sábado, julho 31, 2021

Sábado, 31.

Ontem reunimo-nos cinco com o Guilherme no seu restaurante preferido na marina de Belém. Que desastre! Que tristeza de almoço! Que comensais mordidos pelo enxame de insectos que é a velhice! Nada se aclimatizou: a ameaça do coronavírus, o recinto fechado e quente, o barulho ensurdecedor que não permitia a conversa, as lulas duras de roer, o preço exorbitante, o passado imobilizado a armar o presente num campo minado de sombras. Que c´est triste vieillir, bon Dieu! 

         - Outro dia, caiu-me literalmente um parafuso no prato. Soltou-se da ferraille onde assentam os quatro implantes. Levei a peça ao dentista que, sem se espantar, se dispôs a pô-la no sitio. “Isto vai doer um bocado. Quer que anestesie? Não. Prefiro que não.” Com uma chave de parafuso, inicia a colocação da tarraxa. Eu vou aguentando como posso, o corpo deslizando na cadeira. A dada altura diz-me ele: “Já não posso vê-lo sofrer. Desculpe, mas vou aplicar um pouco de anestesia. Se isso o descansa...” remato eu. 

         - Morreu Pedro Tamen. Via-o de vez em quando por aqui e um dia enviei-lhe o meu electricista para resolver um problema que se arrastava lá em casa. Há uns anos havia-se instalado nos Barris e dizia que não tinha precisão de ir a Lisboa, porque aqui tinha teatros e cinemas como na capital. Traduziu Proust e compôs excelente poesia, trabalhou para a Cultura e escolheu o campo para findar os seus dias. Temi que falecesse quando terminasse o último volume da Recherche, fazendo jus a uma maldição que diz que todos os tradutores de Proust e Joyce morrem pouco tempo depois. Acontece que Pedro Tamen ainda sobreviveu uns anos; já João Palma-Ferreira - que me dizia com frequência que iria desaparecer assim que terminasse a tradução de Ulisses – fenece no mesmo ano em que acaba o descomunal  trabalho para Livros do Brasil, em 1989.  

         - Anda aí um vento desalmado que leva tudo na frente. Precisava de regar, mas prefiro não deixar o interior da casa onde estou muito bem mergulhado em leituras e o alinhamento destes textos e há instantes vi no ARTE um documentário sobre o imperador Nero. Tácito e Suetónio, por sinal, saem muito mal tratados. Vou ter que rever um e outro. 


quinta-feira, julho 29, 2021

Quinta, 29.

“Je suis à l´abri dans la souffrance et par cette souffrance j´atteins à un autre bonheur que se n´entrevoyais même pas, jadis.” Julien Green, Devant la porte sombre, pág. 93-94, Livre de Poche. 


quarta-feira, julho 28, 2021

Quarta, 28.

“É indispensável endurecer o coração, até o transformar numa pedra. Mas, oh!... a vida podia ser tão bela! Isso é que é pior. E só temos uma vida. Não posso acreditar na imortalidade. Oxalá pudesse. Chegar às portas do céu e ouvir um anjo severo e já velhote gritar: “Os tuberculosos seguem pela direita, sobem a montanha, atravessam o campo de flores e o bosque; os que sofreram de cálculos e de doenças congéneres seguem pela esquerda, até ao restaurant, para saborearem eternamente os perfumes do Bife Eterno.” Até dava pulos, se pudesse acreditar. Porém, não; só vejo homens sombrios, fardos sombrios, buracos ainda mais sombrios, e o pobre M. (o companheiro) a estragar um par de luvas pretas, muito caras, de óptima pele, que a mãe o forçou a comprar... É indispensável deixar este país.” Katherine Mansfield em carta a Lady Ottoline Morell, Novembro de 1918, e que esta me remeteu em dia de trevas. 


segunda-feira, julho 26, 2021

Segunda, 26.

António Costa parece o Pai Natal a distribuir prémios por essa província profunda onde está em campanha para as autárquicas. O dinheiro não é dele, mas esmola que a UE nos concedeu. Tenho muito medo deste modo da fazer política que o primeiro-ministro é useiro e vezeiro. Espero que o seu mandato não termine como o do seu camarada de férias confortáveis na Ericeira, depois do cansaço da governação, de dois anos a estudar francês e a aprender a tocar piano em Paris.  

         - Dou mais um exemplo da minha preocupação que assenta na maneira petulante como o seu benjamim aprendeu com o mestre. Sirvo-me mais uma vez da corajosa Fátima Bonifácio. Eu sabia que o chou chou de Costa, pouco tempo depois de ter chegado à câmara de Lisboa, havia criado o susto que consistia na iminência de o miradouro de S. Pedro de Alcântara estar para ruir; só não sabia é que os serviços da autarquia, ante tal perspectiva, haviam pedido ao LNEC uma avaliação. Este respondeu que não se perspectivava tal perigo. Entretanto, já Medina havia encetado obras urgentes adjudicadas à Teixeira Duarte e sem concurso público. Veio-se a saber mais tarde que o ajuste directo não tinha fundamento legal. Algum tempo depois, alguém com contactos privados com a Teixeira Duarte deu à língua: a empresa vendeu ao presidente da Câmara de Lisboa um apartamento com 200.000 euros de desconto! Epiloga a ilustre articulista: “Afinal, a urgência era esta!”  

         - Faleceu Otelo Saraiva de Carvalho. A esquerda (à excepção da pequena do BE) é moderada no elogio fúnebre; a direita emitiu palavras de circunstância, mas quem o resume melhor é o pároco da esquerda hoje no Público: “Quem se quer orgulhar do papel do primeiro Otelo tem de estar preparado para admitir vergonha com o papel do segundo Otelo.” Bravo Rui Tavares! Para mim, o obreiro do 25 de Abril era uma personagem de romance, ingénuo, voluntarioso e autêntico. Foram estas características que o levaram ao desastre das FP-25. Gosto, contudo, mais do Otelo que eu via com frequência a almoçar com uma dos seus dois amores. Ao contrário do outro que canta os dois amores que nunca teve, o militar de Abril, ao que me consta, sempre amou duas mulheres e julgo que uma sabia da existência da outra. Não é tão fascinante e diz muito da sua generosa personalidade?  

         - A página 15 do Público é assustadora. Está lá pespegado tudo o que os nossos políticos se recusam a saber e vai ser a maior desgraça num futuro próximo. O malabarismo de Marcelo quanto à “esperança” e “confiança” na vacinação, a doentia obsessão pela economia de Costa, a indiferença dos empresários da restauração e hotelaria nas tintas para tudo o que seja alheio aos cifrões. E no entanto, o Presidente da República tem tema mais do que suficiente para acordar a classe política, como aconteceu no Fórum da Competitividade a semana passada.  

