segunda-feira, janeiro 30, 2023

Segunda, 30

Chocou-me profundamente mais uma morte desta vez em Memphis, Estados Unidos. Um rapaz de 29 anos, negro, morre desarmado e inofensivo, às mãos dos algozes,  um grupo de polícias negros, chamando pela mãe. Esta, senhora de grande dignidade, sem desculpar aos assassinos o seu gesto, com palavras nobres, limita-se a dizer da sua mágoa e injustiça e dor encomendando o vazio que inundou o seu coração a Deus. 

         - Intensificou-se a guerra na Ucrânia. Putin dispara em todas as direcções e atinge em cheio hospitais, residências particulares, depósitos de água e centrais eléctricas. Perdeu a cabeça e há muito a razão. De resto, se olharmos o mundo, vemos tudo a ruir, antigos confrontos a voltar, guerrilhas entre Estados soberanos, em Israel, Irão, Médio Oriente. 

         - A TAP, bandeira querida dos socialistas, não pára de nos entristecer e empobrecer. Mais uma. Enquanto os trabalhadores foram despedidos às mancheias e os que escaparam à fome estão com cortes nos salários, a CEO (céu) vai receber um prémio de recuperação da empresa no valor de mais de dois milhões de euros. Ela recuperará, provavelmente, mas com os nossos impostos e a miséria plasmada em todos os serviços públicos. 

         - Findei o livro que o João me ofereceu Metamorfose Necessária – Reler São Paulo da autoria de José Tolentino Mendonça. Tenho duas ou três coisas a dizer sobre o ensaio, mas hoje não estou com disposição para isso. Direi que ele não me desiludiu. 


domingo, janeiro 29, 2023

Domingo, 29.

Ontem, fez-se aqui e em todo o dia, magia. O John, meu vizinho inglês, passou de carro no caminho aqui em frente e decidiu entrar vendo-me a fazer uma queimada junto ao portão. No salão, tomámos café. A dada altura, digo-lhe que a nível de música há meses que não ouço uma nota. Admirou-se vendo toda a aparelhagem sobre a estante. Conto-lhe do leitor de CDs adormecido na loja dos arranjos vai para seis meses. Indaga porque não vou por ele; respondo que me chateiam confrontos e prefiro ficar sem o meu Pioneer. Propõe-me lá ir comigo assim que eu possa. Entretanto, olhando para o aparelho, pergunta-me se ouço LPs, respondo que ouvia quando a caranguejola funcionava. Vai pesquisar e descobre que é apenas necessário ligá-lo à corrente. Avanço para junto dele descrente do que ouço. Ele puxa por um fio recuado no fundo da prateleira, engata-o numa entrada do sintonizador e dá-me ordem para pôr no gira-disco um LP. De súbito, para minha grande alegria e surpresa, ribomba na sala um excerto de Vivaldi. Não caibo em mim de contentamento, enquanto ele me olha descobrindo decerto um qualquer louco apartado da normalidade. Refastelámo-nos a escutar um pedaço das Quatro Estações e, embalado pelo entusiasmo da música que não escutava há tanto tempo e derretido pela sua capacidade engenhocas, pergunto-lhe se é possível substituir o comando da TV que deixou de funcionar. Olhou o objecto, pede-me álcool e cotonetes e uma chave de parafusos e mesa onde se possa sentar. Desmonta o comando, com a cotonete e o álcool escova todos os circuitos, volta a aparafusar tudo e como por magia a televisão aceitou de novo as ordens do comando. Depois, não sei a que propósito, diz-me que adora fazer vitrais. Como adivinhou ele? Convido-o a subir ao primeiro andar e junto à biblioteca digo-lhe que sonho há muito tempo colorir os vidros da pequena janela que se encontra ao lado da grande estante que vai de um lado ao outro da parede. John não me ouve, encantado com a casa, tecendo na sua língua materna e na aromatizada portuguesa todas as loas possíveis e imagináveis. Adorou os quartos, as casas de banho com as pinturas do Fortuna, a atmosfera de conforto que aqui se respira. Observo-lhe que não há nada de ostentatório, tudo é muito simples. Concorda e acrescenta que é uma casa serena, diurna, e insistia: “cosy, very cosy”. Em breve vem fazer os vitrais que tanto desejo e estou certo ficam ali muito bem. 

         - Embalado pelo entusiasmo, depois do almoço e da leitura sacramental, ao sol, fui retomar o trabalho de cortar o mato que se agigantou do lado sul em frente ao salão. Agora que a lava-garrafas jaz junto à parede a secar, toda a amplidão do espaço foi vencida e os horizontes rasgaram-se levando o olhar até ao caminho onde quase não passa ninguém, e quem passa é vizinhança sã que me cumprimenta e com quem por vezes troco dois dedos de conversa. Se amanhã não for a Belas visitar com o João Corregedor a pintora Teresa Magalhães, conto terminar este lado e de seguida, noutra altura, começar a limpar em torno da piscina.  

         - O país que somos, pode gastar 100 milhões de euros (é agora o valor que os jornais e televisões apregoam) com a vinda do Papa Francisco. Um escândalo num país pobre, que mantém os reformados no encalacrado das suas existências, os hospitais à rasca, os professores na pobreza, a indústria sem apoios, o número de pores a crescer, o quadro geral de Portugal numa miséria, governado pelo pior Governo pós-25 de Abril. 

         - Dois gritos que vale a pena registar o dos professores: “Para os altares há milhões, para nós só tostões.” O de D. Américo Aguiar, bispo auxiliar de Lisboa: “Confesso que o número me magoou. Se não percebesse que me magoava, teria de ir ao Júlio de Matos.” 

         - Frio: 3 graus negativos quando acordei. 


sexta-feira, janeiro 27, 2023

Sexta, 27.

Somos tão infelizes! Nada funciona de forma clara, limpa, honesta, compreensível a toda a comunidade. Temos uma classe de políticos, do Governo aos autarcas, pobrezinha, sem ideias, troca-tintas, incompetente e presunçosa. Outra complicação rebentou por causa da vinda de sua Santidade o Papa Francisco a Lisboa para a Jornada Mundial da Juventude. Os custos dessa estada de cinco dias (consoante o que uns e outros dizem sem que ninguém tenha ainda feito as contas globais) aproximam-se dos 32 milhões de euros!! Tudo por ajuste directo, portanto, ao gosto gostosíssimo dos nossos honrados dirigentes. Só o altar-mor andará por 5 milhões o resto é para fundições, terraplanagens, infra-estruturas sanitárias, alimentares, alojamento dos milhares de jovens que (esperam eles) deixem o suficiente para o lucro que todos ambicionam, num decore de cinema, à novo-rico, a cara chapada do senhor presidente da Câmara de Lisboa e seus assessores. Porque a vinda do Sumo Pontífice a Portugal, está transvertida num negócio onde todos querem lucrar, contrária à essência de Jesus Cristo, do Papa, da Igreja. Carlos Moedas quer extrair deste acontecimento (eles dizem evento no português de chinelo que aprenderam) a sua glória de estadista único à frente dos destinos da capital. Para remate, dou a palavra a Carmo Afonso, no Público de hoje: “Um palco que custa mais de 5 milhões de euros, por amor de Deus (a exclamação é minha)! É muito dinheiro sobretudo para construir um palco que se destina à realização de um evento (oh, cara advogada!) num país que não é certamente rico e em que uma parte significativa da população vive mal. Interessaria aqui (ufa! A madama?) perceber em que circunstâncias alguém teve este ataque de Luís XIV.”  

         - Andou aí um homem que vem com frequência tratar de fazer o necessário à beleza da quinta. Pedi-lhe que cortasse a calistemo ou lava-garrafas, que eu havia plantado quando aqui cheguei há trinta anos, e se tornara numa árvore enorme que tapava a oliveira e tocava nos vidros da janela do quarto dos amigos no primeiro andar. Os horizontes rasgaram-se e, estou certo, a oliveira que eu replantara há uns anos vinda da quinta dos meus vizinhos que a queriam queimar, agradece. Fiquei igualmente com uns quantos quilos de lenha para as lareiras.  


quinta-feira, janeiro 26, 2023

Quinta, 26.

