terça-feira, janeiro 10, 2023

Terça, 10.

Acho que Lula da Silva tem imensos telhados de vidro, mas isso não me impede de repudiar o golpe de Estado à maneira de Trump e do PREC, quando a Assembleia da República foi ocupada. Actos desta envergadura, anti-democráticos e terroristas, levados a cabo por energúmenos manipulados, são atentados que põem em perigo os regimes democráticos e ensaios para os que na sombra os incentivam. 

         - Felizmente na Foz não houve nenhuma tragédia. O Porto e toda a Baixa, S. Bento e Fontainhas, sofreram prejuízos enormes com a água que corria em cachão destruindo tudo à sua passagem. Durante dois dias, as chuvas abundantes deixaram irreconhecida a estação de S. Bento, o metro, os Aliados. A fúria da natureza cobra em desaires os lucros excessivos de construtores e autarcas, para quem estruturar o habitat humano é apenas um acto urbanístico e um número traduzido em cifrões e votos nas urnas. 

         - Muitas vezes não mereço um dia de vida. Queixo-me por uma simples noite mal dormida e esqueço-me dos meses seguidos em que descanso sete horas a fio. Como aconteceu ontem e hoje. Tendo-me deitado pelas 23,00, horas, acordei às oito do dia seguinte. E mesmo assim, no aconchego do edredão, ligada a TSF, ainda fiquei uma hora suplementar, naquele doce faz que dorme, onde todas as boas novas descem do céu em catadupa.  

         - O filme Os Anos Super 8 montado a partir de muitas fases da vida da escritora Annie Hernaux (prémio Nobel deste ano) e do marido Philippe, filmadas com a célebre máquina dos anos Sessenta, montado pelo filho do casal, na versão que vemos com agrado e nos mergulha numa certa nostalgia que nos arrasta para a obra de Marcel Proust, A la Recherche du Temps Perdu. O registo dos diversos filmes que acompanham a vida do casal Hernaux e a formação física e humana dos dois filhos, é invadido pelo texto da escritora, como se de um livro de memórias se tratasse. Nota-se a partir de dada altura uma tensão vivencial, qualquer coisa que atrapalha a felicidade dos esposos, e se reflecte nas escolhas sociais e políticas, signos e sinais de um tempo, de um mundo em transformação, saído da II Grande Guerra, a par da gestação e definição de políticas que haveriam de marcar todo o século XX. O texto é muito belo, as imagens não são nenhuma obra de arte, mas o conjunto, amaciado pela sensibilidade da escritora, surge como uma obra onde se imiscui camadas de silêncios, sobrepostos, como um grande magma que a linguagem absorve e os olhos abraçam. 

         - Somos como somos ou como a cultura (ou a falta dela) nos fez? Três exemplos. Levei tempo a perceber que o autocarro 727 (um entre tantos), formado por três dígitos, e pronunciado por todo o lisboeta apenas “o 27” e deste modo andei a rabiar em busca daquele que tem na placa bem explícito os três algarismos. Com o cinema deu-se a mesma coisa. No jornal e às pessoas na Av. de Roma  a quem perguntava onde ficava o cinema Alvalade, todas me indicavam a direcção certa, mas com um pequeno detalhe que faz toda a diferença: eu via em letras luminosas Cinema City. É certo que estava em Alvalade, mas andei que tempos a danar-me à procura do Cinema com o nome do bairro lisboeta. Enfim, constatada a denominação, entrei e dirigi-me à bilheteira. Pouca ou nenhuma gente na vasta sala-café onde três empregados espreguiçavam sem clientela. Como entretanto não visse a bilheteira abrir, dirigi-me à rapariga que estava a servir café ao primeiro cliente e perguntei-lhe a que horas começava a funcionar a bilheteira. “A bilheteira é aqui” – diz-me com naturalidade. E como se estivesse a registar um café, saiu da máquina aos gritos o bilhete com direito a escolha de lugar. Que não era preciso, pois a assistir à sessão estava eu e uma senhora. 

         - Qual é o escândalo de hoje? Sim, porque tem para nossa tristeza de haver um ladrão qualquer escondido debaixo da mesa do gabinete camarário ou ministerial todos os dias. Fala depressa, homem de Deus. Aqui vai, aqui vai. Desta vez, com um tal Miguel Reis, presidente da Câmara de Espinho, socialista pois então!, foram detidos três empresários e um funcionário da autarquia, acusados de corrupção, abuso de poder, prevaricação e tráfico de influências. O costume.