Terça,
30.
O
BES de má memória e o Novo Banco de memória tóxica, foi a fotografia a preto e
branco do Portugal dos pequeninos. Neste reino dos pequeninos, incluo os
políticos, os gestores públicos e privados e toda essa granja de gente que
vegetou e vegeta debaixo da sua capa rodada florescente de ouro e pedras
preciosas. Acontece que tive conta na caverna de Ricardo Salgado desde muito novo,
na Praça do Brasil, ao Rato. Este mês recebi uma carta daquela dependência,
solicitando-me “a retirada dos valores guardados no cofre” que aluguei quando o
Chiado foi incendiado. Na altura, morando ao fundo da Rua de S. Marçal - apesar
de ter o santo do século III por protector -, temi por uma série de cadernos
manuscritos e fui à pressa protegê-los no banco. Bom. A casa forte, situa-se na
cave do edifício e para lá entrar temos de descer umas escadas, passar por
divisões estreitas que a funcionária vai abrindo e fechando, até chegarmos ao
coração da segurança e aí ficarmos encerrados até voltarmos a chamar pela
guardiã que nos aprisionou. “Por favor, liberte-me da cela 63 (número do
cacifro)!” A funcionária veio com um largo sorriso no rosto bonito e eu
mostrei-lhe os valores que durante tantos anos pus em segurança e ela: “Pois,
são as suas joias!”
- “As joias” carreguei-as a tarde inteira.
São 12 cadernos de capa negra plenos da minha escrita na época escorreita e
contam o percurso de muitas vidas que se cruzaram com a minha. A mochila onde
as enfiei, ia rebentado e com ela as minhas costas. Passei depois no Corte
Inglês para comprar o jantar e mais qualquer coisa. Enquanto por lá deambulei,
atenuei o peso entregando a mochila à guarda da loja. A rapariga, quando pegou
nela, exclamou: “O senhor traz aqui uma bomba ou quê!” Abri o saco e disse-lhe:
“Está a ver! Isto na realidade não parece, mas é uma bomba ao retardador!”
- Curioso ou nem por isso. A nosso
vendedor de afectos transformou-se no papagaio da senhora Merkel, mas vendendo
a imagem de legítimo senhor da nova orientação europeia. Não sei se ele se
apercebe que a nova organização geoestratégica do mundo, precede o período
próximo de um conflito terrível. Alguém devia perguntar ao nosso irrequieto
presidente, se Portugal é uma realidade ou uma fantasia.
- Há dias, para obedecer a um
compromisso que tinha em Lisboa, tomei o comboio das sete da manhã. A gare do
Pinhal Novo, tendo sido pensada para grandes voos, é vasta e com ares de
avenida. O espectáculo das muitas gentes que a travessavam àquela hora – miúdos
a caminho da escola, funcionários públicos, povo dos serviços, turistas, anciãos
rechonchudos viajando não sei para onde - era surpreendente e deixou-me por
algum tempo fundeado no sonho de todas aquelas vidas simples, decerto difíceis,
talvez poéticas, quem sabe. O mais surpreendente porém, foi a tele-dependência
daquele mundo moderno, todas e todos montados no telemóvel, um corrupio de sms
dedilhados com furor, uma lengalenga inútil, constante, as palavras embrulhadas
no sono murado no cérebro como aranha manipuladora dos afectos, palpitando
aquela corrida como a derradeira e numa despedida plangente deixar do outro
lado registada a voz que o mausoléu não pode guardar.
- Abri a época piscineira.