quarta-feira, novembro 30, 2022

Quarta, 30.

Ontem voltámos – João, Virgílio, Carmo Pólvora e eu – ao hospital da CUF. Encontrámos a nossa amiga um pouco mais abatida embora enfrentando a doença com denodo. A Teresa tem um filho, músico, que se ocupa dela quando espectáculos e digressões o permitem. É um homem de grande sensibilidade, a quem recorro quando quero saber pormenores sobre de uma ópera, sinfonia ou música clássica no geral. Na conversa que tive com ela, contou-me que na véspera do acidente, começou a pintar pela primeira vez o seu auto-retrato, “mas não cheguei a assinar”. “Não te preocupes, em breve vais assinar essa tela e tantas outras.” Devolveu-me um olhar terno de agradecimento. 

         - Acabam de sair estatísticas propagandísticas que assinalam uma ligeira baixa dos preços. Eu não acredito em nada. Até porque, não tendo criados, sou eu que me ocupo de ir ao supermercado e aos mercados dos pequenos agricultores aqui da zona. Tenho visto tudo a subir, mas eles dizem que desceram o mês passado. Nestas alturas, vem-me sempre à memória o episódio da irmã do João S., técnica honesta e competente do Instituto Nacional de Estatística, despedida por ter ido a Bruxelas apresentar a realidade que o governo de então não queria que se soubesse.   

         - Encontrei a actriz Ana Bola no Corte Inglês. Juntos andámos a fazer compras, mas a dada altura vejo-a com dois grandes copos de gelados Haagen. Digo-lhe: “Olhe que isso engorda. Pois. Mas é tão bom!” Aconselhei-a então a experimentar o mesmo “tão bom” na versão dos Açores que se vede no Lidl. Olhou-me com aqueles admiráveis grandes olhos azuis e disparou como uma menina bem comportada: “Vou seguir o conselho”. Risada à maneira da excelente actriz que é. 

         - Vladimir Putin, digam o que disserem, é um criminoso. E um criminoso desesperado que sabe já ter perdido a guerra e atira a matar tomado da loucura e do ódio mais primários. Nunca lhe interessaram as regras humanas da guerra, porque as há, sempre atirou indiscriminadamente atacando e matando civis inocentes, destruindo cidades e aldeias. O seu sadismo foi ao ponto de preparar um doloroso e mortífero inverno para os ucranianos, rebentando com centrais eléctricas, reservas de água, escolas e hospitais. Guterres que não aprecio por aí além, saiu-se, todavia, outro dia em Madrid com esta verdade: derrotar a Rússia é também avisar os outros regimes autocráticos do mundo de que a lei do mais forte não pode prevalecer. Pensava, decerto, no ditador da China. 

         - Os governantes que nos governam com toneladas de palavreado, de manhã à noite, 24 sobre 24 horas, estou a pensar em Macron, António Costa, Nicolás Maduro, fingindo e enganando-nos com trabalho árduo que detestam empreender, sobretudo, Marcelo, grande amigo da TV e jornais, fornecendo-lhes “caixas” como se dizia no meu tempo de jornalista, matéria para frontispícios, num país onde não se passa nada à parte a miséria que nos invade. Em doses cavalares de comentários, previsões, estatísticas, pareceres, antevisões, palpites, dichotes sobre futebol, dança, peditórios, saúde, tecnologias, arquitectura, arte, sessões de espiritismo, hipnotismo, artrite reumatoide, flebite, frugalidade, volúpia, automóveis, jardinagem, livros e autores, ufa, Helder, pára que cansas o Sousa, coitadinho... 


segunda-feira, novembro 28, 2022

Segunda, 28.

De um lado temos os casos dos direitos humanos, da escravidão, do fanatismo para mim incompreensível do futebol e por outro, à posteriori, as cenas canalhas da barbárie pouco respeitadora do verdadeiro espírito desportivo que, para o que aqui me traz, há muito deixou o desporto enquanto mandamento de disciplina, prazer, equilíbrio de saúde mental e física. Como no caso ontem dos boçais que em pleno centro de Bruxelas, viraram carros, usaram material pirotécnico, empunharam paus, provocaram incêndios, investiram sobre a polícia, feriram um jornalista, e deixaram ruas e praças num estado de destruição inadmissível. Tudo isto, pasme-se, porque a Bélgica perdeu 2 a zero com Marrocos!!  

