terça-feira, outubro 31, 2023

Terça, 31.

Não estou de acordo com António Barreto em muitas das afirmações que ele fez sábado passado na sua página do Público sobre a “frase infeliz” de Guterres e a guerra israelo-palestiniana. Suponho que o secretário-geral da ONU, foi suficiente claro quando no preâmbulo afirmou a condenação inequívoca pela a morte e retenção de reféns israelitas. Depois, contextualizou o acontecimento, e disse o que toda a gente vai dizendo em manifestações por todo o mundo: o exagero e ódio pelas mortes inocentes de palestinianos. Aquele horror, mais não é que a vingança do HAMAS por tudo quanto o povo palestiniano tem sofrido durante meio século, às mãos de um país que o subjugou pela força, a pobreza, o subdesenvolvimento e a prisão a céu aberto. Sucessivos governos israelitas, fizeram tudo para marginalizar e desprezar os dois milhões de humanos retidos naquela língua de terra que sempre foi sua. Mais adiante: “O massacre de 7 de Outubro não tem justificação nem desculpa. É um acto de pura agressão e de mortandade. Como tal tem de ser julgado. A responsabilidade não é de 100 anos de pobreza palestiniana, nem de 50 de colonatos. É, sim, das escolhas e das decisões dos dirigentes do HAMAS e dos seus aliados.” Dá para entender? Não dá. Então e quando, anos a fio, Israel foi construindo colonatos, isto é, foi dominando território que não lhe pertencia, sempre em escaramuças com os palestinianos, barrando-lhes o caminho, retendo-os em pequenas prisões como as que existem na Cisjordânia e que tanta chatice causaram já no tempo de Arafat! António Barreto barricou-se numa fórmula muito simples que sustenta a sua argumentação: a democracia. “Israel está mais do lado da liberdade e da democracia do que os outros países seus rivais, adversários e inimigos.” É verdade. Todavia, não há comparação possível, porque eles não são nem nunca foram uma democracia. Como a Rússia, a China, a Coreia do Norte, Síria, Irão e alguns mais não são. E que os próprios israelitas, muitas vezes, puseram em dúvida a liberdade que os seus governos, sobretudo, o de Bibi lhes roubaram e onde a supremacia da religião se sobrepôs ao Estado. Só espero que depois desta chacina, ainda restem palestinianos suficientes para viverem com dignidade  e liberdade, num Estado livre e soberano, numa terra que os seus antepassados palmearam e os seus vindouros possam habitar com tranquilidade e progresso. Como nota final: se querem destituir António Guterres, comecem pelo seu primeiro-ministro Benjamim Netanyahu. E se querem perceber que tipo de democracia e liberdade se pratica em Israel, leiam o artigo de Bárbara Reis e têm o “retrato da democracia liberal de Israel em dez miniaturas”. 

         - Entretanto, por cá, desceram às ruas uns quantos cidadãos capitaneados pelo PCP e BE. Gritam pela paz, a mesma paz que eles desejam para a Ucrânia, isto é, que o HAMAS continue a utilizar os inocentes como carne para canhão. A exemplo do que faz Putin com os mancebos russos.  

         - O país dourado do patrão António Costa, fez greve nacional da função pública a que se juntaram os médicos, agora os enfermeiros, como se o SNS criado pelo socialista (quando os havia e bons e honestos e devotados à causa pública) Dr. Arnaud esteja moribundo e ninguém interessado em o tratar. São impressionantes os oito anos de governação Costa! Tudo ruiu, ficou pobretanas, medíocre, estudado por baixo, ao nível da pobreza salazarista, com propaganda grosseira, tratando os portugueses por imbecis e mentecaptos e o dinheiro dos nossos insuportáveis impostos despachado à frente das ideologias, malbarato em negociatas que um dia se saberá a quem beneficiaram.  

         - Ontem, diz a imprensa e a televisão, o sindicato dos médicos esteve até às duas da madrugada a discutir com o ministro como sair do impasse que opõe um e outro e já dura há vários meses com prejuízos para os utentes. Eu gostava de ser mosca para ver como se desenrolam aquelas torturas palradoras. Os médicos querem 30% de aumento salarial, recusam fazer 40 horas semanais de trabalho, enquanto os seus concidadãos vivem com reformas miseráveis, ordenados míseros, os aumentos propostos são na ordem de 3% e laboram 40 horas semanais sem apelo nem agravo. Este alheamento de quem não olha para o lado e pretende seguir em frente indiferente ao que se passa à sua volta, é revoltante. Como é revoltante a disparidade de mordomias e salários entre os radicais partidários - deputados, ministros, secretários, gestores – num país pobre, distraído de propósito com o futebol, e grato pelas esmolas que os socialista inventaram para terem o povo humilhado na mão. 

         - Reli e corrigi as primeiras 10 páginas da primeira parte do romance. A partir da quinta página, a história parece ter entrado nos carris romanescos e lê-se em corrido, sem esforço, como quem ouve uma narrativa verdadeira. Talvez refaça o começo de forma a imprimir o ritmo que julgo existir mais adiante. 

         - Ontem fui encontrar-me com o João e demais habitués na Brasileira. João deu-me a ler o artigo do Expresso sobre a Teresa Magalhães e o Alexandre mostrou-nos um vídeo do grupo de colegas do filho, músicos, que à noite, na basílica da Estrela, tocaram uma peça de Bach em honra da mãe. Eu saí muito antes ignorando o acontecimento. Sim, foi bonito, não há dúvida. Mas mais bonito teria sido se eu tivesse visto no lar onde a pintora esteve em sofrimento quase todo este ano, a levar-lhe carinho e palavras de consolação. Eu ia lá praticamente todas as semanas, e nunca vi uma alma no quarto onde Teresa estava desfeita em sofrimento. Ali, evidentemente, tratava-se de um acto social e, portanto, de supremo cinismo. Que Deus te tenha, Teresa. Agora és senhora de tudo a que nunca tiveste acesso. 

         - Apanhei o resto das romãs de todas as árvores. A última chuva apodreceu algumas. As oliveiras não podem, derreadas, de tanta azeitona – um crime estimulado pela nossa protectora UE.  


domingo, outubro 29, 2023

 

Domingo, 29.

Mais um criminoso atentado nos Estados Unidos. O autor um jovem que apareceu morto mais tarde e liquidou dezoito pessoas de uma vez só no estado do Maine, onde Yourcenar viveu com a sua companheira. Logo se levantou um coro de vozes contra o uso e porte de armas que ninguém consegue suprimir, mas todos dizem ser urgente fazê-lo. À excepção de Trump que sempre se mostrou a favor, todos os outros e ainda por cima democratas, não impõem a lei aos muitos interesses e negócios relacionados com a venda livre de armas para uso pessoal. 

         - Um violento tufão varreu o México deixando Acapulco, a famosa estância de veraneio, num monte de sucata como se a guerra por ali tivesse passado. O mar aparenta estar como sempre os habitantes locais o conheceram, tudo o resto ficou reduzido a um enorme amontoado de destroços.   

         - Israel intensificou os ataques a Gaza. Sob hipocrisias, silêncios, promessas e falsos argumentos, os Estados Unidos e a Europa vão consentindo o massacre do povo palestino. Se o ataque terrorista do HAMAS matou sem escolha centenas de israelitas, o governo do corrupto Benjamim Netanyahu tem em vista o desaparecimento de toda a martirizada população da Faixa de Gaza que nunca viveu em paz. Nem os jornalistas escapam. Pelo menos 22 foram mortos numa guerra desumana e plena de ódio. 