         - Banhada por meia hora. Pela primeira vez este ano, a água está um pouco verde. De manhã chuviscou, os últimos dias têm estado mistos de sol e nuvens – o pior para a manutenção da piscina.


domingo, julho 25, 2021

Domingo, 25.

Ao longo do tempo, quero dizer através da democracia prisioneira da preeminência da esquerda, que tolera a livre expressão porque não tem outra alternativa, fui desenvolvendo uma série de anticorpos que me levam a estar atento a tudo. Vem esta introdução a propósito da marcha LGBTQ ontem nas ruas de várias localidades da Hungria. Diziam os únicos amantes da liberdade que Viktor Orbán queria banir do seu país a homossexualidade; tendo ido observar de perto, o que encontrei foi a directiva governamental para que não se excedessem, educadores e professores, numa característica da sexualidade humana de forma a proteger os menores e não a proibição da homossexualidade. Eu entendo isto. Com efeito, tal como as coisas se apresentam, é bom que os nossos amigos e irmãos, pensem o que acontecia na ex-URSS e, recentemente, entre nós quando Ary dos Santos, mercê da sua forte personalidade e talento, investiu sobre o PCP obrigando-o a aceitá-lo. E de tantos outros, personalidades sérias e honradas, que tiveram de recalcar a sua sexualidade, sendo comunistas (eu conheci alguns). 

Evidentemente, discordo do teor do primeiro-ministro quando afirma que introduziu políticas sociais, de olhos postos nos valores cristãos tradicionais da nação húngara, contra, digamos, da investida liberal da União Europeia. Esquece-se Orbán e a esquerda de Bruxelas que, com ou sem normativas educacionais ou prepotentes, o ser humano é escolhido pela sua sexualidade e não o contrário. Muitos dizem que a homossexualidade é um mistério. Será, mas um mistério dentro do mistério galvanizador que é a vida. A verdade é esta: nenhum pai (a mãe é mais tolerante) gosta de ter um filho homo. O ser humano que se vê um dia diante da sua natureza e olha o espelho normativo que o cerca, sofre horrores, mas depressa, impelido, precisamente, pela natureza e empurrado pelo corpo que não cabe nos esquemas morais ou de esquerda e direita, vai conhecer o tumulto arrebatador de se entregar a outro seu igual como se a aventura humana ensinada na escola ou na igreja, fosse a ladainha salmodiada de todas as mentiras que obstroem o homem e a mulher gay à felicidade. 

E todavia, nesse primeiro encontro não entra a escola nem a imposição política-religiosa. Pelo contrário, nasce a resistência à discriminação, ao vocabulário pseudo-machista, à aliança de grupo como forma de subserviência e alegria do sexo solto das amarras sociais e do olhar concupiscente do macho que finge desgostar, mas o devora com a sua carga lascívia, violenta, sob a cruz de Cristo que nunca recusou nenhum pecador e nunca se exprimiu contra nenhum homem que desfrutasse doutro homem. O direito à felicidade devia ser o princípio da UE, ou seja a liberdade de cada um poder viver segundo os cânones da sua natureza, numa comunidade onde a diversidade fosse consentida e estimada, e não como uma dúzia de bois admoestados com o cacete do seu dono.  

A orientação sexual de cada um, é divisa antes de mais da liberdade que fundamenta a existência. Prefiro o ensino da condescendência, da solidariedade, da tolerância que a doutrina cívica em parágrafo na Constituição. Nenhum regime ditatorial de esquerda consente a emancipação do cidadão dispor do seu corpo como muito bem entender e gostar. Alguns sistemas de direita fecham os olhos, caso do salazarismo e caetanismo, e o nazismo que atacou com a morte muitos homossexuais, enquanto no seio do partido as orgias com jovens arianos eram um fartote.

Claro está, não gosto que os éteros exibam a felicidade nos corredores do metro como um direito de maioria; mas também não aprecio a luta tribal dos homos segundo os quais todos são como eles e se não são têm de vir a ser. A sexualidade deve ser explicada nas escolas, mas sobretudo na família. Nem num lado como no outro, a directiva devia ser confrontar o jovem com as diferentes formas de relacionamento sensual e sexual, e em nenhuma devia haver a preocupação de impor a lei de grupo. A este propósito, não consigo compreender o que é isso de “orgulho gay”. 


sábado, julho 24, 2021

Sábado, 24.

“... é em todo o caso o melhor retrato dos socialistas actualmente. Querem dar aos portugueses a liberdade e a virtude. E querem ser o instrumento de luta contra a desinformação e a mentira. Ora, convém não esquecer: uma autoridade que se ocupa da mentira acaba por se ocupar da verdade. Uma entidade que vigia a desinformação acaba por criar a informação. Pela verdade e para nosso bem: o despotismo começa sempre aí.” Palavras sábias de António Barreto a propósito da nova censura, aprovada é bom que se diga pela maioria dos senhores deputados, incentivada na lei dos direitos digitais.  

         - Já que estou em maré de citações, permitam-me chamar João Miguel Tavares: “António Costa pode vir a ser primeiro-ministro até 2027, mas jamais ficará na História por alguma coisa que tenha feito por Portugal, à excepção da habilidosa manutenção do seu cargo e do domínio político do seu partido. Com tanto poder nas mãos, e com a pior oposição de todos os tempos democráticos, António Costa opta por não fazer nada pelo país, porque prefere fazer tudo pelo PS.” Caro jornalista: não sejas não duro com o homem; lembra-te que a ele se deve o passe social Navegante. Eu sei, eu sei que foi projecto de toda a esquerda, mas, que diabo, as famílias e os velhinhos, coitadinhos,  portugueses estão-lhe agradecidos...  

         - Um membro da OMS saiu-se outro dia com este aviso: os países estão a abrir as fronteiras como se o vírus estivesse extinto, é idiota pensar desse modo. O que ele queria dizer era que somos governados por idiotas - ele não podia dizer, eu posso. A França já percebeu isso, o número de casos/dia está à beira de 50 mil. 

         - Eu estou sempre a aprender e gosto que assim seja. Acabo agora de acrescentar ao meu conhecimento mais dois vitupérios homofóbicos que um candidato do Chega à Câmara de Viseu atirou a um rapaz de 26 anos que trabalha no andar de baixo da sede do partido: “Maria Papoila” e “Flor”, os outros: “paneleira”, “bicha” já eu conhecia. O rapaz diz que até é casado com uma senhora (sublinhe-se a proeza!), apenas tem o bom-gosto de se vestir com “um estilo próprio . Estou super seguro do que sou”, adianta.


sexta-feira, julho 23, 2021

Sexta, 23.