Foto Público online

         - Os protestos transformados em revolta vão até à exigência de demissão do imperador Chinês, propagando-se pelas importantes cidades da China. Exigem o afastamento de Xi Jinping ping ping, recentemente entronizado, a suspensão do confinamento e aquela ideia absurda do ditador de obter covid zero ali conjecturada a gás lacrimogénio e a bastão policial.  Nunca se viu uma tal oposição, provando que o povo quando unido pela liberdade, consegue depor o mais desumano tirano.  

         - Longa conversa com o João Biancard sobre o período em que assumiu o projecto Frente Tejo, sucedendo ao inefável José Miguel Júdice e era primeiro-ministro o salteador do cofre do Estado, José Sócrates e presidente da Câmara de Lisboa, António Costa. Bizarro duo! Durou poucos anos no cargo tendo apresentado a demissão por não suportar mais os esquemas pessoais e políticos das duas personagens. Deixou a função com sete milhões de euros, as contas certas, a casa arrumada e só aceitou a medalha de honra da cidade que lhe foi atribuída pelo ex-autarca por educação, para logo a arrumar em parte incerta numa divisão da sua vasta casa. Somos amigos há muitos muitos anos e sou testemunha da sua grande honestidade moral e cívica. Tenho aqui vastas vezes contado episódios da sua personalidade e daquele seu hábito desprendido que o levara a optar no estrangeiro por hotéis modestos, economizando somas chorudas habitualmente gastas nas deslocações oficiais de representação do Estado português. 

         - Almocei em casa da tia Júlia recuperada da operação à anca. Belo encontro com a presença do filho, nora e neta estudante de psicologia com quem me divirto sempre caçoando do curso. Faltou o Gonçalo por ter chegado na véspera da Dinamarca, aonde fora no aperfeiçoamento do conhecimento das neurociências enviado pelo hospital onde trabalha. Grande divertimento, risada em quadruplicada, festa entre nós. Não sou pessoa de família, naquela tradição gregária e sectária, mas estou à vontade entre os meus – o que se come é-me completamente indiferente. Mas comeu-se bem, ao ponto de tia Júlia insistir para que trouxesse ração para mais duas refeições. 

         - Terminei o Diário de Arthur Schnitzler. Em verdade a coisa é uma abundante soma de linhas, em estenografia, nomes de pessoas, cidades, lugares apresentadas pelas iniciais, obrigando o leitor a um esforço suplementar de conferir a informação no fim do livro, longas recitações dos sonhos do escritor que eu detesto, mas compreendo tendo sido ele médico ligado à psicologia e psicanálise, arrelias com a mulher Olga de quem se separou, discussões acesas sobre dinheiros e suas aplicações, rápidas linhas assinalando encontros com Freud, Alma Mahler, Thomas Mann, Stefan Zweig, envolvimentos com mulheres, etc. Só não sei como faleceu, tendo eu lido em qualquer lado ter sido por suicídio. Comecei a ler as cartas que o médico-escritor escreveu a várias personalidades.    

         - Imediatamente a seguir ao almoço, fui roçar erva em frente à casa continuando o que havia começado há duas semanas e fora suspendido devido à chuva abençoada. Foi hora e meia e depois fiz duas queimadas. Tenho imenso trabalho, mas não quero pensar nisso. Vou fazendo como posso e quando posso.  De resto a labuta nunca me assustou. 


sábado, novembro 26, 2022

Sábado, 26.

Terminou a palhaçada do OE com o voto contra de todos os partidos à excepção dos dois pequerruchos. Grosso modo, se retirarmos as célebres cativações socialistas, o próximo ano vai ser de maravilha, com o país a enriquecer e os portugueses a empobrecer. Mas estamos bem, muito bem mesmo, no entusiasmo de António Costa e do seu sacristão. O problema é a Roménia recém-chegada à UE já nos ter ultrapassado na melhoria do PIB. Estamos como sempre estivemos na cauda da Europa. Orgulhosamente sós.  

