quinta-feira, junho 29, 2017

Quinta, 29.
O que me aconteceu segundo o meu médico, não passou de um momento de pânico relacionado provavelmente com a minha actividade intelectual. O facto é que eu acordo já exaltado, mas não me lembro de em sonho ter convivido com as minhas personagens. É também claro para mim que tenho andado muito cansado, o cérebro rondando alturas delirantes, mas nada me fazia pensar que iria atravessar uma manhã tão terrível. Segundo o Dr. V. Alves, uma sua doente de oitenta e poucos anos, escritora, cujo nome não revelou, atravessou um momento semelhante, com delírios, ansiedade e outros sintomas de alteração de personalidade, tendo esse quadro desaparecido como chegou -de um dia para o outro. “E como fazer face à subida tão brusca da tensão? – O organismo tem mecanismo de defesa, explica-me o meu bom médico. Repare nos grandes desportistas. Durante as provas, por vezes, a tensão pode chegar aos trinta e, contudo, o corpo readapta-se.” Eis uma novidade para mim. Não obstante, mantivemos o anual check-up e nada de medicação nem para o presente nem “para o resto da vida”. Aleluia! 

         - Apesar de me ter deitado às duas da manhã depois do agradável jantar em casa da Mariette, às nove horas estava em Lisboa. Logo que saí do consultório do meu médico, disparei para a Brasileira onde me esperava o grupo do costume. Dali saltámos para o Príncipe e só não subi ao atelier do Guilherme, porque me escapei. Queria chegar a casa a tempo dos meus clássicos trinta minutos de natação, jantar, e sentar-me a ver o programa que nunca perco: Des racines et des ailes. Desta vez apenas por um olho, ou antes, alternando já que o sono era terrível.

         - A vaga de fundo do NT não é só a fé como dizem os exegetas, mas também a disputa por Deus onde cada um vaticina os seus interesses.


         - Portugal está murcho. A selecção de futebol não venceu a do México e, portanto, já não tem hipóteses de vir a ser campeã. Mas devia estar feliz. Ronaldo foi dispensado e vai poder, enfim, conhecer os gémeos que tinha encomendado e pago há algum tempo. Que ingrato que é este planeta do futebol com o “maior jogador do mundo” português da Madeira e do mar em redor!

terça-feira, junho 27, 2017

Terça, 27.
O terrorismo é o exercício da vingança. Daí que o Daesh nunca irá acabar, pese embora toda a artilharia moderna de destruição contra ele apontada. Veja-se os dois últimos casos: a tentativa de atentado na Grande Mesquita de Meca, em mês do Ramadão, na Arábia Saudita e a destruição da Mesquita do séc. XII, em Mossul. No primeiro caso, podia ter sido pior não fora a intervenção policial; no segundo caso, houve como que a vingança da expulsão dos bárbaros da cidade e a selagem destes com um crime contra as origens da cultura islâmica. E nem o facto de nela ter tido começo o grupo de Bakr al-Baghdadi, evitou um acto absolutamente criminoso contra o património mundial da humanidade.

         - Nós por cá, somos mais “vigairistas” (no português de Madame Juju). O Ministério Público pediu prisão preventiva para o senhor Hermínio Loureiro, autarca e vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol ora, pois, por quem sois! Com ele arrastou mais uns quantos capangas, entre eles, João Moura de Sá, presidente do concelho de administração do PSD e Manuel Amorim em exercício na Direcção Regional Economia do Norte. Ao todo são sete arguidos, todos em postos políticos, todos pertencentes a uma quadrilha de ladrões. Apetece-me citar São Paulo ou, pelo menos, alguém que se quis passar por ele, na 2ª Carta a Timóteo, palavras com quase dois mil anos de premonição. “Fica sabendo isto: que nos últimos dias haverá tempos difíceis. As pessoas tornar-se-ão amantes de si próprias, amantes de dinheiro, fanfarronas, orgulhosas, blasfemas, desrespeitadoras dos pais, ingratas, ímpias, incapazes de amar, inapeláveis, caluniadoras, sem autodomínio, mais amantes dos prazeres do que amantes de Deus, com aspecto de piedade, mas renegando o poder dela. Vira as costas a estas pessoas.” (3-1,2,3,4,5,)


