sexta-feira, dezembro 30, 2022

Sexta, 30.

Mais uma prova que fomos abandonados e entregues à prepotência e ronceirice do funcionalismo público e de algum privado que sabe que o Governo não lhe toca. Um dia desta semana, meti pés ao caminho e fui ver o que se passava com a minha carta de condução, volvidos três meses de ter caducado e sete de haver pedido a sua renovação. Quando encontrei o IMT de Setúbal, deparei com uma fila de gente encostada às paredes dos prédios, numa espécie de cobra que contornava vários edifícios. Dirigi-me a um polícia que ali mantinha a ordem e este disse-me que era melhor voltar no dia seguinte cedo. Depois vendo-me afastar no meu trote airoso, voltou-se e disse: “Espere. Você tem sorte porque tem prioridade.” Ri-me. E ele muito atrapalhado: “Desculpe, o que eu queria dizer é que entre no edifício e tire a senha de prioridade.” Assim fiz e uns cinco minutos de espera, numa sala a abarrotar de gente, sem janelas, ninguém de máscara, fui chamado. Venci a ventana de vidro que separava suas excelências os funcionários da massa inquieta e barulhenta do público. Sentei-me em frente a uma mulher de uns trinta e poucos anos, protegida por um para-vírus, e expus-lhe ao que vinha. Ela riu-se, levantou-se, foi lá atrás e voltou daí a segundos vitoriosa com o envelope que continha o tesouro perdido. Depois de ter assinado o documento comprovativo da entrega, disse-lhe: “Você não imagina como fomos abandonados. Os CTT devolveram a carta sem me contactarem nem deixarem aviso para a ir levantar aos correios.” Foi quando ela me ofereceu as provas do que tinha acabado de afirmar, na forma do envelope devolvido com indicação que ninguém estava em casa e mais outra folha anotada pelos próprios serviços que provavam a minha queixa. Na despedida ainda lhe disse: “Não é só aqui que as coisas estão mal, é por toda a administração pública.” Resposta: “Paguem-nos melhor e tudo muda.” Respondi (parafraseando Álvaro Cunhal) olhe que não, olhe que não. Aos juízes o Estado aumentou os vencimentos em 700 euros/mês e daí a pouco tempo uns quantos foram condenados por sentenças pagas por debaixo da mesa. Arregalou os olhos e desejou-me bom ano. 

         - A choldra governamental não tem paralelo com nenhum outro governo pós-25 de Abril. O Público que é uma grande capoeira onde cada galo canta até de madrugada e ao seu modo, levanta um coro de simpatizantes de Nuno Pedro Santos, amparando-o já para novos e epopeicos voos. A começar por o elevar a futuro primeiro-ministro, elogiando o seu trabalho na TAP, na ferrovia e até nas casinhas (não chegou a uma por mês) para os pobrecitos. Afirmam que como deputado, vai enfrentar o pároco e o sacristão na Assembleia e daí preparar o assalto ao partido. Os trabalhadores da TAP e os outros, devem contorcer-se de riso, eles que o gramaram em dose prepotente e desafiadora dos seus direitos. A TAP um coito de sugadores do erário público, quero dizer dos nossos impostos, onde os administradores ganham 250 mil euros e a chefe francesa 500 mil. 

         - Ainda o Público. De notar que a morte de Pelé ocupa a capa e mais sete páginas do jornal, a política (por exemplo, o nojento caso da TAP) duas páginas e o resto do mundo pouco mais. Somos o jornalismo que temos. No mesmo sentido: temos os políticos que merecemos. 

         - Tenho estado atento a perceber o que podemos esperar para 2023. Mas nada de opiniões sérias, prognósticos bem estruturados, previsões credíveis. Do que falam as televisões é... de cuecas. Indicam-nos as cores que devemos usar (quem as usa) e qual a vantagem do preto e do vermelho nos momentos de maior intimidade. Que podemos esperar de um país assim que não se dá conta que, por este andar, só as cuecas (de qualquer cor) lhe cobrirão as miudezas!

         - Da lista dos livros que li ao longo de todo o ano (ver Quarta-feira, 21) que agora finda, realço estes três como aqueles que mais prazer me deram e intimamente me tocaram. 


         - Um excelente ano de 2023 a todos os meus fiéis leitores! 


quinta-feira, dezembro 29, 2022

Quinta, 29.

O João quis associar-se na visita a Armanda Passos. Como ele é entendido em transportes públicos, encosto-me ao seu conhecimento e sigo pelas ruas da cidade deslumbrado e surpreendido com as transformações que vou descobrindo. O nosso já conhecido 727, parte da Av. de Roma e atravessa a malha urbana, passando pelos lugares onde  deixei a minha dissoluta juventude. Chegámos a Belém hora depois e aí tomámos um táxi para a Fundação Champalimaud. Onde nos demorámos outra hora a ver a obra de uma pintora original, solitária, impregnada das cores que são por si só o cartão de visita de uma das melhores artistas nacionais. Armanda Passos trilhou os caminhos da arte alheia a modas, senhora do domínio da cor como poucos pintores, sem discursos morais ou políticos, retratando a mulher enquanto estudo permanente de uma obsessão que a elevou aos cânones da liberdade absoluta. Na galeria somos surpreendidos por paredes ao correr das quais se sobrepõem dípticos e trípticos, num conjunto encandeado de cor, luz, animação, com personagens deformadas, olhares interrogativos e expressões ora cómicas, ora profundamente amarguradas, rostos em espanto, em dúvida, em dor, que nos inquietam e interrogam, como se todo aquele mundo viesse de uma galáxia formada por mulheres com pés e mãos deformadas, peixes a desprenderem-se de corpos gordos, com rostos sublimes, onde não entra uma só figura masculina. Não há propriamente uma história, uma ideia, um prenúncio de coisa alguma que não seja a imposição da cor falando pelos modelos, agitando mares de silêncios, e fazendo-nos parar, pasmados, ante aquele mundo secreto que inventa desejos, afaga dores, ao mesmo tempo que nos impregna de uma felicidade terna, que desperta em nós sentimentos fofos, quase infantis, uma espécie de delírio íntimo, de conforto, de airosidade ante a Mulher enquanto terreno de todos os afectos. Não parto sem um reparo à excelente exposição, à forma como o conjunto pictórico foi disposto, a luz, a luz que ajuda a olhar as telas com a atenção e o prazer que elas merecem, a subsequência das obras a impelir o visitante a compreender a artista no seu todo. 





         - Nuno Santos, o homem da esquerda do PS, ministro que tutelava a TAP, demitiu-se. Todo o imbróglio que o levou à demissão, está ainda por conhecer enquanto peça fundamental de um Governo que está putrefacto, nauseabundo, execrável. Vivemos sob o domínio  de um bando de malfeitores, mafiosos, salteadores do erário público. A TAP é apenas uma peça dessa engrenagem de senhores feudais, que gastam os impostos que pagamos com língua de fora, em seu proveito. Esta história tem quilómetros de histórias que é imprescindível deslindar. Com o país de cofres cheios, dinheiro a entrar de todo o lado, é evidente que todos estão engalfinhados a ver quem saca mais. Já se fala em eleições antecipadas. Não concordo, isso era dar a António Costa aquilo que a maioria lhe recusou: um qualquer cargo na UE. 

         - Curioso, ontem, à mesa do restaurante, eu quase me engalfinhei com o Corregedor, quando ele, na sua disciplina partidária, dizia que o ministro das Infra-estruturas que tutela a TAP, não sabia dos ordenados milionários praticados na empresa falida. E quando eu disse que, se fôssemos um país democrático e credível, Pedro Nuno Santos e a senhorita que fala inglês com sotaque francês, já tinham sido demitidos, quase fui agredido. O pessoal que assistia à disputa, veio ter comigo dizendo que eu estava demasiado enervado e tinha de ter calma. Como se eu não conhecesse o ninho de mentirosos e conluios sinistros que suportam os partidos. 


quarta-feira, dezembro 28, 2022

Quarta, 28.

Que grande cambalacho aquele da empregada diplomada em gestão que serviu na TAP por pouco tempo. Afinal não havia contrato nenhum com a amiga da mulher do sacristão, obrigatório nos termos do Estatuto de Gestor Público, ao contrário do que se pensava. Daí a confusão gerada quando a empresa quis pô-la fora, não se sabe por que razão, e ela pediu um milhão e 479 mil euros. Os esclarecimentos da TAP sobre o assunto, são a imagem (triste) do que hoje se passa por todo o lado ligada com a complicação linguística para tapar os olhos aos incautos. A empresa aérea fala assim: “não contempla expressamente o acordo como possível forma de cessação de funções de administração, mas também a não veda”. Refere ainda que o Estatuto do Gestor Público (EGP) estabelece “uma remissão legal” para o Código das Sociedades Comerciais (CSC), e que a este aplica-se “tudo o que não se encontrar especificamente previsto” no EGP. O CSC, alude, permite o acordo de revogação. Entendem? Eu patavina. Bom. Isto é Portugal no seu melhor. 

         - Quantos oligarcas russos morreram nestes últimos dias? Não se sabe ao certo. Pelo menos três ou quatro. Quase todos rebolaram por escadas abaixo e findaram na morte. 

         - Estamos com dois dias de acalmia. Mas os entendidos prometem chuva abundante para a passagem de ano. Isto é assim: se chove a culpa é do buraco de ozono; se não chove idem; se faz calor o crime é do mesmo; se neva não há dúvida que o buraco é o principal culpado. Entretanto, a conta do Planeta, gastam e ganham-se milhões – o clima é a lotaria para milhares de aprendizes de feiticeiro.

         - Ontem no metro uma cena enternecedora. Entram três mendigos, um deles com um cão lindíssimo. Eu estou de pé, encostado à lateral junto à porta. Quando me desloco para sair, o dono do animal, chama pelo camarada apoiado a uma garrafa de litro de cerveja, e diz-lhe que se segure no meu lugar. Tudo sob uma extraordinária cena de humanidade que me emocionou. Felizmente que abandonei a carruagem e pude suster as lágrimas que ameaçavam descompor-me. Vou despachar-me para ir ao Champalimaud ver a pintura de Armanda Passos. 


terça-feira, dezembro 27, 2022

Terça, 27.