         - E não só a esse nível, como na decadência social transposta para o modo como tratamos aqueles que vêm de longe para nos ajudar. Ciclicamente é isto: milhares de imigrantes chegam ao Alentejo e a outras partes do país e são acolhidos como coisa sem mérito nem importância, escravos vindos do fundo de séculos tenebrosos. Pagam para trabalhar, passam fome, vivem em condições degradantes, carpem de vergonha e humilhação, agridem-nos, reduzem-nos a máquinas infernais sem descanso, peças agrícolas oleadas com choro de noites de insónias. As autarquias sabem do crime, os governos centrais conhecem o drama, os patrões condescendem com as transgressões à lei, e ninguém se importa, jogando o jogo do empurra responsabilidades para ficar tudo na mesma. É uma vergonha que nos envergonha a todos e a mim pessoalmente me ofende, me maltrata, me revolta enquanto português que vive num regime democrático e ainda por cima socialista (ou lá o que isso for).    

         - Eu apetecia dizer como o arrogante que ”nunca tenho dúvidas e raramente me engano”. Mas é um facto que acerto muitas vezes simplesmente porque tenho o hábito de olhar com atenção o rosto do outro e, se possível, passar-me para o seu lado. Vem isto a propósito de um homem que contratei pelo telefone para cá vir a casa substituir o vidro da lareira que rachou vá-se-lá-saber-porquê. Na foto do seu telemóvel vejo-o com a mulher (que ele chama esposa) e ambos têm estampada nas caras a honestidade e a bondade. Acresce que ele me disse quando o contactei, que só podia fazer este serviço fora das horas do emprego, o que me deixou à beira do êxtase absoluto. Num país de malandros, de políticos, de desocupados, de bebedores de vinho pelas esplanadas, encontrar alguém como ele é para mim a veneração de joelhos. Não me enganei. Encontrei um rapaz pelos seus trinta e poucos anos, extremamente consciencioso, sem conhecer o modelo do recuperador, se aplicou a estudar a maneira de substituir o que foi partido. Esteve neste exame para cima de uma hora, nunca tendo reparado um aparelho desta marca. Depois, quase a pedir-me desculpa, disse que ia falar com colegas para descobrir como tecnicamente pode reparar o aparelho e me telefonaria mais tarde. “Quanto lhe devo? Não deve nada. Eu vou ver se consigo resolver-lhe o problema e na próxima semana telefono-lhe.” Digam-me: isto é Portugal pós-25 de Abril? Não é. Mais: somos no rosto o que escondemos no coração. João Corregedor a quem eu ontem ao telefone falei do técnico e de como o havia contratado, advertiu-me: “Vê lá quem metes em casa!” Na realidade entrou esta manhã aqui um ser perfeito, um anjo de alguém modo. Tenho absoluta necessidade de conhecer e conviver com gente deste quilate. 

         - É curiosa a foto-montagem que tirei do blogue de Rentes de Carvalho e ilustra às mil maravilhas a lastimosa carneirada em que o país se tornou. 


  


sexta-feira, novembro 25, 2022

Sexta, 25.

Eu tenho o salutar hábito de reler estes textos (e os do romance em elaboração), no dia seguinte à sua concepção. Conheço-me suficiente bem, sei como sou cercado pela ansiedade, o nervosismo que me tolha os sentidos ao sentar-me todas as manhãs diante do computador. Nem sempre tomo um calmante. Como ontem ao abalançar-me a escrever sobre o último romance de Francisco José Viegas - pelo que sei muito apreciado. Pois é, mas no melhor pano cai a nódoa. Não sei por que carga de água, chamei Olga à nova inspectora que substituiu o nosso terno Jaime Ramos; em vez de usar o nome criado pelo autor do livro, Olívia. Já foi corrigido. E as minhas desculpas à desenvolta personagem que continuará na sombra o trabalho daquele que, contrariado, entrou na reforma... Desejo não seja o caso do seu criador. Longos anos de escrita luminosa e fresca, bela e profunda, como aquela que nos apetece estreitar nos braços. Literalmente. Para os meus leitores que com frequência me acusam de não apreciar nada ou ser demasiado crítico, aí têm este desmedido louvor quando a arte, a verdadeira, se cruza no meu caminho. Francisco José Viegas não conta histórias de embalar nem merdelhices para senhoras desocupadas. É um Escritor. Ponto final. E acrescento para que fique claro, embora nos tenhamos cruzado noutros tempos em alguma redacção de jornal, não o conheço na intimidade. 