         - A vida retomou o ritmo habitual. Pela manhã trabalhei no Juiz Apostolatos, de tarde em leituras e esta noite vou jantar a Azeitão em casa da Mariette. Aparentemente, os sustos dissiparam-se, a tensão entrou no normal, e é como antes, embora, no íntimo a rotina seja super vigiada por uma espécie de cautela que precede todos os dramas.

segunda-feira, junho 26, 2017

Segunda, 26.
Prosseguem os telejornais-espectáculo, longos como caminhos consumidos pelo fogo, pesados como a morte que rondou as casas e levou muitos moradores. Este tipo de jornalismo vigarista, vistoso, puxado à lágrima, cínico, falsamente cristão, miserabilista, que mais não faz que oferecer ao espectador a festa da dor e da miséria de um povo simples, enganado e abandonado, crente e só, confrontado com perguntas idiotas a que responde com prantos compungidos e incredulidade reservada. Esta classe que sai das faculdades às pazadas, devia ser toda demitida e muitos presos.

         - Em casa de amigos ouvi o artista que ganhou o Festival da Canção, num disco com cadências de jazz, que me deixou deslumbrado. Comparado com a lamecha canção que a Eurovisão premiou, aquilo é um diamante. No género, mil vezes melhor a canção que Maria Guinot levou à Eurovisão, em 1984. Dito isto, o que se ressalva é a personagem Salvador Sobral.


         - Esta madrugada, pelas 5,30, grande susto. Acordo num estado de excitação horrível, a transpirar, uma dor localizada na omoplata esquerda que tornava o braço fraco. Penso ser do calor e abro de um lado e outro as janelas. Mas na cama não posso estar, não tenho posição, estou enervado. Pensei que estava a fazer um AVC e desço para medir a tensão: 21x11. Um horror! Do nunca visto! Decido meter-me no carro e ir ao hospital a Setúbal. O susto porém, leva-me aos bombeiros que estão mais perto. Entro no quartel por um corredor ao fundo do qual dou com quatro matulões a dormir vestidos sobre camas improvisadas. Chamo por eles, nenhum respondeu, prego a fundo no sono de morte. Abano o que me está mais próximo. Este levanta-se meio tonto, acorda um companheiro. Os dois levam-me para dentro de um carro que possui o mínimo para saber o que tenho. Medida a tensão, esta apresenta mais um ponto: 22x11. São eles que chamam o INEM que leva algum tempo em paleio suspenso. Fica decidido que me vão levar a meio do caminho, entre Palmela e a cidade sadina. Estou gelado, o próprio amável soldado da paz inquieta-se porque estou lívido. Chega o socorro. No nosso carro entra de rompante uma médica stressada, grandes olheiras, acolitada por um enfermeiro que devia ter chegado naquele momento das filmagens de um filme X - tal a beleza e imponência física. Um electrocardiograma é feito: “O senhor tem um coração de adolescente. Está óptimo! Só a tensão é que está a mais”, diz-me ela recomendando ao actor que me ponha um comprimido debaixo da língua para fazer baixar o monstro. Recomenda depois aos bombeiros que me levem ao hospital. Chego de maca, transferido de seguida para cadeira de rodas. Aguardo uma boa meia-hora para ser observado por um médico de origem estrangeira que fala bem o português. Novo electrocardiograma, seguido de auscultação, esforço do braço esquerdo. Aparentemente não há nada, a tensão tinha descido para 15x8,2. “Mas vamos fazer uns exames para ficarmos descansados,” diz-me ele, cordato, quase familiar. Volto à sala onde o inferno se instalou. Há velhos aos ais nos corredores, gente que entra e sai, enfermeiras e enfermeiros que não param um instante, o habitual. Percebi que sou eu que tenho de me mexer de forma a sair daquela algazarra mais depressa. Indago como devo fazer para os exames. “Ao fundo do corredor, à esquerda”, responde-me um enfermeiro jihadista. Aí chegado, verifico que é à direita. Bom. (Lembrei-me logo da cena do 758.) Espero, espero. Até que uma técnica de grandes e grossos seios dourados, me faz entrar numa sala minúscula, aperta com uma borracha o braço esquerdo, engata a agulha e da mangueira jorra o suficiente para encher quatro tubos de plástico. Depois diz-me que aguarde uma hora pelos resultados. Nesse entretanto, estando em jejum, procuro um café. Vou encontrá-lo atravessando a rua. A sala está repleta de enfermeiras e enfermeiros de olhares melados, um deles até descaído numa espécie de flor de lis onde se insinuam todos os dramas amorosos. Não tenho dinheiro suficiente e vou ter que o levantar do Multibanco existente na entrada principal do São Bernardo. Vou a pé por ali abaixo, cais-que-não-cais. Regresso às Urgências abastecido e um pouco mais animado. Vou aguardar ainda mais meia-hora. O simpático clínico, assim que assomo à porta, dispara: “Ainda vai viver mais 30 anos! Não há problema nenhum. – Então o que aconteceu? – Talvez seja uma questão nervosa e para a dor nas costas, vou passar-lhe um gel e ponha um saco de água quente.” Volto ao quartel de táxi onde tinha estacionado o carro. Procuro os meus benfeitores, mas não está nenhum deles. Estão outros a quem pergunto quanto devo da ajuda. “Nada. Não paga nada.” Já em casa, volto a medir a pressão sanguínea: a sistólica 12,6, a diastólica 7,3. O costume. Pelo sim, pelo não, marquei uma consulta com o meu médico para quarta-feira. Ficas proibido de dizer que estás bem, ouvistes Helder?