Ontem, antes mesmo de darem as oito da manhã, já eu estava no Chiado. Fui no Fertagus das empregadas de limpeza, dos pedreiros, dos empregados dos pequenos empregos mal pagos e regressei no comboio dos sonâmbulos. Comecei o dia com a minha gestora de conta na CGD, desci depois à Brasileira para me encontrar com a Carmo Pólvora e com ela almoçar na esplanada do Corte Inglês, apanhar de seguida um táxi para a Lapa onde ela mora e têm atelier, e três horas mais tarde outro para o Largo do Carmo para nos juntarmos a um vasto número de amigos presentes na inauguração da exposição do Guilherme Parente “De Belém ao Carmo”. Quando pus a chave à porta, tinha o Black a gritar de fome (embora a Piedade lhe tivesse dado o almoço) e a insultar-me de vagabundo para cima. Logo que ele comeu, subi desesperado ao quarto e atirei-me a um sono profundo e directo até às sete horas de hoje. 

         - Foi, portanto, um dia pleno. Retenho ainda na memória a magnífica obra da Carmo, as diversas telas que ela desencantou naquela selva de livros, quadros, serigrafias, pincéis, tintas, aos montes pelo chão, mesas, estantes com um estreito carreiro por onde ela me levava em busca dos trabalhos que me queria dar a conhecer, todos de uma complexidade e profundidade que atraíram da Natália Correia aos críticos de arte dos anos Setenta e Sessenta, em exposições da China a Angola, do Brasil a América do Norte, com paragens frequentes pela Europa. Pólvora é aquilo a que se chama um artista internacional e assim está presente em livros de arte ao lado dos maiores pintores não só portugueses como estrangeiros. Admirei coisas espantosas, com um domínio temático impressionante, combinações de azuis difíceis de conseguir deixaram-me estupefacto. A gente olha e volta a olhar e não despega do quadro, como se ele nos hipnotizasse e nos incorporasse enquanto matéria da sua própria matéria. A policromia em degradê que mergulha nos fundos de espaços sem fim, de um expressionismo que reinventa a palavra através de sinais, signos e espaços cujas temáticas se perdem em meandros técnicos de uma força e sensibilidade extraordinários. São elementos gráficos a impor ao todo a harmonia que nos encanta e sobra em luz e pureza, em sensualidade e íntima postura perante uma arte que parece reinventar a modernidade com toda a carga de tradição e feitiço. 

         - Hoje, enfim, não tendo saído daqui, pude nadar, fazer a sesta, ler e sonhar.   


terça-feira, julho 20, 2021

Terça, 20.

Os ingleses que convém seguir com muita atenção, não obstante terem 50 mil novos casos por Delta/dia, abriram o país a todas as liberdades e modos de vida de antes da Covid-19. Os especialistas dizem que é uma grande asneira, eu também acho. Todavia, a exemplo do que ensaiou Boris Johnson no início da pandemia, quando tentou a imunidade através de contágio, pode ser que tenhamos alguma surpresa ao apostar agora na margem de vacinados que conseguiu alcançar.   

         - Marcelo é o prestidigitador da palavra. Ficou bem patente na entrevista que deu a Maria João Avilez, mas também na forma como se desenvincilhou da polémica do parecer do Tribunal Constitucional a favor da lei-travão que o Governo invocara para não aceitar a promulgação que ele, sabendo ser popular, diria populista, promulgou com a maioria dos deputados na Assembleia Nacional, a saber: apoio no âmbito da suspensão de actividade lectivas e não lectivas presenciais, medidas excepcionais por redução forçada da actividade económica e de incentivo à actividade profissional e apoio excepcional à família. Tudo dinheiro em barda para estes grupos. Como perdeu – e foi vergonhoso enquanto constitucionalista – disse que teve uma interpretação diferente da Constituição e ganhou apesar disso politicamente. Que mais queremos nós? Um Presidente assim não há nação no mundo que não o dispute. Quanto à jura que fez de cumprir e fazer cumprir a Constituição, chiu! Cala-te pateta!    

         - Dia drapejado de serenidade. Não tendo saído, ufa!, por aqui me quedei entretido com uma série de afazeres: regas de manhã cedo, limpeza do grande limoeiro, leituras, revisão do romance, meia hora a colher amoras que estão no seu máximo de cor, sabor, maturação, e há instantes fortes braçadas na água tépida, cristalina, onde o azul do céu se espelha na pureza límpida da sua luz.  


segunda-feira, julho 19, 2021

Segunda, 19.

A grande catástrofe que matou até agora 180 pessoas e dizimou vastas regiões na Alemanha, e ainda no Luxemburgo, Suíça, Bélgica e parte dos países baixos, não despega dos serviços informativos, oferecendo-nos imagens pungentes de misericórdia. Penso se tal tragédia ocorresse entre nós o que seria! Se nestes países ricos, bem estruturados, com vigilância e forte olho do Estado o resultado é o que se vê; em Portugal é fácil antever: primeiro a piedade desavergonhada dos governantes, depois o abandono das promessas no lugar da calamidade, por fim a dor e o sofrimento dos infelizes entregues à sua sorte ou aos cuidados de familiares e vizinhos que ainda mantenham uma ponta de humanidade; com o tempo a pobreza, a humilhação, a solidão.  

         - “Quand on met de côté un million par an, on ne peut être qu´un affreux homme.” Paul Morand

         - “Se os seres humanos tivessem no silêncio a mesma capacidade que têm no falar, o mundo seria muito mais feliz.” Mau caro Spinoza citado por fr. Bento Domingues!  

         - Tempo muito quente. Felizmente que a compra do robot traduz-se em água sempre limpa e ainda por cima poucos gastos em produtos químicos, em acrescento de água, em electricidade e em esforço braçal. 

         - Justamente. Eu que tive carro antes de ter carta, foi necessário atravessar toda a vida para concluir esta evidência: sai muito mais barato atestar o veiculo com gasolina fora dos postos dos supermercados onde é mais económica, que nos outros onde é mais cara. Eu explico-me. O mês passado, portador do cartão ACP, fui encher o depósito beneficiando do desconto dado ao sócio. Para meu espanto, passados vinte dias, o ponteiro do depósito não havia meio de mexer. Fui queixar-me a uma oficina aqui perto julgando haver avaria no sistema. O empregado, provavelmente tomando-me por idiota, explica-me que isso deve-se às octanas suprimidas nos combustíveis baratos. Deve ter razão. Assim, pelas minhas contas, agora um depósito cheio dar-me-á para dois meses, enquanto com o gasóleo barato não chegava a um mês. Ai esta mania das economias! Aqui aplica-se com propriedade o ditado: o barato sai caro. 

         - Fui a Lisboa sob um tempo parado de Primavera e voltei com o Verão espojado e risonho. A Carmo Pólvora pediu-me que passasse na Brasileira para depois almoçarmos juntos e irmos ao seu atelier, à Lapa. Mas taralhoquice afecta-a quando calha e fiquei à conversa com a Teresa Magalhães que não conversa, murmura. Estava-se bem na esplanada seguindo o movimento de turistas a subir e a descer o Chiado sem máscara como nos tempos felizes do PIB português. Almocei ali perto e de seguida fui ver como andam os preços de uns óculos decentes nos dias de hoje; trazendo travado na memória ainda o custo destes que uso há quase quinze anos e adquiri-os em Roma a um velho artesão com loja perto da Piazza del Popolo. 

