado, respondia a si próprio: “Aquilo nem homem é! Já viu um homem preocupar-se com o aspecto ao ponto de fazer como as mulheres! Se o homem tem 70 anos, que quer ele mostrar?” De Jerónimo de Sousa: “Como é que um operário pode um dia tomar conta do país, ele que me parece não ser competente nem quando era operário.” Disse-lhe: “Ele pode não ter muitos estudos, mas fala melhor e num português correcto, que muitos doutores que estão na política.” O camarada da cadeira do lado, sorriu-me piscando-me o olho. 

         - Macron anunciou, enfim, que é candidato à sua própria cadeira. Com ele são ao todo 12, doze!, proponentes. Pobre França! Claro, atendendo à situação actual, é ele que ficará no poder. Os franceses já esqueceram o que foi o seu mandato, o abaixamento cívico e cultural, social e humano, cinco anos terríveis com a série de acontecimentos que abalaram o país: desde os coletes amarelos, às reformas, aos escândalos sexuais, ao incêndio de Notre-Dame, covid, desastres climáticos, guerras, tudo passou por ele e ele nem sempre esteve à altura dos acontecimentos. É certo que aprendeu muito, mas esse saber não descola da marca presunçosa e arrogante que tanto desgosta o povo da Gália. 

         - Valha-nos as mulheres de Zuckerberg que hoje passaram aí o dia. Devem ter saído cansadinhas, coitadinhas. Muito fala esta gente sem dizer absolutamente nada que jeito tenha. É certo que o trabalho é manual, entre elas e a cepa que ajeitam para que brilhe com os bagos dourados quando chegar o Verão; mas, que diabo, mesmo um analfabeto deve ter em si substância existencial que traduza a alegria da vida, a tristeza ou o compasso do tempo. Todos estes elementos do quotidiano podem ser expressados até com o mais rudimentar português.  


terça-feira, março 08, 2022

Terça, 8.

Farto de andar numa correria com a vida às costas, ontem, estacionei numa mesa da Confeitaria Nacional, junto à janela que dá para a Praça da Figueira, e entreguei-me  ao prazer de um excelente almoço num quadro à moda antiga, toalhas postas à minha frente, guardanapo de tecido e decoração condizente. A meu lado, a dada altura, sentou-se um casal de estrangeiros de meia-idade e logo pegaram conversa comigo. O meu desejo era comer só, sentindo os arrepios de felicidade e harmonia tão arredios depois da invasão da Ucrânia, mas outro remédio não tive que desenferrujar o meu inglês (eles eram irlandeses). Apesar disso, instantes quedos, luminosos, banhados daquele mistério que reveste a vida dos impulsos que alimentam o ânimo e desfazem as incertezas. 

         - Admiro e vergo-me de respeito e simpatia por aqueles milhares de russos que, enfrentando a cadeia e a violência do regime, saem à rua em manifestações de protesto contra a ordem do ditador em fazer a guerra à Ucrânia, não com o seu escudo físico, redondo e anafado, mas com o dos jovens rapazes inocentes. O mesmo sentimento, que me levou a revoltar-me contra o fascismo, quando comunistas e homens de esquerda, saíam para protestar contra a ditadura de Salazar e Caetano. 

         - O assalto a Kiev está cada dia mais próximo. O nosso triste e saudoso PCP saiu a terreiro pela voz cansada do seu secretário-geral, relembrado que o regime do Sr. Putin é capitalista, que a invasão foi má aposta política, o Presidente Zelensky nazi, mas... a culpa foi dos americanos que fizeram o cerco à Rússia através da NATO. Tudo isto é tétrico, mas é a imagem de marca dos comunistas que se orgulham de fazer 100 anos de história. Quem diria! Com a modernidade das suas posições políticas... Mais tarde detalharei este modo de fazer política que dá indispensabilidade à leitura de dois campos radicais: os regimes de um homem só e as democracias onde todos convergem.  