“E, no entanto, há coisas tão simples na vida! Quem escolhe e nomeia é responsável. Quem não cumpre a lei é castigado. O desonesto é condenado. O incompetente é afastado. Quem rouba é julgado. Quem favorece os seus é denunciado. O que corrompe é punido e o que se deixa corromper é justiçado. Métodos simples e conhecidos que dispensam os questionários virtuosos que escondem mais do que revelam. A começar pela declaração de rendimentos e pelo registo de interesses entregues no Tribunal Constitucional, uma, na Assembleia da República, outro, E que agora, pelos vistos, não servem para nada.” Respigado do artigo de António Barreto no Público de sábado passado, e que não é mais que uma regra de conduta há muito barrada da existência dos nossos políticos e de muita gente dita culta e instruída em leis e tratados e de joelhos ante o Criador. 

         - Bem prega frei Barreto. A verdade é esta: foi graças à crise despoletada pelo SARS-Cov-2 e à guerra na Ucrânia, que o verdadeiro país que somos, governado por uma cambulhada de incompetentes e gatunos, atirou com raiva o cobertor de rosas que cobria a sua nudez humana e social e saiu à rua nas madrugadas gélidas deste mês de Janeiro. São madrugadas que não cantam, choram um choro que magoa as mulheres e homens honestos que felizmente ainda existem e trabalham de sol a sol para pagar impostos chorudos que tanto jeito dão no bolso dos políticos que nos couberam na rifa da nossa calamidade. Louvo todas as manifestações e revoltas dos professores, dos polícias, das assistentes operacionais (como agora se chama àquelas que limpam, cozinham ou servem nos lares e casas privadas), empregados da TAP, trabalhadores agrícolas, auxiliares hospitalares, reformados, e também incentivo a país inteiro a recusar um Governo onde desaguam todos os dias escândalos de toda a ordem. Este é o nosso Portugal e não aquele onde a disparidade salarial, as mordomias, os títulos falsos, a arrogância e o poder pelo poder impera, as negociatas escondidas consertadas com o dinheiro que falta nos hospitais, nas universidades, nas escolas, na ciência, na vida digna que nos é devida em democracia e enquanto deres humanos. Chega de propaganda barata, de mentiras, do sufoco do fim do mês, quando à nossa volta, estrangeiros e nacionais, uma elite sem competências especiais, ministros disto e daquilo, secretários, gestores, diretores, chefes ganham num mês aquilo que milhares de portugueses empurrados para a pobreza não auferem num ano. 

         - E passo porque não quero chafurdar em mais uma trampa diária, desta vez na pessoa da autarca de Idanha-a-Nova, a senhorita Idalina Costa, socialista bem entendido. O Ministério Público acusa a presidente de falsificar uma acta onde consta que ela não teve qualquer responsabilidade na contratação do marido como médico numa instituição de solidariedade. Acontece que nada constava até 2018 sobre a decisão tomada em 2011, pouco antes de cessar o seu mandato e quando MP estava a investigar o caso. É neste lodo que o país se encontra. 

         - Ontem, tomado da nostalgia dos domingos londrinos, quando me levantava cedo para ir ao encontro do Christian Berteaux, a cidade deserta àquela hora e juntos éramos dos primeiros a entrar na Tate Gallery, deu-me uma vontade irresistível de ir ao velho Museu Gulbenkian. A ligação entre um e outro museu, foi William Turner, a sua admirável obra que encheu de júbilo todo o século XVIII. Ficávamos horas sentados diante deste quadro, em êxtase, tentando descobrir o que havia nele de dramático e, simultaneamente, de efémero, de luta pela vida. Vida que nós estávamos a iniciar, montados na insouciance que nos alargava os horizontes e nos levava à perdição, à grande liberdade que Portugal brevemente iria conhecer. Era uma tela de grande dimensão, que ficava junto a uma janela larga e tinha em frente um banco. Aí nos detínhamos por mais de uma hora, quase sempre em silêncio, com o fundo da cidade que ia acordando lá longe, para lá do jardim. Depois o prazer da bica com um delicioso Chocolate Cake, saboreado no pequeno café do museu, o tempo todo por nossa conta, a descoberta, a aventura, o ir indo no balancear doido dos dias, como o mar do pintor sem chão nem dimensões… 

Sheerness vista de Nore (julgo que é este o título)

         - A tarde no Gulbenkian, admirando pela enésima vez o quadro Naufragem, foi a doideira de sobreposições de recordações. Estive em Londres e ali, noutros domingos de manhã quando tinha o religioso hábito de deixar a Rua do Salitre para passar horas naquele que era na altura o único sítio digno de se ir. Era a única catedral de cultura, um espaço de liberdade com a sua enorme janela do grande café (hoje restaurante) aberta sobre o jardim cheio das cores e da atmosfera de Turner. Ali encontrava o encenador Alexandre Ribeirinho, que morava perto, e tantos outros amigos e escritores como o Alexandre Cabral. Tantas histórias por aquelas salas começaram, arrastadas depois para o jardim, os WC, os fugidios olhares aos carros parados na Av. Berna à espera da salvação ou da condenação, os vigilantes escolhidos a dedo por um certo administrador e cala-te boca, não recordes o país oprimido que se realizava   entre portas… 



O Naufrágio 

Pormenor

         - A temperatura atingiu 2 graus negativos por aqui. Está, enfim, muito frio. O frio que me recorda o ano em que comecei a restaurar a casa térrea e as árvores e todo o espaço.  

         - Dia grande foi o de ontem. Trabalhei toda a manhã no romance, não vim aqui torturar-me e fui depois do almoço ao encontro de William Turner. 


terça-feira, janeiro 24, 2023

Terça, 24.

Apercebi-me esta amanhã do desastre que tem sido o afastamento do romance. Consagrando demasiado tempo a esta merdelhice e ao clima político do nosso desastre colectivo, afastei-me do meu verdadeiro trabalho, aquele que me dá satisfação e me preenche a existência. Vou ter que me concentrar nele de alma e coração, deixando a dispersão em que tenho vivido há meses – encontros, idas a Lisboa, almoços, um ou outro jantar – tudo formas aprazíveis de vida que me apartam do essencial. Vou, pois, impor-me o oposto: primeiro o meu trabalho criativo e só então o resto, incluindo este registo que, atendendo a monotonia da corrupção na base da qual está a obsessão da riqueza, fica limitado a contar a maneira de viver à portuguesa. É certo que através dele não me afasto da escrita e de algum modo a vou aperfeiçoando, mas o convívio com as personagens, o quotidiano com elas, a deserção da realidade para uma outra vida que se sobrepõe a esta, é absolutamente indispensável ao meu equilíbrio. Um diário também se faz do silêncio, da interioridade que vive em nós, das fantasias, do sonho travado pelas súbitas manhãs, pelo alongamento do pensamento ao limite das horas, no horizonte frio onde baila vadio a sombra do Sol. 

        - Meti na cabeça que tinha de terminar o asseio em frente à casa – e aconteceu. Andei para cima de três horas a cortar a erva que entretanto tinha brotado por todo o lado. Ficou uma verdadeira sala de visitas embora eu esteja feito em mil pedaços. É isto todos os anos. Já quando chego a Paris digo o mesmo: “Será desta que a perna ávida de vida vai encostar à box de vez e não vou poder calcorrear a cidade como sempre fiz?” Estou sempre na expectativa de que tudo pode parar de um dia para o outro. E não falo da morte, penso na idade que se aproxima, na vontade que pode esmorecer, no desinteresse por tudo o que é terreno e cada vez me diz menos, nas forças que podem declinar. Depois, graças aos meus anjos da guarda, abalanço-me sem receios, vivo no trampolim da dinâmica que não obedece a planos, e chego ao fim grato e admirado de saber que o entusiasmo e a vida não me abandonaram. Vou acender a lareira. 


segunda-feira, janeiro 23, 2023

Segunda, 23.