         - Também não é bom olvidar que os actuais que tanto opróbrio sofrem e se tornaram déspotas e sanguinários, são produto das políticas dos Estados Unidos levadas a cabo por George Bush e recentemente por Biden quando abandonou o Afeganistão deixando-o entregue a terroristas. Depois, francamente, não se percebe como podem uns serem levados ao Tribunal Internacional dos Direitos Humanos (caso do ditador Putin), quando os israelitas estão a fazer rigorosamente o mesmo aos palestinianos. É por estas e muitas outras, que temos de ser nós a ensinar aos governantes o sentido humano e jurídico da vida. Daí as enchentes de gente nas ruas reclamando pelos inocentes que morrem como tordos sob a tirania de Telavive: Espanha, França, Reino Unido, Alemanha, Itália, Nova Iorque, Malásia, Turquia, Iraque, Nova Zelândia,  apesar de terem sido proibidas (França e Alemanha) os cidadãos com fins não convergentes, saíram à rua para reclamar a paz e o direito a viver dos milhares de palestinianos. Em Portugal, alienado pelo futebol a vulgaridade da sua existência, ninguém se manifesta. Sim, alguns articulistas fazem-no, embora eu não esteja de acordo com o que afirmam. Mas disso ocupar-me-ei amanhã. 

         - Como tenho imensos medronhos, optei por fazer uma tarte. Tinha um resto de farinha com 400 anos, e quando o abrir o pacote, voaram borboletas. Para não desperdiçar e lembrando-me que qualquer palestiniano a aproveitaria, fiz o doce que ficou com o aspecto que a foto documenta e eu provei ao almoço com o café. Agora, saboreada formusura, estou à espera do seu resultado na minha saúde, mas até agora (16,30h) nada buliu na ronceirice do meu bravo estômago. Um rapaz assim dotado, quem o levar, leva um tesouro! Ainda por cima economicozinho...




quinta-feira, outubro 26, 2023

Quinta, 26.

Estou inteiramente de acordo com António Guterres. De resto, eu próprio aqui me tinha expressado de igual modo (ver sexta, 13). O que disse Guterres é do senso comum: “O povo palestiniano foi sujeito a 56 anos de ocupação sufocante.” Logo o embaixador de Israel nas Nações Unidas se levantou a pedir a demissão do secretário-geral da ONU, apoiado as palavras de Guterres quando disse que o HAMAS “não surgiu do nada”. A contextualização de António Guterres é corretíssima.  

         - Ontem fui com os Fonseca, a Leonor ao volante, a Vila Franca de Xira. Objectivo: ver a exposição da obra de Querubim Lapa no museu do Neo-Realismo. Sobre aquela e este, pouco tenho a dizer. Nunca me interessou o período neo-realista, à parte, talvez, os Esteiros, porque se circunscreveu demasiado às circunstâncias políticas e muito ao PCP. Não vejo sinceramente nenhum rasgo artístico numa obra que se propôs ser denunciadora do Estado Novo e, portanto, sabemo-lo hoje substituível facilmente por outro de idênticas promessas, mas de substância prática igualmente condenável. Os trabalhos expostos, não nos atraem porque nos oferecem apenas o instante que se evapora no drama e na pobreza, na miséria e no fluxo que regista um combate que se veio a revelar um logro assustador. Tecnicamente também não vislumbrei nada de novo, a matriz lúgubre a encher os espaços da tela, as personagens saídas de um mundo assustador, espécie de arte denunciadora que sabe de que lado está quem tudo apostou na fantasia político-social. O período da Revolução, tendo à frente o general Vasco Gonçalves, veio trazer ao Neo-Realismo uma assombração que o paralisou e o fechou à modernidade. E com ele aquela pobreza de cor, aquele esteticismo, que converge o  olhar para uma sombra embrulhada na dor, em tons de cinza, escuros, tétricos, sem rasgo criativo, tendo por base apenas a denuncia de uma época de facto sinistra. Mas depois, fechado o olhar, o que nos resta? Para os que resistiram à morte, o confronto entre o ideologicamente propalado e a realidade nua e crua de que a ideologia domina o homem transformando-o no objecto de muitos e variados crimes. 

O aguadeiro, 1954

Autoretrato 

A acrescentar a isto, desenvolve-se por toda a informação espalhada pelo museu, uma espécie de novo-riquismo da língua, um patuá armado ao culto, ao sabichão, que me perguntei inúmeras vezes quantos dos seus visitantes conseguiram decifrar o seu conteúdo. Aqui um exemplo. 

  

         - E com efeito. O museu, não sendo uma originalidade arquitectural, é uma peça arquitectónica que nos surpreende. Tem a assinatura do arquitecto Alcino Soutino e data de 2007. A sua volumetria é interessante e o interior concebido para expor com dignidade as obras; possui a dinâmica de passagem que corresponde à sua dimensão. Suponho que possui quatro pisos, com grandes espaços expositivos, onde circulamos com agrado e dão forma e visibilidade ao circuito interno da visita. A recepção é magnífica, com pessoal amável e, sobretudo, magnífica apresentação da literatura museológica como cartazes, folhetos, livros agradavelmente paginados com arte e sabedoria. Se tivesse sido inserido num jardim vasto que o salientasse, seria ele próprio a obra de arte por excelência. Assim como está, encafuado num aglomerado de casas feias, ruas estreitas, e urbanismo desequilibrado morre e desaparece consumido pelo cinzento que o reduz a um mero edifício abandonado à sua sorte. 

         - Como toda a cidade. Governada pelos comunistas durante décadas (as últimas eleições puseram no poder os socialistas), é a imagem que o poder local exprime quando ao seu leme estão autarcas com pouca cultura, sensibilidade e grosseiros modos de ver o erário público. Toda a cidade é feia, mal elaborada, onde ruas e edifícios dão a imagem de um imenso bidonville, vegetando por aqui e por ali, numa azáfama de labirintos à escala desumana, toda uma população que a vive quando chega exausta para dormir e, por isso, não pode amá-la e ser feliz dentro dos seus muros. Um horror! Eu se tivesse de ali morar e viver, morreria antecipadamente de mágoa, solidão, tortura e revolta. 


terça-feira, outubro 24, 2023

Terça, 24.

Já morreram para cima de 5000 palestinianos em ataques israelitas. Destes 2100 eram crianças e 1130 mulheres e para cima de 15000 pessoas ficaram feridas, segundo o Ministério da Saúde de Gaza. Do lado do HAMAS, houve ontem um gesto de humanidade a provar que os tipos não são selvagens de todo: libertaram duas senhoras idosas e doentes. Talvez estes pequenos gestos sejam os primeiros contributos para a paz. Tenhamos esperança. E façamos votos para que o fanatismo de Netanyahu não continue a expandir-se como está acontecer na Cisjordânia. Pessoalmente, tenho uma visão ambivalente sobre o conflito. Historicamente sou a favor de dois Estados independentes e não consinto que um tenha domínio sobre o outro. Admito que a agressão a Israel foi um acto terrorista, mas não me conformo com o ódio que se expandiu por todo o país contra os palestinianos que foram massacrados durante mais de meio século pelos judeus. Tenho simpatia por estes árabes abandonados à sua sorte, dominados pelo HAMAS, mortos por Israel às ordens de Benjamim Netanyahu. São mártires hoje como foram na guerra que se seguiu, ainda sob o domínio britânico, onde faleceram 700 mil palestinianos. Também não ignoro o coro de anti-semitismo que corre a Europa e só temo que volte aquele abominável slogan do período nazi: “Os judeus são os ratos da humanidade.” 

         - Maravilhoso encontro ao almoço num restaurante do Rossio com a minha amiga Maria de Lurdes. Que prazer a nossa aprazível conversa calma, reflectida, em torno da política que hoje nos governa. Os pontos em sintonia foram muitos e como ela está no mundo empresarial conclui, por arrasto, que todos os seus colegas têm a mesma forma de olhar o abismo em que mergulhámos. 