         - Outro dia estive com Fr. Hélcio. Ponto de situação das nossas vidas e do mundo presente. A dada altura, falando de saúde, ele conta-me que foi ao Hospital da Luz, em Benfica, fazer um check-up de rotina. Saiu de lá com um problema cardíaco e uma catarata. Não sentindo nada daquilo que os exames relatavam e, sobretudo, como lhe disseram a urgência em operar à visão obscurecida, foi consultar outro médico. Este aconselhou-o a não dar atenção à ganância do hospital porque... não tinha nada no coração nem na vista. Isto remete-me para o meu próprio caso, na unidade de Setúbal. Quando há um ano dei um jeito ao serrar uma árvore e fiquei com dores insuportáveis na região lombar, os meus amigos levaram-me de urgência ao Hospital da Luz. Fui prontamente atendido, justiça seja feita. A médica espanhola que me ouviu queixar não só dos rins como do joelho, foi lesta na resposta: “Uma coisa de cada vez. Agora vamos tratar dessa dor, a do joelho marca nova consulta.” Entretanto desembolsei 120 euros! É esta a moda de medicina escroque que agora se pratica nos privados. No hospital dos SAMS, aconteceu a mesma coisa. 

         - Fui cortar o cabelo. Como se sabe o barbeiro é uma espécie de consultor sentimental e banha da cobra. Segundo ele, o Exército anda a contactar os antigos oficiais na reforma (ele diz que não é bem reforma) para os pôr de alerta ao que pode surgir da intervenção da Rússia; que está contra Zelensky por obrigar as pessoas a combater pelo país e acrescenta: “Eu! Era o que faltava! Eu defendo os meus filhos e a minha família os outros que se lixem!” Entre outros mimos egoístas do género. 

         - O frio voltou. Para a serras do Norte, caiu neve. Aqui tenho a lareira acesa e como tosquiei o cabelo, o gorro de lã que costumo pôr quando vou ao estrangeiro no Inverno. Contudo, uma língua de sol frio estira-se na mesa onde trabalho acariciando as mãos que teclam estes textos. Um rumor de vento ouve-se ao longe na tarde calma e serena.  


sábado, março 05, 2022

Sábado, 5.

Se alguma dúvida existisse quanto à reconstituição do Império Russo na ambição de Putin, os quilómetros de tanques às portas de Kiev, mostram que a operação da guerra é para continuar pelos antigos países da União Soviética. 

         - Vivo rodeado de preciosas leituras e deixo o tempo lá fora pendurado como um sonâmbulo na corda do silêncio. 

         - Vou daqui a pouco com a Maria José ao lançamento de um livro de poesia cuja receita reverte a favor do espaço que o Fortuna (88 anos) persiste em construir no terreiro de sua casa. À parte isso, não me apetece fazer mais nada. Escrever por estes tempos incertos para nada serve. Está tudo suspenso, a encher-se do bafio das palavras que ninguém conhece o verdadeiro significado, povoadas do medo-fogo que a qualquer momento vem pelos ares amortalhar-nos em cinza. Não sei que vem fazer aqui a Martine que chega terça-feira, com este odor insuportável de início da III Grande Guerra.   


quinta-feira, março 03, 2022

Quinta, 3.

Tenho esperança que o conflito entre a Rússia e a Ucrânia encontre uma qualquer saída com dignidade para o Presidente Volodomir Zelensky. Soube-se ontem que alguns generais russos, preveniram o Governo de Kiev que se preparava em solo ucraniano, o assassinato do Presidente. A polícia seguiu a pista fornecida e liquidou quase todos os soldados prontos para a bárbara acção; alguns fugiram, as buscas para os encontrar prosseguem. 

         - Recomecei a tortura que havia interrompido há meses. Na sessão desta manhã, foi robustecida a ferraille do maxilar superior. Dores insuportáveis, alívio uma hora depois, mas complicação para mastigar. Tenho ainda mais cinco consultas até poder respirar de alívio (assim espero) e exibir definitivamente a fieira de dentes à Hollywood. 