António Costa na sua homília de Natal, garante que o país está a salvo “das turbulências do passado”, mas nada disse das do presente que só se saberão quando sua excelência deixar o poder a caminho dum cargo chorudo na UE ou de um banco americano (como o seu congénere espertalhão de sorriso pateta. Costa é, contudo, mais prò cínico e de sorriso simpático).   

         - E de facto. Muito tem o homem feito para construir um país equilibrado. Que o digam os números. Os mais ricos estão 5 vezes mais abastados. O pior é que quando os ricos insuflam, os pobres encolhem ainda mais tomados pelo desespero.

         - Em todos os aspectos. Veja-se aquele infeliz a quem foi dada autorização de abandonar a cadeia para se juntar aos seus no Natal. A noite de consoada, passou-a a vingar-se dos vizinhos, furando os pneus a mais de 100 carros na zona de Coimbra. Este é um exemplo típico que escapa aos políticos e define bem o estado social em que se encontra o país. Na obstinação pelos números e pelo enriquecimento, descobre-se o lençol psíquico e social de uma sociedade perturbada, abandonada, sofredora, miserável.  

         - Eu fui dos que advoguei uma atenção especial aos novos talibãs do Afeganistão. Fui longe demais. Aquilo é uma seita de furibundas e obstinadas criaturas. Que se pudessem controlar o gene, teriam um país de homens, apenas. Vem isto a propósito do perfeito desprezo que os novos dirigentes têm pelas mulheres, impedindo-as de ir à escola, de viver como querem, ocultadas em casa. Daí que os anteriores chefes talibãs, preferissem os meninos às meninas; cada um com um ou mais favoritos. Estes, mais modernos e decerto conhecedores do mundo, seguem-lhes os passos. 

         - Os Estados Unidos continuam debaixo daquilo a que chamam “ciclone bomba”. Os termómetros desceram a 40 graus negativos, cidades inteiras sem electricidade, a vida paralisada, neve com dois metros. Até à data morreram pelo menos 60 pessoas, algumas delas faleceram de hipotermia dentro dos seus automóveis. Dizem que é uma morta santa, mas eu não estou tão certo disso.  

          - Quem também morreu, foi António Mega Ferreira. Conheci-o assim como a muita gente que privou com ele, nomeadamente, João da Palma-Ferreira. Os elogios fúnebres ao homem – romancista, poeta, gestor, director disto e daquilo – chegam de todos os quadrantes; mas o verdadeiro Mega Ferreira a poucos se deu a conhecer. Nada do que ouço tem a ver com o ser que ele era: uma camada espessa – a verdadeira – escondia a sua natureza. Somos intensos no vazio dos elogios post mortem. A verdade é que ele disse que gostaria de ser recordado como escritor, romancista não será porque viveu demasiado preocupado em o ser. Paz à sua alma.  


segunda-feira, dezembro 26, 2022

Segunda, 26.

Retomemos o país que somos, constantemente mergulhado em escândalos, factos mesquinhos, demasiada corrupção, compadrio, negociatas em rede, ganâncias, ambições desmedidas e imerecidas. Mas devíamos estar felizes, pois temos os socialistas no poder, guardiães de todos nós, da democracia e do país pobrezito que continuamos a ser e seremos por muitos e largos anos. Agora rebentou com estrondo mais um caso ao jeito de António Costa e seus muchachos. 

         - Resumo: Alexandra Reis, naturalmente supra-sumo da nata técnica, renunciou em Fevereiro ao cargo executivo que tinha na TAP. A rescisão valeu-lhe 500 mil euros de indemnização! Disse bem 500 mil! Quatro meses depois, foi nomeada pelo Governo para a presidência da NAV – Navegação Aérea de Portugal, sendo as duas empresas tuteladas pelos Ministério das Finanças e das Infraestruturas. De 500 mil embolsados, a dita senhorita, acaba de ser nomeada secretária de Estado e Tesouro. Digam-me: é ou não é a lotaria estatal a mais vantajosa. E é tão simples ganhá-la: basta entrar o mais cedo possível num dos dois partidos alternativos e engraxar, engraxar, engraxar, engraxar (possa, a mim já doem os braços). Parece que é tudo legal, sendo ilegal os ordenados que eles se atribuem, a diferença entre o salário mínimo e o vencimento desta senhora e de muitos outros políticos e gestores de empresas púbicas falidas, a pobreza endémica, as reformas de miséria, os seres humanos transformados em lixo que se vê nas grandes cidades, os impostos elevados para manter esta miserável gentinha.  

         - Este caso típico da governação socialista, tem paralelo com um outro: a distribuição em ano e meio de regalias e suplementos remuneratórios para o pessoal da ERSE no valor de 2,5 milhões de euros. Na administração deste bodo, estavam Vítor Santos (presidente), o famoso Ascenso Simões, os dois ex-secretários de Estado socialistas, e Margarida Aguiar ex-secretária de Estado PSD. O escândalo não escapou à Inspecção-Geral de Finanças que o comunicou ao Ministro da Economia. Acrescente-se que no manjar, estava incluído, entre outros, cartões de crédito para pagamento de despesas pessoais e até empréstimos de dinheiro sem juros. Entretanto, tendo chegado o escândalo ao TdC, este condena os antigos administradores (estamos já em 2022) como coautores de uma infracção financeira continuada a uma multa de mais de um milhão de euros e devolução ao Estado de 1,8 milhões de euros. Não chegou a tanto porque os amigos e camaradas são para as ocasiões. Eis que tudo se resolve com o Orçamento de Estado deste ano. Nele ficou dito que “as remunerações e demais regalias e benefícios suplementares do pessoal aí abrangido (...) fica impedida a efectivação de eventual responsabilidade, seja ela sancionaria, reintegratória, contraordenacional ou penal, por força da aplicação retroactiva, prevista no número anterior “. Assim, os três administradores viram uma lei feita à sua medida - é a chamada lei Ascenso. Não é excelente viver em democracia de cunho oligarca, onde o dinheiro sempre falta para hospitais, escolas, serviços públicos, a pobreza que nunca diminui e até aumenta, mas chega em abundância a grupos de salteadores gananciosos! 

         - Quando vejo o rumo que o país tem levado nestes últimos seis anos, tremo. O que virá quando Costa for lá para os confins sinistros da UE e os socialistas desonestos abandonarem o poder! Quase de certeza vamos descobrir não um, mas vários Josés Sócrates. E quanto a Costa, ou eu me engano, ou o percurso deste homem vai ser o mesmo daquele outro de sorriso pateta, que a mim desde o primeiro dia nunca enganou. 

         - Dia lindíssimo: claro, cheio de sol, quente qb. Pena que tenha perdido a manhã às voltas em Setúbal até encontrar o IMT onde fui em busca da minha carta de condução, que os correios devolveram a seu belo prazer, porque entregar cartas a um monge é dinheiro sem retorno. 


domingo, dezembro 25, 2022

Domingo, 25.

É surpreendente e ao mesmo tempo típico do tempo presente, o assalto que dois alunos de 14 e 15 anos fizeram á escola Camilo Castelo Branco, em Carnaxide. As imagens mostradas na TV com salas de aula, WC, computadores, corredores, átrios completamente destruídas, inclusive com sanitas partidas, num cenário apocalíptico onde nada escapou e o conjunto do edifício parece que nele explodiu uma bomba. Espero que as autoridades sejam implacáveis e não venham com aquela dos coitadinhos vítimas da sociedade e assim. Lamento a situação dos pais dos jovens, mas o que estes delinquentes fizeram não pode ser desculpado nem ficar impune. 

         - Os EUA atravessam um Inverno como há muito não se via. As temperaturas já baixaram até aos 20 graus negativos, mas os meteorologistas dizem que vão tocar os 50. Nada de novo. Julien Green que viveu o período da Segunda Guerra nos Estados Unidos de onde era oriundo, fala em invernos com os mesmos valores climáticos. 

         - Longa conversa de muitas horas com o Nuno. Tentei ajudá-lo a orientar o seu talento no sentido da estabilidade profissional, percebendo que está fora dos seus horizontes entregar-se a uma empresa e fazer carreira desse modo. Ele ambiciona ser free-lancer, com todas as consequências que a escolha implica. Prometi falar à Marília e ao filho, ambos arquitectos, a ver o que se pode fazer para que o rapaz possa acalcanhar o futuro que tanto ambiciona.  

         - Fui ao Continente comprar o Público. A chefe máxima que me conhece, e ante a loucura de clientes ávidos, dispara: “Ainda dizem que não há dinheiro!” Assim era no período negro no tempo de Cavaco Silva, com a crise de desemprego que se abateu sobre Setúbal. Nessa altura, tendo chegado havia poucos meses a esta região, tinha o hábito de almoçar e jantar muitas vezes na cidade sadina. Os restaurantes, cafés, esplanadas, supermercados estavam sempre a abarrotar. E toda a gente perguntava: “Mas onde está a crise que não a vemos em lado nenhum!” Eu, por brincadeira, respondia: “Perguntem ao bispo vermelho.” 

         - Confrontos curdos em Paris. De entre os três mortos, figura uma defensora dos direitos curdos. Carros incendiados e caixotes do lixo, montras partidas, choque corpo a corpo com a polícia. Na base de todo este desassossego, parece estar a mão de Erdogan, daí que Macron se tenha colocado ao lado os imigrantes que vivem numa zona perto da Place de la Concorde onde eu o ano passado jantei com a Françoise... sem tumultos. Esta disputa vem de longe. Já há alguns anos quando visitei a Turquia, era proibido questionar sobre a condição dos curdos. 

         - Todas estas últimas noites, melhor dizendo, madrugadas assailli de pensées charnelles. Que se passa, rapaz! Envelheces ou não? Despacha-te. Olha que a velhice é um longo período do repouso de todas as tentações. Um instante de luz crua derramada sobre as memórias que recusam ausentar-se para sempre, um profundo desejo da liberdade, enfim, alcançada. Olhar a beleza, os corpos belos, e dizer: “tudo isto já era” sem amertume, com a distância que a pacificação traz e os sentidos vergados de respeito, aceitam. Sem dor nem mágoa – dominados, simplesmente.   

         - Ainda eu por vezes penso que não tenho amigos! Não me devo enganar se disser que pelo duas dezenas deles tiveram a lembrança de me telefonar a desejar boas-festas. Homem de Deus, sê reconhecido. A mensagem mais curiosa na língua criada para crianças, veio da Mai Hong: “Chúc giáng sinh vui vê.” 


sexta-feira, dezembro 23, 2022

Sexta, 23. 