         - O Presidente da República promulgou os decretos sobre a dedicação plena dos médicos no Serviço Nacional de Saúde, assim como a criação das unidades locais de saúde. Contudo, disse que o fazia sob inúmeras “dúvidas e reticências” acerca da legislação Quando o Chefe de Estado diz ter decretado apenas para não adiar “o já atrasado”, que pensarão os clínicos e povo português. 

         - Ontem, quedamente na Fnac, revendo o final da primeira parte do romance, acrescentei mais uma página que penso dará o mote para a segunda parte no rasgo obsessivo de Ana Boavida. 

          - Fui fazer meia hora de natação. Tempo outonal. Arrebanhamento de memórias tristes, superlativos gritos surdos a lançar no espaço fermentações de amargura. Só em Deus encontramos refúgio.   


segunda-feira, outubro 23, 2023

Segunda, 23.

Apenas um flache rápido. O governo de Costa, pressionado pela opinião pública, dissolveu o sinistro SEF quando da morte bárbara de Ihor Homenyuk, em 2021. Novo organismo foi criado para o substituir, mas... sem estatutos nem sede. Que riqueza viver neste país à beira-mar plantado. Sou tão feliz aqui, que dou comigo a rir noite e dia até ao sufoco. 

         - Encontrei este cartaz numa paragem de autocarro. Pelos nomes dos artistas, dir-se-ia saídos do manicómio. Mas, não. Não conhecendo nenhum deles, sou levado a concluir que se trata de uma banda evadido do inferno. 

         - Apanhei um cabaz de azeitonas que a Piedade irá curtir para consumo ao longo do ano. Tenho meia-dúzia de oliveiras que nunca carregaram tanto como este ano. Se a nossa estimada UE não tivesse acabado com os lagares, eu iria entregá-las e tinha azeite para o ano inteiro. Como acontecia quando só tinha uma árvore centenária e os meus cinquenta por cento de azeitona me eram traduzidos em dois garrafões de excelente azeite. Bons tempos de antes da União Europeia.  


domingo, outubro 22, 2023

Domingo, 22.

Fui assistir à missa na igreja do Bonfim, em Setúbal, pela Teresa Magalhães. O pequeno e belo templo estava composto, mas sem os fiéis de um domingo normal, devido talvez ao tempo desagradável. Ontem, reclinei-me em modesta oração diante do seu corpo e devo ter sido o único, esperando assim que tenha sido ouvido. Porque os que apareceram não vieram por ela, mas por eles próprios. O brouhaha na entrada e mesmo dentro da capela, era contínuo. Como se se tratasse de um acontecimento mundano a que acorrem artistas, músicos, deputados, estilistas e eis-ministros. Assim que pude, debandei. Aquele não é o meu mundo, e não são os meus amigos. Burrrr! Antes morrer só.   

         - Ontem no mercado dos pequenos agricultores, refilei com a minha vendedeira habitual por vender o alho a 6 euros o quilo! Costa diz que o custo de vida desceu porque, qual excelência internacional, não vai às compras como o comum dos mortais. Então ela, atira: “Não se lamente porque você é rico. – Já me contou o dinheiro? – Nem preciso, basta olhar para si. – Como assim, insisto. – Você tem bom ar de pessoa rica.”

         - A carteira é o único objecto que cobre a nudez do corpo nas sociedades de consumo.

         - “A democracia está coxa com a actual abstenção” - diz Ferro Rodrigues. Dito de outro modo, as pessoas que sofrem deste mal são incapazes e diminuídas. Se sua excelência me permite, esta comparação é idiota e ofensiva. Mas vinda de um socialista, não me admira. O seu camarada François Hollande, disse algo no género: “Os pobres são todos uns desdentados.” É o habitual desprezo socialista pelas pessoas, como se pode confrontar com aquela de António Costa taxar os automóveis dos pobres. (A propósito, um leitor mandou-me a petição sobre o assunto que eu não pude assinar, porque havia uma excessiva intromissão na minha vida pessoal.)

         - Vivemos num mundo onde a liberdade de criticar e comentar está a pouco e pouco a ser condenada. Olhe-se o caso do director irlandês da Web Summit, Paddy Cosgrave. O homem disse aquilo que eu digo: “Os crimes de guerra mesmo quando cometidos por aliados, devem ser denunciados pelo que são.” Referia-se ao conflito israelo-palestiniano. Verdade, verdadeira. Só que os EUA capitaneiam a opinião pública e os povos não foram ensinados a pensar - tendem a seguir os ditos arautos da liberdade. O acontecimento desenrola-se em Lisboa, mas os acólitos do costume: Amazon, Google, Meta (do Facebook), Instagram e WhatsApp cancelaram a presença. Tão democratas! 


sábado, outubro 21, 2023

Sábado, 21.

Ontem, naquela trapalhada da carteira deixada para trás no autocarro, tive mais uma vez o aviso que não devo abjurar dos jovens, apesar de muitos deles parecerem cretinos. Quando estava à espera do 727 que me trazia a “felicidade” de retorno, uma jovem rapariga, postada a meu lado para entrar no veiculo, quis dar-me prioridade. Disse-lhe que tinha perdido a carteira e não tinha dinheiro para pagar a viagem e estava ali a resolver o assunto. Logo a simpática disse abrindo o saco a tiracolo: “Se precisa eu pago-lhe o bilhete.” Fiquei sem fala, tolhido de comoção. 

         - Gosto, grosso modo, dos artigos de João Miguel Tavares e não resisto a transcrever este bocado de prosa saído hoje no Público. “A tragédia é esta: nunca uma sociedade profundamente dependente da redistribuição do dinheiro do Estado alguma vez se destacou pela sua dinâmica e pela capacidade de produzir riqueza. E, por isso, aquilo que António Costa alcançou é uma espécie de fórmula perfeita para a manutenção do statu quo da mediocridade. Um país responsavelmente remediado, eternamente agrilhoado à cauda da Europa, ultrapassado pela Roménia em PIB per capita, mas que se pode orgulhar de voltar a ser o bom aluno da Europa, e de até ter baixado a dívida pública da linha dos 100% do PIB.” Eu diria que a fórmula que António Costa criou, é de tal modo monstruosa que nos traz subjugados, humilhados e miseráveis, sem investimento nem estratégia, vivendo das esmolas que o poder da maioria distribui, como qualquer outro regime oligarca em que o Partido Socialista se tornou. Vivemos sob o domínio de um logro.  

         - À meia tarde, desloquei-me com o João Corregedor à Basílica da Estrela para o derradeiro adeus a nossa querida Teresa Magalhães. Que descanse em paz e a sua formidável obra artística fique a relembrá-la e a iluminar a tristeza da sua ausência. Deixei a reunião social pelas sete e acabei de chegar no comboio da noite apinhado gente.


sexta-feira, outubro 20, 2023

Sexta, 20.