         - Uma observação corrente leva-me a concluir o seguinte: os jovens quando abandonam o lugar onde estiveram sentados – comboio, gare, restaurante – voltam sempre a confirmar se deixaram para trás algum pertence. Atitude de velho desmemoriado? 

         - Gostaria tanto de amanhã permanecer neste paraíso todo o santo dia!

sábado, julho 17, 2021

Sábado, 17.

A semana passada, no hospital Dona Estefânia, durante os três quartos de hora que durou a avaliação ortóptica, houve uma empatia misteriosa entre mim e a médica que fez o estudo. Às tantas, enquanto ela operando com toda parafernália de material, numa espécie de entretenimento infantil, qual Xerazade que entretém com riscos, lentes, linhas horizontais e verticais, piscadelas de olho, luzes de múltiplas cores, que apareciam e desapareciam, se transformavam em minúsculos pontos a sair de um cosmos aprisionado numa máquina, foguetes que suflavam, a minha íris investigada até ao mais profundo de mim, como se ela constatasse informação sobre o meu passado de adolescente curioso, malandro, que viu de tudo, do bom e do mau, do sensual ao religioso e tudo não fosse na sua forma criminosa ou beatifica parte de um tesouro que fui guardando ao longo dos anos e naquela hora franqueada assim sem mais à curiosidade de uma médica, que anotava no computador todos os segredos que nunca contei a ninguém. Para não lhe dar tanta chance de compenetração e de algum modo impedi-la de galopar livremente pelos anos de loucura que foram os meus, entregue à curiosidade das paixões levianas, às doidivanas auroras em lençóis de espanto e prazer, beijos arremelgados, a dada altura, pus-me a descrever como faziam os romanos para extrair a catarata. Desci a um tal pormenor, que já não tinha na minha frente a clinica séria e minuciosa, mas alguém que parecia encantada com o que escutava e nas feições ia trazendo do passado o rosto maravilhado da menina que ficara cativa da magia das palavras.   

         - Assoprei o tempo da paz divina. Desde que não me deixe tomar pelo nervosismo que assalta as páginas em branco; não me precipite sobre as tarefas que nunca acabam; não desfaleça das horas cheias das velas desfraldadas ao vento; as portadas cerradas, o interior fresco fundeado no lusco-fusco, quando a tarde chega ao fim e lá fora passeia o fogo fátuo; deixe deslizar os minutos recolhendo o tempo lasso, com espaço para rever a harmonia que aqui reina; olhar a envolvente da casa branca onde a calma se espojou e não se escuta nenhuma cigarra ou pássaro perdido; desde que me concentre em nada fazer, num adeus à loucura de outras épocas, quando o desassossego me tolhia e os decursos do coração cintilavam ao chamamento que vinha do fundo da terrível insatisfação; então aqui como no meu interior tudo se conjuga para que a paz desça dos fios dos silêncios eternos e me envolva na doce melopeia da vida plena... 


sexta-feira, julho 16, 2021

Sexta, 16.

Dizem os entendidos e os outros, que as alterações climatéricas estão a destruir não só o Planeta, como as seus habitantes. Estou de acordo. Discordo, contudo, que as punições se façam, grosso modo, apenas do lado dos consumidores taxando-os com impostos e alterações de vida que os conduz a uma existência ainda mais difícil. Porque é tudo uma questão de dinheiro. Quem o possui pode continuar a poluir e a usufruir da belle vie e nem uma reprimenda é feita às grandes cadeias que atiram para o mercado todos os dias toneladas de inutilidades obrigando o consumidor, sobretudo os mais pobres e analfabetos, a gastar sem freio. Há tanta hipocrisia quando o mercado e os políticos falam de ambiente! 

Vem esta introdução a propósito das alterações climáticas ocorridas nestes últimos dias um pouco por toda a Europa e não só. Na Alemanha morreram até hoje nas enxurradas e chuvas diluvianas, pelo menos mais de 100 pessoas, e centenas estão desaparecidas. O temporal arrastou vilas inteiras, destruiu pontes, casas, virou carros, rios transbordaram e instalou o caos por todo o lado; edificações que pareciam sólidas, acham-se de subido reduzidas a um monte de destroços. Assim aconteceu na Bélgica também, Turquia, Suíça e nos países baixos, como a Finlândia. Enquanto na Rússia é a canícula que paralisa a vida. Por cá, felizmente, apesar de a temperatura ter aumentado, ainda se suporta sem grandes problemas à parte a praga de incêndios que já fazem as notícias das cadeias de televisão europeias. 

         - A baralhada sobre a Covid-19 que por aí vai! Ouvi na TSF a directora da DGS dissertar sobre o problema e pareceram-me sensatas as suas palavras e avisos. Mas quando abri o Público, li o manifesto de 21 signatários do documento “Reconquistar o Direito a Viver”, médicos na sua maioria e, curiosamente, apenas duas vozes femininas. Este facto descansou-me. As mulheres são mais sensíveis às urgências e necessidades de quem sofre e costumam ter mais acuidade e tento na língua. 


quinta-feira, julho 15, 2021

Quinta, 15.

De que é feito um diário? De vida. O que entra nele? A salada que compõe tanto a existência pessoal como a colectiva. O que ficará de tanto registo, de tanta preocupação, de tantos acontecimentos? Ninguém sabe. Adianto, contudo, no meu caso: que fique uma frase soltada no desespero da alegria ou no instante refulgente da solidão – isso me basta, isso me plenifica. 

         - Dia abrasador de calor. Diz-me a Piedade que ontem, à mesma hora, no mesmo local os bombeiros foram chamados para extinguir o incêndio. A câmara é comunista, mas o fogo criminoso. 

         - Anota Morand de Londres, no dia 25 de Outubro de 1939: “Churchill c´est un amateur en tout, en peinture, en littérature, en journalisme, etc.” pág. 114, Gallimard. Assino de cruz. Tive sempre esta impressão. De Gaulle ao seu lado foi um gigante não só em altura, sobretudo em estatura moral.  

         - Manifestação de agentes da polícia – GNR e PSP – em frente à residência do primeiro-ministro; alguns em calções. Que chique! Que revolucionário! Que excitante! 


quarta-feira, julho 14, 2021

Quarta, 14.

Tout compte fait, para grande alegria minha, ao cabo de dois meses de exames e correrias aos hospitais, a operação que estava marcada para 28 do próximo mês, não irá realizar-se. A Dra. Margarida Marques, analisadas todas as investigações, concluiu que a catarata do olho esquerdo é minúscula; o olho ao lado, com estrabismo, o cérebro, muito activo, impõe a rectificação quase automaticamente. Resta a correção dos óculos inexistente há mais de uma década. Se fosse no privado, é certo e sabido que lá iam duas operações para o buraco do mealheiro açambarcador. Ufa! Ufa! 