Até a Marília se apercebeu da quantidade de caracóis que este ano invadem tudo. Se estivéssemos no século XIX, tenho a certeza que seriam adorados, analisados, tratados e comidos em grandes quantidades, sobretudo, por pessoas atacadas de tuberculose. Pensava-se na altura que os nojentos bichos eram benéficos no tratamento da doença. 

         - No rescaldo da festa do título na Argentina, houve centenas de feridos, duas mortes, monumentos nacionais vandalizados, confrontos com a polícia. O costume. Parece que Lionel Messi aproveitou para trocar de mulher, perdão, de esposa. 

         - O meu sobrinho Nuno veio passar a quadra connosco. Ofereci-lhe um anel de ouro com uma pedra preciosa que pertencera ao seu avô que ele não conhecera e me adorava. “Olha que eu já passei períodos difíceis desde que me foi oferecida esta jóia e não a vendi. Espero que faças o mesmo, a menos que tenhas necessidade de dinheiro para comer.” Riu-se, comovido. Está um belo rapaz senhor do seu nariz, contemporâneo, domina as novas tecnologias e fala inglês... 

         - A administração pública anda pelas ruas da amargura e não encaixa que deve estar ao nosso serviço e não o contrário, recorre do grande fim-de-semana para fazer greve. Numa altura em que as pessoas se deslocam para estar com a família, suas excelências os maquinistas da CP aproveitam para exigir aumentos de salários como se tivessem direito a isso com o péssimo serviço que nos prestam. 

         - Zelensky foi recebido na ONU com pompa e circunstância e junto com as ovações vieram milhões em dólares e ajuda militar. Não tenho ilusões sobre o que se esconde por detrás desta generosidade, mas acho que ela é indispensável neste momento histórico. 

         - Em Paris pelo menos três mortes e várias pessoas feridas depois de um atirador abrir fogo sobre os transeuntes. O criminoso tem antecedentes e havia deixado a prisão há dias.    


quarta-feira, dezembro 21, 2022

Quarta, 21.

A apoteose do futebol e a sua consequente alienação, fez sair às ruas de Buenos Aires seis milhões de fanáticos! Parafraseando Karl Marx o futebol é o ópio do povo. O sururu foi tal que, às tantas, os jogadores que deviam atravessar a avenida principal da cidade, tiveram que ser resgatados de helicóptero directamente para as suas residências. O delírio prosseguiu mas... sem os “deuses”. 

         - Não irei acrescentar aos títulos lidos este ano, a releitura do terceiro volume do Diário de Green (1946-1950) que comecei há dias. Não sei se estou mais sábio relativamente ao ano passado, o que sei é que acumulei umas quantas notas de saber e fui feliz na soma das horas consagradas à leitura. Aprender sempre foi para mim a prioridade das prioridades, contorço-me de curiosidade e desejo partir deste mundo o mais rico possível de conhecimento. Não cobiço nenhuma outra forma de riqueza, tudo o que os outros possuem não me atrai e só invejo Frederico Lourenço pela sua imensa cultura.  

Aperto Libro vol. 1 – Eugénio Lisboa

A Mais Breve História da Rússia – José Milhazes

O Livro Tibetano da Vida e da Morte -

Aperto Libro vol. 2 – Eugénio Lisboa

Melancolia em Tempos de Perturbação – Joke J. Hemmsen

Je dirait malgré tout que cette vie fut belle – Jean d`Ormesson

Journal à rebours - Colette

Um Céu Demasiado Azul – Francisco José Viegas

O Apocalipse dos Trabalhadores – Valter Hugo Mãe

Qu´ai-je donc fait – Jean d´Ormesson

Um Diário Russo - Anna Politkovskaya

L´étonnement philosophique – Jeanne Hersch

Cartas de Amor – Virginia Woolf

Melancholia – Francisco José Viegas

Journal (1923-1926) – Arthur Schnitzler

Cartas – Arthur Schnitzler

         - Marília e João saíram há instantes. Depois do almoço frugal, fomos a Casa da Cultura, em Setúbal, espreitar a exposição do nosso comum amigo Gordilho. O artista das joias entrou pela escultura com as formas, os materiais, a solidez das grandes peças artísticas que decoram o corpo humano. Curioso trabalho. De seguida fomos ver as decorações de Natal da cidade, pobres, minimalistas, sem grande imaginação. Valeu ter recuperado a minha amiga Maria João que tive enorme prazer de abraçar. Ela contou ao João que quando me encontrou pela primeira vez e me perguntou o meu nome, eu respondi: “Isso não interessa nada, o que importa é o que dizemos um ao outro.” Bicho como sou não me surpreende esta minha reacção. 


terça-feira, dezembro 20, 2022

Terça, 20.

Ainda o Mundial de Futebol. Não percebendo eu nada do assunto, mas tendo achado graça aquela cena dos penáltis que ditariam o vencedor, e tendo o hábito de estudar quem se me apresenta olhando atentamente para o rosto e, sobretudo, para o olhar, acontece que acertei em todos os meus vaticínios. Naquele plano em que se via o tronco do jogador e no seu balanço ou hesitação facial, eu ia dizendo: “este falha, aquele marca” e no final não errei um. 

         - O tempo corre veloz, mas não me arrasta com ele. 

         - A Câmara de Setúbal vai recuperar o controlo da água ao domicilio que a autarquia PS havia entregado de mão beijada aos privados há 25 anos, com os respectivos custos e transtornos para o munícipes. O PCP no seu melhor. 

         - Enquanto esperava para ser atendido pelo Dr. Cambeta, mexendo na minha mochila, encontrei o número da revista Visão com o dono disto tudo na capa. Para fazer tempo, fui lendo esta página e aqueloutra, e às tantas fui deitar a revista no caixote do lixo, danado, disse: “basta de tanta pesporrência”.  

         - Almocei no Vitta Roma (bem). Hoje o restaurante estava mais cheio e os empregados brasileiros tinham um sorriso ainda mais aberto que o habitual. Um deles, esguio, um corpo de serpente irrequieta, um rabinho pequeno, bem desenhado, ao jeito do dos jovens africanos, amparado por duas coxas que pareciam frágeis, rosto romano, nariz adunco, sobrancelhas bem desenhadas, distribuía gentileza indiferentemente a mulheres ou homens, sempre numa corrida que viajava no espaço ao sabor do rumor das vozes que o solicitavam. Mas quando o desassossego amainava, encostava-se ao balcão e partia para um lugar que só ele conhecia o nome, de olho nos clientes mas tenho a certeza sem os ver. A patroa acordava-o dando-lhe ordens para acudir a este ou àquele freguês que espreitou e desapareceu. Curioso como sou, pus-me a imaginar a sua vida, os seus desejos íntimos, a forma como se entrega ao prazer, o sussurro de cada movimento, nas horas tardias do cansaço, num qualquer lugar de passagem, desconfortável, apesar de tudo mais bem pago que no Brasil, onde o salário mínimo ronda os 240 euros mensais. Eu se estivesse no seu lugar, apagava o sorriso do rosto e entregava-me ao sonho de um dia vir a ser futebolista... 

         - Nunca vi tanto caracol. Este ano são aos milhares por todo o lado e entram pelas frinchas das janelas e portas e instalam-se nos vidros como pequenas peças de decoração. Tenho dias que recolho duas mãos cheias para os atirar casa fora. 


segunda-feira, dezembro 19, 2022

Segunda, 19.

Ontem, liguei a televisão para ver como é habitual sempre que estou em casa, o canal ARTE mais propriamente o programa clássico dos domingos à tarde. Encontro a parte final do Mundial de Futebol, com os jogadores a decidirem por penáltis quem seria o vencedor. Achei piada àquele desespero e de certo modo ingratidão, ante o esforço de andar duas horas a correr atrás da bola para nada, isto é, para aquele remate ridículo. Porque seria mais lógico e menos cansativo, o jogo, todos os jogos, serem disputados daquele modo prático. Bom. Ganhou a Argentina que os nossos sabichões comentadores desportivos (Marcelo, que me conste, desta vez absteve-se da “lição desportiva dos argentinos”) dizem ter sido arrebatadora de técnica, esforço e competência. Eu fiquei radiante e só tenho pena que a final não tivesse sido com Marrocos e que este a ganhasse. Mesmo assim, como desde sempre aprecio Messi, acho que o jogador é absolutamente original em sabedoria, competência, discrição, técnica, sentido de equipa, classe, personalidade (esgotei os adjectivos), por comparação com o pobre Ronaldo, cujo ego e arrogância não cabem no Planeta e foi o grande derrotado nas suas ambições pessoais que arrastaram toda a equipa nacional. O maior jogador do mundo e do Mundial de Futebol é Messi, o madeirense deve render-se à realidade (se conseguir, claro)... 

         - Em contraste e encobrindo o que se passa na Ucrânia, Putin ameaça a capital com novos ataques de mísseis. Vamos iniciar 2023 sob a maior e a mais imprevisível das interrogações. O próximo ano vai ser decisivo para as nossas vidas pessoais e para o mundo. Desde a II Guerra que não começamos um novo ano com tanta incerteza e apreensão. 

         - Fui ao Auchan comprar o necessário para preparar o almoço de quarta-feira cá em casa para a Marília e o João. Verdadeiro inferno. Seriam onze horas quando comecei a rabiar dentro do parque de estacionamento do super e meia hora depois tive de sair e ir parquear o carro ao ar livre e mesmo assim depois de várias tentativas. Não se pense que a maioria dos clientes eram velhos reformados. Nada disso. Havia de tudo, mas em maior número pessoas no activo. Sem emprego? Reformados compulsivos? Os números dizem que há não propriamente desemprego. Então? Mistério das sociedades modernas como imensos lagos onde serpenteia toda uma fauna marinha em liberdade. 

         - Mais tarde, depois de um breve soninho, meti mãos à obra e fui ao fundo da quinta, plantar vários pés de vinha virgem. Já fiz algumas tentativas – todas falhadas. E todavia, há uns anos, consegui reter um pé que se desenvolveu e corre já uns metros no entrelaçamento do arame que divide este espaço da via pública. 

         - Voltam a ameaçar-nos com temporal forte. Segundo a protecção civil, há possibilidade de inundações e deslizamentos de terras e até derrocadas. Não me convinha nada, porque amanhã tenho de ir a Lisboa ao Dr. Cambeta e de caminho liquidar a minha conta do Corte Inglês. 


domingo, dezembro 18, 2022

Domingo, 18.

