Domingo,
31.
No
livro de Marcello Duarte Mathias encontrei esta expressão: “andei a flausinar
tempo de mais”. Assim que esbarrei nela, saltei in petto para o colégio Camões, em Coimbra. Nesse tempo, entre nós
rapazes e rapagões, usávamos muito esta palavra como adjectivo. De uma bicha
rebolona que nos surgia ao caminho, dizíamos: “Lá vai a flausina.” De uma
rapariga muito aperaltada: “Está muito flausinada para meu gosto.” De um rapaz
sensível: “Coitado, é uma flausina.” De uma longa caminhada que nos estafou:
“Estou derreado de flausinar.” Não sei se o termo é típico da cidade coimbrã,
sei que quando por lá andei o ouvia e usava frequentemente.
- Ontem não arredei pé da quinta. Meti
na cabeça que tinha de pôr a piscina em condições de a poder usar. Assim, pela
manhã, aspirei-a e pus o motor em marcha procedendo à filtragem. À tarde,
conferido PH e o coloro, voltei a aspirar. Resultado: hoje nadei os primeiros
mil metros da época piscineira 2015. Não é ainda a beleza de um aquário, mas é
já a segurança de um banho reconfortante. Saí estafado do fim-de-semana, mas
satisfeito por ter contribuído ao mínimo para enriquecer a eléctrica chinesa e ter
ajudado um pouco a preservar o Planeta.
- Às vezes cansa-me ver-me tão activo.
Outro dia a Gi que cá veio, tendo já alguns problemas de saúde, surpreendeu-se
de me ver numa roda-viva constante. Depois, reflectindo melhor, adiantou: “Tu
sempre foste assim. Lembro-me na nossa adolescência tu não paravas metido em
projectos loucos.” Ela tem razão. De facto, ficar encostado à sombra da
bananeira ou recostado no sofá, nunca foi o meu género. Mesmo quando escrevo
pela manhã, volta que não volta, levanto-me e vou ao fundo da quinta ver quem
passa sabendo de antemão que nem uma mosca tonta vejo à minha porta. Muitas
vezes, no início do dia, quando pelas sete da manhã me atiro ao muito que aqui
há para fazer, sinto o corpo a recusar, a fazer-se caro, em murmúrios de gosma,
movimentos lentos, raciocínios embrulhados, recuando ante o cansaço que estas
coisas instalam logo às primeiras horas do dia. Finjo que não é nada comigo, e
enfrento as tarefas. Primeiro, lentas, sornas, lambidas ainda do resto do sono;
depois, como por milagre, abrem-se as energias, o sorriso instala-se, a
languidez perniciosa esvai-se e o que fica é um enorme, um imenso delírio dos
sentidos, um hossana cantado à gloria de mais um dia de vida.
- Que em verdade devia ser de revolta,
de ódio, empestado de ignomínias contra estes dirigentes aldrabados que nos
saíram na rifa vigarizada da democracia. Basta abrir o jornal, logo nos
esparralhamos no mais hediondo futuro. Não falo só dos velhos, também da
juventude que anda por aí a cair tonta de droga, vazio e horizontes restringidos.
Os eurocratas que ganham 20 mil euros por mês, quando nos insurgimos, dizem:
“Agora imagine se não estivéssemos na União Europeia.” É a velha e relha defesa
do tacho que por sobrevivência a todos toca.
O facto é que os países que estão fora do euro, vivem melhor e com mais
independência e liberdade. Leio no Público que as “pensões pagas a partir de
2025 valem menos de metade do salário”. E penso: se o dinheiro derretido,
roubado, passado no crivo dos cambalachos, das negociatas, dos negócios mal
feitos fosse devolvido ao Estado, esses milhões de milhões que ninguém sabe
onde estão, dariam para endireitar a vida de várias gerações de portugueses.
Gostava de conhecer o número total em euros que depois do 25 de Abril foi
contabilizado pelos tribunais como sendo riqueza subtraída ao erário coletivo
por gestores públicos e privados, políticos e banqueiros, autarcas e fundações.
- Bom, cala-te Helder. Olha que o dia
terminou em celebração, depois de uma sesta no lounge tocada pelo ruído do repuxo d´água, a seguir a uma hora de
leitura e à apanha de uma cesta de damascos. Uns tantos como-os, outros tantos
ofereço-os, o resto acabará em compota. Esta vida monástica serve o artista que
detesta a tarouquice dos dias badalados de coisa nenhuma e interpõe a distância
mínima a partir da qual o apedrejamento acontece a quem o incomodar no seu
retiro...