Tendo feito várias tentativas frustradas para escrever o texto que ontem publiquei, em desespero, abalei para o bar da Fnac no Chiado. Guardava a ideia dos tempos em que ali vivi, gostarem os lisboetas e os provinciais radicados na capital (a maioria), de se rebolarem na cama até tarde ao domingo. Não me enganei. Os tempos não mudaram assim tanto, nem os portugueses se transformaram por haver mais auto-estradas, arranha-céus, restaurantes, centros comerciais e terem passado a comer mais carne e torresmos. Com efeito, às dez horas e meia da manhã quando entrei, estava apenas um jovem escritor e uma dama entradote: ele a escrever decerto o romance da sua vida que ela mais tarde iria ler. Mal me viu sorriu, eu retribui e, como bons cavalheiros discretos, ficámos de costas voltas e distantes não se desse o caso de ele querer espreitar o meu trabalho ou o inverso. Bref. Depois da bica e um palmier coberto de uma pasta de açúcar (horror! horror!), comecei lentamente a explicar explicando-me, a descarga que se tinha operado no meu cérebro. O escrito ficou acabado pela uma e meia da tarde, quando o bar começava a compor-se de clientela domingueira. Muito antes, o meu camarada escrevinhador como eu, tinha saído (satisfeito?) com a produtividade da manhã. Bref. Para espairecer os miolos (escrever dá cabo deles), fui deambular pelo Rossio e Restauradores quase sem ninguém, esplanadas vazias, um ligeiro frio enxotado das praças e enfunando as ruas paralelas mais compostas de comensais e alguns estrangeiros. Almocei no Vitta Roma (mal) e enquanto comia, fui retocando o texto. A Avenida de Roma era uma língua comprida, gélida, que não expelia invejas e mexericos (louvado seja Deus!).

         - Luís Montegro diz-se “actor político”. Nada a acrescentar.

         - Se dermos crédito ao palestrador da SIC, a maioria dos governantes é gente séria, “boas pessoas” e competentes. O problema é que a carrada de deputados, secretários de Estado, ministros, autarcas, empresários ex-políticos são tantos e alguns próximos dele, embora indiciados disto e daquilo, não abdicam dos cargos que ocupam. 

         - Outro dia li no Público que a saloia que comanda a TVI, comprou um par de sapatos por 490 euros! O problema é saber se os pés valem esse valor. A idiota, comentou: “Estes sapatos custaram-me uma fortuna, para muitos de vocês, é o que ganham num mês.” É este o país que temos; é gente desta espécie que tem o poder de impingir toda a merda que vomitam com petulância e imoralidade. Por mim, não conto pelos dedos das mãos as vezes que sintonizei (por engano) o canal da pequena fraldiqueira. Dizem-me que António Costa vai a todas e até Jerónimo de Sousa foi conversar com a vulgar personagem. Se a política fosse coisa honesta e moralmente exercida, os políticos não teriam necessidade de se vergar a tão insignificante criatura. 

          - Depois das leituras após o almoço, voltei a pegar na roçadora e atirei-me ao muito trabalho que aqui há para fazer. Faz frio, fazia já ontem à noite. Apesar de sentir o desconforto de alguns calafrios, não acendi a lareira. Subi lá acima e trouxe um cobertor que pus sobre as costas e a manta inglesa nos joelhos. Esta manhã, querendo ir às mercas, tive de raspar a grossa crosta de gelo que estava por toda a quinta e havia coberto totalmente a viatura. No Norte cai neve abundante. Na França também, diz-me o francês que hoje me visitou para um café e amena cavaqueira. Vou acender a lareira. E é isto. 


domingo, janeiro 22, 2023

Domingo, 22.

Retomemos o dia seguinte, sábado, 14, depois de na véspera ter deixado os meus dois convivas a falar sozinhos no 1900, desci do Rato ao Chiado a pé, como milhares de vezes havia feito quando morava no Príncipe Real e trabalhava na Rua Artilharia Um. Desta vez as pernas não voavam, a cabeça não subia os céus de felicidade de me saber em vida, pleno de jovialidade, apaixonado, desejoso de me encontrar com amigos para tertúlias divertidas, seguidas quase sempre de ida ao cinema, ao teatro ou jantar no Bairro Alto. Naquele fim de tarde, caminhava com o peso de tudo quanto tinha dito e pensado a atafulhar o meu cérebro amargurado, condenando-me por mais uma vez ter entrado naquelas discussões ridículas, estapafúrdias, sem saída, encurraladas num beco armadilhado, onde uma simples síntese não cabe e eu conhecia de cor a arapuca da “história”, enterrada há uma centena de anos, e sempre ali reivindicada para justificar ou deturpar ou encobrir a realidade trágica da nossa triste classe política; da política tout court, selva de marginais de fato e gravata, péssimo português e provincianismo atávico, sem falar da gula convencionada ao erário público. Entrei sem dar por isso no metro e num ápice vi-me dentro do Fertagus e sem saber como em casa, a lareira acesa minutos antes pela Piedade e eu remoer as horas passadas naquele passa-tempo, espécie de púlpito onde o João gosta de pregar o sermão que todos conhecem e ninguém adere. 

No dia seguinte, ao acordar do trago único do sono, senti que qualquer coisa não estava bem: sentia-me instável, nervoso, borboleteavam sem compreende o que se passava. Depois de tomar o pequeno-almoço, fui recostar-me no salão e foi quando comecei a ter uma série tiques que me levavam a agredir-me, a dar palmadas com a mão esquerda no traseiro, a pontapear com a perna que as donzelas fizeram moldes para levar à Senhora de Fátima a outra e, de quando em vez, fazia caretas, interrogava as sombras, numa atitude de alucinado como já vira em pobres seres a que chamam doidos (doidinhos à maneira portuguesa) na minha infância. Pensei: “eis-me chegado ao momento que sempre temi: a cabeça estourou”. Como os safanões não paravam e até pareciam retroceder, voltei à cozinha e tomei um Valdisper. Hora depois, sentia-me cansado de tanto me agredir, falar com fantasmas, pensar que tinha chegado ao fim e a minha despedida iria ser em grande despachando pontapés a mim próprio, fazendo mofavas às silhuetas que dardejavam o ar. Então, tive uma ideia: enfiei goela abaixo um Sedoxil e outro Valdisper e telefonei a uma amiga que me veio buscar para me levar ao Centro de Saúde de Palmela.   

No posto público não estava muita gente, mesmo assim aguardei duas horas para me postar diante de uma menina, dita médica. Sem bata, estetoscópio, medidor de tensão, nada – apenas um computador. Contei o que me levara ali, ela teclou ou fez de conta, disse-me para apertar os seus dedos, levantar a cabeça e deste modo me remeteu às origens satisfeita por eu ter sido médico de mim próprio, aprovando o medicamento que tomei a aconselhando-me a engolir mais duas unidades do mesmo - coisa que não fiz. Apesar da amabilidade da minha amiga, preferi ficar só de modo a compreender o que se tinha passado, agora que me sentia mais calmo, quase normal. Devido ao adiantado da hora, já não almocei, comi duas peças de fruta e subi ao quarto para a sesta de uma boa hora. O serão foi calmo e profícuo em leituras: Julien Green (pág. 270), terminei o Evangelhos Apócrifos e um pequeno livro de duzentas e poucas páginas In memoriam – Jean Schlumberger.

