Sábado, 23.
Tendo ido ao barbeiro, gozei intimamente
por não ter aberto a boca para entreter o técnico com respostas moles e inúteis.
O salão, inundado de “treinadores de bancada”, fez o serviço por mim.
Estou-lhes grato e comungo inteiramente com tudo o que disseram e até dos
palavrões que dirigiram a jogadores e directores desportivos. A “ciência”
desportiva é um mundo inesgotável de verborreia e descargas psicológicas
aterradoras.
- Outro dia o Corregedor que não dorme na forma, deixou-me o último
número da velha revista da resistência ao fascismo, Seara Nova, hoje propriedade da Intervenção Democrática que ele
dirige. A capa reproduz um bom trabalho do Carlos Rocha Pinto que eu julgava
acabado para a pintura, mas que o João quer discretamente incentivá-lo oferecendo-lhe
aquela oportunidade. Aqui está um gesto nobre que tem tudo a ver com a geração
que saiu dos tempos difíceis da última Grande Guerra.
- Outro dia, aquele “artista” que nos saiu ao caminho, tratava o
Corregedor por comendador e ele farto de descer de categoria: ”Ó homem não me
trate por comendador eu sou Corregedor!” De facto, com efeito! Eu também
preferia ser corregedor a comendador. Cavaco Silva fazia de qualquer amigalhaço
um comendador e fez muitos, agora corregedor...
- A propósito, eu não nego que tenho uma
estima estético-saudosa por aqueles velhos comunistas de antanho. No caso do
João Corregedor da Fonseca, somos velhos amigos de há várias décadas, mas hoje
junto à nossa amizade uns pozinhos de ternura. Porque ele está intacto de
tradições, filosofia de vida, crença nos ideais revolucionários, nas paixões
sociais e sindicais, nas raivas, nos pequenos ódios que não beliscam, nos
ímpetos que o exaltam, no vómito das raivas antigas, como se o tempo fosse uma
joia sem preço e, por isso, frágil e sólido capaz de transformar a sociedade
com o brilho que cintila quando o sol lhe bate em cheio. O facto de ter ocupado
altos cargos, não o mudou em nada. Ele vive a cem à hora, na pressa de levar a
carta a Garcia. No caso a mensagem revolucionária que parece sempre nova mesmo
que os seus tópicos sejam velhos de um século e a música jorre de um vetusto Steinway.
Ali, à mesa do café, quando nos preparávamos para debandar, ele entregou a cada
um de nós uma folha que narra com o mesmo ímpeto de há 40 anos, o “Apelo à
participação” nas Comemorações Populares do 42º Aniversário do 25 de Abril, com
a indicação de “não faltem”. O conteúdo das quatro páginas, é o mesmo que conhecemos
depois da instauração da democracia, mas isso pouco importa posto que a
democracia popular ainda não foi implementada e persiste como alvo a atingir. Defender
Abril é persistir no sonho da sociedade sem classes, na destruição da sociedade
de consumo, na aplicação da doutrina marxista-leninista que toma por enquanto o
bastião da defesa da Constituição.
- A indústria automóvel que sempre se esteve nas tintas para o Planeta e
não aprendeu nada com os crimes da Volkswagen, está de novo na ribalta. Desta
vez, uma série de marcas aldrabou o fabrico de vários modelos, induzindo os
condutores de determinado consumo quando na realidade gastam muito mais. Não se
pode confiar em alguém, privado ou público, individual ou colectivo, cuja
principal obsessão na vida é ganhar dinheiro.