Dia hediondo o de ontem. Fui como o agendado à consulta. À chegada à Avenida de Roma, uma tromba de água deixou-me completamente encharcado.  Apanhei o 727 para o Rato e quando desembarquei, outra monumental chuvada que tornou as ruas intransitáveis. Saltando pé ante pé para não me afundar nas poças, consegui refúgio na papelaria onde esperei um bom tempo que a coisa amainasse. Qual o quê! Outro remédio não tive que subir para a Estrela e um pouco antes descer a rua que me leva ao Centro de Saúde. A consulta foi rápida recusando eu como sempre medicamentos, vacinas e assim. Pobre da minha divina doutora Vera Martins que tem de aturar um doente tão chanfrado! De regresso ao Rato, enfiei-me no 1900 para almoçar e ver se a tempestade desaparecia. Puro engano. Valeu a refeição a um preço cordato e à minha maneira de comer: arroz de tomate com pataniscas de bacalhau, um fino, rematando café com um sonho, tudo por 11 euros. Ante o aspecto sinistro do dia, quis regressar imediatamente a este paraíso. Vai daí esperei pelo 727 uns dez minutos. Entrei atrapalhado com o guarda-chuva, a mochila, a carteira onde tenho o passe, todo molhado, irritado. À chegada ao Campo Pequeno, somos literalmente despejados, sem explicações, apenas que devíamos aguardar pelo próximo veículo.  fui pedir esclarecimentos ao motorista que estava a almoçar ao volante. Ligeira fricção entre nós e ordem de ir esperar o transporte para a Av. EUA. Fui. Quase meia hora depois, veio outro 727 que, enfim, me deixou na estação de comboios. Só que, só que. Quando deitei mão ao bolso das calças, não havia carteira. Pânico. Invocação divina. Paralisia. Sensação de ter sido atirado ao alto-mar. Depois acalmei e pus-me a pensar como poderia sair daquele sufoco. Pensei viajar sem bilhete porque, evidentemente, não possuía um tostão. Depois refiz todo o trajecto. Pensei quando deixei o restaurante se havia sido roubado sem dar por isso, e de súbito tive a nítida certeza que a carteira tinha tombado no autocarro quando da atrapalhação por que passei. Logo de seguida recordei-me que o João tinha passado por situação idêntica e telefonei-lhe. É ele que me dá todas as indicações: que voltasse ao início do percurso e aí tentasse falar com um motorista. Assim fiz. Este deu-me o número do telefone da Carris e fui atendido por um sujeito muito simpático que me informa ir contactar o condutor que eu indiquei. Quinze minutos decorridos, eis a resposta: “A carteira está na posse do motorista e o senhor deve aguardar aí pela sua chegada. Digo-lhe que deve demorar, pois ele está em Belém e com o temporal ainda pior.” Esperei como se costuma dizer sentado, pelo menos hora e meia. Ao fim da qual vejo chegar o autocarro com a chapa 1 fornecida pela Carris e quem vem nele, o homem com quem tinha tido a pequena caturrice. Diz-me de carteira na mão: “Pois é, a vida dá muita volta. Tá a ver!” Rejubilei. Verifiquei que nada tinha desaparecido: cartões bancários, passe, 60 euros, outros documentos. Estendi a mão de agradecimento com uma nota: “Você é uma pessoa decente, obrigado pela sua honestidade.” Dali corri ao Frutas Almeida onde o João me esperava com 200 euros de ajuda ao pobre coitado deixado pelo destino à sua sorte. Com ele fiquei até tarde à conversa. Bom amigo que em tudo pensou. E esta manhã, enviei um mail à Carris a honrá-la por ter funcionários daquele calibre e pedi-lhe que transmitisse o meu reconhecimento ao impecável homem. 

         - Como uma desgraça não vem só, pelas 18,30 recebo a triste notícia do falecimento da Teresa Magalhães. Ela tinha feito uma pneumonia no início da semana e transportada ao hospital de S. José onde chegou e ficou à entrada por não haver camas. Fiquei desfeito. E penso no filho que tanto ela estimava. 

         - Diz a propaganda que Portugal está entre os países onde o salário médio subiu mais que a inflação em dois anos. Alegram-se os patetas que já de si são alegres. Mas ninguém contextualiza o milagre socialista. Somos o país com mais baixos salários, com 11 mil pessoas sem abrigo (o dobro de há 4 anos), o salário mínimo mais baixo, greves de professores há dois anos, o SNS de pantanas, com os médicos e enfermeiros em greves quase diárias, a pobreza assustadora que não pára de crescer e podia ultrapassar os dois milhões se não fossem as esmolas que sua excelência o rei António Costa distribui aos infelizes, a paralisação da economia, do país no seu todo, vivendo a duas velocidades: a do governo nas altas esferas do delírio; a dos cidadãos a lutar pela realidade concreta das suas vidas. Como o enunciado agrada a Bruxelas, Costa não vê hora de lá se instalar e não ter que aturar um país de miseráveis que só sabem reivindicar dignidade e uma vida igual à que os eurodeputados têm. 

         - Vou citar Guy de Maupassant que vem ao caso: Je demande la suppression des classes dirigeantes: de ce ramassis e beaux messieurs stupides qui batifolent dans les jupes de cette vieille dévote et bête qu´on applelle la bonne Société. Ils fourrent le doigt dans son vieux cul en nurmurant que la société est en péril; que la liberte de pensée les menace!   


quarta-feira, outubro 18, 2023

Quarta, 18.

De súbito, sabendo a minha jovem médica que eu me dedico a escrever e a ler, diz-me de rompante: “Eu tenho pena da lacuna nessa área. Leio muito pouco. A nós, médicos, não nos ensinam os clássicos e nem somos iniciados em literatura e história.” Imediatamente uma conversa se instalou que durou mais de meia hora. Aconselhei-lhe alguns autores, um ou outro título, e saí fascinado com a minha oftalmologista Dra. Cristina Santos. E disse-lhe há muitos médicos que são grandes escritores. Lembro-me agora que ela me disse que lia Rui Tavares. Que susto! 

         - Do ministério da Saúde de Gaza, veio a notícia que morreram 471 palestinianos e centenas de outros ficaram feridos devido a ataque israelita ao hospital Árabe Al-Ahli, em Gaza. Uma contra-notícia chegou de Telavive acusando os homens do HAMAS de terem sido eles a bombardear a unidade hospitalar. A guerra também se faz de muita mentira e contra-informação. Joe Biden chegou a Israel. Corajoso homem. 

         - Almocei no C.I.. De seguida fui acomodar-me no sítio do costume para trabalhar duas horas no romance. Forma de falar. Em verdade limitei-me a percorrer as 140 páginas com o distanciamento possível, cheio de incertezas e pena de Ana Boavida. Espero que na segunda parte do livro, ela se dignifique e possa mudar... Ou não. 

         - Fui com a Piedade ao Centro de Saúde do Pinhal Novo. Devido à greve dos médicos (mais uma), o Centro estava deserto. Mesmo assim, tive de mandar calar duas negras que gritavam com a funcionária como se ela fosse a responsável por não haver clínicos. Se Costa e o seu ministro da Saúde, frequentassem estas unidades do SNS, tenho a certeza que fugiam com medo de de lá não saírem inteiros. Pelo meu lado, tenho amanhã consulta para o check-up anual. Já fui informado pelo Centro de Saúde que posso ir com confiança porque a Dra. Vera não faz greve. Ufa! Mais a mais porque nos prometem para amanhã um dia sinistro de tempestade. Já recebi dois avisos telefónicos.   


Terça, 17.

Escrevo estas linhas no Gama Pinto enquanto espero para ser atendido em consulta. Em baixo no pequeno jardim do hospital, vejo uma romãzeira carregada de frutos. Alguém encontrou um escadote de ferro para chegar aos ramos baixos, enquanto a copa está pejada de romãs pequenas. Aguardo sem querer castigar a vista a ler ou a escrever. Aqui dentro, na sala onde esperam os doentes, não há muita gente. Contudo, médicas e assistentes afadigam-se como irmãs da caridade atrás deles. Estes estão por todo o lado: corredores, halls, salas de espera que correm ao longo das áleas do edifício. Não chove, mas já choveu, enfim, um pouco esta manhã. Não acredito que o meu olho esquerdo tenha sido roído pelo glaucoma que a minha médica, devido à tesão ocular, pensa  possível. 

