domingo, maio 31, 2015

Domingo, 31.
No livro de Marcello Duarte Mathias encontrei esta expressão: “andei a flausinar tempo de mais”. Assim que esbarrei nela, saltei in petto para o colégio Camões, em Coimbra. Nesse tempo, entre nós rapazes e rapagões, usávamos muito esta palavra como adjectivo. De uma bicha rebolona que nos surgia ao caminho, dizíamos: “Lá vai a flausina.” De uma rapariga muito aperaltada: “Está muito flausinada para meu gosto.” De um rapaz sensível: “Coitado, é uma flausina.” De uma longa caminhada que nos estafou: “Estou derreado de flausinar.” Não sei se o termo é típico da cidade coimbrã, sei que quando por lá andei o ouvia e usava frequentemente.

         - Ontem não arredei pé da quinta. Meti na cabeça que tinha de pôr a piscina em condições de a poder usar. Assim, pela manhã, aspirei-a e pus o motor em marcha procedendo à filtragem. À tarde, conferido PH e o coloro, voltei a aspirar. Resultado: hoje nadei os primeiros mil metros da época piscineira 2015. Não é ainda a beleza de um aquário, mas é já a segurança de um banho reconfortante. Saí estafado do fim-de-semana, mas satisfeito por ter contribuído ao mínimo para enriquecer a eléctrica chinesa e ter ajudado um pouco a preservar o Planeta.

         - Às vezes cansa-me ver-me tão activo. Outro dia a Gi que cá veio, tendo já alguns problemas de saúde, surpreendeu-se de me ver numa roda-viva constante. Depois, reflectindo melhor, adiantou: “Tu sempre foste assim. Lembro-me na nossa adolescência tu não paravas metido em projectos loucos.” Ela tem razão. De facto, ficar encostado à sombra da bananeira ou recostado no sofá, nunca foi o meu género. Mesmo quando escrevo pela manhã, volta que não volta, levanto-me e vou ao fundo da quinta ver quem passa sabendo de antemão que nem uma mosca tonta vejo à minha porta. Muitas vezes, no início do dia, quando pelas sete da manhã me atiro ao muito que aqui há para fazer, sinto o corpo a recusar, a fazer-se caro, em murmúrios de gosma, movimentos lentos, raciocínios embrulhados, recuando ante o cansaço que estas coisas instalam logo às primeiras horas do dia. Finjo que não é nada comigo, e enfrento as tarefas. Primeiro, lentas, sornas, lambidas ainda do resto do sono; depois, como por milagre, abrem-se as energias, o sorriso instala-se, a languidez perniciosa esvai-se e o que fica é um enorme, um imenso delírio dos sentidos, um hossana cantado à gloria de mais um dia de vida. 

         - Que em verdade devia ser de revolta, de ódio, empestado de ignomínias contra estes dirigentes aldrabados que nos saíram na rifa vigarizada da democracia. Basta abrir o jornal, logo nos esparralhamos no mais hediondo futuro. Não falo só dos velhos, também da juventude que anda por aí a cair tonta de droga, vazio e horizontes restringidos. Os eurocratas que ganham 20 mil euros por mês, quando nos insurgimos, dizem: “Agora imagine se não estivéssemos na União Europeia.” É a velha e relha defesa do tacho que por sobrevivência  a todos toca. O facto é que os países que estão fora do euro, vivem melhor e com mais independência e liberdade. Leio no Público que as “pensões pagas a partir de 2025 valem menos de metade do salário”. E penso: se o dinheiro derretido, roubado, passado no crivo dos cambalachos, das negociatas, dos negócios mal feitos fosse devolvido ao Estado, esses milhões de milhões que ninguém sabe onde estão, dariam para endireitar a vida de várias gerações de portugueses. Gostava de conhecer o número total em euros que depois do 25 de Abril foi contabilizado pelos tribunais como sendo riqueza subtraída ao erário coletivo por gestores públicos e privados, políticos e banqueiros, autarcas e fundações.


         - Bom, cala-te Helder. Olha que o dia terminou em celebração, depois de uma sesta no lounge tocada pelo ruído do repuxo d´água, a seguir a uma hora de leitura e à apanha de uma cesta de damascos. Uns tantos como-os, outros tantos ofereço-os, o resto acabará em compota. Esta vida monástica serve o artista que detesta a tarouquice dos dias badalados de coisa nenhuma e interpõe a distância mínima a partir da qual o apedrejamento acontece a quem o incomodar no seu retiro...