         - O pedagogo João Miguel Tavares explicava ontem no Público a diferença entre “regime” e democracia. Estou com ele. Do que me queixo e tenho vergonha, é do regime que impera no nosso país. Merecíamos uma vassourada de alto a baixo. 

         - Todos tentam ignorar ou passar ao lado, mas o facto é que a variante Delta está em força por todo o lado. Só hoje houve mais de 4 mil infectados por covid-19. 


terça-feira, julho 13, 2021

Terça, 13.

Iniciei a leitura de um dos conhecidos títulos de Colette: L´ingénue libertine. Dentro encontro o ticket da compra chez Gibert: 20 de Novembro, às 12h. 14m. 39s. Vou espreitar o que havia escrito, em 2019, (antes, portanto, da chegada da Covid-19) e deparo-me com este texto que se me pega à saudade dessa manhã de liberdade: 

        “Hoje saí muito cedo para o centro. Primeiro, a S. Michel ao encontro dos meus livros; segundo, aos Champs-Élysées para o rendez-vous com Christian. Tomámos de seguida a navette que nos deixou na Fundação Louis Vuitton. Zero graus era a temperatura naquela célebre artéria da cidade. Dentro do museu demorámo-nos umas três horas em visita à exposição da multifacetada artista-arquitecta Charlotte Perriand.”  

         - Fui a Lisboa e, estando no Rossio, almocei na velha Confeitaria Nacional onde se come muito bem e não entra a chamada cozinha internacional.  Comi um excelente coq au vin. Embora o nome se apresente em francês ou afrancesado, não passa da velha fórmula do frango no forno. Um bolo de chocolate acompanhou o café. Saí satisfeito como um abade em Domingo de Páscoa. 

         - É um nojo o que se passa na classe política, forense, desportiva e... Não há dia nenhum que à lista dos corruptos não seja acrescentado mais um nome. Ler os jornais, ouvir a rádio ou espreitar a televisão é desgostar de um regime podre, composto por um bando de marginais, uma máfia que se enrodilha numa teia de interesses e crimes absolutamente execráveis. Fátima Bonifácio chama-lhes uma “oligarquia endogâmica”. E pensar eu que tantos – este que aqui escreve incluído – lutaram pela democracia! A maioria destas horrorosas criaturas, já entrou ou está no limiar da velhice, e perguntou-me para que querem eles os milhões se não têm vida para os gastar! Dir-me-ão têm filhos a quem deixar. Volto a questionar: e que deixam eles aos descendentes senão um punhado de lixo que depressa desaparece porque vem selado com a marca da vigarice, do crime, da ganância, sem impregnação do suor do trabalho honesto. Não é a direita nem a esquerda que ameaça a democracia, é esta chusma de criminosos para quem o dinheiro está acima da moral, da ética e do bom nome. Muitos dizem-se cristãos. Mas não conhecem a parábola do evangelho: “É mais fácil passar o camelo pelo buraco de uma agulha, que entrar o rico no Reino de Deus.” (Mc 10-25) São uns pobres patetas, mas não têm consciência disso. 

         - Como é sabido eu não sou adepto de futebol de ma-nei-ra-ne-nhu-ma. Tal alienação não se me ajusta. Sobretudo, como é o caso agora, quando adeptos ingleses chungas, após a final não sei de quê, insultaram nas ruas de Londres e redes sociais, o trio de negros indigitados para marcar os penáltis que dariam a vitória aos lacaios de sua Majestade: Rasdford, Sancho e Saka. O racismo é bem evidente em Inglaterra e de nada serve ao príncipe William indignar-se. Afinal de contas, se dermos crédito ao que diz o seu irmão, a corte inglesa também está inundada de blasfémias contra os que nasceram com outra cor de pele. 


segunda-feira, julho 12, 2021

Segunda, 12.

Quinta-feira passada fui ao hospital Dona Estefânia fazer um complexo exame ao ligeiro astigmatismo que a minha médica pensa tenho no olho direito. A investigação teve a duração de três quartos de hora e parecia um jogo de crianças divertidas. Tanto eu como a médica que me assistiu, fartámo-nos de dizer larachas comigo babaca ante tão diverso jogo de números, letras, quadros, verticais, com óculos e sem eles, sob a atenta análise da técnica. Quanto me teria custado aquele estudo no privado? Uma fortuna e sem a simpatia, a amabilidade da terapeuta que foi de alta qualidade. Estou sempre vergado à competência do pessoal médico e paramédico do nosso SNS. Foi isso que pude constatar no início do ano, quando a Covid nos fechou os centros de saúde. Tanto no SAMS como no hospital da Luz, senti-me uma slot machine que o médico espremia até não haver moeda que caísse na caixa da sua enorme cobiça.

         - Ontem tivemos outra dose de fogo exactamente na mesma zona e quase à mesma hora, o que me leva a crer que não deve ter sido por azar. Os helicópteros passavam rentes ao tecto da casa, enquanto daqui eu assisti-a à tarefa dos bombeiros. Fazia uma canícula insuportável, eram quatro da tarde. Até ao jantar, borrifei o chão em torno da habitação não fosse o diabo tecê-las. A natação habitual foi protelada. 

         - Cuba desperta para a liberdade. Milhares de cubanos, em várias cidades do país, saíram à rua gritando “abaixo a ditadura”, “pátria e vida”, “nós não temos medo”. E também para pedir vacinas, comida e uma vida condigna. A polícia carregou sobre os manifestantes, o Governo, como de costume, culpa os Estados Unidos que diz apoiar os protestos. Mas este é um assunto a seguir com imenso interesse. 

         - Esta amanhã deu-me para abancar numa esplanada na Luísa Todi e avançar por duas horas no romance. Revi uma vez mais as primeiras páginas (até à 6) e nessa revisão, senti fúrias de destruir tudo e pôr de parte o projecto. Acudiu-me então iniciar uma série de contos que há muito desejo fazer. Prossegui, contudo. Quando por volta do meio-dia recolhi o tricot, sentia uma leve satisfação e voltei a prometer não desistir de um tema extremamente difícil. A questão é esta: existe facilidade em algum empreendimento literário?  


domingo, julho 11, 2021

Domingo, 11.

Christian ao telefone contou-me o sofrimento atroz que ele e a mulher passaram durante dois meses devido à Covid-19. Foi o filho Augustin que os infectou e por sua vez foi contaminado na Sorbonne, Paris, onde estuda. O rapaz restabeleceu-se em cinco dias, eles andaram noutro mundo, perdidos. Logo me ocorreu a filha do Corregedor que, volvido mais de um ano que deixou os cuidados intensivos do Santa Maria, ainda toma 15 comprimidos por dia e a sua vida quotidiana nunca mais voltou a ser a mesma. 