         - Fechando a cortina humana, no que penso é nos palestinianos. Sofro por eles e com eles. Invocam os terroristas que semeiam a morte e desorganizam as sociedades, mas não nos esqueçamos que eles nasceram da invasão do Iraque ordenada por George Bush. No começo do conflito Israelo-palestiniano, todos os governantes da UE, em cadeia, António Costa, claro, incluído, insurgiram-se apenas contra o HAMAS, do lado dos israelitas e dos seus actos igualmente criminosos. Não nos esqueçamos que os monstros quem os criou e engordou, foram os sucessivos governantes com as suas políticas de interesses de ordem vária. Depois, os povos da Alemanha, França, Espanha, Índia, Itália, Inglaterra, etc. saíram à rua em favor dos palestinianos e contra a violência selvagem de Netanyahu. A senhora Ursula von der Leyen veio até distribuir mais uns milhões de euros de ajuda aos infelizes, mas antes, talvez por ser alemã como comenta, e bem, Ana Sá Lopes, foi a Israel acompanhada por Roberta Metsola, presidente do Parlamento Europeu, dizer ao Governo para fazer o que quisesse aos palestinianos, que a Europa apoiava incondicionalmente. Tenho consideração por ela e espero continuar a ter. Contudo, é-me difícil aceitar que a Presidente discorde dos drones e foguetes lançados pela Rússia sobre Kiev e admita os que Israel lança sobre os territórios palestinos indefesos. Esta dualidade é-me insuportável. A ideia saiu decerto da cabeça de um iluminado de Bruxelas, bichanada por Washington e logo secundada pelos que em redor da mesa abanaram as cabeças duras e formatizadas, e assim nasceu o princípio de unidade da União Europeia. Dito isto, do que me é dado observar, Biden, que todos chamam velho, parece mais lúcido que os rebanhos que pastoreiam em torno dele. 

         - A França está em polvorosa. Os actos anti-semitas crescem depois do início da guerra em Israel e países limítrofes. Um professor foi assassinado; na Bélgica dois homens foram mortos por um jovem terrorista. As manifestações contra Israel proliferam por todo o lado. E lembrar-me eu que a França, desde pelo menos o século XIX, foi refúgio de toda a sorte de judeus, e o Estado francês incluiu a nacionalização dos que chegavam de todos os lados, particularmente da Rússia onde o czar Nicolau II não tinha qualquer espécie de respeito por eles. Por cá, como os do costume estão a favor do HAMAS e às ordens de Putin, é como sempre o futebol que ocupa as vidas airadas dos portugueses. Depois admiram-se que tenhamos o Presidente que temos, o primeiro-ministro, o Parlamento e de uma forma geral todos os governantes. 

         - Um retrato do país que (também) somos. Ontem, ao meu lado, estava um rapaz ao telefone durante toda a viagem até Fogueteiro. Falava com uma amiga e nós íamos seguindo a conversa porque ele tinha o som em alta voz. Pouco percebíamos do que ela dizia, mas escutávamos muito bem o que ele respondia. A bagalhoça ia seguindo e a dada altura pergunta o ordinário: “Estás a cagar ó quê!” O diálogo prosseguiu sem que ninguém se insurgisse com a linguagem, toda ela banhada de impropérios. Um grande silêncio e por fim um grito: “Ainda estás a cagar, não posso!” Já não se ouviu a resposta porque ele deixou a carruagem com o cheiro nauseabundo que brotava da sua boca. É esta a educação que prolifera de Norte a Sul. 

         - A consulta e a análise do exame ao olho esquerdo onde poderia estar a desenvolver-se o glaucoma, veio a revelar que não só tenho aquele olho impecável como o outro. Continuo a ter cerca de 85 por cento de visão, embora com uma pequena catarata no esquerdo e um ligeiro estrabismo no direito que eu controlo bem. Portanto, por enquanto, nada a fazer; nova consulta ficou marcada para Maio do próximo ano.


domingo, outubro 15, 2023

Domingo, 15.

Ainda a ofensiva bárbara que Netanyahu quer empreender contra os palestinianos não começou, e já foram contabilizados pelo menos 2300 mortos na Faixa de Gaza e para cima de 9 mil feridos, crianças e jovens em primazia. O mundo parece estar a acordar para esta autêntica chacina e a OMS veio alertar os israelitas que não devem evacuar os 22 hospitais de Gaza onde estão milhares de feridos. Isso, diz a Organização, será uma sentença de morte. 

         - O nosso bom jornalismo, acordou para a realidade do Médio Oriente. Teresa de Sousa, no Público, responsabiliza Benjamim Netanyahu, pelo que está a acontecer. Ele “apostou na divisão entre a Autoridade Palestiniana e o HAMAS, hostilizando a primeira e cultivando o segundo.  É um dos principais responsáveis por essa carnificina contra o seu povo. Aliou-se a partidos da extrema-direita nacionalista que querem erradicar os palestinianos do mapa, apenas para se manter no poder. Fez-se amigo de Putin, exibindo os seus encontros amigáveis com o autocrata russo para ganhar os votos dos imigrantes judeus vindos da Rússia depois da impulsão da União Soviética. Recusou-se a apoiar a Ucrânia na sua luta contra a invasão, alegando que poderia criar tensões com a Rússia e com a Síria.” 

         - Para aligeirar esta página de toda a tensão, aqui vai o frango, perdão, poulet cuja inspiração culinária se baseia no artigo de Meiquinho, no suplemento do Público Fugas de há três semanas. Só não cobri o fundo do pirex com sal, porque não uso este produto desde a infância. Nunca ponho sal em nada. 



sábado, outubro 14, 2023

Sábado, 14.

Ontem estive duas horas a ler e a reler o final da primeira parte do romance. O que lia não me agradava, modificava uma palavra aqui outra mais adiante, o grosso do tempo era escoado a pensar, a esperar que algo tombasse do céu ou subido do inferno. Por fim, lembrei que na minha adolescência, as famílias que viviam na Foz do Douro nas vivendas apalaçadas (não havia quase prédios, toda a Foz que ia da marginal em frente ao mar até ao outro extremo, passando o corte de ténis e a igreja era uma vila de casas de dois, três pisos) que tinham uma criada que se chamava invariavelmente Emília. Pois bem, recordando-me disso, substitui o nome da empregada do senhor Euclides, pai de Ana Boavida, Lídia por Emília. Depois, satisfeito como se tivesse matado um touro em África, tomei o Fertagus (eu estava no café da Fnac) e regressei a casa. 

         - À hora a que escrevo estas linhas provavelmente já começou a matança de centenas de palestinianos que fora adiada para hoje ao início da tarde. Não querendo enervar-me com a atitude dos israelitas, eu que me habituei a estimá-los, quanto mais não seja porque Jesus Cristo escolheu ser um deles, passo a palavra à minha ilustre concidadã, filha de Prado Coelho, Alexandre Lucas Coelho. Durante anos encontrei-me com o pai, praticamente todas as noites (sem intimidades), quando me juntava ao Braga, dito Braguinho por ser baixote, e a Michel sua namorada, no Granfina. Por este bocado de prosa, até dá para pensar que ela leu o que eu aqui registei há dois dias. Evidentemente que não. O que se constata é que temos a mesma visão dos factos. Reparem e confirmem (o texto integral está no Público de hoje e vale a pena lê-lo): “O Hamas será uma cria de toda a gente, quando toda a gente sabe que entre nós, os vivos, milhões de pessoas vivem num gueto há décadas, controladas por uma potência militar a que as democracias chamam democracia. A democracia em Israel não ficou em risco com o recente Governo. É uma questão desde a origem do Estado. E a Faixa de Gaza, que fui vendo nas suas mutações (ela foi correspondente em Jerusalém) entre 2002 e 2017, é desde há muito um lugar como não existe outro no planeta.” Dois parágrafos a seguir: “Mas seja o que for que o Hamas tenha feito, e ainda esteja por vir ao de cima, é uma obscenidade adicional que milhões de palestinianos tenham de pagar por isso. Que Israel possa castigá-los (incluindo bombas de fósforo branco) com a ajuda até militar dos EUA e o aval de boa parte da Europa. Que a comunidade internacional deixe os palestinianos serem devorados por esta onda racista, despudorada, impiedosa. Ouvi o discurso de Biden como a consagração histórica do racismo contra os palestinianos. Sim, o sangue de Israel vale mais para Biden. Ou para quem queira proibir a bandeira palestiniana. Aliás, depois da Assembleia da República se vestir com as cores de Israel (uma vergonha, digo eu), e a bandeira de Israel flutuar no Castelo de São Jorge (outro escândalo próprio de gente sem cultura e sensibilidade de nenhuma espécie, resmungo eu), quero as cores palestinianas também.”   