domingo, junho 25, 2017

Domingo, 25.
Acabei o romance Encontro à Beira-Rio de Christopher Isherwood, que li sem entusiasmo. Trata-se de um livro mediano, tentando explicar com informação pouco assimilada a sua entrada no Budismo, muito em voga entre os americanos nos anos Sessenta e Oitenta. Nada a ver com os anteriores trabalhos do escritor e demasiado dependente das suas habituais histórias de gays só que sem profundidade bastante que as ultrapasse.

         - Sim, foi insuportável tudo o que se passou em Pedrógão Grande e zona adjacente. Mas mais inaceitável é o filão noticioso da tragédia que tem sido esticado ao máximo por todos os canais de televisão, fazendo do sofrimento alheio o espectáculo que entretém a perversidade do espectador. 

         - Mais sérios e tenebrosos, são os números. Área ardida: 53 hectares; mortos: 64; feridos: para cima de 200; casas destruídas pelo fogo: 90. De quem é a responsabilidade: de ninguém.

         - O PS está cheio de “meninos de ouro”. Depois de José Sócrates, surgiu Fernando Medina, sucessor de António Costa à Câmara de Lisboa. A ver vamos como o ilustre vai terminar, sendo certo que a obra realizada pelo autarca é aquilo a que se pode chamar uma nulidade ou uma ficção.


         - “As pessoas resmungonas não precisam de ser encorajadas. É só carregar no botão que a resmunguice começa a jorrar.” Esta constatação é de Miguel Esteves Cardoso com referência aos velhos. Eu diria de outro modo: os resmungões, no actual estado das coisas, são as sentinelas que os defende a eles e mais aos jovens alheados da realidade à manjedoura dos smartphones.  

sexta-feira, junho 23, 2017

Sexta, 23.
Bruxuleio. Volta que não volta, recebo desafios para editar Madame Juju. Leio o que me chega, fecho o computador e fico parado a pensar no meu destino e no dela. Devia crescer de orgulho ante as palavras que mal soletro, estarrecido. Depois “deslico” (utilizo aqui a sua linguagem) e não me decido. Se me fosse possível publicar sem ter que me expor, diria logo que sim. Mas tal como hoje anda a literatura, embrulhada num pacote de vaidades, que vou ter que  transportar por aqui e por acolá, oferecê-la com palavras sedutoras e sorrisos de feira, nada disto conferindo com a dignidade e natureza da arte tal como a sinto - sagrada.


         - Esta equipa risonha, que o almoço bem regado trouxe de volta ao atelier do Guilherme Parente, mais parece uma trupe de saltimbancos depois da feira de domingo. O único que não tem a face rosada, imaginem quem é...