         - Em cascata os dias foram passado sem que eu tivesse tocado o seu brilho. Há oito dias que agonizo, olhando inconformado o que me é oferecido quando me sento confortável no sofá. A guerra vem ao meu encontro, vejo-a como se fosse um filme, não acreditando na realidade palpável, a mente lassa, o corpo afundado na desesperança. Toda a actividade – comer, deslocações, leituras, escrita, dormir e acordar – parece sair da sonolência de uma grande noite de trevas e prenunciações. Quantos rapazes com pouco mais de dezoito anos, estão presos na coluna de tanques, olhando há semanas a paisagem coberta de neve, as suas vidas paradas, os seus corpos jovens solicitando o amor na forma aventurosa que acompanha a loucura feliz dos dias desdobrados de aventuras. Merecem eles aquele pesadelo? Estarão eles condenados a colaborar numa injustiça e a morrer pela loucura de um só homem, numa batalha idiota, sem razão de ser, construída na cabeça de um psicopata, que quer reescrever a história para ficar nela como o guerreiro dos tempos modernos, aquele que faz e refaz o Império, para o deixar na pobreza extrema, na liberdade sufocada, com milhões de escravos a trabalhar para a elite oligarca que tem na riqueza a sua principal e única razão de existir? Aqueles corpos que nem direito tiveram às noites claras dos amores impossíveis, dos lábios unidos numa prece, na sensação que raspa a pele quando abandonada às noites imaculadas da rendição das auroras setentrionais. E o pior de tudo, é que morrem sem causa nenhuma.


quarta-feira, março 02, 2022

Quarta, 2.

Façamos como se... Hoje evitei ver os canais estrangeiros e o nacional (SIC) porque sinto que a depressão me ronda. Amiúde penso que não é a guerra em si, mas a injustiça, a prepotência, a mentira, a ambição, a crueldade que está na retaguarda e do algoz que lá longe mexe os cordelinhos e me revolta porque ataca não só os prédios que se reconstroem, mas as pessoas que nunca mais saberemos delas e aqui deixam subitamente alegrias e tristezas, sonhos e quimeras, banhando a terra de um infinito e inenarrável pranto... Ver a Europa como hoje a vejo, é antecipar o quadro de uma guerra generalizada como as duas outras no século passado que a deixaram exangue. Há muitas semelhanças na personalidade e objectivos de Putin com a loucura de Hitler. Eu lamento, nascido no pós última guerra, que a Europa da UE não tivesse actuado mais cedo, quando teve tempo e espaço para combinar estratégias que fizessem com o que assistimos não se realizasse. Quantos dias se aguentará a Ucrânia e o seu bravo Presidente? Talvez muito poucos. O que se lhe seguirá, é uma incógnita. Para mim as intenções do ditador não se vão ficar por ali – a ambição de avançar pela Europa dentro é uma realidade. Ele procura apenas uma brecha. 

         - A Rússia já está isolada, mas preparou-se para o pior. Foi bonito de ver na ONU os representantes de praticamente todos os países do mundo ali representados, abandonarem o hemiciclo quando o vitalício ministro dos Negócios Estrangeiros russo começou a falar; como foi importante o Parlamento Europeu votar em consenso a condenação da invasão da Ucrânia, perdão, com os votos contra de dois deputados do PCP e mais umas treze abstenções, num quadro de 637 deputados. Uma vergonha para Portugal onde de Norte a Sul o povo manifesta-se contra Putin e ajuda humanitariamente no que pode. Depois... bem depois há as meninas do BE que, a exemplo da estrema-direita francesa (Madame Le Pen) e do senhor Melenchon (não sei se comunista), começaram por enaltecer o ditador e, ante as vastas manifestações públicas e adorando o poder como gosto de livros, deram o dito por não dito e juntaram-se aos que gritam morte ao ditador. Pois é: os extremos, tocam-se e... entendem-se. Glória à Ucrânia! 


terça-feira, março 01, 2022

Terça, 1 de Março.