         - A desaba de chuva que nos andam a prometer, aqui não dei por nada. Pelo contrário. O calor não abrandou e estou de t-shirt como nos bons dias do Verão. Fiz quatro frascos de compota de maçã reineta. Só para preparar o fruto, levei duas horas. Não sendo tratadas, o bicho está por todo o lado. Que mais? Fui ao Auchan fazer compras de manhã. Agora estou à espera do homem que vem arranjar o chão da lareira, com mais de vinte anos, o calor soltou o tijolo. Estou a fazer um poulet no forno. Cruzes! Sempre me saíste um dono de casa, homem!


sexta-feira, outubro 13, 2023

Sexta, 13.

Está iminente o massacre aos palestinianos. Um dos dois milhões que vivem na Faixa de Gaza, foram obrigados a deixar tudo para trás e fugir à fúria dos israelitas que ameaçam não deixar pedra sobre pedra. É revoltante que a comunidade internacional permita se faça do território autónomo que, portanto, nunca gozou de autonomia, liberdade e desenvolvimento, um espectáculo de ódio e morte. Não apoio o HAMAS na forma como invadiu Israel e liquidou sem contemplação centenas de jovens que se divertiam num festival de música e nem idade tinham para pegar em armas. Mas estou humanamente contra o desnível de poder exercido sobre a multidão de jovens que vegeta em Gaza. Mesmo que Telavive consiga liquidar todos os líderes do HAMAS, outros viram substitui-los. Porque o problema nasceu da situação do enclave e na forma como Israel trata os seus habitantes. Mais de meio século não foi suficiente para negociar uma qualquer forma de convívio entre as duas nações e o resultado está à vista e são os inocentes mais uma vez que vão pagar pelos desvarios e interesses das nações poderosas. Foi Israel que fermentou a ira com a sua política de desprezo. Quem não se lembra da guerra que os pobres e infelizes palestinianos travaram contra o exército israelita: de um lado tiros de metralhadora; do outro a defesa com pedras. O que se vê pelas imagens são destroços, tudo reduzido a entulho. Os mais de cem milhões de ajuda para a construção de hospitais, escolas, universidades, vencimentos aos funcionários concedidos pela Europa, jazem no chão feitos em nada. Espero que no final, não tenhamos de lamentar uma acção de puro genocídio. Para tristeza, a propaganda ocidental ligada à de Israel, só dá imagens e informação do que se passa do lado de Telavive. E se o Líbano entrar nesta guerra? Que acontecerá ao território judaico e aos judeus que nele vivem? 

         - Tudo isto só é possível porque os interesses das grandes potências estão em linha, enredadas nos esquemas habituais, numa esfera global alimentada por uns quantos que a riqueza pessoal catapultou para postos de decisão e compadrio. A Europa e os Estados Unidos, têm sido governados por uma gente sem qualidade nem formação, colocados em postos que nos condenam a todos, pelo parasitismo dos novos-ricos que são quem dá ordens aos incompetentes e subservientes políticos. Não se vislumbra uma verdadeira personalidade de estadista, alguém com carácter, que pense e aja com a sua cabeça. Que tenha horizontes rasgados para o futuro e não a acção do imediato que acode em segundos e arrasta para a miséria por anos e anos. O logro exercido pela classe política analfabeta e alheia às aflições quotidianas dos cidadãos, alimenta e faz crescer os ditos terroristas. Eles vêm directamente do húmus que germina na sombra do ódio.  Olhe-se a situação de pobreza em que se encontram desde sempre os palestinos. Qualquer salvador da pátria que apareça colhe soldados esfarrapados, no limite de todas as descrenças e, portanto, carne para canhão. 

         - Maupassant lamenta-se: Le cul des femmes est monotone comme l´esprit des hommes”; resposta de Flaubert: “Vous vous plaignez du cul des femmes qui est “monotone”. Il y a un remède bien simple, c´est de ne pas vous en servir.” Da correspondência fascinante entre os dois homens que estou a ler com muito prazer. 

          - Ontem tive de emparar a pobre Piedade destroçada pelo neto. Este foi apanhado bêbado ao volante do carro e conduzia em velocidade excessiva. A Polícia interveio e confiscou-lhe a carta. O bisneto, de três anos, quando soube diz ao pai: “Pai, tu não voltas a ser bêbado, pois não.” Na origem dos desavindos com a companheira, está este terrível vício.   


quarta-feira, outubro 11, 2023

Quarta, 11.

O OE foi apresentado com pompa e circunstância. A grande novidade foi a distribuição de esmolas a toda a gente. Costa, fabricante de truques, sabe como contentar o pobre: oferece-lhe de tempos a tempos uma côdea de broa. A pergunta que se põe é quanto tempo durará esta política do faz de conta. Criação de riqueza, novos sectores industriais, apoio às empresas, planeamento, nada disto perpassa no calhamaço Medina. Por enquanto entra dinheiro fácil com a resma de turistas. Esse dinheiro circula entre impostos, ordenados, reformas, vencimentos, esmolas da UE, num rolo circular que sai e entra sempre em movimento. Quando esta torneira se esgotar e dinheiro não haja para girar, o que vai acontecer a este pobre país? Nessa altura já António Costa estará a salvo num posto qualquer pago a peso d´ouro em Bruxelas – foi para isso que ele nos condenou à pobreza e à humilhação. Depois chamam terroristas aos senhores que vierem pela força salvar Portugal. E já agora não é de fiar: uma coisa é o que se escreve, outra é o que se põe em prática. E com o PS temos confirmações demasiadas. 

         - Sim, foi bárbara a mortandade de jovens às mãos dos soldados do HAMAS; mas não é menos horroroso privar os palestinianos de água, luz e bens alimentares – é deixá-los entregues à morte. Telavive não respeita os direitos humanos e as leis internacionais de guerra e a ONU, sob a liderança do nosso caro Guterres, mostra-se incapaz do que quer que seja. A guerra entre Gaza e Israel está para durar. Os palestinos habituados à pobreza, ao abandono, à prisão, ao gueto desumano, sob a pata de um país com supremacia absoluta sob todos os pontos de vista, encaram esta desgraça como encararam no último meio século um destino de abandono e desprezo humano, da parte de um povo que devia saber o que custa repetir sobre outros povos as mesmas crueldades dos nazis.  


terça-feira, outubro 10, 2023

Terça, 10.

Fui ver o filme de Woody Allen, Golpe de Sorte. É uma homenagem à França, todo ele filmado no país de Molière, falado em francês, com actores franceses, em lugares que conheço como as palmas das minhas mãos. História bem contada como é hábito do ilustre argumentista e realizador, embora me tivesse parecido que os dois intérpretes masculinos principais tenham sido mal escolhidos. Parece também um tributo à França que desde muito cedo lhe reconheceu o mérito e talento, muito antes dos seus compatriotas americanos.  