Li a entrevista que António Costa deu à Visão – longo exercício de um vazio apavorante, pura perda de tempo para o periódico e seus leitores. Contudo, porque sou sensível ao pedido de perdão quando reconhecida a ofensa, aceito a pequena humildade do chefe do Governo relativamente ao que disse de Carlos Moedas. Já o anúncio que temos de o gramar “quatro anos, habituem-se” é de uma arrogância socialista deplorável. Aliás, no decorrer do encontro com os jornalistas, muitas passagens denunciam que o poder subiu-lhe à cabeça e a tentação de autoridade única assoma ameaçadora. 

A pose real do anafado primeiro-ministro. 


sexta-feira, dezembro 16, 2022

Sexta, 16. 

O modus operandi de António Costa é sempre este: distribuir esmolas e nunca fazer reformas que dêem dignidade às pessoas. É uma política insuportável, propagandística, que favorece o seu ego, num país que se contenta com qualquer migalha naquela “é melhor que nada”.  Mais uma vez estou do lado do PCP quando assinala esta vergonhosa política, pedindo mais respeito pelos trabalhadores. 

         - Todos os dias há um caso suspeito de corrupção. O de hoje vem da Câmara de Vimioso, na pessoa do seu presidente, Sr. Jorge Fidalgo. A Polícia Judiciária anda a fazer buscas a negócios de contratos por ajuste directo. A câmara é PSD para variar. E como é habitual, o autarca foi constituído arguido assim como outros cúmplices, entre eles um socialista, suspeitos de crime de participação económica em negócio, o capataz afirma "a encontrarem algo, não poderá ser nada mais que erros administrativos ou processuais". O costume. 

         - A fundadora do INET-MD, senhora Salwa Castelo-Branco, na sua última lição na Universidade Nova de Lisboa: “O nosso trabalho tem também de servir a sociedade, temos de nos preocupar com os problemas do presente. Estar sempre em diálogo com o meio social em que nos inserimos, quer através da criação de conhecimento, quer através da aplicação desse conhecimento no concreto.” Depois lembrando-se do jovens com quem trabalhou toda a vida: “O futuro dos jovens – porque a precariedade é cada vez maior e tem de se encontrar uma maneira de a combater. Há muita gente que faz um pós-doutoramento, ou dois, ou três, e depois não encontra oportunidades. A situação é difícil, não só nas ciências musicais, mas em todos os domínios das ciências sociais e humanas.” Bem prega frei Tomás. Ninguém a escuta, quero dizer, os que a podem escutar fazem ouvidos de mercador.   

O socialismo ou a comédia que ele é, ficou patente na resposta que o primeiro-ministro deu ao Presidente da Câmara de Lisboa, a propósito das cheias dos últimos dias. Costa não visitou os lisboetas afetados, como fez o autarca, porque teve a sua própria casa inundada e não recebeu um único telefonema de apoio de Carlos Moedas. Sua excelência, apesar de tudo, é sua excelência o primeiro-ministro. Não é o padeiro, o dono de restaurante, o casal que não tem onde dormir, a empresa que vai fechar por não suportar os danos causados pela água que subiu ao primeiro andar, a família pobre que ficou sem os míseros trastes levados na enxurrada. 


quarta-feira, dezembro 14, 2022

Quarta, 14.

Disse-me que era a favor da eutanásia “porque tenho direito a morrer quando quiser e assistido”. Apetece dizer: tudo bem, vai morrer longe. Os cuidados paliativos não lhe interessam uma vez impossibilitado de levar a vida que lhe aprouver. Esta filosofia é própria de uma certa esquerda arrivista - BE, partidos pequenotes, alguns pseudo-esquerdistas daqui e dali. Quando lhe disse que fosse ler o que o Partido Comunista expôs sobre o assunto, respondeu-me que quando foi deputado pela CDU já tinha votado contra o PCP e a favor do suicídio assistido. No essencial, a teoria é esta: eu sou proprietário do meu corpo e devo fazer dele o que muito bem entender. Há nesta atitude um egoísmo que assenta no princípio individualista que a sociedade nada têm com a opção final que cada um empreende. Transferindo este primórdio para o colectivo, se cada um vivesse para si, fechado nos seus caprichos, lutando apenas pela sua realização pessoal, não se importando com os outros, que tipo de sociedade teríamos e como poderia a humanidade sobreviver? Justamente, o que o progresso humano conseguiu acima de todos os outros, foi o respeito, a solidariedade, o contributo de todos para o bem comum. Então por que razão impor à sociedade um acto definitivo que o tempo irá transformar em forças terríveis de aniquilamento da condição humana, da ganância, do desespero, do poder e das traições colectivas e individuais?  

Eu tenho imenso respeito pelos suicidas, um profundo amor pelos infelizes que se despedem por inadaptação, fraqueza, solidão. Nem imagino o momento em que põem termo à vida através de acto violento, radical, um tombo no escuro de onde nunca mais emergem. Vem-me à ideia Sócrates, condenado à morte pelos juízes por “corromper a juventude”, embora como no-lo conta Platão em Fédon, a verdadeira razão da sua transgressão reside no facto de ele ter posto em questão a natureza e o direito do poder, a religião, a ideia que no seu tempo havia dos deuses, do mal e da injustiça, etc. Sócrates teve muitas hipóteses de escapar ao veneno que o iria matar, mas recusou porque acreditava na imortalidade da alma. E assim, rodeado dos seus discípulos, continua a falar enquanto o frio, começando pelos pés, invade todo o seu corpo. Morre a expor a sua hermenêutica: a alma conhecerá, enfim, a liberdade. Se conto este episódio é para chamar a atenção que uma coisa é a morte por escolha, baseada em valores religiosos, éticos, filosóficos ou outros, cujos fundamentos se enraízam no mais íntimo de nós, quando saudáveis, com a força da vida ostentada na pujança da nossa lucidez e vontade; outra é a morte decidida por uns quantos algozes, reunidos em nome do povo, que para tal não lhes deu especificamente poder nem está inscrito em nenhum programa partidário ou de governo. Por outro lado, para mim que sou crente, e decerto para a maioria dos portugueses educados na doutrina social da Igreja, a vida é de entre os atributos divinos, o mais sagrado. Desde a Escola de Milet (env. 600 Av, J.C.) até praticamente aos modernos filósofos - à excepção de Karl Marx que achava a religião o ópio do povo -, e mesmo no período Positivista de Auguste Comte em que o nosso Almeida Garrett embarcou, diga-se de passagem -, todos se mostraram, como direi, profundamente inclinados à ideia do Salut, isto é, o que está depois da morte. Kant dizia: “É-nos permitido esperar que Deus exista.” E Leibniz, o homem do cálculo diferencial, foi mais longe: “De momento que Deus é possível, Ele existe necessariamente.” 

Porque se nenhum deles conseguiu provar a não existência de Deus, muitos pela argúcia das suas mentes poderosas, com sacrifício e pondo em causa as suas teses filosóficas, também não ousaram contestar a sua existência. Eu surpreendo-me profundamente com o nascimento de um ser humano, chegado daquela terra abençoada que é o corpo da mulher, onde tudo começa, do júbilo ao advento triste da partida. Todo o circuito de uma vida é tão belo, tão fascinante, tão misterioso, que resumi-lo por decreto à morte ainda que assistida, é um crime que todos devemos impedir. Como pode meia dúzia de deputados, na sua maioria incultos, que ali estão ao serviço dos partidos, sem a mínima ideia do que foram dois séculos manchados do sangue dos mártires que pregaram o Amor contra a barbárie, do próprio destino da do filho de Deus morto na cruz, pregado, insultado, cuspido, decidir do destino final dos nossos irmãos, quando a ciência hoje oferece-nos um fim sem nenhum sofrimento e rodeado dos seus mais queridos entes e amigos. 

Para esta gente miserável, a política tout court, isto é, o delírio de alcançar o poder, não passa pela dignificação do homem nem pela compaixão do seu sofrimento. Fazem aprovar leis para as suas bancadas e para as suas tristes vidas condimentadas de coisa nenhuma, vividas na obsessão do assalto ao domínio de um povo sem conhecimentos, abandonado ao obscurantismo que eles diziam combater no antigamente. Daí que não queiram o referendo como princípio e esclarecimento da vontade popular. Tomam entre si as decisões graves, gravíssima neste caso, do destino humano e do seu fim. Não lhes acode que a verdadeira vida, o autêntico facto, reside no que está para lá desta passagem, nesse mundo que iremos conhecer muito pouco preparados para a descoberta, onde seremos confrontados com o rumo que demos à nossa vida terrena. O que há de mais imperioso, válido, digno é o que começa depois da morte. É para isso que nos devemos preparar, continuando a amar a existência que nos foi dada como dádiva maior de toda a criação.  

Como a língua número um dos povos subdesenvolvidos é o inglês (só depois vem a língua materna), convoco os meus leitores a irem à porta da Assembleia da República gritar: I have a strong long desire to live forever! I have a strong long desire to live forever!


terça-feira, dezembro 13, 2022

Terça, 13.

Uma vez mais temporal assustador com cheias, angústias, prejuízos, estradas interditadas, túneis cortados, desabamento de terras, desarranjo da vida quotidiana de milhares de pessoas... Neste quadro os nossos políticos redobram de promessas, saem à rua compungidos, num teatro dramático representado por péssimos actores. Tudo o que lhes competia fazer para evitar o pior – limpar sarjetas, ralos, ribeiras não falando nas infraestruturas que há mais de vinte anos prometem realizar – não fizeram num quadro que diz muito do laxismo em que se encontra a administração pública onde ninguém é responsabilizado por coisa nenhuma. O cidadão deve pagar a tempo e horas os seus impostos, mas o Estado representado pelo Governo que leva já seis anos em função, abandonou li-te-ral-men-te os portugueses à sua sorte. A bem dizer já não existe Administração Pública, o que temos são instituições de cobrança de impostos. 

