sábado, abril 30, 2016

Sábado, 30.
O jornal Púbico dizia outro dia que com a chegada da troika a Portugal, partiram para os paraísos fiscais 10 mil milhões de euros! O Estado, este e todos os outros, têm os montantes, os nomes das firmas e dos particulares, e nada fazem. Primeiro, porque muitos dos que fogem ao fisco e possuem dinheiro do crime, são políticos; segundo, porque é mais fácil aplicar programas de austeridade sobre o povo indefeso, que atacar os prevaricadores. Até quando? Por mim, enquanto o estado de coisas for este, nunca deixarei de apoiar os tumultos, as revoltas, a exigência de salários elevados, de reformas dignas, de saúde pública e educação condignas, e se preciso for correr pela força esta canalha que anda à solta porque crê que o povo é sereno. 

            - O escritor é um universo que não se franqueia facilmente.


         - Esta ideia de juntar na estrada bicicletas e automóveis e assim querer pôr ambos em harmonia como nos tempos em que a carroça viajava a par das duas rodas, parece-me uma idiotice. Eu acho que faz mais sentido construir ciclobornos para os amantes dos velocípedes, que juntá-los num despique perigoso. Na estrada são dois inimigos que se desafiam, sendo certo que é o ciclista que perde. Sujeitar uma fila de automobilistas à velocidade dos condutores de bicicletas não faz sentido. Mas neste como em tantos outros domínios, é a moda com os seus animadores de serviço que impõe as regas.

sexta-feira, abril 29, 2016

Sexta, 29.
Todo o dia de ontem não larguei a roçadora. A Piedade que esteve cá em casa, foi alertar-me para o esforço de andar horas, sob sol já escaldante, a roçar o mato que as chuvas contínuas trouxeram. Hoje, mais calmo, alagado das palavras e dos sentimentos que me acudiam à memória plasmados nas páginas de Matmatu que estou a rever e só o Simão conhece, dediquei a manhã ao corte e costura. Não sei o que dirão os editores. Uma coisa é certa: a três anos da sua conclusão, o que leio parece-me muito bom. O romance é complexo, denso, obriga o leitor a grande atenção, mas penso que as suas páginas são tocadas pela magia da escrita. Deixo-vos este fragmento do final do capítulo em que o protagonista, o médico de Medicina Interna, Peter de Santa Clara, recorda o amor perdido.  


Do lugar que acolheu o meu corpo fatigado, acordei vastas vezes com o barulho dos passos dos guardas na sua ronda nocturna. Numa das vezes vieram acomodar-se nas cadeiras ao lado do canapé, fumando e falando sobre as suas experiências sexuais. Um deles, pelo que percebi, era casado, o outro casava e descasava conforme as oportunidades. Não tenho coragem de contar o que escutei e ainda agora coro só de recordar o que os meus ouvidos retiveram sem querer. Uma coisa devo adiantar: nenhuma das situações descritas, foi tocada pela luz do amor. Aqueles seres de porte impressionante e arrogância física, eram afinal dois escravos dos desejos firmados na dependência obsessiva que trazia a marca da solidão instalada no corpo e alastrada à alma. Quem ama é prudente, reservado, vive de algum modo suspenso de um perpétuo movimento ascendente, paira lá longe nas colinas dos murmúrios, confunde o tempo, multiplica os espelhos de água, arde no timbre do silêncio, sofre na alegria. Pessoalmente, depois de tantos dias de calvário, sinto que desprezando-te me encontro mais próximo de ti. Não gostava de morrer e deixar interrompido um amor que não encontra paralelo senão em duas vidas que se separaram e apartando-se se unem para a eternidade. Os seres que amei antes de ti, estão estigmatizados em mim através de ti. Tenho saudades de todos por teu intermédio.
"O moço de Palmela" cortou o cabelo   