Resta apurar o que me aconteceu. Talvez haja mais do que um motivo, mas julgo não andar muito longe se disser que não suporto o clima político-partidário em que o país se encontra sob a batuta (ainda por cima) dos ditos socialistas. Isto está uma merda, um lodaçal de que falava Guterres bastante mais educado que eu, um atentado à democracia, à vida de cada um de nós; um país como nunca dividido entre privilegiados e servos, entre os muito ricos e os muito pobres, os que trabalham de sol-a-sol e os que se divertem a “trabalhar” e despedem-se para receber indemnizações milionárias que lhes permite adquirir um apartamento e viver do aluguer. Admito que arranjei devido à minha sensibilidade social uma depressão e daí não aguentar as balelas dos Joões deste canto infeliz, abandonado à sua sorte, o Estado a carregá-lo de impostos, a falta de justiça, onde o dinheiro abunda e a ganância cresce, numa total indiferença por aqueles dois milhões de pobres e os outros que a eles estão encostados a viver das esmolas do Estado, numa sorte de indignidade beata-social que me leva ao desespero. Morreram os ideais, as doutrinas, as filosofias, a solidariedade, o outro enquanto imagem, origem e substância de cada um de nós, morreu a política e os políticos honrados, o humanismo e o cristianismo, as religiões e os tratados existenciais, ficou um grupo de malfeitores, à semelhança da Máfia, que se governa entre si, combina assaltos, distribui benesses, milhões, trafica influências, desorienta o equilíbrio, prende, faz descer sobre todos nós a maior suspeita de que há memória – somos descartáveis. 

A geração que se põe em bicos dos pés para enxotar os que ocupam hoje o poder, não é melhor: traz consigo os mesmos tiques, a mesma ambição, os mesmos trejeitos, esgares, slogans, matrizes. É urgente mudar tudo isto, pôr de parte o pregão marxista-leninista, os pretensos liberais, a beatice cristã, todas estas hipocrisias, assim como o regresso ao passado. Precisamos de gente honesta, sabedora, equitativa, sem falsas teorias. Estou farto da hegemonia da esquerda, não suporto as queques insuportáveis do BE, nem os matulões grosseiros do PCP, nem o ar seráfico dos pdgs do PSD ou os arruaceiros do Chega. 


sexta-feira, janeiro 20, 2023

Sexta, 20.

Faz hoje oito dias que estive a almoçar no 1900 com a Carmo e o João. Almoço desastroso (bem me previnem alguns leitores do quanto somos opostos e surpreendem-se porque insisto eu nestes rendez-vous) devido mais uma vez aos campos políticos que nos separam. A coisa foi tão violenta, que todo o restaurante me pareceu aguardar que nos virássemos ao soco. No intervalo da controvérsia, quando o João se levantou para ir ao balcão escolher a sobremesa, a Carmo diz-me: “Já devias saber que com ele não se pode falar de política.” Sim. Todavia, a pobre da Carmo ia dando-lhe razão, numa mistura ideológica tola, espécie de conversa de “menina bem” de que não gostei nada. No adiantado da discussão, perante o estado do Governo, o perigo de cairmos num regime extremista, perguntei ao meu adversário e amigo, quem queria ele que ocupasse o poder (tendo em conta a situação actual). Resposta pela primeira vez curta e objectiva: “O PCP que é quem pode combater a luta de classes.” Fiquei boquiaberto. Ele nunca admitira ser comunista, mas sim MDP-CDE com quem, de resto, o Partido se aliou na Assembleia Nacional. Tenho simpatia pela personagem, porque é curiosa e sob certos pontos de vista, nomeadamente, a óbvia contradição da narrativa marxista em paralelo com a sua vida prática; o contexto político-pardidário do momento; a adoração a Lenine e ao bolchevismo; os esquemas políticos que mudam consoante a acção que se interpõe; o circuito pessoal que o cerca; onde ele se encaixa como peça lubrificada constantemente de modo a que o todo não perca funcionalidade; o duplo que há nele no arrumo dos combates morais ou intransitivos, cobertos por uma fachada ideológica que se opõe à práxis quotidiana. Gritei: “Se um dia o PCP tomar o poder, eu saio no dia seguinte do país! Não preciso de muito para o fazer. Basta-me conhecer o que se passa hoje na China, Coreia do Norte, Cuba, países pobres da América Latina, para não falar do tremendo susto que é a Rússia de Putin.” Dito isto, abandonei a mesa e parti. O que se passou nos dias seguintes, sábado e domingo, narrarei amanhã. 

         - Tudo leva a crer que o sacristão não escapa à leva dos visados em carambolas de toda a ordem. A próxima semana nos esclarecerá. Quanto a mim, nunca tive dúvidas que o pio homem esconde atrás da figura de menino que não parte um prato, um vulcão ávido de possuir este mundo e o outro. O problema é se ele cai, o pároco vai atrás. 


quarta-feira, janeiro 18, 2023

Quarta, 18.

Ouvindo o novo chefe da armada do PSD, escutando-o atentamente, percebemos que estamos há muito entregues à bicharada. O complô entre políticos de vários partidos, nomeadamente, PSD, CDS, PS, não excluindo nenhum dos outros, constituídos sob uma espécie de máfia enrolada uns nos outros (aqui enrolar não significa isso...), numa irmandade de contas por liquidar, outras por acertar, outras ainda suspensas, todas de muitos milhares ou milhões de euros, num jogo onde aparentemente ninguém participa, mas todos estão de olho nele. 

         - Perdi-me completamente no balanço ao número dos biltres apanhados na malha da Judiciária e obrigados a deixarem os cargos públicos pelos ilícitos do costume. De todo o modo, eles (e elas) são tantos que sinto repugnância em trazer a este exercício honesto a lama nojenta em que se transformou a nossa vida em democracia. Tantos de nós esperaram anos a fio, tantos morreram sem nunca terem visto Portugal livre da opressão, do governo de poucos com a manápula assente nas costas de dez milhões, tantos foram perseguidos, maltratados, espezinhados por um regime odiento. E agora, menos de meio século em liberdade, estamos próximos de ficar de novo sob a pata de um qualquer ditador de esquerda ou direita. Tanto a esquerda como a direita, preparam o terreno, lançando sobre a democracia programas impossíveis que nos conduzirão à tragédia. Já cá não estão os homens sérios, impolutos, sábios, verticais que fizeram a primeira e a segunda legislaturas no pós-25 Abril. O Parlamento é hoje uma arena de touros enraivecidos, de ambiciosos, de gente sem cultura, de alçapões mentais onde fermenta o ódio, o racismo, o nojo do povo humilde e trabalhador, de arrivistas, de miuçalha periférica, sem preparação nem fundamentos éticos, lacaios pagos com nossos duros impostos, mas ao serviço dos partidos que são quem os orienta e conduz a manada de cordeiros mansos em que se transformou a outrora valente nação portuguesa. Um país governado por advogados, é um país onde as leis não serão respeitadas e os povos sujeitos ao confronto entre verdade e mentira e, portanto, apartados da Justiça. Valha-nos a Justiça divina. Não é por acaso que na maior parte dos países dirigidos por esta gente, a Cruz de Cristo foi deposta dos tribunais. Antes, os arguidos juravam de olhos postos nela, hoje... 

         - Fui à Brasileira porque prezo os amigos. O Virgílio Domingues, do alto dos seus 93 anos joviais e risonhos, há muitas semanas que me vinha reclamando presença. Lá estive, pois, em amena cavaqueira na esplanada, apesar do frio e da animosidade de certas personagens que me dizem quase nada. Voltei de imediato para casa onde almocei. Foi, com efeito, ir e vir. Contudo, no metro, no Fertagus, na rua tive pena das raparigas e rapazes e até outras criaturas mais velhas, trajados com uma simples T-shirt mas... com o corpo grafitado de carpetes chinesas, mantas persas, ceroulas (está na moda este ano) indianas. A tanto obriga a perturbação. Aquilo era ver neles a pele de galinha (porque estavam depilados) e nelas as mamas a espreitar a tiritar de frio! O que me pergunto quando me deparo com aquelas modernices é: quem ousará amar uma carpete, uma manta, umas ceroulas! Deve ser um susto acordar de noite com aquele estendal sinistro ao nosso lado!    


terça-feira, janeiro 17, 2023

Terça, 17.

De tanto pensar na morte de Sebastião Fortuna e por arrasto na da minha irmã e por fim na minha, chego a Henri Bergson: “Par la mort du corps, l´âme ne fait que perdre la possibilité d´agir efficacement dans l´espace.” 