         - Dito isto, remeto-me à reflexão da paixão juvenil manipulada por interesses de muita ordem acerca do Planeta. A pregação dos sábios oportunistas, dirige-se no sentido de nos aterrorizar que o mundo vai entrar numa fase de seca impressionante, com invernos quase inexistentes, aumento de temperatura e assim. Desde que aqui cheguei, tornei-me mais atento às alterações climáticas e, francamente, reconheço neste Inverno outros com esta mesma pluviosidade, ciclos de frio e primaveras antecipadas. A Natureza é soberana e precisa de ser respeitada. Esta história do clima, dos verdes, está transformada numa ideologia tonta que favorece sempre os mesmos, esses que perderam as bases sócio-religiosas-políticas e ficaram órfãos das suas românticas paixões juvenis. É também um tema que favorece os ignorantes que nos governam, pois sob a bandeira dos “fenómenos climáticos”, é fácil esconderem-se daquilo que não foram capazes de antever, fazer e das promessas não cumpridas. Depois, francamente, todo este movimento de entendidos e oportunistas, não passa de puro charlatanismo. Ninguém – governantes, autarcas, gestores, empresários, cientistas – fez o que quer que fosse para atacar as bases que têm prejudicado o nosso mundo. Que há desequilíbrios, há. Basta ver as necessidades inventadas pela indústria e o comércio, o desperdício abundante, o consumo a crescer todos os anos, o número de habitantes na Terra e suas consequências sobre a agricultura, as estruturas sociais, os espaços, a impermeabilização dos solos, a construção sobre ribeiras e lençóis de água, as grandes aglomerações das cidades, etc., etc.  Vamos ser claros: quando tomarão os governos a coragem de abrandar a desordem daquilo a que chamam “progresso”?  

         - À Annie sempre lhe ouvi dizer que preferia passar fome a ter frio. É nela que penso quando vejo a França, Inglaterra, Alemanha, Ucrânia e quase todo o continente europeu, com temperaturas negativas e obrigados a economizar. Neste aspecto somos privilegiados e ainda bem. Imaginem o que seria se tivéssemos 0 graus de temperatura com o governo actual e a ganância dos chineses da Su Eletricidade (até esta nova designação cheira a coisa chinesa, porque português correto não é com certeza)! Mesmo assim, ao que sei, os franceses já vão em 8 por cento de redução no consumo de energia. 

         - A ditadura religiosa no Irão condenou, por enforcamento, dois jovens. Há três meses que os corajosos rapazes e raparigas não deixam as ruas e investem com denodo sobre a polícia dos Khomeinis. Querem a liberdade e a democracia e não as suas vidas reduzidas a princípios arcaicos, sob a pata de um qualquer regime que os esmaga e ao seu futuro. O último dos condenados ocorreu há três dias, o seu corpo foi deixado pendurado numa árvore para exemplo dos insurrectos. Putin, no seu casebre de luxo, deve estar radiante. 


segunda-feira, dezembro 12, 2022

Segunda, 12.

A grega senhorita Eva Kaili, vice-presidente da assembleia, que há muito vinha defendendo o Qatar no Parlamento Europeu, indo ao ponto de afirmar “que o Qatar é a prova de como a diplomacia do desporto pode conseguir uma transformação histórica de um país com reformas que inspiram o mundo árabe”, acrescentando, inclusive: “eu própria digo que o Qatar é líder nos direitos laborais”, foi detida, sexta-feira, com mais quatro canalhas. Este desplante, mais o forcing que deu na liberalização de vistos para os naturais do Qatar e do Kuwait na União Europeia, valeu-lhe a ela e aos outros, italianos e belgas, envolvidos na corrupção, seiscentos mil euros encontrados no seu apartamento de Bruxelas. Aliás, é do conhecimento de toda a gente, que as regras laxistas, a falta de supervisão ética, o descontrolo dos chamados lobistas no Parlamento Europeu, deixam muito a desejar. O director da Transparência Internacional, Michiel van Hulten, ainda recentemente alertou “que este não é um incidente isolado”. Pergunta sacramental: a fulaninha pertence a que partido? Não me digam que é aquele que eu estou a pensar e é useiro e vezeiro em crimes deste género! Acertaram os leitores que murmuraram a medo: “Socialista?” Bingo! 

         - Esta maravilhosa foto hoje divulgada por inúmeros jornais e cadeias de televisão é, segundo a BBC, uma formação causada por fenómeno natural designado Kelvin-Helmholtz, devido a criação de uma corrente de ar superior muito rápida. Os cientistas sabem tudo e tudo explicam, mas este como outros fenómenos, apesar das explicações, não deixam de nos questionar e inquietar. Há um porquê em todas as certezas da ciência.  


         - Fim de tarde tempestuoso. Ventos demoníacos. Chuva forte e constante. Há uma revolta lá fora, um desassossego por esclarecer. Sentado no salão, passei horas serenas a ler, embalado pelo ruído da trabuzana, plácido e quase seráfico, reconhecido pelo pouco que tenho e mesmo assim imerecido. 

domingo, dezembro 11, 2022

Domingo, 11.

Portugal o favorito, o que tinha a melhor equipa, o maior jogador do mundo, a melhor táctica, o maior treinador, os melhores analistas morreu vergado ao peso de tanta qualidade, à mercê de uma turma “sem técnica”, “praticando um jogo rasteiro”, “com  o arbitro do seu lado”, Marrocos. Eu não vou analisar o que se passou em campo até porque só vi imagens dispersas, deixo esse encargo ao comentador desportivo de serviço, prof. Marcelo. Do que eu queria falar era da lição que a vida nos dá constantemente e daquela patética imagem de Ronaldo, atravessando o longo corredor até aos balneários, transfigurado de lágrimas. O pobre ricaço, não percebe que tudo tem um fim, e toda a grandeza e glória, fortuna e orgulho, não passa no crivo de desespero ou no instante de vazio que a vida é mestra em nos surpreender. Quando o nosso valor reside naquele tipo de valores que fizeram Ronaldo e tantos outros; quando não somos capazes de relativizarmos as honrarias e benesses, caímos naquela solidão e dela não nos levantamos facilmente. Os portugueses vivem adormecidos com o futebol; os políticos à sua sombra, aproveitam essa dependência para prosseguirem as suas políticas retrogradas, que fazem que avançam mas estão sempre paradas, a sua propaganda mentirosa, lutando para que as consciências e as mentes dos seus concidadãos não se abram à análise, ao pensamento critico, à luta por valores cultural e socialmente humanos. Dito isto, emocionei-me com aquele plano de dor e abandono, vendo o grande ídolo, o indestronizável desportista, só, carpindo convulsivamente e chorei com ele, chorei por ele.  


sábado, dezembro 10, 2022

Sábado, 10.

A mediocridade da informação portuguesa que privilegia a desgraça ao invés da notícia que importa e esclarece. Depois de dois meses a chover, ainda não encontrou tempo para nos dizer se estamos mais confortáveis com o bem essencial que é a água. Nada sabemos como estão albufeiras e barragens – notícia feliz não faz pessoas felizes nem vende jornais.  

         - A legalização da eutanásia foi aprovada pelas esquerdas e um ou outro deputado do PSD. Mas quem saiu louvado foi o PCP. A sua posição contra o atentado à vida, não mereceu por parte da informação praticamente nenhum relevo. Mas eu não quero deixar passar em branco tão nobre acto. Por isso, transcrevo: “A legalização da eutanásia não pode ser apresentada como matéria de opção ou reserva individual. Inscrever na Lei o direito a matar ou a matar-se não é um sinal de progresso, mas um passo no sentido do retrocesso civilizacional, com profundas implicações sociais, comportamentais e éticas que questionam elementos centrais de uma sociedade que se guie por valores humanistas e solidários.” Depois, veemente, afirma: “A ideia de que a dignidade da vida se assegura com a consagração legal do direito à morte antecipada, merece rejeição da parte do PCP.” E vai mais longe: “Perante os problemas do sofrimento humano, da doença, da deficiência ou da incapacidade, a solução não é a de desresponsabilizar a sociedade promovendo a morte antecipada das pessoas nessas circunstâncias, mas sim a do progresso social no sentido de assegurar condições para uma vida digna”, e acrescento eu os cuidados paliativos e não o descarte desumano. Agora a sua aprovação está nas mãos do Presidente da República que já se recusou a outorgar duas vezes.   


quinta-feira, dezembro 08, 2022

Quinta, 8.

À boa e tradicional maneira de fazer política à portuguesa, quem nos (des)governa, repete todos os anos aquilo que vinham prometendo há décadas e os factores naturais desmentem: cuidado com infra-estruturas sanitárias, limpeza de sarjetas, desvio das águas pluviais. Lisboa passou uma noite de aflitos, com chuva torrencial, trovões e inundações de casas, praças e ruas. Uma senhora morreu afogada na cave onde vivia. O actual autarca, promete mais uma vez fazer isto e aquilo – a ladainha aldrabona do costume. Os lisboetas, já desde Costa para não falar na tristeza do sacristão, foram abandonados à sua sorte. 


         - Passei a noite a batalhar com uma história que ia escrevendo contra a minha vontade. Às tantas, ouço-me a gritar: “Não quero escrever, quero dormir.” Todavia, a narrativa tinha todos os ingredientes para ser um grande romance. 

         - Fui com a escultora Maria José ao hospital de Setúbal ver Sebastião Fortuna que ali se encontra devido a pneumonia com comorbidades bastantes para causar apreensões a médicos e amigos. De seguida, fomos almoçar a um restaurante que eu não conhecia aqui da vila. Almoço vulgar e para o caro. Bom. Valeu a conversa múltipla e arejada e o registo de amizade da amiga que me disse estar sempre disponível se eu vier a precisar de ajuda. Ela vive aqui perto, à entrada de Cabanas. Apesar de ter dois filhos colocados em altos cargos económico-financeiros, optou por viver só entregue à sua arte. É uma mulher como se ousa dizer fiche e solidária.  


quarta-feira, dezembro 07, 2022

Quarta, 7.

A esquerda, forte na contestação pela sua sobrevivência, nem se dá conta que é a ela que um dia assacaremos responsabilidades pelo retorno aos regimes de extrema-direita fascista. Não falo da esquerda que luta pelo equilíbrio e por conviver democraticamente com forças políticas que não comungam das suas ideologias, refiro-me àquela gente ressabiada que luta pelo poder, contra tudo e todos, pegando nos descontentamentos dos povos e fazendo deles cavalo de batalha das suas aspirações. Vêm estas considerações a propósito do ataque que uma organização de estrema-direita programava fazer ao Bundestag. A Procuradoria-geral da Alemanha anunciou ter desmantelado uma célula do grupo que planeava ataques armados não só ao parlamento, como a vários pontos do país. Se a isto juntarmos as atitudes de Trump na mesma direcção, temos o quadro sinistro do que nos espera. Os futuros nazis alemães, rejeitam a Constituição que nasceu depois da II Grande Guerra e apela ao derrube do Governo.  