         - Vou ter que espaçar ou pôr de parte a leitura dos Essais. O corpo de letra diminuto e o papel transparente, cansa-me imenso e não me deixa avançar ao ritmo que me é habitual. Fico com Paul Morand que, tendo ultrapassado as 100 páginas, me dou conta, a exemplo de Catherine Mansfield, o diário é constituído por cartas à mulher e ao filho e a alguns amigos. Sem papas na boca o escritor que estando em Londres na embaixada francesa como diplomata, digamos, polivalente conta o dia-a-dia da guerra pelo lado de dentro. Com acesso ao imediato dos acontecimentos, é muito interessante conhecermos como a Segunda Grande Guerra se desenrolou e como se vivia nos meses e anos que ela durou. Morand foi apoiante de Pierre Laval o que não me impede de conhecer esse outro lado da história.  

         - Afinal o senhor todo poderoso do Benfica, foi posto em liberdade e pode até retomar o cargo de presidente, mediante a módica quantia de três milhões de euros de caução. Claro está uma gorjeta para quem traficou entre 100  e 40 e tal milhões segundo a imprensa escrita. 

         - Longa conversa telefónica com a Annie de férias na sua casa de Quiberon. Parece que está assente que eles chegam em Outubro de carro e eu seguirei depois com ambos para Paris. Isto se os chineses não lançarem entretanto outro irmão do SARS Cov-2. E farão num qualquer país pobre, superpovoado e sem imunização. 

         - Nós não estamos protegidos de maneira nenhuma, há sempre artimanhas que as multinacionais nos lançam e não podemos fugir-lhes. Veja-se o caso do acesso à internet. Há pouco tempo, em princípio para nos defender, deram-nos a opção de escolhermos se queremos ou não abrir determinada página sem termos de franquear a nossa identidade, expor os nossos dados. Tudo bem. Só que a Google, qualquer empresa, por exemplo, a EDP chinesa, para entrarmos só nos oferecem duas opções: apor o “sim” ou desistir de continuar. Ficamos bloqueados e a quantidade de viagens virtuais que é necessário empreender, expõem-nos à curiosidade malsã de traficância da nossa individualidade. Os governos são dirigidos por clubes fantasmas que dominam o mundo. Pela minha parte, quase sempre, recusando repartir dados pessoais, desisto de prosseguir nas minhas buscas e conhecimentos. 


sábado, julho 10, 2021

Sábado, 10.

A querida família que evocada traz ao rosto a emoção gregária, é para Luís Vieira o cofre forte para onde atira os negócios sujos, convencido que filho e filha se robustecem dos seus crimes. Está tudo na prisão e muito bem. Falta descobrir o que sabem os seus assistentes dos crimes económicos que o senhor andou a praticar durante anos.   

         - Os fins-de-semana para mim são um tormento. Hoje pior devido aos 38 graus que por aqui está. Desde logo, manhã muito cedo, fartei-me de regar aproveitando o quadro bi-horário e no savoir-faire de não atirar para a China a mais valia que devia ficar cá. Às dez estou esgotado. Daí ter ido ao centro da vila comprar o jornal e enterrar-me numa cadeira à sombra a tomar pachorrentamente um café, com vista sobre o vale e as casas a espreitar entre a vegetação. De volta, ataco o almoço. Depois uma sesta de quinze minutos e, a partir das duas, fui pôr o robot a trabalhar na piscina que eu de manhã tinha aspirado à mão devido ao lodo acumulado pelo incêndio (já lá vamos) e o pó do tractor na quinta do meu vizinho. Às quatro, enfim, estirei-me ao sol com braçadas de quando em vez na água transparente. 

         - Pois é. Tive uma semana desassossegada. Fui quase todos os dias a Lisboa, duas vezes ao dentista, outra ao oftalmologista o resto do tempo a tratar de assuntos relacionados com aspectos ligados a estas chatices. Por fim, quinta-feira ao cair da tarde, desencadeou-se um incêndio medonho do lado de lá da quinta do meu vizinho, que eu vi-a daqui e uma equipa de bombeiros com tanques de água e helicópteros foram combatendo até pelo menos à meia-noite quando subi para dormir. Nunca tinha visto nada assim e, preocupado que as chamas pudessem passar através do vinhedo, reguei abundantemente em torno da casa. Felizmente o vento corria em sentido contrário e por isso nem cheiro a queimado havia. Todo este pacato lugar, manteve-se em alerta. Um meu vizinho atreveu-se com o carro a romper a terra que acompanha o oceano de vinha. O que lá se passou e como aconteceu o fogo, ninguém pôde apurar. 


sexta-feira, julho 09, 2021

Sexta, 9.

A humanidade masculina portuguesa que observei esta manhã da mesa do café, pôs-me a pensar. Falei aqui ontem do novo macho nacional que se depila, arranja as sobrancelhas e possui uns mamilos que tomam saliências que muitas mulheres almejariam. Quando os homens eram o que eram e vomitavam galhardamente “aqui ninguém toca que eu não deixo”, exibiam as origens com os atributos que o distinguiam das fêmeas. Hoje, Chiado abaixo, o que admirei nem sei como qualificar. É talvez uma raça que se desenha já nos alvores de um mundo onde ninguém ganha, igualando-se. Como se esta gente comentasse com prazer a expressão: todos ao molho e fé em Deus. Alguns jovens que passavam, tive dificuldade em os distinguir enquanto seres cujos atributos físicos nos levam a reconhecer se é homem ou mulher. Eu sou um pouco descarado, dou comigo a imaginar como certos corpos medonhos uns, frágeis outros, se envolvem entre lençóis. O que pressinto, todavia, é que se vai instalando uma raça de gente assexuada, para quem só a aparência enquanto objecto de luxo para o olhar, se expande em galhardia e orgulho. Não servem para nada, senão como bibelô que desvia o olhar e o pensamento das amarguras dos dias presentes – e nisso condescendem o desvario.  

         - “Toutes les passions qui se laissent goûter et digérer ne sont que medíocres.” Montaigne, Essais

         - Por todo o lado, num país de entendidos em  futebol, do que se fala é da prisão do presidente do Benfica. Não oiço ninguém agradecer de joelhos a Rui Pinto que levou à descoberta de muitos crimes com o Football Leaks

         - Aquilo que o Governo jurou a pés juntos que era para respeitar (o célebre quadro das cores que ia do laranja ao vermelho escuro), há muito que está ultrapassado. Só hoje houve 240 casos de covid por 100 mil habitantes. Refugia-se o executivo para não travar o caminho da querida economia, no facto de as coisas se terem alterado. E como? Serve-lhe apenas 36 por cento de vacinados com inoculação completa para achar que o perigo desapareceu. Dá para entender? Não dá. 




quinta-feira, julho 08, 2021

Quinta, 8.