         - Dia de estudo, mergulhado no essencial, organizado em torno do fundamental, sereno, uma leve nuvem vagando em torno da casa, um sentimento de despedida à hora de todos os mortos, um silêncio perene no alvor da vida eterna. Pela lareira acesa, entrava o murmúrio do vento cirandado entre as chamas – lucífuga presença de quem nunca por aqui passou...   


segunda-feira, janeiro 16, 2023

Segunda, 16.

O país continua voltado do avesso. Professores acampam, noite e dia, à porta do Ministério da Educação depois de um mês de greves; a polícia, solidária, enfim, com a população, entrou também em greve; os bancários idem; somam-se os senhores representantes da nação que são corridos dos seus postos por corruptos e ladrões, por isto e por aquilo, nos desnorte do Governo António Costa. há três dias entrou para a lista dos infelizes, um tal Pedro Magalhães Ribeiro, assessor do primeiro-ministro, todos parece terem descoberto a ética a que alguns chamam “ética republicada”, e eu gostaria me informassem o que é. Porque todas estar questões na boca dos políticos que nos couberam na farinha Amparo, andam muito longe do “cogito ergo sum” de Descartes. 

         - Atentemos, então, no célebre questionário (não falo do de Proust) construído por Costa para tentar escapar às suas responsabilidades nas escolhas partidárias. Aquilo não é mais que um atestado de irresponsabilidade à dita classe política, tendo-a como um bando de rufias, vindos não se sabe de onde, sem ética (lá está) nem moral, acossados apenas pela loucura do poder. Ele, Costa, ignora que o Bem e o Mal vêm de cada um de nós com a carga de relatividade da nossa visão do mundo e das situações. É intrínseco em nós quando fomos suficientemente preparados e educados, com consciência de sabermos que não existimos para nós, mas para a realidade outra que nos ultrapassa enquanto seres colectivos. Nem me quero meter pelos meandros apertados de Espinosa para quem a ética é imanência e transcendência, na medida em que o filósofo do século XVII, duma família de judeus portugueses, considerava-a uma necessidade de Deus. Abstracções para a nossa camada política, quase toda formada em Direito, portanto, sem curiosidade por Kant e Hegel, tomando a matéria que os formou como trampolim para chorudos ganhos e importância, assente em estratégias e códigos e regras por eles criados, suficientemente abstractos de modo a provocar o espectáculo da eloquência em tribunal e a distinção entre pares. De contrário, não teríamos justiça para ricos e para pobres; aqueles arrastada por séculos; estes humilhados no imediato com direito a serem exibidos nas televisões, expostos às iras das populações iletradas para quem o crime é a melhor forma de enaltecer a Justiça. 

Acontece, porém, que as 36 perguntas do inquérito, não transformam por magia o candidato a ministro ou secretário de Estado num ser virtuoso e honesto cidadão. Se ele não é na sua formação enquanto pessoa, no íntimo da organização moral que o formou, na abnegação em assumir o cargo público não para se governar, mas para acudir ao país, aos seus concidadãos, às urgentes tarefas da justiça, da educação, da pobreza, da saúde, assente em razões éticas, morais e no contributo para um mundo melhor, se estes não são os objectivos, então mais vale reduzir-se à insignificância de ganhar a vida a lutar no vazio, uma inutilidade qualquer: enriquecer, ociosidade, horas a ver televisão, não falhar um jogo de futebol, esperar a morte de olhos posto na Bolsa. 

         - Diversas razões afastaram-me deste registo. Entre elas a morte de Sebastião Fortuna que me causou um profundo desgosto. O pároco da Quinta do Anjo que lhe deu a Extrema-Unção no hospital de S. Bernardo, perguntou-lhe, pouco antes de expirar, se queria deixar uma palavra: “Sejam amigos uns dos outros!” Ontem na missa, antes do enterro, onde não cabia uma mosca e os presentes se estendiam pelo terreiro fronteiriço à igreja, os três sacerdotes que participaram no ofício defunto, e dois amigos de provecta idade que lhe fizerem o elogio fúnebre, assinalaram a característica mais marcantes do desaparecido: a necessidade de acudir a quem precisava. 


quinta-feira, janeiro 12, 2023

Quinta, 12.

Ontem de manhã passei no consultório do Dr. Cambeta e depois da uma da tarde fui ao encontro do João à Brasileira. Daí descemos o Chiado para abancarmos no Adega da Mó para um almoço demorado e bem regado de discussão (calma) sobre os mais diversos temas. A dada altura, João que não é dado ao humor, conta-me a sua entrada numa loja da Avenida de Roma para saber preços sobre o “corte dos braços e pernas”. A mulher era de têmpera e corre com ele de uma forma imperativa, levando-lhe “pelos braços 15 euros e pelas pernas 30 euros”. João não gostou da secura da proprietária e fugiu a sete pés. E para mim: “Tu entendes isto!” Apenas quando sou informado que era de fato que se travava. Eu tinha de passar no Corte Inglês para comprar uma caixa de chocolates que deveria levar ao Fortuna, não fora o facto de ele ter piorado e o Pedro me ter telefonado a adiar a visita. João, sempre contido nos gastos, leva-me a conhecer a cidade onde nasci e conheço melhor que ele que veio ao mundo no Norte, de autocarro. Tomámos o transporte em frente à Gulbenkian e saímos na Alameda; daí fomos num outro até ao meu destino (e dele) Av. de Roma. Trajecto demorado que de metro se faria num abrir e fechar de olhos. Ante a minha impaciência: “Mas mostrei-te a cidade!”

         - Umas seis pessoas foram esfaqueadas ontem na Gare du Nord, em Paris. O homicida foi preso e não se sabe os motivos de uma tal investida. 

         - Que dizer da entrevista feita pela senhora do Prós e Prós ao administrador da Caixa Geral de Depósitos! Que susto! Que assombração! Que personalidade saída de um braseiro de cifrões, cálculos, custos, ganhos e perdas! Nada transpirou de humano daquela figura banal, contorcida de esgares, que escolheu a paisagem fria da faculdade onde estudou e diz ser a que dá ao país os cérebros do tipo da sua madrinha, senhora Ferreira Leite para nos falar da sua triste vida, mergulhada na monotonia da economia, enquanto expressão de controlo, arregimentação e poder. Cruzes! Quem nos acode! De onde vem esta leva demoníaca de sábios que aprenderam a somar, multiplicar e, sobretudo, subtrair sem ter em conta o substancial, a realidade comum, por onde o sofrimento circula e a solidariedade escasseia, tirados a papel químico do ex-chefe de Estado, sua excelência o professor-doutor-economista-memorialista assanhado, Aníbal Cavaco Silva. Na ladainha pobre das palavras, ante a aridez, surge a lembrança do pai, poeta e escritor, a destoar do todo, seco de emoções, face de aço, testa enrugada, armadura ante o poder que isola, transforma em estátua, inexpressivo, sem um clique de humanidade que o identifique e agregue à realidade comum. Passou a entrevistadora e entrevistado um pano sobre o desastre das empresas e ministérios por onde a criatura passou, deixando um rasto de despedimentos, salários de miséria, pressões de toda a ordem, ameaças veladas, fecho de filiais, carga informativa à boa maneira da PIDE sobre quem precisa de empréstimos, deixando, todavia, que as instituições bancárias fossem prejudicadas com dívidas dos que sabem como fugir aos seus compromissos e enriquecerem ainda mais. A sensação que fiquei no final daquela encomenda, é que estive diante de um algoritmo que escapou a Euclides.    