         - A pobre da minha assistente operacional Piedade (estas modernidades democráticas são intoleráveis, mas temos que nos adaptar ao ridículo de tudo e mais alguma coisa em nome da igualdade), acometida de dores de cabeça e do olho direito, levamo-la ao Centro de Saúde daqui. Um horror ao jeito de António Costa e de outros políticos não socialistas que o precederam. A clientela era tanta e a confusão idem, que optámos por a levar ao hospital de Setúbal. Aí chegados, instalou-se a revolta, com a multidão a transbordar da sala de urgências para a rua, insultos e tudo o mais que hoje enfeita o SNS. Seguimos para o Hospital da Luz no outro extremo da cidade. Acolhimento rápido, ordem, pronto socorro. Feitas as análises, o exame, o médico concluiu por  Zona, mas que devia fazer uma análise específica para se confirmar. Ali custaria 400 euros, se acrescentarmos aos quase tanto que lá ficou, estamos conversados. 

         Os comunistas e o grupo das madamas queques, dizem que o Estado desvia tanto para o sector privado, que os milhões só enriquecem o negócio da saúde que está florescente por todo o grande sector não estatal: hospitais, clinicas, médicos, consultórios, enfermeiros, laboratórios de análises, etc.. Talvez tenham razão. Mas, tal como há muitos anos o SNS se encontra, é difícil mesmo aplicando os valores astronómicos que vão para os privados, ele funcionasse sem necessidade de se socorrer dos hospitais particulares. À parte o Presidente da República que se socorre dos hospitais do SNS, todos os outros socialistas ou não, preferem o luxo da medicina privada. Excelências, por quem sois! Ouçam só mais isto que vos digo ao ouvido: é provável que nos privados, face a finitude, vocês consigam mais dois dias de vida. Aproveitem. 

         - É muito curioso e até edificante observar os primeiros-ministros e chefes de Estado da UE, sentados a uma mesa oval, depois de um magnífico repasto bem regado com o melhor vinho da região, a discutir o alargamento da União Europeia. A Ucrânia foi quem pôs em polvorosa estes senhores que adoram a vida remansosa, com tempo para visitas, um bar aqui, uma loja além, naquele ar altivo de quem é senhor de tudo e todos lhe devem vénias e favores, entre pessoas honestas, trabalhadoras, viajadas, cultas. Impõem eles a Zelensky o barramento de toda e qualquer corrupção, pois fazer parte do seu clube de gente honrada não é para qualquer. Mas depois, vai-se a ver, é raro o país que integra a União que não tenha abadas de corruptos e a corrupção não seja o pão nosso de cada dia que enche o tacho de todos. Como se chama isto? Aguenta, Helder, deixa que cada leitor murmure para si a palavra que se quer escapar da tua boca de cidadão educado.


segunda-feira, outubro 09, 2023

Segunda, 9.

Fortes sismos de magnitude 6,3 abalaram o Afeganistão causando pelo menos 2000 mortos e mais de 9000 feridos anteontem. O governo taliban, pediu ajuda internacional para acudir a mais uma tremenda desgraça. Quem o ajudará? Quem esquecerá o regime que tomou de assalto o poder depois do vergonhoso abandono americano do país e numa altura em que o mundo parece  só ter interesse em se barricar com toda a espécie de armas? 

         - Moral da história: quem com ferros mata, com ferros morre. Este axioma aplica-se inteiramente a Israel que viu pela primeira vez os vizinhos palestinianos invadirem-lhe o território. E fizeram-no ao modo americano com acção concertada de centenas rockets e por mar e pela fronteira sul. Até ao momento são já para cima de um milhar de mortos e as investidas do HAMAS ainda prosseguem. Não sou a favor de nenhuma guerra, porque sei que todas trazem sofrimento e morte e são injustas. Mas sempre questionei a situação humilhante dos dois milhões de cidadãos que vivem na Faixa de Gaza, praticamente reféns dos israelitas. A dita Comunidade Internacional, desde 1948 e até mesmo antes, em 1917, sabia que aquilo era uma bomba ao retardador e nada tem feito para harmonizar a situação. Muita conversa, muita promessa, muito cinismo e cobardia e o resultado foi e será sempre aquela sinistra prisão exposta ao poderio bélico do vizinho Israel. A humilhação resulta tarde ou cedo na explosão do ódio e por fim da morte. Evidentemente, penso que esta acção original e única na história da zona, foi possível porque o primeiro-ministro tem levado a cabo uma política de concentração do poder, onde vale tudo até a anulação de leis em favor de outras ao modo arrogante e déspota  do senhor Netanyahu. Ele vai perder as próximas eleições porque descredibilizou o famoso sistema de segurança do país que todo o mundo julgava inviolável. Nem ele nem os EUA que está em sintonia informativa com o Estado israelita, deram pela original e violenta guerra que uns dizem ser apoiada pelo Irão. 

         - Para aligeirar este resumo de dia, cada vez menos interessante de reter, voltemo-nos para o nosso infeliz país. De onde em onde, há um cérebro que brota lúcido da crosta seca da status quo, e sai-se com este discurso absolutamente extasiante: "É evidente que estou feliz com essa notícia (referia-se ao Mundial de Futebol 2030), nós somos um país de amantes de futebol, vai ter um impacto na economia (aqui eu duvido), mas se quer que lhe diga temos que fazer muito mais trabalho, porque não é o futebol que nos vai salvar." António Costa Silva, quando falava aos jornalistas à margem do Sustainable Blue Economy Investment Forum. (Desculpem. Como somos internacionais, temos que o mostrar escrevendo e falando em inglês.) 

         - Eu nem de tudo gosto na coerência da juventude de hoje. Mas tenho seguido com a atenção as acções a favor do Planeta que ela tem levado a cabo sobre as grandes empresas poluentes. Daquela vez em que os jovens bloquearam uma entrada em Lisboa, ficou-me na mente a imagem daquele condutor de longo curso que tratou os rapazes e raparigas como se fossem delinquentes, arrastando-os e atirando-os para a berma da estrada. O energúmeno não deve saber em que mundo vive. 

         - Ana Boavida! Ana Boavida! Esmagas-me, sufocas-me, dás-me felicidade! 


sexta-feira, outubro 06, 2023

Sexta, 6.

Ontem apareceu Alice com amigos e o dia foi gozado no esplendor da liberdade. Há muito que não tinha um dia livre de ocupações literárias ou outras e que bem me soube. Partimos daqui para uma visita ao castelo de Palmela, onde eu não ia há uma data de anos, tendo sido confrontado com as mudanças e melhoramentos do histórico lugar. Nem com tudo concordo, mas grosso modo o que era de conservar ficou. A dada altura quis mostrar o anfiteatro aos amigos que vivem na América, mas a funcionária diz-me que está fechado “porque os visitantes roubam os projectores”. (Eu bem me esforço por dignificar esta terra e seus habitantes, mas resvalo sempre na miséria que nos cerca. Desde papel higiénico a autoclismos, tudo desaparece.) Seguimos depois para Setúbal em busca de um restaurante. Sugeri aquele que antes frequentava, do Sr. Armando, que fica em frente ao embarque para Tróia. Logo à chegada perguntei por ele: “Já morreu há ano e meio com cancro na próstata.” Bom. Abancámos na esplanada, sob calor difícil de suportar, embora ali circulasse uma aragem. Outra confrontação: o preço. Este em ano e meio duplicou. Por isso, por todo o lado, a frequentação sendo muita, não se compara àquela que existia quando eu jantava ou almoçava fora com assiduidade. Os americanos quiseram oferecer-nos o almoço e ali estivemos em boa e saborosa reinação. Sugeri fôssemos à Pousada de S. Filipe tomar o café, até porque o dia era de visitas. Lá no alto, tudo tinha mudado também. Não só nos preços, mas na frequentação: a massa popular que destrói e amassa tudo numa bola de mau-gosto, esparralhada, de perna aberta e aos gritos, tinha tomado conta do alpendre sobre a praia de Albarquel no sopé da montanha. Por sorte, daí a pouco, vagou uma mesa e lá abancámos para a bica acompanhada de tortas de Azeitão. Eram já quatro da tarde. Tinha ainda planeado uma visita pedestre pela zona antiga da cidade setubalense, mas o tempo urgia e optou-se (o homem do casal é amante de vinhos) por visitarmos a Quinta do Aljube com o seu vinho de excelência. Aí chegámos meia hora depois, e encontrei o mesmo degradante espectáculo que o pouco dinheiro nas carteiras dos portugueses provoca: exibição da grandeza, do novo-riquismo que se vê e crê igual aos capitalistas que eles combatem, o exagero do vinho comprado, tomado, melhor dizendo, entornado garganta abaixo. Talvez aí tivesse ido a última vez com a Maria José que nas imediações tem atelier o ano passado. Mas tudo muda e rápido. Voltámos para casa por Azeitão que os amigos também não conheciam. Aqui chegados, convivendo um pouco mais no terraço, a tarde amenizada, lográmos fazer o balanço de um dia absolutamente luminoso. Um grande e pesado silêncio ficou quando o seu confortável carro deixou este espaço. 