Levanta-se pelo mundo futeboleiro, quero dizer todo o país, um grande ah! Esta pobre gente e gente pobre, nunca se deu ao trabalho de pensar na diferença que vai entre um jogador e um treinador, um presidente de clube e um qualquer analfabeto que povoa o cimo das organizações desportivas e ela. O abismo de vida, onde o factor salarial faz toda a desigualdade, é tal e tão escandalosamente díspar que, bastava as pessoas pensarem um instante para logo arrefecerem os entusiasmos e entregarem-se a outros e diversos interesses e paixões. Que o universo do futebol é um grande ninho de corruptos, uma salada entre política e negócios, entre amigos e vadios, entre autarcas e mafiosos locais, é conhecido à superfície das sensibilidades socialmente atentas. Daí que me espante o espanto que por aí vai pela prisão do presidente do Benfica. O homem estava ensopado no lodo que a importância confere a qualquer vendedor de pneus subitamente pregado aos esféricos da vida. O MP acusa-o de: falsificação, burla qualificada, abuso de confiança, fraude fiscal. A ele e a mais uns quantos, o querido filho incluído. Por isso, o ilustre dirigente fala tanto na queridíssima família! Do lado de António Costa e do seu benjamim, um silêncio aterrador. Talvez seja porque não gostaram de serem postos na rua da comissão de honra de Vieira quando da sua recandidatura à presidência do dito cujo. Estou com Ana Sá Lopes: “... como possível, quase 50 anos após o 25 de Abril, o regime manter a opacidade e a sensação de impunidade do corporativismo”.  

         - Há agora uma moda que vai ao encontro dos tempos presentes, onde se apregoa a igualdade de géneros: os homens, continuando, pois então, muito machos, se darem ao trabalho de aparar as sobrancelhas como fazem há muitos anos as mulheres. Não é nenhuma crítica – é uma constatação. Todavia, por este caminhar, os que gostam de homens vão andar hesitantes ou então satisfeitos por ver o seu mundo alargar-se substancialmente... Tudo começou com a depilação e não se sabe como vai acabar. Mas que é cómico, lá isso é. E confuso. E tentador. E diverso. E tristonho. E cinzento. Faz lembrar o período Nazi, quando os homossexuais foram violentamente perseguidos, mas as figuras principais do nazismo gozavam à grande e à tripa-forra com os rapazes arianos que Hitler adorava.    

         - Enfim, decidi meter mãos à obra e empreender a leitura dos Essais de Montaigne (na íntegra) alternados com o Journal de guerre (1939-1943) de Paul Morand. Ao todo 2375 páginas, 1347 e 1028, respectivamente. Tenho para alguns meses. Ou antes até à chegada do segundo volume do Journal Intégral de Green. (Já está anunciado o terceiro volume para este ano. Que loucura!) 


segunda-feira, julho 05, 2021

Segunda, 5.

Empurrado por Fr. Domingues fui reler pela enésima vez as Cartas aos Gálatas na tradução de Frederico Lourenço. São seis Cartas ao todo atribuídas ao Apóstolo S. Paulo. A citada pelo articulista do Público é, digamos, a mais pessoal. Quando o li na totalidade (disse-o nestas páginas na altura) tive um choque enorme, porque sabia que muito da nossa tragédia sexual vem dele. S. Paulo falou do “prepúcio” inúmeras vezes, sobretudo quando – embora sendo judeu e circuncidado – se bateu contra a legitimidade que a lei judaica atribuía à circuncisão enquanto marca de Deus no povo por Ele escolhido. S. Paulo fazia a distinção entre a lei e a fé e dizia que que somos todos filhos de Deus não por sermos circuncidados, mas porque nos foi dada a graça da fé. No seu feitio duro diz: “Eu fora incumbido de anunciar a boa-nova da incircuncisão, tal como Pedro a da circuncisão. Pois quem atuou em Pedro para ser apóstolo da circuncisão atuou em mim no que toca aos gentios (2: 7,8).” O seu carácter obsessivo e tempestuoso está inteiro nestas passagens, dirigidas aos gálatas: “Meus filhos, em relação a vós estou de novo em trabalho de parto, até que Cristo se tenha formado em vós (4: 19.” “Em Cristo Jesus não imposta nem circuncisão nem prepúcio, mas <só> fé que atua através do amor 5: 4” “Tomara até que esses, que vos estão a alvoroçar, se venham a castrar (5: 12)” “A carne deseja a forma contrária ao espírito, e o espírito, de forma contrária à carne: essas realidades opõem-se mutuamente para que não façam aquilo que quiserdes (5: 16)” “Os que são do Cristo, crucificaram a carne juntamente com as paixões e os desejos (5: 34)”. “Nem os próprios circuncidados observam <a> lei mas querem circuncidar-vos, para se vangloriarem na vossa carne (6: 13)”. “Que doravante ninguém me dê aborrecimentos, pois eu carrego os estigmas de Jesus no meu corpo (6: 17).” Estas passagens das Cartas aos Gálatas, patenteiam o carácter e a personalidade de uma personagem vigorosa e decerto modo controvérsia e fascinante que, de resto, arrebatou a primeira metade do século I. 

         - Da semana que findou sobrou a postura medíocre, despótica e covarde do homem do leme da Câmara de Lisboa. Em vez de ter apresentado a sua demissão pelas múltiplas atitudes pidescas de denúncia dos que pela liberdade se bateram em manifestações no nosso país contra actos arbitrários dos seus governantes, exonerou o funcionário da autarquia que tinha a seu cargo o envio de dados que comprometeram a vida daqueles que nós acolhemos e devemos proteger para as respectivas embaixadas. É uma posição reles, de um presidente nulo, fraco, que Lisboa teve a infelicidade de ter a governá-la montado na propaganda mais baixa, ao abrigo de um partido que perdeu toda a credibilidade porque, dizendo-se de esquerda, aprova com naturalidade a delação que condenou ao Estado Novo. Temo pelo mais que vamos saber quando o partido deixar a governação. Como já disse, este PS tomou as mesmas atitudes daquele outro que se abotoou com milhões quando foi primeiro-ministro: montou um cerco de boys que o defendeu, calou e abafou os crimes mais hediondos. 


sábado, julho 03, 2021

Sábado, 3.

Quem nos acode! António Costa está em reclusão e desejo-lhe, sinceramente, que não seja untado pela víbora. Já Marcelo! Estou tão farto de o ouvir, Santo Deus! Não haverá ninguém que lhe diga que o que é demais cansa, desmotiva, farta. Assim o infeliz ministro Eduardo Cabrita, bombo onde todos malham não se sabe com que intenções, e também Joe Berardo de quem muita gente se serviu quando foi para eliminar o BCP, inclusive a CGD que lhe emprestou milhões para adquirir acções do banco aceitando por garantia as mesmas acções, em negócios das arábias onde está uma boa parte dos governantes envolvida. Este país desgraçado é isto: uma amálgama de corruptos que se esconde atrás doutros corruptos, numa enfiada a perder de vista. 