         - Sobretudo, quando uma semana antes, diante da mesma senhora de frases feitas e conceitos rebuscados, entrevistou os arquitectos Siza Vieira e Souto Moura. Que lição! Que liberdade e respeito e carinho e amizade um pelo outro! Eles e sós eles, brilharam num diálogo franco e livre, feito de ideias e noções filosóficas, anulando completamente o terceiro elemento por inútil, sem préstimo para aquilo que era o trabalho de ambos, ignorando até as câmaras que os filmavam, ligados por laços sólidos, sem perderem a identidade própria, a arte em lugar sagrado, num mundo que ambos recusam padronizar, e pelo contrário lutam por humanizar contra os ventos da construção em altura, divisões pequenas, ao nível do que eu vi nos países da chamada Cortina de Ferro, verdadeiros sustos, bairros sombrios, minúsculos espaços apenas para deitar o corpo espezinhado pelo labor escravizante, o ser único que cada um de nós é, arremessado contra a solidão de quem perdeu de vista a liberdade e a felicidade. 


terça-feira, janeiro 10, 2023

Terça, 10.

Acho que Lula da Silva tem imensos telhados de vidro, mas isso não me impede de repudiar o golpe de Estado à maneira de Trump e do PREC, quando a Assembleia da República foi ocupada. Actos desta envergadura, anti-democráticos e terroristas, levados a cabo por energúmenos manipulados, são atentados que põem em perigo os regimes democráticos e ensaios para os que na sombra os incentivam. 

         - Felizmente na Foz não houve nenhuma tragédia. O Porto e toda a Baixa, S. Bento e Fontainhas, sofreram prejuízos enormes com a água que corria em cachão destruindo tudo à sua passagem. Durante dois dias, as chuvas abundantes deixaram irreconhecida a estação de S. Bento, o metro, os Aliados. A fúria da natureza cobra em desaires os lucros excessivos de construtores e autarcas, para quem estruturar o habitat humano é apenas um acto urbanístico e um número traduzido em cifrões e votos nas urnas. 

         - Muitas vezes não mereço um dia de vida. Queixo-me por uma simples noite mal dormida e esqueço-me dos meses seguidos em que descanso sete horas a fio. Como aconteceu ontem e hoje. Tendo-me deitado pelas 23,00, horas, acordei às oito do dia seguinte. E mesmo assim, no aconchego do edredão, ligada a TSF, ainda fiquei uma hora suplementar, naquele doce faz que dorme, onde todas as boas novas descem do céu em catadupa.  

         - O filme Os Anos Super 8 montado a partir de muitas fases da vida da escritora Annie Hernaux (prémio Nobel deste ano) e do marido Philippe, filmadas com a célebre máquina dos anos Sessenta, montado pelo filho do casal, na versão que vemos com agrado e nos mergulha numa certa nostalgia que nos arrasta para a obra de Marcel Proust, A la Recherche du Temps Perdu. O registo dos diversos filmes que acompanham a vida do casal Hernaux e a formação física e humana dos dois filhos, é invadido pelo texto da escritora, como se de um livro de memórias se tratasse. Nota-se a partir de dada altura uma tensão vivencial, qualquer coisa que atrapalha a felicidade dos esposos, e se reflecte nas escolhas sociais e políticas, signos e sinais de um tempo, de um mundo em transformação, saído da II Grande Guerra, a par da gestação e definição de políticas que haveriam de marcar todo o século XX. O texto é muito belo, as imagens não são nenhuma obra de arte, mas o conjunto, amaciado pela sensibilidade da escritora, surge como uma obra onde se imiscui camadas de silêncios, sobrepostos, como um grande magma que a linguagem absorve e os olhos abraçam. 

         - Somos como somos ou como a cultura (ou a falta dela) nos fez? Três exemplos. Levei tempo a perceber que o autocarro 727 (um entre tantos), formado por três dígitos, e pronunciado por todo o lisboeta apenas “o 27” e deste modo andei a rabiar em busca daquele que tem na placa bem explícito os três algarismos. Com o cinema deu-se a mesma coisa. No jornal e às pessoas na Av. de Roma  a quem perguntava onde ficava o cinema Alvalade, todas me indicavam a direcção certa, mas com um pequeno detalhe que faz toda a diferença: eu via em letras luminosas Cinema City. É certo que estava em Alvalade, mas andei que tempos a danar-me à procura do Cinema com o nome do bairro lisboeta. Enfim, constatada a denominação, entrei e dirigi-me à bilheteira. Pouca ou nenhuma gente na vasta sala-café onde três empregados espreguiçavam sem clientela. Como entretanto não visse a bilheteira abrir, dirigi-me à rapariga que estava a servir café ao primeiro cliente e perguntei-lhe a que horas começava a funcionar a bilheteira. “A bilheteira é aqui” – diz-me com naturalidade. E como se estivesse a registar um café, saiu da máquina aos gritos o bilhete com direito a escolha de lugar. Que não era preciso, pois a assistir à sessão estava eu e uma senhora. 

         - Qual é o escândalo de hoje? Sim, porque tem para nossa tristeza de haver um ladrão qualquer escondido debaixo da mesa do gabinete camarário ou ministerial todos os dias. Fala depressa, homem de Deus. Aqui vai, aqui vai. Desta vez, com um tal Miguel Reis, presidente da Câmara de Espinho, socialista pois então!, foram detidos três empresários e um funcionário da autarquia, acusados de corrupção, abuso de poder, prevaricação e tráfico de influências. O costume. 


domingo, janeiro 08, 2023

Domingo, 8.

Ando há anos a dizer que António Costa pelo seu temperamento e ambição, o seu destempero para manobras políticas (ele disse um dia que queria ter o comando da política e os seus ministros e secretários de Estado, secretárias destes, funcionárias de limpeza que agora se denominam técnicas de qualquer coisa, cumpririam o plano traçado por ele) não é a pessoa ideal para o cargo que ocupa. E é aqui que a porca torce o rabo. Costa falhou redondamente nos objectivos políticos e nesse afã de ser o primeiro do Governo, anulou todos os outros e, inclusive, a política tout court. Ana Sá Lopes que tanto o elogiou em crónicas anteriores, vem hoje afirmar “não é a oposição que ganha as eleições, (vírgula é minha) mas o Governo que as perde”. Isto num artigo intitulado “Para salvar o PS, (a vírgula é da ilustre jornalista) e de caminho salvar-se, António Costa, (vírgula volta a ser minha) deve sair” 

         - Ontem dia de fim do mundo. Numa aberta inscrita no início da manhã, fui ao mercado dos pequenos agricultores e o resto do dia agonizei de melancolia e tédio. Uma cortina incessante de água deixou-me à porta do desespero. Lá fora não se via um só pássaro; no caminho de terra batida nenhuma alma passou; o céu fechado à terra estendeu um imenso e tenebroso lençol escuro; o ruído da chuva nas janelas fazia medo. Gosto do campo, não me estafo de louvar a chegada a este recanto luminoso, mas em dias como aquele, se tivesse un pied à terre em Lisboa, era para lá que me despacharia. 

         - Esta manhã fui assistir à missa na igreja do costume, em Setúbal, em intenção  da Teresa Magalhães e do Sebastião Fortuna, ambos a passar por momentos difíceis. Ela a recuperar numa casa de repouso em Belas; ele no hospital de Setúbal. Desejo que Deus me tenha ouvido, porque estes meus afectuosos amigos dependem mais de Ele que da medicina.   

         - Continuo com profundo entusiasmo a leitura dos textos apócrifos. Entrei na História de José, o Carpinteiro. No capítulo anterior, li a Natividade de Maria. Todos os textos que compõem os chamados Evangelhos Apócrifos, são um conjunto de códices descobertos, em 1945, em Nag Hammadi, (Egipto), por mero acaso. O curioso é que hoje na missa a que assisti, o sacerdote falou da natividade de Maria e do nascimento de seu filho, Jesus. Como tinha na memória toda a história, talvez fosse melhor dizer, toda a epifania, pude acompanhar a sua argumentação que me pareceu interessante e erudita. Noutra altura falarei mais pormenorizadamente do que me empolga e amplia em conhecimento, sendo para já certo que estes textos acrescentam ao pouco que sabemos por Mateus, o Evangelista. Roma, decerto, deve ter contribuído para isso. Atente-se nesta frase do Evangelho de Maria (que a Quetzal justapôs na contra capa do livro): “Uma vez que nos explicaste tudo, diz-nos ainda isto: o que é o pecado do mundo? O Salvador disse: “Não existe pecado.” “


sexta-feira, janeiro 06, 2023

Sexta, 6.

