Quinta, 31.
A política e o futebol sempre andaram
juntos, não só na corrupção como no entendimento de valores comuns. Vejamos: Jair
Bolsonaro danado por o associarem à morte da activista vereadora Marielle
Franco, largou um “porra!”; o treinador do Porto: “estou-me a cagar!” Les beaux esprits se rencontrent. Toujours.
- Estive uma hora ao telemóvel com o Francis. O pretexto do seu
telefonema foi para me convidar a almoçar no domingo da próxima semana “antes
que fiques preenchido”. Ele parece que adivinhou, porque eu, mal pouse a mala,
parto para Estrasburgo onde me espera o Lionel. Bom. Francis, devido ao cargo
que ocupou na Câmara de Paris, conhece meio mundo. E quando digo meio mundo é
mesmo de Paris ao Extremo Oriente, do Polo Norte ao Polo Sul. Grande apaixonado
por Napoleão III, todas as circunstâncias são boas para falar do seu ídolo. Não
sei se chegarei a tempo de ver a exposição que ele organizou sobre o Imperador,
mas pelo menos o catálogo terei de oferta. Bom. Que mais? Que diabo numa hora a
falar diz-se muita coisa... Sobretudo quando ele é da têmpera do Corregedor em fanatismo
político. Detesta os socialistas - Macron, Holland, Mitterrant. Sobre Chou Chou
diz que o homem é uma criação que arrastou muito oportunismo e tem custado à
França uma grande depressão. Da mulher “a velha” cheia de dinheiro extraído da indústria
familiar de chocolate. Detesta por ser murcho Guterres, que nada fez quando da
invasão do Curdistão sírio, a fuga dos seus habitantes, deixando a Rússia e os
Estados Unidos a disputar o terreno de Bashar al-Assad. Dou-lhe inteira razão
não ignorando que quem manda nas Nações Unidas é União Soviética e os Estados
Unidos. Na verdade, quem devia estar a fazer o equilíbrio naquela imprevisível fogueira,
eram os capacetes azuis da ONU. Porque o que verdadeiramente mantém o fogo
aceso, é Qamishli a nordeste da Síria e mais além Mossul, no Iraque.
- Os transportes públicos estão a rebentar pelas costuras. Esta manhã,
esperei mais de quinze minutos pelo metro, em Sete Rios. Depois outros tantos
parado na estação de S. Sebastião dentro das carruagens atulhadas de
passageiros enervados por chegarem tarde aos empregos, o telemóvel em punho
dando justificação a patrões e chefes de serviço. O Mágico criou um sistema
interessante de viagem, mas como a loucura da propaganda é o seu forte,
abandonou à sua sorte milhões de utentes do cartão Andante. Andar hoje nos
transportes públicos é um salve-se quem puder, com as negras a ocupar os
lugares dos velhos, grávidas e deficientes como se estivessem nas suas salas de
visitas. Uma esgaravatava os dentes, outra pintava as unhas, a terceira
merendava o guardanapo aberto sobre os joelhos, uma quarta falava ao telefone. Idosos,
prenhes e saltimbancos xó daqui pra fora! Se alguém destas categorias lhe pede
o lugar, elas dizem chegamos primeiro seu racista.
- Na estação do Chiado, uma rapariga conduz uma anciã a sentar-se ao meu
lado. Mal a idosa se senta, ela desaparece para voltar daí a segundos com uma
garrafa de água. “Vá bebendo devagar porque está muito fria. Não vá no próximo
comboio, descanse um pouco.” A vetusta senhora faz o gesto de abrir a mala para
lhe pagar a garrafa, a rapariga recusa e entra no metro que entretanto
estacionava na gare. Fico com a senhora e vejo-a sofredora porque a queda
abriu-lhe pequenos lenhos nos dois joelhos, está pálida, um pouco atarantada.
Pergunto se quer que chame uma ambulância, diz-me que não, que o susto está a
passar. São gestos destes, blandiciosos, cristãos, que não me fazem descrer
totalmente da juventude. Nela há ilhas que sobressaem do lodaçal inquietante do
continente.
- A revista LER do mês passado (nº 154), dirigida magnanimamente por
Francisco José Viegas, traz uma série de entrevistas, incluindo uma a Mário
Cláudio. Que não me interessou especialmente, tendo ao lado duas outras cheias
de sustância: a António Freitas e Manuel Villas. De ambos nunca li nada, embora
conheça de outas paragens António Freitas. É o único magazine literário que
tenho o hábito de ler. Por uma razão simples: gosto das coisas de Francisco
Viegas e vejo que em tudo o que se mete, fá-lo com gosto e profissionalismo.
- Olho de soslaio as notícias. Lá vem ele, o barão da Ericeira, muito
emproado, a pança saliente atirada galhardamente para a frente, o casaco de bom
corte de outrora quando governou a gentalha ignorante, a voz de falsete com que
as mulheres velhas costumam rosnar, o ar vitorioso de quem apregoa: “Aqui
estou, tanta gente à minha volta a zelar pela minha inocência. Serei socialista
até morrer. E em nome do socialismo não me importo de passar os anos que me
restam na cadeia. Serei mártir do socialismo com muito orgulho.”