quarta-feira, abril 27, 2016

Quarta, 27.
Para que a vida não seja a desventura de ontem, nada melhor que pensar na conversa que tivemos à mesa da Brasileira. Eu fui o primeiro a chegar de entre os artistas que não faltam à manhã desfraldada de compromissos, num total de sete. Como se sabe, entre gente delirante e sem preconceitos, a liberdade é o ponto de união não só da vida palpável como da narrativa inventiva, infinitamente mais assustadora e conciliadora porque rasga os padrões onde a história individual e colectiva assenta. Naquela tertúlia não há tema, epígrafe ou agenda. Ali a desordem, a improvisação, os delírios tanto podem chegar do fundo da porta aberta para a praça, como nas asas de uma noite mal dormida, uma indigestão, um arroto de azia. Ontem falou-se de dimensões. Tudo porque o Gordilho que fora operado ao estômago e ficara livre de um carcinoma, afirmava que passara a mictar não para a sanita, como seria próprio de uma pessoa civilizada, mas para a rua devido não só ao jacto como à dimensão do instrumento que segundo ele crescera com a corroboração, decerto feliz, da mulher e ainda a afirmação a semana passada do médico segundo o qual a coisa “ainda vai crescer mais”. Gargalhada geral e pipios para o lado. Acode o António Carmo com histórias passadas na Guiné onde ele fez o serviço militar. Conta ele que aí havia concursos entre brancos e pretos, e eram os africanos que levavam a palma sobre os invasores de pífaros enferrujados. Entra depois o Vergílio que introduz na conversa uma mulher, no caso a escultora Dorita Castel-Branco que eu conheci muito bem e com quem privei bastante, e que engatou o escultor octogenário. Com ela tudo devia estar no sítio e em evidência. Saltam para liça os fadistas com um chorrilho deles amancebados com outros, todos em início de carreira, mas já com uma folha comprida de desgastes no polo sul. Entro eu e digo o que ouvi na rádio e vem fazendo o gozo de uns e as delícias de outros. Conforme os cómicos da RFM corre um vídeo no youtube com casal a fazer sexo numa estação de metro em Barcelona. O que surpreende e põe todo o mundo de olho inchado, é o tamanho da máquina do homem que não se mede aos centímetros, mas a metro. Grande melopeia sobre o que se passará entre eles, como é que a coisa funciona, que sente a mulher, etc. etc. No final todos concluíram que não há “como algo pequenino, alegre e saltitante” e deste modo nos separámos com um tema recheado de filosofia serpenteante para nos embelezar as mentes e confortados com aquilo que Deus nos deu.  Deo gratias.


         - Desordem em Cabo Verde, a primeira ilha que aceitou a democracia e a ela se grudou. As notícias são ainda escassas, e o que se sabe é que morreram onze pessoas. Narcotráfico? Rebelião política? Militar? Uma investigação está em curso.   

terça-feira, abril 26, 2016

Terça, 26.
Ontem, enquanto Brezhnev cortava os troncos dos arbustos em volta da quinta, eu, chapéu de palha na cabeça, protectores auriculares, luvas e roçadora, atacava o mato que cobriu completamente o jardim. Pelo meio-dia intervalei para fazer o almoço para ambos. Sempre que ele cá vem, tenho gosto em o sentar à mesa comigo na cozinha e por uma hora servi-lo, ouvir as suas histórias contadas num português arranhado e acompanhado do seu constante largo sorriso. Disse-lhe que parecia um actor de cinema austríaco e não um russo das terras e mares do capitalismo soviético. Riu-se por uma hora e ao correr da tarde, logo que me via por perto, tornava: “Eu sou actor austrico!” O dia neste remansoso rumor de máquinas, riso, conversa vadia, acabou por ser uma bênção descida do céu mais o sol, enfim, derramado no campo. Pena que com tantos afazeres, não pudesse aceitar o convite do Simão para um almoço em Costa de Caparica.  


         - Embarquei no barco do Barreiro às 8,30. Um quarto de hora depois chegava à Praça do Comércio para subir a penates até à Brasileira onde me aguardavam os meus amigos e dali fui ao encontro do Carlos, ao Campo Pequeno, para um almoço frugal no seu agradável B & B, preparado pela empregada nepalesa e servido no jardim das traseiras. Segui depois para o dentista onde me esperava um tormento de mais de uma hora. Primeiro com um médico que me retirou o nervo de um dente e logo a seguir uma médica que me limpou em profundidade e com anestesia o tártaro encrustado nas gengivas. No final, não me tendo sacado nenhum dente, extraíram-me mais 220 euros e vim para casa com o queixal inferior idêntico ao da Angelina Jolie, mas morto e incapaz para beijocas apaixonadas. Bom. Felicíssima notte caro Helder de Sousa que bem mereces e para os leitores que não se riram e até sofreram com o meu desgraçado dia.

segunda-feira, abril 25, 2016

Segunda, 25.
George Sand sabe do que fala. Por isso, aconselho aos aspirantes a casados, ou a essas donzelas extremosas que adoram garrotear, ou aos sacerdotes que não tendo escolhido o casamento a exemplo de Jesus Cristo, mas o impingem por conveniência, leiam com atenção estas máximas de sobreaviso:

Le malheur est que, dans  la vie conjugale, les bonnes résolutions viennent presque toujours après les événements qui les ont rendues vaines.
ou
Ce qu´il a de plus coupable dans le mariage, ce n´est pas l´adultère, c´est le reniement.
ou

La maternité a d´ineffables délices, mais, soit par l´amour, soit par le mariage, il faut l´acheter à un prix que je ne conseillerai jamais à personne d´y mettre.