A podridão está por todo o lado e com ela a afronta à democracia, ao Estado de direito, ao respeito que devem ao povo, à ética e à moral que eles desconhecem o que seja. O PS está transformado numa máfia e, embora eles detestem que se generalize (eu também não gosto), a verdade é que os casos de corrupção, falcatrua, encobrimento de camaradas, compadrio e passa-palavra são tais e tantos, que a procissão ainda vai no adro e quando entrar na igreja (depois da partida de Costa) o templo vai ser pequeno para tantos pecadores. Só a porta ao lado, a da prisão, depois de anos de cárcere, poderá redimi-los. Forma de revolta a minha. Em verdade, que eu saiba, nunca nenhum destes açambarcadores do dinheiro dos contribuintes, tiveram de devolver o que roubaram e apenas um ou dois conheceu a cadeia. O governo socialista é um lodaçal nojento e até parece que o primeiro-ministro tem tiro certeiro para escolher os seus membros mais corrompidos. Esta equipa governamental é entrada por saída, uma dúzia desde que António Costa alcançou a proeza da maioria absoluta. Uma senhorita de seu nome Carla Alves, que ninguém sabe quem é e como pôde aceder ao cargo de secretária de Estado, não aqueceu o lugar por 25 horas! Já está fora, não por sua vontade nem pela do chefe do Governo, mas pela subtileza de argumentação de Marcelo Rebelo de Sousa que nesta matéria sabe mais a dormir que a equipa governamental todinha acordada. Ela e o marido, presidente de Câmara de Vinhais, socialista evidentemente, possuem o condão de duplicar o extrato bancário conjunto, em vários milhares. Uma simples soma, quero dizer, o todo dos seus salários públicos, foi suficiente para se perguntar de onde vinha tanto dinheiro. 

         - Quem é o senhor que se segue? O do brinco na orelha esquerda (por quê na esquerda e não na direita)? Deve haver um significado. Vou perguntar a algum amigo sensível... Depois deste espero que o grande economista Fernando Medina e logo a seguir ou antes talvez, o secretário de Estado que entrou hoje na berlinda e é o último cambalacho da equipa de António Costa. Por fim, quase de certeza, é despejado o dito cujo e o país entrará numa fase de agitação sem precedentes. 

         - Hora e meia de trabalho com a roçadora. Aliás, aqui, todo o dia houve agitação bastante. As senhoras de Zuckerberg, sem direito a almoço, fizeram directa a vindimar os 350 mil pés de vinha. Um tractor andou atrás delas a remover a terra. O palavreado do Facebook foi mais que muito e com sequências que eu acho vieram do ano passado. Que mais? Houve um pouco de sol, distribuído com intermitência, dando ao campo uma nota de primavera fingida. Depois do almoço, sentei-me lá fora a recebê-lo em cheio no rosto e nas páginas admiráveis do livro de os Evangelhos Apócrifos. Li Tiago, Tomé e Pseudo-Mateus. Todos contam a vida de José, Maria e Jesus e entre eles, embora haja pequenas diferenças, no essencial narram a vinda de Jesus Cristo de forma sólida e coerente. Há passagens ma-ra-vi-lho-sas. 


quinta-feira, janeiro 05, 2023

Quinta, 5.

Foi estranho ver uma única mulher na bancada do Governo, Ana Catarina Mendes, a ser atacada por todos os galifões, alguns sem educação nenhuma nem conhecimento do que isso é, no primeiro plenário do ano. António Costa e qualquer dos seus outros governantes, deixaram a senhora entregue às garras de um punhado de feras, que só não a devoraram porque ela se portou com dignidade e valentia. 

         - Continua a greve dos maquinistas da CP. Exigem que seja reposto o poder de compra, célebre máxima do PREC, que tem tanto de magia como de charlatanice. Imagine-se todos os reformados recusando-se a serem alimentados porque o Estado não lhes repõe os alimentos de que necessitam: salmão, champanhe, ostras, etc. 

         - Nós somos originais em tudo, até na desgraça. Enquanto uma parte da Europa, dos Estados Unidos e outras zonas do mundo entenderam controlar os povos vindos da China onde o vírus lá cozinhado se traduz nesta altura numa tragédia de saúde pública testar quem chega aos seus aeroportos; Portugal prefere deixar-se encharcar de SARS-Cov 2 ou 3 ou 4, na certeza que as nossas estruturas hospitalares aguentam todos os fluxos de novas infecções. O Governo bichana para o lado: “Portugueses? Isso existe? Temos é que defender a nossa identidade!”

         - Marcelo e muito bem, chutou para o Tribunal Constitucional o novo diploma sobre a eutanásia. A esquerda que de dignidade humana nada percebe e do valor da vida muito menos, escancarou o queixo de impotência. 

         - Da nossa conversa de ontem, Mário, enquanto amigo e advogado, prometeu estudar as três hipóteses que lhe propus para o meu testamento. 

         - Avancei no corte da erva, felizmente sem nenhuma dor, mau grado o tempo roubado à escrita, usufruindo dos poucos dias de sol que os manda-chuva nos prometem. 


quarta-feira, janeiro 04, 2023

Quarta, 4.

No Irão prosseguem as condenações à morte. Mais dois rapazes com 25 anos, foram condenados a morrer por enforcamento - dois mártires da liberdade. Mesmo assim, os manifestantes não desarmam e nas ruas continuam os protestos contra o regime opressor e assassino. Tanto atentado aos direitos humanos e à vida tout court por um véu mal usado! 

         - Nós por cá estamos óptimos. Sucedem-se greves dos professores e dos comboios. Uma moção de censura vai ser discutida no Parlamento contra o susto socialista que nos desgoverna. 

         - Almocei com o Mário na Confeitaria Nacional (casa fundada em 1829). Há muito tempo que não estávamos juntos e foi por isso um encontro estimado, abundantemente contado, por onde passou de tudo ao correr das duas horas que estivemos à mesa. Falando da sociedade de consumo que se aproveita das épocas puramente cristãs, ele disparou: “Com tudo o que vejo, prefiro o da Ressurreição (a Páscoa) ao nascimento de Jesus (o Natal)." O problema é que não há Ressurreição sem nascimento, mas percebo o que ele quer dizer e concordo com a sua indignação. 

         - Não sei se anotei esta passagem quando da primeira leitura de Toute Ma Vie. Vale, contudo, a pena trazê-la aqui porque ela revela o sentir de Green, a luta que toda a vida empreendeu entre a obsessão sexual e o desejo de viver em comunhão com Deus que ele dizia ser impossível enquanto não se libertasse do “pecado da carne”. No seu caso, duplamente censurável (segundo ele) por se satisfazer com rapazes e não conseguir libertar-se de um rosto belo, de umas coxas roliças, de um corpo perfeito. O escritor, está com 46 anos, acabado de regressar a Paris vindo dos EUA onde permanecera enquanto a Europa estava em guerra. “Hier, obsédé par le souvenir du garçon de la rue Suret (um sítio de prostituição que cobrava 200 francos por cliente). Il a un admirable cul d´une couleur ambrée que je ne me lasse pas de caresser le visage collié à ces fesses parfaites, la langue enfoncée dans ce petit trou élastique. Le garçon aime cette caresse et bande ferme. L´autre jour, l´écoutant dire ce qui faisaient d´autres clientes, j´ai eu l´idée de le fesser, désir que je porte en moi depuis l´âge de vingt ans, peut-être même plus longtemps, car mes tout premiers dessins (sixième et septième années) représentaient des scènes de fustigation. J´avais déjà fessé Erik Meier à Copenhague parce qu´il ne voulait pas se laisser baiser. J´ai fessé ce garçon-ci plus longtemps et plus fort, avec un plaisir extrême. Il m´a assuré ensuite que je ne lui avais pas fait mal, mais que certains clients tapaient trop fort. Étrange plaisir. Presque tous mes dessins de 1935 à 1940 montraient des garçons en culotes courtes corrigeant des garçons plus jeunes. Il y a des traces de cette propension dans mes livres (Le Visionnaire et Minuit surtout où les éléments de la scène de fustigation sont séparés: Serge d´une parte et le fils du châtelain de l´autre). Ce n´est pas le visionnaire qui aurait dû recevoir le coup de cravache, mais Serge (et non sur le visage), Serge n´étant autre que Johan Siegl, de Vienne.” Uma tal confissão, original em qualquer escritor e ainda mais em Julien Green considerado um autor católico, trouxe para a literatura um clarão de verdade dificilmente comparável. Uma tal liberdade vai de par com os seres livres que comungam do perdão da inocência. 