          - Dia em cheio aplicado a cozinhar sopa, prato principal, a apanhar as primeiras amoras negras, a observar o trabalho do robot, a ir ao mercado dos pequenos agricultores, a fazer compota de ameixa preta, a tratar da lavagem da roupa na máquina, a pô-la a secar, dobrar para que a Piedade a passe a ferro, regas, e ... Tudo isto sob um céu neutro, minúsculas gotas de chuva, abertas de uma beleza dourada e o murmúrio aziago da informação que não pára de nos profetizar o pior. Já que falei dela, não deixem de ler o artigo de António Barreto no Público de ontem – é de palmatória! 

         - Não me lembro de ter alguma vez passado um hiato de leitura como o que atravesso desde há pelo menos dois meses. Não é que não leia, mas quando acontece é espaçado, saltitante, mordendo aqui e ali, num toca e foge arrepiante. Livros em fila de espera para serem lidos são para cima de meia centena, talvez. Portanto, o que se passa? Fastio pela disciplina? Derrubado pela falta de harmonia, serenidade, paz, silêncio que a leitura demanda? Demasiado aéreo, ocupado com coisas que me cansam como consultas médicas, viagens constantes, horas neste e naquele consultório ou hospital, eu que nunca fui cliente de uns e outros e me irrita sobremaneira ter de cuidar da saúde? Ou esta sarna que há dois anos nos enxuta os nervos, nos isola, nos reinventa outra forma de existência com a qual estamos em desacordo por não ser humana e não dizer nada de humano aos seres que habitam esta Terra que parece abandonada por Deus? As pessoas dizem-me – a Annie, por exemplo, ontem – que eu tenho espaço, casa agradável onde apetece estar, numa zona despoluída, silenciosa, por conseguinte com melhores condições que a maioria das pessoas. É um facto. Mas eu, sendo solitário, não dispenso os meus irmãos, os amigos, a vida tal qual a tenho vivido, no espaço de fraternidade e camaradagem que envolve todos e cada um, embalado pela liberdade que é o que há de mais precioso que o homem pode ter. Esta está em vias de desaparecer e só não foi extinta, porque – distinção lhe faço – António Costa é um democrata, um homem que interiorizou que sem ela o ser humano perde a sua natureza não só divina  - ele não é crente, mas a mulher deve-lhe de vez em quando bichanar ao ouvido -, como a herança cultural que o agiganta na igualdade e fraternidade, no respeito pelos Direitos humanos, no livre e franco convívio no espaço de diálogo e discussão de ideias próprio dos povos civilizados. Suponho que sofro então da peste chinesa, que não abrandará tão depressa e quando estiver a declinar, logo outro espécimen inundará os espaços de liberdade do mundo democrático. 


sexta-feira, julho 02, 2021

Sexta, 2 de Julho.

“O aparecimento e meteórica difusão desta expressão no universo político português, convida a reflectir. Como não admira, os direitos de autor cabem a António Costa e constituem mais uma manifestação do imaginário com que se vai alimentando as ilusões do cordato rebanho português. Neste caso o problema está em que “bazuca” é pífio e anacrónico.” Este texto é de Fátima Bonifácio e vem acrescentar, e de que maneira, ao que aqui escrevi sobre a locução saída da cabeça luminosa e finíssima do primeiro-ministro. Quanto a Portugal, adianto mais este esclarecimento da mesma notável historiadora: “Entre os partidos instalados não vejo nenhum candidato possível (para reformar o país), e muito menos os do establishment, preocupados, isso sim, em manter o statu quo. Portugal tem 750.000 funcionários públicos. Se acrescentarmos os agregados familiares de cada um, temos perto de três milhões de pessoas dependem do Estado para viver! A conclusão é só uma: Portugal é irreformável, e sem se reformar não vai a lado nenhum – a não ser ao BCE.” Está tudo dito. Ou antes vai à pedinchice costumeira.  

         - Interrogo-me com frequência como estará o país quando Costa deixar o poder. O regimento de apaniguados tem a expressão que teve quando José Sócrates reuniu à sua volta um naipe de ajudantes mudos e surdos. Não quero pensar no que o meu pensamento me coage a imaginar. 

         - As infecções por covid crescem dia a dia. Ultrapassam já mais de 2.500 diárias. Marcelo, não quer perder terreno e deixar espaço à realidade, e vai dando uma no cravo outra na ferradura. Mas a verdade aí está. Não aprendemos nada com o passado, é da nossa condição de povo de barriga cheia à beira-mar. Nascemos mais para sobas que para estudar, trabalhar e pensar. Somos ignorantes, mas simpáticos. A expressão daquele que aldrabou meio mundo quando esteve à frente dos destinos da União Europeia, dirigindo-se ao outro da mesma jaez, diz com autoridade aquilo que somos: “Porreiro, pá!” Depois, um e outro, tiveram o mesmo destino; um e outro nunca foram julgados; um e outro vivem de expedientes vários e rentáveis. 

         - Pela Rússia as coisas estão mil vezes pior, a provar que a ditadura só funciona quando o povo a aceita. O Sr. Putin, depois de se gabar da sua Sputnik V que a filha prontamente tomou, devendo ter sido a única, porque a juventude e os milhões de russos recusam-na, a avaliar pela percentagem de inoculados: apenas 16 por cento! Talvez o senhor todo poderoso, vá obrigar de chicote em punho a população a ceder à maravilha da ciência que mata tudo e até tem um líquido que entrado no organismo pode vir a revelar muita coisa de todos e cada um. Pelo menos é o que dizem e parece estar na origem de tão monumental recusa. Será uma fantasia, mas uma fantasia que só acontece em regimes tirânicos. Eu desconfiei desde o início, quando o Corregedor avançou para mim de contentamento e eu disse-lhe que só a tomava depois de ele a experimentar...  

         - Fui à Brasileira ao encontro do Vergílio, Teresa, Luísa e Carmo. Que bem se esteve à conversa, discorrendo sem os ímpetos políticos introduzidos pelo João que faltou, a esplanada sem estrangeiros, o rumor do Chiado atenuado pela passividade do tempo, nem muito calor nem assomos desenfreados de vento, uma certa placidez no coração da capital. Dali dei um salto ao Corte Inglês para fazer algumas compras, trazer o jantar e abalar para a minha pequena vila onde acabei de chegar. Não vou nadar hoje, porque ontem devo ter abusado e a dor do lado direito voltou em força. Tenciono gozar os próximos dias aqui, neste oásis de verdura, onde o trabalho nunca se esgota e a orgia de cores e perfume me endoidecem.

Toque na foto, não tenha medo, ela não morde...