         - Renovo-me interiormente de cada vez que vejo a revolta instalar-se nos corações daqueles que vivem amachucados, sem voz, humildemente diante dos senhores todos poderosos que os têm como escravos obedientes e submissos. É o caso de milhões e milhões de chineses, sob a ditadura de um homem protegido por militares. Cidades inteiras estão obrigadas a ficar de novo em confinamento, não obstante as poucas mortes por covid, só porque o despotismo de um só homem o impõe. Confrontos nada habituais na China aconteceram entre as forças militares, a população e os médicos. Ninguém consegue deter a fúria da razão que quer impor a liberdade e o direito de continuar a ganhar o pão de cada dia. Xi Jinping ping ping, cospe para o lado. Até quando? 

         - O mesmo se passa no Irão onde já faleceram para cima de 400 jovens às ordens da polícia desumana que protege a ditadura religiosa do insensato Khomeini e em memória da jovem Mahsa Amini, de 22 anos, morta em Setembro por usar o lenço islâmico na cabeça deixando à mostra uns quantos cabelos. O Conselho dos Direitos Humanos da ONU, aprovou um inquérito para pôr fim à “violência brutal e tirania de Estado” iraniano. Curvo-me diante da coragem estudantil que desde então não abranda a luta pela liberdade e os direitos humanos, num país que vive num inferno vegetativo, sem horizontes, nem futuro. 

         - Na Indonésia, um forte sismo, fez 272 mortos e muitos milhares de feridos. Imagens pungentes chegam até nós sem que nada possamos fazer para acudir aos infelizes. 

         - Não gostei do tom presunçoso, do quero posso e mando, de Santos Silva dirigindo-se ao polícia encarregado de abrir as bancadas da Assembleia ao público. Está ali o retrato preciso da maioria socialista. A lição veio depois: as portas não foram abertas porque não havia um único cidadão do “bom povo” interessado em assistir à sessão parlamentar. Toma e embrulha. 


quinta-feira, novembro 24, 2022

Quinta, 24. 

Duas ou três coisas sobre o romance de Francisco José Viegas, Melancholia. Descobri o autor há dois anos com o memorável livro A Luz de Pequim, seguindo-se Um Céu Demasiado Azul que não me entusiasmou como o anterior e agora este saído há três semanas que confirmou para mim o excelente escritor que temos a sorte de ter. Há trinta anos que Viegas nos narra a história do inspector Jaime Ramos, forma demasiado óbvia de não perder de vista o país que somos, que fomos sendo, pós-25 de Abril. Nesta última história do mestre do crime, Jaime Ramos, entra por assim dizer na decadência, na melancolia do fim de carreira e de vida, e tudo se passa em torno de um ambiente que o autor conhece como ninguém – o das Letras e dos escritores. Tema que nunca havia abordado (penso) nos quinze romances precedentes, mas onde o encontramos como peixe na água sendo editor. A nossa sociedade cultural está inteira em páginas que descobrem o assassinato da escritora de dois títulos publicados, Cristina Pinho Ferraz, mas igualmente no mundo de intriga, inveja, vaidade, espectáculo, convencimento e mitomania que são os célebres Encontros de Escrita, onde o inspector cai de paraquedas. Ali nascem e morrem, aparecem e desaparecem muitos candidatos ao Nobel. “Literatura é vingança ou confissão, ensimesmamento. O problema é que a maledicência só é arte passados muitos anos, muitos prémios literários depois, muita memória acumulada, muito esquecimento controlado.” E depois: “Tirando o cinema, a literatura é a mais malévola das artes, porque se podem sugerir coisas impressionantes em cada personagem, e cada personagem pode ser identificada (pág. 176).” É isso que Francisco Viegas faz. Conhecendo o meio como poucos, lúcido e inteligente como é, dá-nos um fresco impressionante de certos génios sem nunca citar nomes, mas insinuando-os através de imagens de recorte preciso, de sombras e vanidades. Ao contrário dos livros policiais do género, Viegas favorece o lado psicológico, humano, sensível, não só do polícia na pré-reforma, como das personagens que o inspector vai encontrando ao longo da história de Melancholia. Por vezes, temos a sensação que o pano de fundo – o corpo de Cristina Pinho Feraz encontrado enterrado num jardim, dividido em três sacos – é apenas leit-motiv para o autor nos mostrar o seu lado imponente de narrador, de ficcionista, numa paisagem nortenha de onde é natural, com os elementos geográficos, físicos e arquitectónicos que integram ou submergem o clima soturno, percorrido por um inspector que marcou a história do crime, antes das modernas tecnologias virem enquadrar e ser usadas por novos agentes policiais, de ser substituído por Olívia, mulher de múltiplos amores, talvez demasiado dependentes das caranguejolas – telemóveis, computadores, videochamadas -, em desprimor da psicologia criminal, do pormenor conquistado no terreno, da obsessão da verdade, conforme com o espírito da lei e da justiça. 