         - Pois é, estamos condenados a isto, atendendo à falta de grandeza e honestidade de quem nos governa ou quer vir a governar. Atente-se no caso Montenegro. Sempre na onda da ribalta, combatendo as acções de António Costa, jurando que faz melhor do que o actual primeiro-ministro, mas nunca explica como. É a governação patuá, milhares de palavras jorradas de mentes sem consciência nem atitude responsável, na mira do poder pelo poder. Esta gente tem uma concepção da democracia muito especial e acham normal dizerem uma coisa hoje e o seu contrário no dia seguinte. Nenhum dos programas partidários é para cumprir, porque a democracia não tem sistemas que os façam executar aquilo que prometeram. Assim vamos vivendo entre feirantes desonestos. 

         - Enquanto Putin ameaça uma vez mais com a guerra nuclear, o Papa Francisco comparou a guerra na Ucrânia com a Operação Reinhardt - o plano nazi lançado em 1942 para assassinar judeus na Polónia durante a Segunda Grande Guerra. Eu estou com Sua Santidade. 

         - Almocei no Vitta Roma. De seguida fui fazer duas compras à Baixa e voltei a correr para casa acossado pela chuva forte. Fertargus a abarrotar. Na carruagem apenas eu e um rapaz estávamos mascarados, tudo o resto tossia, espilrava para cima de quem estava perto. De certeza que aquela gente vê partidas de futebol na TV, concursos, programas choldras, cómicos sem graça nenhuma, mas não reparam nas recomendações da DGS - são broncos à moda portuguesa. 


terça-feira, dezembro 06, 2022

Terça, 6.

Vou transcrever o que recebi por computador do Jornal Público: “Magistrado recebeu durante mais de três anos e meio salário bruto de 5600 euros sem trabalhar. Voltou ao Ministério Público já depois da primeira condenação, após uma longa licença sem vencimento. O procurador Orlando Figueira (é dele que se trata), condenado a seis anos e oito meses de cadeia há quatro anos por ter sido corrompido pelo ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente no âmbito da Operação Fizz, foi finalmente demitido do Ministério Público.” Maravilhosa justiça, bom e terno país que dá a ganhar aos corruptos duplamente. Vale ou não vale a pena o crime? 

         - O Irão continua na ordem do dia. Os números oscilam entre 300 e 500 mortes nestes últimos três meses de celebração da liberdade e em memória de Mahsa Amini. Os estudantes e a população já pedem nas ruas o fim do regime medieval. 

         - Por cá é o desespero. Não me recordo de nada semelhante. A impressão que tenho, é que fomos abandonados à nossa sorte e o Estado de Direito é uma fantasia. Nos hospitais chega-se a esperar para ser atendido 11 horas! Os funcionários públicos viraram barões que tudo exigem ao cidadão: marcação por telefone, por computador, em número restrito porque suas excelências não se podem cansar; os médicos folgam nos fins-de-semana e deixam para trás parturientes e débeis queixosos, receosos do pior agonizando na dúvida e na dor; as greves voltaram, mas curiosamente sempre às sextas-feiras; os sites dos organismos públicos têm números de telefones que não funcionam, páginas cheias de patuá inútil, mails desconfigurados, tudo sem préstimo com o intuito de impedir que o cidadão os importune; o sacristão anunciou que a inflação desceu ligeiramente, a DECO diz que subiu há uma semana 35 euros; o Governo de Costa está em festa: foi a representação mais assídua e numerosa no Qatar de entre qualquer outra da Europa. Somos ricos e socialistas, mandamos às urtigas os Direitos Humanos. 

         - A propósito. Neste país de coisinhas e coisinhos, o que importa e nos dá o pão de cada dia, é o ex-melhor jogador da FIFA. O homem mandou para o C... o treinador, exibindo a arrogância que o caracteriza, e expondo a choldra que foi a sua educação, os seus princípios, a sua matriz vulgar e ordinária. Andou bem Fernando Santos ao pô-lo ao mesmo nível dos demais. A importância que o dinheiro confere a um sujeito inculto, é impressionante e ridícula. Vá para as arábias governadas por ditadores que, como ele, vendem a honra por dez reis de mel coado. Fazer depender a vida da riqueza, é não dar importância nenhuma ao seu valor. 


sábado, dezembro 03, 2022

Sábado, 3.

Faltava à anotação que deixei aqui acima, a conclusão do artigo de hoje de António Barreto. Diz o articulista: “O que agora se pretende fazer à Constituição é mais uma vez uma actualização demagógica e oportunista. Todos querem aumentar e alargar os sistemas de direitos e benefícios de que usufruem grupos de cidadãos. Todos os partidos querem dar mais e distribuir mais: educação, saúde, alimentação, Segurança Social, higiene, qualidade de vida, água, clima, transportes, habitação, vida animal, floresta... Todos estes temas deveriam ser tratados em programas de Governo e nada têm que ver com a Constituição...” E no remate: “Esta revisão é uma armadilha autoritária, não democrática, de medíocre improviso e de grosseiro expediente.”  

         - Ontem, tendo ido ao dentista, ali como por todo o lado, a praga das televisões e a droga do futebol são omnipresentes, perdão, omniscientes. Acontece que Portugal, segundo a nossa imprensa, possui a mais fabulosa selecção do Mundial, com um ex melhor jogador da FIFA já em decadência, perdeu com a Coreia do Sul. Por momentos pus os olhos na partida e, como não entendia nada daquilo, observei a beleza natural dos rapazes da Coreia do Sul, todos autênticos, jovens, pele sedosa, brilhante, por contraste com os nossos de ar abrutalhado, artificiais, depilados, sobrancelhas recortadas e rematadas a lápis, pernas arqueadas, armados da realeza pelintra que o futebol os coroou. Marcelo não podia faltar à festa e diante dos jornalistas babados, comentou o jogo e houve muitos risos e abraços e admiração ante a sua verborreia. Triste Portugal!      

          - Almocei com a Alzira na Confeitaria Nacional. Forma de falar porque tendo partido a prótese provisória, apenas a acompanhei revendo factos e histórias. Mais tarde, com fome, entrei no Vitta Roma para petiscar. Gosto de ali ir, não só porque tem preços em conta, como pelos habitués, duas qualidades de clientes, desde os doutores reformados, às dondocas falidas da Avenida de Roma, aos operários que não chegam ao menu e se ficam por duas sandes e cerveja. O ambiente é sempre ruidoso, festivo, em diálogo de surdos da copa para as mesas, numa espécie de carnaval brasileiro que os muitos empregados desse país lhe embutem, sob a batuta da governanta desdentada e a ameaçar regressar ao seu torreão natal num qualquer sítio do Norte. Quando a temperatura baixa e ficam esquecidas nas mesas as velhotas vestidas do resto da pompa e circunstância do passado, instala-se por ali um murmúrio triste, feito de olhares parados, pensamentos voando por cima dos anos dourados, silêncios ciciados, desassossegos brandos nos corpos enfeitados das vestes coçadas. Todo o fausto brilho de então, como que se liquidifica, caindo em lágrimas sobre a mesa onde está esquecido o resto do vinho tinto que o menu oferece. Eu, curiosamente, sinto-me bem ali, recebendo por vezes um sorriso triste, um olhar disfarçado, uma pose sobranceira. É esta a minha gente, dela me habito, por ela encho as horas no remanso do tempo que me sobra para embarcar no comboio de regresso a casa. 

         - Tempo moche. Triste. Frio. Tenho duas lareiras acesas: na cozinha e aqui no salão. Mas é nos povos do norte e centro da Europa que penso, obrigados a reduzir aconchegos, a passar frio, a sofrerem dentro das suas casas o horror de uma guerra idiota. Para não falar na desumanização do ditador, coagindo os ucranianos ao frio siberiano e sem água, com todas as infra-estruturas desfeitas. 


quinta-feira, dezembro 01, 2022

Quinta, 1 de Dezembro.

Quando o João Corregedor fez anos, ofereci-lhe o livro de Anna Politkovskaya A Rússia de Putin e juntei uma folha pedindo-lhe que tivesse em conta outros universos. Foi uma espécie de provocação a que ele, elegantemente, respondeu oferecendo-me o livro de José Tolentino Mendonça, Metamorfose Necessária – Reler São Paulo. O nosso cardeal, é uma espécie de coqueluche da esquerda portuguesa, e eu tenho-me abstido de o ler por não gostar de andar arrastado por modas ou ideologias. Mas vou analisar o ensaio, embora o meu conhecimento sobre São Paulo seja já suficientemente sólido através da biografia que N. T. Wright dedicou ao Apóstolo. 

         - Os nossos deputados, pobres coitados, não se dão conta do ridículo em que operam. Estando o país como está, os portugueses numa luta insana pela sobrevivência, com tanta coisa para tratar socialmente urgente, mais uns milhares a cair na indigência e a juntarem-se aos dois milhões de pobres, todo o tecido colectivo a rebentar, não encontram nada de mais premente que a legalização da eutanásia e a alteração da Constituição!!! Se ao menos aplicassem a célebre frase de Kant, enunciada em Crítica da Razão Prática: “Agir de sorte que a máxima da tua vontade possa também servir continuamente de principio para uma legislação universal”. Mas, não. Aos nossos parlamentares, consagrados ou debutantes, apenas interessa a temática que a define de esquerda, por comparação à outra que se diz humanista ou mais extensiva da vontade popular. A luta no Hemiciclo não é por valores abrangentes, é por partidarices. Aos deputados não interessa os valores constitutivos de uma moral democrática, mas o fogueteiro das ideologias.  

         - Com o dia de sol que hoje imperou, depois de ontem termos sido enclausurados pela chuva contínua, eu devia tê-lo aproveitado para prosseguir na limpeza do terreno. Acontece porém, quando há dias o fiz, fiquei ko devido a qualquer movimento muscular na cintura que me provocou uma noite de incómodos. Portanto, calminha, rapaz. 


quarta-feira, novembro 30, 2022

Quarta, 30.