O bailado da guerra continua: sexto dia. Tal como se previa, do encontro de ontem não resultou o fim da batalha. Entretanto, milhões de ucranianos chegam à Polónia que os acolhe com dignidade e acode às suas necessidades. Estão bem entregues. Eu conheço o país, sei como os polacos são crentes, como as suas vidas estão pregadas à vida do Senhor. Por outro lado, eles foram vítimas das políticas extremistas da Rússia e ainda hoje as duas principais cidades – Varsóvia e Cracóvia – exibem o rosto mortificado do passado. A Ucrânia, então província da União Soviética, foi invadida pelos nazis e milhões de ucranianos judeus foram mortos cumprindo o plano de extermínio de Hitler. A Polónia seguiu-lhe o rasto sangrento e quem visitou alguma vez Auschwitz fica marcado para sempre. Por isso eu compreendo a resposta que Volodomir Zelensky deu a Putin. Este baralhando, miseravelmente, a História, tentou reescrevê-la passando os ucranianos para o lado dos nazis. É infame, revoltante, indigno. A verdade com esta guerra, fica diante dos olhos de todos: a Rússia de Putin e dos seus mafiosos, é dos países mais pobres e oprimidos do mundo. Como me dizia o Carmo ao telefone, “aquilo já nem comunismo é”. E tem razão. É putismo, ou seja, a república dos mafiosos, com imensa fortuna nas mãos do ditador e dos seus apaniguados. Todos corroídos e com os pés para a cova, mas gananciosos, criminosos, sôfregos e ébrios da bebedeira da loucura e do suicídio que os espera. 

Galeria dos uniformes dos presos no campo de Auschwitz, quantos pertencerão a ucranianos?  Esta dramática foto, não a quis publicar eu quando lá estive. Sr. Putin com a vida humana não se brinca. 

         - Todavia, eu espero que definitivamente o mundo e sobretudo a Europa onde nasci e vivo, passe a olhar a Rússia com olhos mais severos e menos candura. Depois desta guerra, nada será como antes – Putin cavou o seu isolamento e dos seus concidadãos. A propaganda comunista com louvores a Marx, Lenine e Estaline, deve ser apeada da mentira que iludiu os povos incrédulos e inocentes. O comunismo vinga onde medra a pobreza, a iliteracia e a rapacidade do grande capital egoísta e insano. (A este propósito, que queria o PCP, em Coimbra, numa reunião de simpatizantes ou simples cidadãos, dizer com aquela de o comunismo ser como o cristianismo!) Até o Cazaquistão declinou o pedido da Rússia para entrar na ofensiva e pior ainda não reconhece os estados da Ucrânia Oriental, segundo noticiou a NBC News. Tenhamos esperança. Quando o futebol não se deixa manipular e a FIFA anula jogos e campeonatos onde a Rússia devia entrar, jogadores exibem de que lado estão no final das partidas levantando a voz em glória do país de Zelensky, é porque o mundo, em fases críticas como a que atravessamos, acorda em favor da paz e da dignidade e soberania de cada povo. 

         - Terminei a correspondência Sand/Flaubert que havia começado a ler em Novembro, em Paris. Tal como o Diário póstumo de Green, este é um tipo de leitura, pese embora as mil e tal páginas, que se deve saborear e daí os longos meses de prazer. Justamente, hoje mesmo, a páginas 740 de Toute Ma Vie (vol. 3), optei por ler apenas 10 folhas por dia, de modo a estender em inflamadas horas de regozijo as 292 páginas que me faltam para chegar ao final. 

         - Em verdade, desde que fui sacudido pela entrada do exército moscovita na Ucrânia, não tenho conseguido trabalhar no romance. Esta amanhã, forcei-me a fazer a revisão das últimas 10 folhas e por aí me fiquei. Felizmente que a leitura me acompanha, de contrário não sei o que seria de mim. Experimentei há instantes proceder ao arranque das silvas em torno das laranjeiras; consegui aos ais contra Baker, mesmo diminuto devido ao gelo, continua a morder-me. Resultou que dei violentas machadadas nas raízes sólidas das silvas com a impressão de as dar no lombo de Putin que era quem pensava, ao ponto de ter cortado o tubo da rega automática e não sei se vou ter de montar um novo. Irra! Até aqui o homem faz estragos! Para repousar, vou ler revistas e artigos de jornal. Coisas ligeiras.