A melancolia é muitas vezes um estado criativo e de equilíbrio no dizer de Joke J. Hemmsen. Todavia, para Jaime Ramos é uma despedida de vida dolorosa, um estado depressivo difícil de substituir após uma existência a perseguir malfeitores, a lutar pela verdade, num país de faz-de-conta, onde o crime de colarinho branco impera. O inspector vagabundeia, finge ser ainda o elemento de referência numa corporação que o 25 de Abril veio computorizar, instalar novas hierarquias, afastar os mais velhos polícias para os substituir por quadros pomposos perfeitamente inoperantes. Jaime Ramos olha para as novas condições de trabalho com certa altivez de velho que não se deixa impressionar por modernidades sem consistência nem objectivo contributo para o esclarecimento da verdade. Segue na sombra, a apalpar a acção, a estudar as personagens do ponto de vista social e psicológico, mas já sem aquele entusiasmo, aquela força redentora que o distingue dos demais. Há como que dois planos romanescos que seguem em paralelo: o destino do inspector Jaime Ramos e o da morte da escritora Cristina Pinho Ferraz. Sem esquecer o país onde os factos aconteceram e é tanto ou mais importante que o delito em si mesmo. Viegas não se esquece nunca que as circunstâncias fazem o crime. 

Depois há um facto curioso que me agradou especialmente: a presença discreta do narrador. Ele entra e sai de cena com parcimónia, como se fosse o maestro a dirigir uma orquestra de vários naipes. Exemplos não faltam : “Mas a pergunta era essa. O que levara Samuel Ribeiro Ferraz, depois de saber que ia morrer, em 2012, a fazer aquelas viagens à Turquia, mas também a França e a Espanha?” seguida desta conclusão: “Já lá vamos.” (pág. 306) São na realidade muitos os pontos que ficam suspensos de capítulo para capítulo, comigo de atalaia à construção do texto, tentando ver se algo fica suspenso a merecer o respectivo desfecho. Qual quê! Francisco José Viegas dinamiza a história com maestria e é um prazer, uma felicidade ler este Melancholia porque tudo nele é arte na sua expressão mais contida, mais bela, mais humana, na sua forma de contar, no humor que nos surpreende, na poesia que perpassa todo o livro e é parte integrante da melancolia que acompanha Jaime ramos e nos suspende a respiração, como nesta passagem onde o narrador se dirige à personagem: “Jaime Ramos, hoje sentes a música composta pelos anjos do passado, pelos anjos da melancolia, por um temperamento pastoril que desconhecias, e isso não te interessa, não te convém, porque tens um crime fugidio entre mãos e, muito embora já tenhas desenhado a saída do labirinto, precisas de um pequeno empurram do destino. Ulmeiros, aquilo são ulmeiros, os ulmeiros que atraem insectos quando vem a luz do dia. E isso não te deixa descansado porque estás clandestino e foste proibido de investigar fosse o que fosse. É por isso que gostas desta hora, quando há feixes de luz alaranjada, e depois avermelhada, que te devolve uma parte da tua pobre imaginação. E então, levantando-se, voltou para o interior da casa, onde tinha coisas para folhear e desta vez não era no ecrã do telemóvel, o que o deixava satisfeito (pág. 287-288)”. 