Ontem voltámos – João, Virgílio, Carmo Pólvora e eu – ao hospital da CUF. Encontrámos a nossa amiga um pouco mais abatida embora enfrentando a doença com denodo. A Teresa tem um filho, músico, que se ocupa dela quando espectáculos e digressões o permitem. É um homem de grande sensibilidade, a quem recorro quando quero saber pormenores sobre de uma ópera, sinfonia ou música clássica no geral. Na conversa que tive com ela, contou-me que na véspera do acidente, começou a pintar pela primeira vez o seu auto-retrato, “mas não cheguei a assinar”. “Não te preocupes, em breve vais assinar essa tela e tantas outras.” Devolveu-me um olhar terno de agradecimento. 

         - Acabam de sair estatísticas propagandísticas que assinalam uma ligeira baixa dos preços. Eu não acredito em nada. Até porque, não tendo criados, sou eu que me ocupo de ir ao supermercado e aos mercados dos pequenos agricultores aqui da zona. Tenho visto tudo a subir, mas eles dizem que desceram o mês passado. Nestas alturas, vem-me sempre à memória o episódio da irmã do João S., técnica honesta e competente do Instituto Nacional de Estatística, despedida por ter ido a Bruxelas apresentar a realidade que o governo de então não queria que se soubesse.   

         - Encontrei a actriz Ana Bola no Corte Inglês. Juntos andámos a fazer compras, mas a dada altura vejo-a com dois grandes copos de gelados Haagen. Digo-lhe: “Olhe que isso engorda. Pois. Mas é tão bom!” Aconselhei-a então a experimentar o mesmo “tão bom” na versão dos Açores que se vede no Lidl. Olhou-me com aqueles admiráveis grandes olhos azuis e disparou como uma menina bem comportada: “Vou seguir o conselho”. Risada à maneira da excelente actriz que é. 

         - Vladimir Putin, digam o que disserem, é um criminoso. E um criminoso desesperado que sabe já ter perdido a guerra e atira a matar tomado da loucura e do ódio mais primários. Nunca lhe interessaram as regras humanas da guerra, porque as há, sempre atirou indiscriminadamente atacando e matando civis inocentes, destruindo cidades e aldeias. O seu sadismo foi ao ponto de preparar um doloroso e mortífero inverno para os ucranianos, rebentando com centrais eléctricas, reservas de água, escolas e hospitais. Guterres que não aprecio por aí além, saiu-se, todavia, outro dia em Madrid com esta verdade: derrotar a Rússia é também avisar os outros regimes autocráticos do mundo de que a lei do mais forte não pode prevalecer. Pensava, decerto, no ditador da China. 

         - Os governantes que nos governam com toneladas de palavreado, de manhã à noite, 24 sobre 24 horas, estou a pensar em Macron, António Costa, Nicolás Maduro, fingindo e enganando-nos com trabalho árduo que detestam empreender, sobretudo, Marcelo, grande amigo da TV e jornais, fornecendo-lhes “caixas” como se dizia no meu tempo de jornalista, matéria para frontispícios, num país onde não se passa nada à parte a miséria que nos invade. Em doses cavalares de comentários, previsões, estatísticas, pareceres, antevisões, palpites, dichotes sobre futebol, dança, peditórios, saúde, tecnologias, arquitectura, arte, sessões de espiritismo, hipnotismo, artrite reumatoide, flebite, frugalidade, volúpia, automóveis, jardinagem, livros e autores, ufa, Helder, pára que cansas o Sousa, coitadinho... 


segunda-feira, novembro 28, 2022

Segunda, 28.

De um lado temos os casos dos direitos humanos, da escravidão, do fanatismo para mim incompreensível do futebol e por outro, à posteriori, as cenas canalhas da barbárie pouco respeitadora do verdadeiro espírito desportivo que, para o que aqui me traz, há muito deixou o desporto enquanto mandamento de disciplina, prazer, equilíbrio de saúde mental e física. Como no caso ontem dos boçais que em pleno centro de Bruxelas, viraram carros, usaram material pirotécnico, empunharam paus, provocaram incêndios, investiram sobre a polícia, feriram um jornalista, e deixaram ruas e praças num estado de destruição inadmissível. Tudo isto, pasme-se, porque a Bélgica perdeu 2 a zero com Marrocos!!  

Foto Público online

         - Os protestos transformados em revolta vão até à exigência de demissão do imperador Chinês, propagando-se pelas importantes cidades da China. Exigem o afastamento de Xi Jinping ping ping, recentemente entronizado, a suspensão do confinamento e aquela ideia absurda do ditador de obter covid zero ali conjecturada a gás lacrimogénio e a bastão policial.  Nunca se viu uma tal oposição, provando que o povo quando unido pela liberdade, consegue depor o mais desumano tirano.  

         - Longa conversa com o João Biancard sobre o período em que assumiu o projecto Frente Tejo, sucedendo ao inefável José Miguel Júdice e era primeiro-ministro o salteador do cofre do Estado, José Sócrates e presidente da Câmara de Lisboa, António Costa. Bizarro duo! Durou poucos anos no cargo tendo apresentado a demissão por não suportar mais os esquemas pessoais e políticos das duas personagens. Deixou a função com sete milhões de euros, as contas certas, a casa arrumada e só aceitou a medalha de honra da cidade que lhe foi atribuída pelo ex-autarca por educação, para logo a arrumar em parte incerta numa divisão da sua vasta casa. Somos amigos há muitos muitos anos e sou testemunha da sua grande honestidade moral e cívica. Tenho aqui vastas vezes contado episódios da sua personalidade e daquele seu hábito desprendido que o levara a optar no estrangeiro por hotéis modestos, economizando somas chorudas habitualmente gastas nas deslocações oficiais de representação do Estado português. 

         - Almocei em casa da tia Júlia recuperada da operação à anca. Belo encontro com a presença do filho, nora e neta estudante de psicologia com quem me divirto sempre caçoando do curso. Faltou o Gonçalo por ter chegado na véspera da Dinamarca, aonde fora no aperfeiçoamento do conhecimento das neurociências enviado pelo hospital onde trabalha. Grande divertimento, risada em quadruplicada, festa entre nós. Não sou pessoa de família, naquela tradição gregária e sectária, mas estou à vontade entre os meus – o que se come é-me completamente indiferente. Mas comeu-se bem, ao ponto de tia Júlia insistir para que trouxesse ração para mais duas refeições. 

         - Terminei o Diário de Arthur Schnitzler. Em verdade a coisa é uma abundante soma de linhas, em estenografia, nomes de pessoas, cidades, lugares apresentadas pelas iniciais, obrigando o leitor a um esforço suplementar de conferir a informação no fim do livro, longas recitações dos sonhos do escritor que eu detesto, mas compreendo tendo sido ele médico ligado à psicologia e psicanálise, arrelias com a mulher Olga de quem se separou, discussões acesas sobre dinheiros e suas aplicações, rápidas linhas assinalando encontros com Freud, Alma Mahler, Thomas Mann, Stefan Zweig, envolvimentos com mulheres, etc. Só não sei como faleceu, tendo eu lido em qualquer lado ter sido por suicídio. Comecei a ler as cartas que o médico-escritor escreveu a várias personalidades.    

         - Imediatamente a seguir ao almoço, fui roçar erva em frente à casa continuando o que havia começado há duas semanas e fora suspendido devido à chuva abençoada. Foi hora e meia e depois fiz duas queimadas. Tenho imenso trabalho, mas não quero pensar nisso. Vou fazendo como posso e quando posso.  De resto a labuta nunca me assustou. 


sábado, novembro 26, 2022

Sábado, 26.

Terminou a palhaçada do OE com o voto contra de todos os partidos à excepção dos dois pequerruchos. Grosso modo, se retirarmos as célebres cativações socialistas, o próximo ano vai ser de maravilha, com o país a enriquecer e os portugueses a empobrecer. Mas estamos bem, muito bem mesmo, no entusiasmo de António Costa e do seu sacristão. O problema é a Roménia recém-chegada à UE já nos ter ultrapassado na melhoria do PIB. Estamos como sempre estivemos na cauda da Europa. Orgulhosamente sós.  

         - E não só a esse nível, como na decadência social transposta para o modo como tratamos aqueles que vêm de longe para nos ajudar. Ciclicamente é isto: milhares de imigrantes chegam ao Alentejo e a outras partes do país e são acolhidos como coisa sem mérito nem importância, escravos vindos do fundo de séculos tenebrosos. Pagam para trabalhar, passam fome, vivem em condições degradantes, carpem de vergonha e humilhação, agridem-nos, reduzem-nos a máquinas infernais sem descanso, peças agrícolas oleadas com choro de noites de insónias. As autarquias sabem do crime, os governos centrais conhecem o drama, os patrões condescendem com as transgressões à lei, e ninguém se importa, jogando o jogo do empurra responsabilidades para ficar tudo na mesma. É uma vergonha que nos envergonha a todos e a mim pessoalmente me ofende, me maltrata, me revolta enquanto português que vive num regime democrático e ainda por cima socialista (ou lá o que isso for).    

         - Eu apetecia dizer como o arrogante que ”nunca tenho dúvidas e raramente me engano”. Mas é um facto que acerto muitas vezes simplesmente porque tenho o hábito de olhar com atenção o rosto do outro e, se possível, passar-me para o seu lado. Vem isto a propósito de um homem que contratei pelo telefone para cá vir a casa substituir o vidro da lareira que rachou vá-se-lá-saber-porquê. Na foto do seu telemóvel vejo-o com a mulher (que ele chama esposa) e ambos têm estampada nas caras a honestidade e a bondade. Acresce que ele me disse quando o contactei, que só podia fazer este serviço fora das horas do emprego, o que me deixou à beira do êxtase absoluto. Num país de malandros, de políticos, de desocupados, de bebedores de vinho pelas esplanadas, encontrar alguém como ele é para mim a veneração de joelhos. Não me enganei. Encontrei um rapaz pelos seus trinta e poucos anos, extremamente consciencioso, sem conhecer o modelo do recuperador, se aplicou a estudar a maneira de substituir o que foi partido. Esteve neste exame para cima de uma hora, nunca tendo reparado um aparelho desta marca. Depois, quase a pedir-me desculpa, disse que ia falar com colegas para descobrir como tecnicamente pode reparar o aparelho e me telefonaria mais tarde. “Quanto lhe devo? Não deve nada. Eu vou ver se consigo resolver-lhe o problema e na próxima semana telefono-lhe.” Digam-me: isto é Portugal pós-25 de Abril? Não é. Mais: somos no rosto o que escondemos no coração. João Corregedor a quem eu ontem ao telefone falei do técnico e de como o havia contratado, advertiu-me: “Vê lá quem metes em casa!” Na realidade entrou esta manhã aqui um ser perfeito, um anjo de alguém modo. Tenho absoluta necessidade de conhecer e conviver com gente deste quilate. 