         - Adoraria deixar este país. Não me sinto aqui bem, não quero fazer parte deste aglomerado de gente infeliz, governada por um bando de malfeitores, que tudo vulgarizou e arruinou, onde falta tudo e sobretudo a honra, a seriedade, a palavra dada, a competência, o futuro. Estamos, literalmente, abandonados à bicharada. 


terça-feira, outubro 03, 2023

Terça, 3.   

Tudo se complica. Putin desde a primeira hora que conta cheio de paciência com a divisão da Europa no apoio à Ucrânia. E terá alguma razão. A recente eleição do primeiro-ministro eslovaco pró-Putin, prova isso mesmo. Pelo sim, pelo não, enquanto as negociações para formação do Governo prosseguem na Eslováquia, quem não se deixa arrastar, é a república Checa e a Polónia, membros da UE como a Eslováquia, que estão já a fazer controlos nas suas fronteiras. Mas a expectativa maior, está nos EUA. Se Trump alcança de novo o poder, o mundo virará do avesso. 

         - Entretanto, o mundo no seu todo aproxima-se do desastre total. Todos os dias conhecemos a ponta desse icebergue medonho. Ontem no Sudão com a morte de 1200 crianças devido à fome, epidemias, má nutrição, sob o fundo da guerra levada a cabo por dois generais; em Lampedusa o espectáculo desumano de vidas aportadas ao cais em busca de paz e prosperidade e prontamente rejeitadas pela UE;  depois as intempéries no Líbano onde a corrupção foi a causadora do rebentamento das barragens que inundaram parte do país; agora o martírio dos arménios numa zona com intervenção da Rússia no enclave de Karabakh e passo porque os horrores são sempre acções de ditadores que arrastam para a morte a juventude obrigada a combater em nome das suas loucuras e ganâncias. 

         - Na Fertagus, não sei por que razão, no interior dos comboios não havia energia. Deste modo, sempre que surgiam túneis a escuridão dentro da carruagem era total. As pessoas acumulavam-se umas contra as outras e durante aqueles trajectos sem luz, o mistério adensava-se. Então pensei em Ana Boavida que decerto numa situação como aquela era assaltada por fantasmas sem freio. Assim dei comigo a imaginar o que acontecia naqueles longos momentos em que o comboio seguia mergulhado no mais denso negrume e os corpos tocavam-se num frisson que o ruído do ferro abafava ou disfarçava. Vi o rapaz que ia na plataforma a coçar as coxas nas mamas da rapariga que as trazia à mostra; ou aquela negra, grande como tudo o que é medonho e cresce quando o comboio entra no túnel e a excitação paralisa num amplexo o negro que vinha a olhá-la quando o sol deixava ver o jogo claro-escuro dos sentimentos; ou aquele rapazinho de unhas pintadas, em calções, que se levantou na primeira passagem da noite para deixar um sorriso cúmplice a um outro de aspecto macho, mas redondo de sorrisinhos, o ombro ligeiramente descaído para a ternura que só floresceu durante a passagem escura; ou aquele macho, vigoroso, rosto de estúpido, coxas sólidas que deixava escapar todavia qualquer coisa misteriosa que fixava com olhar terno a madura de mamas a espreitar de um corpo disforme. Despi quando a escuridão invadia o interior, toda aquela gente, sacudida, corpo contra corpo, forma contra forma, numa antevisão dantesca que será a de um dia quando a humanidade, desavergonhada e impune, começar a andar completamente nua. Nessa altura é a própria sexualidade e a beleza dos corpos na perfeição divina, que se afastará para todo o sempre da matriz original. 

         - Estive umas horas no meu esconderijo bem climatizado no C.I.. O que saiu foi pouco, mas queira Deus que ao menos seja bom. 


segunda-feira, outubro 02, 2023

Segunda, 2 de Outubro.

A pouco e pouco vou-me reencontrando comigo. Mas não tem sido fácil porque chafurdo sempre no mesmo país, com os mesmos charlatães, a mesma miséria e a mesma rasteira vidinha. Somos cativos, vassalos do que nos impõem de fora, calando-nos com PRRs e outras esmolas que nos humilham porque nos alienam a uma vida onde o trabalho que dignifica passou para plano secundário. Seremos sempre uns miseráveis, dependentes do Estado, de quem nos governa, de uma máfia de políticos que, vendo o barco a afundar-se, reúnem o que podem para sobreviverem noutro lugar, noutro posto, noutra feira de vaidades. Isto está a tocar o fundo. Algures alguém de atalaia para tomar conta do pouco que resta. Não avisto nenhuma dimensão tirânica de direita, não têm competência para tanto; mas de esquerda que à socapa tem vindo a incentivar as massas descontentes e a esperar pacientemente que o poder caia na rua, podre. 

         - Os jornais, na sua incomensurável ignorância, sem terem assunto, ou esgotado o que os entreteve, descobriram que o cardeal recém-investido é um dos mais jovens do coro cardinalício. Jovem com 50 anos! Isto leva-me a contar uma história passada no metro de Lisboa. Um velhote de bengala e sorriso bonito, abeirou-se de mim pedindo-me uma informação sobre a rota que pretendia seguir. Disse-lhe que viesse comigo porque ia na mesma direcção. Pelo caminho, ele despejou o saco de lamentos e doenças, explicando-me que os ossos dos joelhos, dos tornozelos, das costas, dos ombros estavam todos deslocados, tortos, desencaixados, estalavam a cada movimento e custavam-lhe 50 euros por mês para manter aquela chinfrineira de achaques. Respondo: “Olhe que até não é muito para tanta doença!” Riu-se. Perguntou-me que idade tinha e logo disparou: “Você parece que tem vinte anos, tem um aspecto muito jovem!” E eu passando-lhe os meus óculos: “O meu amigo não sofre só dos ossos, sofre também da vista.” Desatámos à gargalhada. Quanto à juventude de sua excelência, eu sorriu sem gargalhar. 

         - Em Israel vai um grande sururu porque na cadeia, em Telavive, um recluso palestiniano do HAMAS envolveu-se com um guarda ou vice-versa. Os fanáticos israelitas do senhor Benjamin Netanyahu, logo consideraram o facto lesa-Torá. Nem lhes ocorreu que os dois homens desenvolveram um amor que já durava há mais de um ano e, o envolvimento era de tal modo sagrado, que permitiu a sua duração por tanto tempo. Não era, portanto, um mero engate ou aproveitamento do guarda para com o preso. A sequência não se conhece, mas não me admiraria que o amor imperasse por sobre todas as normas, tratados, impedimentos e escândalos morais. Em Israel, pelo que sei, a homossexualidade é respeitada e não sofre qualquer repressão.