         - Voltei a acender a lareira. Hoje está frio e quando cheguei encontrei a casa gélida. Depois de ter cá estado o técnico a substituir o vidro que se partiu (há duas semanas), que não me aquecia ao fogo que dimana conforto por todo o salão. 


terça-feira, janeiro 03, 2023

Terça, 3.

Foi pior a emenda que o soneto. Pensávamos que António Costa tinha compreendido o estado miserável em que se encontra o Governo da nação, e afinal o que saiu da cartola do mestre feiticeiro, foi uma mão cheia de coisa nenhuma. Aquela de ir buscar João Galamba para ocupar a pasta das Infra-estruturas, não lembra ao tinhoso. Ou antes, até se percebe, tendo em conta que ele não é ministro de Portugal, mas do PS (na linha do impagável senhor Eduardo Cabrita). Ainda por cima com um passado que tornou a vir ao de cima e em breve o porá também fora do barco. Como não seria de esperar que corresse com o seu sacristão - peça preciosa da sua filigrana governativa. Sem ele Costa perderia a jóia do seu clube de sábios e honrados mestres joalheiros. Todavia, dou comigo a pensar se no fundo Costa não esfrega as mãos de contente porque, com esta choldra e descrédito consequente, vislumbra a UE mais próxima e a realização dos seus sonhos. Ainda por cima, sem ter de aturar os miseráveis e pobres dos portugueses. 

         - Zelensky exulta com mais um certeiro ataque ao exército russo, desta vez em Makiivka. Espero não seja um filme, como me dizia outro dia João Corregedor, quando lhe disse estar incomodado e revoltado com o filme apresentado pelos comentadores da SIC José Milhazes e Nuno Rogeiro, onde se via um oficial, de cacete a malhar e ao pontapé aos pobres soldados russos. “Não acredites – descansou-me o amigo – isso não passa de manobra dos americanos.” E acrescentou: “Ao que se diz o Rogeiro é pago pelos americanos e o Milhazes não te esqueças do que ele afirmava da Ucrânia ainda há meia dúzia de anos.”   

         - Contudo, quem não sai da ribalta trolaró, é a slot-machine Cristiano Ronaldo e a sua “famila”. O homem veio ao mundo unicamente para enriquecer e vai daí juntou-se ao tirano da Arábia Saudita, que lhe paga 500 milhões para fazer propaganda do país e jogar à bola depois de ter sido escorraçado de todos os clubes da Europa civilizada. Tanto dinheiro a juntar a outro tanto que já tinha, não lhe trouxe a paz e a realização aos seus dias. Pelo contrário, a acreditar no seu bando familiar de gafanhotos, aquilo anda tudo desconchavado e a mãe que é a única senhora daquele enxame, parece ter sido posta de lado. Parece-me que antevejo o seu fim: uma grande cama redonda coberta de dólares, os filhos a rebolarem-se neles julgando tratar-se de papéis de rebuçados, a espanhola mascarada de jóias, os telemóveis a gritar, e ele, indiferente e triste, já com artroses aqui e ali, a rever os anos em que de passagem foi o maior jogador do mundo. Aos pés da cama, homens vestidos de escuro, incentivando-o a aplicar a fortuna na roleta russa do resto da sua vida... Pobre homem que conheceu a pobreza e nada aprendeu com ela. Porque quem nunca foi pobre, mesmo num curto período da vida, nunca viveu. 

         - Tenho o salutar hábito de começar o ano fechado em casa para não perder o Concerto de Ano Novo de Viena d´Áustria. Este ano quase todo consagrado a originais, valsas e sobretudo polcas. E também ao sonho, revitalizando a memória das duas vezes em que assisti a deslumbrantes espectáculos na sala dourada da Filarmónica. Parece que deste modo entro no ano confortado, ligeiro, civilizado e feliz. 

         - Dia em pleno. De manhã, das nove às 12 horas, trabalhei no romance; após o almoço li as primeiras 50 páginas do livro traduzido e anotado por Frederico Lourenço, Evangelhos Apócrifos e ainda o Diário de Julien Green tendo chegado à página 210 das 1031. Trata-se de uma releitura, palavra a palavra, página a página, detestando saltar ou ler na diagonal este como qualquer outro livro. O texto dos Evangelhos ditos apócrifos, são de uma beleza de cortar a respiração. São textos de Tiago que estou certo, inspirado pelo Espírito Santo tal a simplicidade, a exposição dos factos que levaram Maria a conceber sem pecado original e ao nascimento de Jesus. Mas outro trabalho me esperava a que tinha de fazer face atendendo ao dia primaveril: recomeçar a roçar a erva daninha que cresceu desmesuradamente por todo o lado. Fiz duas horas cheias, tendo começado ao portão até à parte onde guardo a lenha. Não sei como, sem nenhuma dor lombar, a serenidade tão arredia de mim, veio ao meu encontro e labutei com prazer e alegria. Tomado o duche, seguiu-se um chá com dois scones. Que mais queres tu, pobre de Cristo! A fortuna do outro infeliz? Pitié, pitié


segunda-feira, janeiro 02, 2023

Segunda, 2 de Janeiro.

Não sei que espécie de rumor irá encher esta file ou documento que acabei de abrir e substitui o caderno vermelho ou preto ou bege onde anos a fio alinhei troços de palavras, que numa arca estão como sepultados à espera de um dia serem ressuscitados, murmúrios, revoltas, mas também o turíbulo que aspergiu os perfumes do tempo, onde amores aconteceram, alegrias íntimas perduraram, segredos pressagiados, loucuras arrebatadas, revoltas incontidas. A vida, a minha e a do tempo que me coube viver, com todos os acenos e presságios que lhe dão forma e conteúdo. Começar um novo ano é como voltar a nascer e partir do nada ao encontro do desconhecido, o coração cheio de esperança, o cérebro incendiado de vontade de ir mais além, descobrir o lugar de santificação ou perdição. Não esperar nada para que a surpresa, o arrebatamento, a riqueza de cada instante, seja a recompensa de nunca ambicionar se não o fio de luz que desce do céu e nos envolve de paz, alegria e transcendência. 

          - Sábado, dia 31, por volta das 9 horas e trinta e quatro minutos, morreu, aos 95 anos, o Papa Bento XVI. Pouco antes de falecer, murmurou: “Senhor, amo-te.” 

Eu sempre tive por ele grande estima. Admirava a sua inteligência, acuidade intelectual, sobriedade e firmeza das suas opções teológicas. Uma vez, estando em Roma hospedado numa casa religiosa no Vaticano, foi-me oferecido um bilhete para assistir na capela anexa à Basílica, a missa presidida por Ratzinger. Fiquei muito perto de sua Santidade e pude observar o movimento do seu olhar, a tonalidade da voz, o sorriso tímido e de toda a sua figura partia um acolhimento que parecia distante, mas que nos tocava profundamente. A pequena capela estaria por metade e os poucos convidados experimentaram ter o Papa, como direi, só para si na intimidade da oração. 

         - José Sócrates a convite de Lula da Silva, foi assistir à tomada de posse como Presidente do Brasil. Les beaux esprits se rencontrent.  

         - Ontem, na passagem de ano, violenta tempestade com chuva forte, relâmpagos e trovões a sacudir a terra. Pelo Norte foi pior, obrigando ao cancelamento das festividades de fim de ano.