         - É curiosa a foto-montagem que tirei do blogue de Rentes de Carvalho e ilustra às mil maravilhas a lastimosa carneirada em que o país se tornou. 


  


sexta-feira, novembro 25, 2022

Sexta, 25.

Eu tenho o salutar hábito de reler estes textos (e os do romance em elaboração), no dia seguinte à sua concepção. Conheço-me suficiente bem, sei como sou cercado pela ansiedade, o nervosismo que me tolha os sentidos ao sentar-me todas as manhãs diante do computador. Nem sempre tomo um calmante. Como ontem ao abalançar-me a escrever sobre o último romance de Francisco José Viegas - pelo que sei muito apreciado. Pois é, mas no melhor pano cai a nódoa. Não sei por que carga de água, chamei Olga à nova inspectora que substituiu o nosso terno Jaime Ramos; em vez de usar o nome criado pelo autor do livro, Olívia. Já foi corrigido. E as minhas desculpas à desenvolta personagem que continuará na sombra o trabalho daquele que, contrariado, entrou na reforma... Desejo não seja o caso do seu criador. Longos anos de escrita luminosa e fresca, bela e profunda, como aquela que nos apetece estreitar nos braços. Literalmente. Para os meus leitores que com frequência me acusam de não apreciar nada ou ser demasiado crítico, aí têm este desmedido louvor quando a arte, a verdadeira, se cruza no meu caminho. Francisco José Viegas não conta histórias de embalar nem merdelhices para senhoras desocupadas. É um Escritor. Ponto final. E acrescento para que fique claro, embora nos tenhamos cruzado noutros tempos em alguma redacção de jornal, não o conheço na intimidade. 

         - Renovo-me interiormente de cada vez que vejo a revolta instalar-se nos corações daqueles que vivem amachucados, sem voz, humildemente diante dos senhores todos poderosos que os têm como escravos obedientes e submissos. É o caso de milhões e milhões de chineses, sob a ditadura de um homem protegido por militares. Cidades inteiras estão obrigadas a ficar de novo em confinamento, não obstante as poucas mortes por covid, só porque o despotismo de um só homem o impõe. Confrontos nada habituais na China aconteceram entre as forças militares, a população e os médicos. Ninguém consegue deter a fúria da razão que quer impor a liberdade e o direito de continuar a ganhar o pão de cada dia. Xi Jinping ping ping, cospe para o lado. Até quando? 

         - O mesmo se passa no Irão onde já faleceram para cima de 400 jovens às ordens da polícia desumana que protege a ditadura religiosa do insensato Khomeini e em memória da jovem Mahsa Amini, de 22 anos, morta em Setembro por usar o lenço islâmico na cabeça deixando à mostra uns quantos cabelos. O Conselho dos Direitos Humanos da ONU, aprovou um inquérito para pôr fim à “violência brutal e tirania de Estado” iraniano. Curvo-me diante da coragem estudantil que desde então não abranda a luta pela liberdade e os direitos humanos, num país que vive num inferno vegetativo, sem horizontes, nem futuro. 

         - Na Indonésia, um forte sismo, fez 272 mortos e muitos milhares de feridos. Imagens pungentes chegam até nós sem que nada possamos fazer para acudir aos infelizes. 

         - Não gostei do tom presunçoso, do quero posso e mando, de Santos Silva dirigindo-se ao polícia encarregado de abrir as bancadas da Assembleia ao público. Está ali o retrato preciso da maioria socialista. A lição veio depois: as portas não foram abertas porque não havia um único cidadão do “bom povo” interessado em assistir à sessão parlamentar. Toma e embrulha. 


quinta-feira, novembro 24, 2022

Quinta, 24. 

Duas ou três coisas sobre o romance de Francisco José Viegas, Melancholia. Descobri o autor há dois anos com o memorável livro A Luz de Pequim, seguindo-se Um Céu Demasiado Azul que não me entusiasmou como o anterior e agora este saído há três semanas que confirmou para mim o excelente escritor que temos a sorte de ter. Há trinta anos que Viegas nos narra a história do inspector Jaime Ramos, forma demasiado óbvia de não perder de vista o país que somos, que fomos sendo, pós-25 de Abril. Nesta última história do mestre do crime, Jaime Ramos, entra por assim dizer na decadência, na melancolia do fim de carreira e de vida, e tudo se passa em torno de um ambiente que o autor conhece como ninguém – o das Letras e dos escritores. Tema que nunca havia abordado (penso) nos quinze romances precedentes, mas onde o encontramos como peixe na água sendo editor. A nossa sociedade cultural está inteira em páginas que descobrem o assassinato da escritora de dois títulos publicados, Cristina Pinho Ferraz, mas igualmente no mundo de intriga, inveja, vaidade, espectáculo, convencimento e mitomania que são os célebres Encontros de Escrita, onde o inspector cai de paraquedas. Ali nascem e morrem, aparecem e desaparecem muitos candidatos ao Nobel. “Literatura é vingança ou confissão, ensimesmamento. O problema é que a maledicência só é arte passados muitos anos, muitos prémios literários depois, muita memória acumulada, muito esquecimento controlado.” E depois: “Tirando o cinema, a literatura é a mais malévola das artes, porque se podem sugerir coisas impressionantes em cada personagem, e cada personagem pode ser identificada (pág. 176).” É isso que Francisco Viegas faz. Conhecendo o meio como poucos, lúcido e inteligente como é, dá-nos um fresco impressionante de certos génios sem nunca citar nomes, mas insinuando-os através de imagens de recorte preciso, de sombras e vanidades. Ao contrário dos livros policiais do género, Viegas favorece o lado psicológico, humano, sensível, não só do polícia na pré-reforma, como das personagens que o inspector vai encontrando ao longo da história de Melancholia. Por vezes, temos a sensação que o pano de fundo – o corpo de Cristina Pinho Feraz encontrado enterrado num jardim, dividido em três sacos – é apenas leit-motiv para o autor nos mostrar o seu lado imponente de narrador, de ficcionista, numa paisagem nortenha de onde é natural, com os elementos geográficos, físicos e arquitectónicos que integram ou submergem o clima soturno, percorrido por um inspector que marcou a história do crime, antes das modernas tecnologias virem enquadrar e ser usadas por novos agentes policiais, de ser substituído por Olívia, mulher de múltiplos amores, talvez demasiado dependentes das caranguejolas – telemóveis, computadores, videochamadas -, em desprimor da psicologia criminal, do pormenor conquistado no terreno, da obsessão da verdade, conforme com o espírito da lei e da justiça. 

A melancolia é muitas vezes um estado criativo e de equilíbrio no dizer de Joke J. Hemmsen. Todavia, para Jaime Ramos é uma despedida de vida dolorosa, um estado depressivo difícil de substituir após uma existência a perseguir malfeitores, a lutar pela verdade, num país de faz-de-conta, onde o crime de colarinho branco impera. O inspector vagabundeia, finge ser ainda o elemento de referência numa corporação que o 25 de Abril veio computorizar, instalar novas hierarquias, afastar os mais velhos polícias para os substituir por quadros pomposos perfeitamente inoperantes. Jaime Ramos olha para as novas condições de trabalho com certa altivez de velho que não se deixa impressionar por modernidades sem consistência nem objectivo contributo para o esclarecimento da verdade. Segue na sombra, a apalpar a acção, a estudar as personagens do ponto de vista social e psicológico, mas já sem aquele entusiasmo, aquela força redentora que o distingue dos demais. Há como que dois planos romanescos que seguem em paralelo: o destino do inspector Jaime Ramos e o da morte da escritora Cristina Pinho Ferraz. Sem esquecer o país onde os factos aconteceram e é tanto ou mais importante que o delito em si mesmo. Viegas não se esquece nunca que as circunstâncias fazem o crime. 

Depois há um facto curioso que me agradou especialmente: a presença discreta do narrador. Ele entra e sai de cena com parcimónia, como se fosse o maestro a dirigir uma orquestra de vários naipes. Exemplos não faltam : “Mas a pergunta era essa. O que levara Samuel Ribeiro Ferraz, depois de saber que ia morrer, em 2012, a fazer aquelas viagens à Turquia, mas também a França e a Espanha?” seguida desta conclusão: “Já lá vamos.” (pág. 306) São na realidade muitos os pontos que ficam suspensos de capítulo para capítulo, comigo de atalaia à construção do texto, tentando ver se algo fica suspenso a merecer o respectivo desfecho. Qual quê! Francisco José Viegas dinamiza a história com maestria e é um prazer, uma felicidade ler este Melancholia porque tudo nele é arte na sua expressão mais contida, mais bela, mais humana, na sua forma de contar, no humor que nos surpreende, na poesia que perpassa todo o livro e é parte integrante da melancolia que acompanha Jaime ramos e nos suspende a respiração, como nesta passagem onde o narrador se dirige à personagem: “Jaime Ramos, hoje sentes a música composta pelos anjos do passado, pelos anjos da melancolia, por um temperamento pastoril que desconhecias, e isso não te interessa, não te convém, porque tens um crime fugidio entre mãos e, muito embora já tenhas desenhado a saída do labirinto, precisas de um pequeno empurram do destino. Ulmeiros, aquilo são ulmeiros, os ulmeiros que atraem insectos quando vem a luz do dia. E isso não te deixa descansado porque estás clandestino e foste proibido de investigar fosse o que fosse. É por isso que gostas desta hora, quando há feixes de luz alaranjada, e depois avermelhada, que te devolve uma parte da tua pobre imaginação. E então, levantando-se, voltou para o interior da casa, onde tinha coisas para folhear e desta vez não era no ecrã do telemóvel, o que o deixava satisfeito (pág. 287-288)”. 

A sensação com que fiquei ao fechar o livro, está inteira na última página “Agradecimentos”. O autor dirigindo-se a Magda (suponho sua companheira de vida), diz: “Finalmente, à Magda, que assistiu a tudo e conhece Jaime Ramos muito melhor do que eu.” Francisco José Viegas e o seu alter ego Jaime Ramos, puseram (provavelmente) fim a esta longa história de trinta anos. 

Um livro a ler e a reler. 

Porto Editora, 332 páginas