Domingo,
18.
Uma
grande e triste tragédia ocorreu em Pedrógão Grande, Leiria. Faleceram 57
pessoas carbonizadas pelo fogo ao que tudo indica provocado por trovoadas secas
e ficaram feridas 59. Um horror! Eu senti, ontem, aqui em Palmela essas mesmas
trovoadas e assustei-me um tanto. Lembro-me de um raio que subiu da estrada de
terra batida ao cimo da quinta aqui do lado. Felizmente era inverno e o seu
rasto deixou apenas uma língua sinistra através do campo por onde passou. Não
podemos fazer nada. Ninguém pode. Apenas temos de confiar na protecção divina.
- A assustadora primeira-ministra
conservadora Theresa May, fria e insensível, foi quase apedrejada pelos que
sobreviveram ao fogo da Torre Grenfell, arredores de Londres. A mulher é um
carvão, uma estaca seca, nas tintas para o povo que olha do alto dos seus
sapatos apalhaçados. Não encontrou tempo para levar uma palavra amiga aos
familiares dos que padeceram no incêndio da torre, em contraciclo com a rainha
que prontamente esteve com todos os que se quiseram abeirar dela. É a nova Thatcher,
distante, felina, a politique d´abord.
Um susto!
- Estive há instantes ao telefone com
a Annie. Em França, onde Portugal só é notícia quando ocorrem desgraças. Annie
estava horrorizada com os incêndios e queria saber como suporto eu a canícula. Depois
disse que ia votar no peixe-chochou como fez na primeira volta. Disse-me que não
morre de amores pela criatura, mas os franceses não têm alternativa. Sendo
socialista – digo-lhe eu – terá de se eclipsar com o seu chefe Hollande que os sepultou
a todos.
- Não saímos de casa devido ao calor
de chumbo. Carlos, generoso, restaurou o nariz da Santa Luzia, construindo a parte
que faltava, realçou-lhe os olhos e a peça indo-portuguesa do séc. XVII, ficou
como nova. Isto aconteceu antes do almoço, claro. A seguir, uma garrafa da
Quinta da Bacalhoa e dois uísques, deixaram-no vesgo, de fala arrastada, mas
pronto para fazer o quatro... Foi quando nos sentámos no salão e eu dei-lhe a
conhecer o documentário sobre um dos seus pintores de culto, o incrível Bacon. Infelizmente
o filme é falado em inglês e ele a dada altura, não dominando a língua, desinteressou-se
um tanto. Tirou então da pequena mala de mão que trazia uma pasta com os seus
célebres desenhos, a maioria feitos nas toalhas de mesa e também em páginas de
jornal que faz combinar as notícias do dia com a interpretação que elas terão
daqui a 2 milhões de anos. É um mundo que Freud não desdenharia conhecer, uma
antevisão dantesca que espera aqueles que depois de nós virão ou a nós
próprios sem memória de aqui termos passado, de retorno à vida numa outra
dimensão. Para o fim reservou outro dossier onde esconde (é a palavra correcta)
centenas, sim, centenas de esboços erótico-pornográficos, onde os corpos,
sobretudo masculinos, com falos disformes enchem espaços de um traço negro
sombreado a café, povoados de seres monstruosos, figuras tantas nas suas formas
rastejantes, ondulantes, atraídas por colónias de aves que voam na direcção da
liberdade na expressão de céus abertos ou mares engolfais, desfiladeiros
abruptos, que se perdem nas margens da toalha do restaurante onde passa as
manhãs a perscrutar a fisionomia e a existência que haverá quando ele já cá não
estiver. Antes de deixar a quinta, ofereceu-me uma pequena escultura trabalhada
em madeira e um daqueles desenhos eróticos que mostra como os grandes artistas
– pintores ou escultores – sabem dominar a arte que tem alicerces no lápis que
constrói o verdadeiro artista.