A sensação com que fiquei ao fechar o livro, está inteira na última página “Agradecimentos”. O autor dirigindo-se a Magda (suponho sua companheira de vida), diz: “Finalmente, à Magda, que assistiu a tudo e conhece Jaime Ramos muito melhor do que eu.” Francisco José Viegas e o seu alter ego Jaime Ramos, puseram (provavelmente) fim a esta longa história de trinta anos. 

Um livro a ler e a reler. 

Porto Editora, 332 páginas 


quarta-feira, novembro 23, 2022

Quarta, 23.

Comecei a estranhar, pensei até que vivia noutro país, num país de governantes sérios votados desinteressadamente à causa pública, porque há pelo menos três dias não se ouvia falar de corrupção e toda a merda que a envolve. Pura ilusão, sonho impossível. Helder, Helder mantém-te de olho na realidade, não divagues, não entres na fantasia. Eis se não quando, aí está mais uma borracha ocorrida na Câmara de Arouca, PS, pois claro, ligada ao ex-secretário de Estado da Protecção Civil, senhor José Artur Neves e com a cumplicidade da actual presidente, Margarida Belém, ambos acusados pelo MP de falsificação de documento, prevaricação de titular de cargo político, relacionado com a contratação e realização de obras públicas no tempo em que o primeiro era presidente da edilidade e a segunda viria a ser sua sucessora. Que marmelada, hei!    

         - Que país é este que vive pendurado do destino de um jogador e das opiniões mastigadas de outros, que surgem de carpetes chinesas estampadas no corpo, muito sabichões e convencidos de serem as sumidades mais importantes de entre os dez outros milhões de habitantes que o habitam? 

         - Marcelo, qual canguru sempre aos saltos, já embarcou num avião privado (segundo a RTP1) para o Qatar. Pergunta-se porque nos chagam a toda a hora com o Planeta, o buraco do ozono e outras parlapatices do género, quando o futebol é mais importante que os direitos humanos; a escravidão dos infelizes; os hospitais sem estruturas, medicamentos e médicos num estado comatoso; o ensino catastrófico; dois milhões e meio de pobres; o analfabetismo a crescer; a vida a ficar à beira do pântano social; os reformados a vegetar; o custo de vida a aumentar e a condenar milhões de portugueses à condição de pedintes; a energia a ficar inacessível; a condenação dos automobilistas a deslocarem-se em trotinetas; a miséria a expandir-se reduzindo todas as estruturas sociais ao mínimo a tombar para a indigência; a juventude sem perspectivas; o tecido social a degradar-se encoberto pelas alegrias efémeras dos golos marcados pelos “nossos embaixadores” no dizer do mágico das palavras, Marcelo Rebelo de Sousa. Pode-se levar esta gente a sério? Teremos nós de viver arrastando os dias para eles crescerem em importância e soberba? É isto um país de futuro, com futuro? Seguramente que não.  

         - Costuma-se dizer que uma foto vale por mil palavras. A mim dá-me para a usar com uma pergunta simples e directa: onde está a economia, a redução de consumos energéticos que nos obrigam a fazer? Pura hipocrisia. Os negócios e o dinheiro estão acima das necessidades imperiosas de proteger as populações e o Planeta. 

         - Vou-me arrastando na leitura do diário de Arthur Schnitzler, um escritor que marcou lugar na cultura entre as duas Grandes Guerras e acabou por se suicidar. É dele esta frase que por si só nos leva a pensar: “On ne vit vraiment qu´une chose, vieillir. Tout le reste, ce ne sont que des aventures.” 


terça-feira, novembro 22, 2022

Terça, 22. 

Vazio. Solidão. Sensação do fim. A escrita, a criação, a arte abandonaram-me. Continuo  a pressenti-las em mim, mas como coisa do passado, aceno de muito longe, luz que se esvai para todo o sempre. Vou ter que pedir ajuda a Julien Green, reler o terceiro volume do diário e fazer da sua leitura, como tantas vezes me aconteceu, rampa de lançamento para dias mais abertos à esperança e ao trabalho exigente e quotidiano da criação. 

         - Ontem fui com o Corregedor ver a Teresa Magalhães ao hospital da CUF que ali foi internada devido a queda na escada do prédio onde vive, em frente à Brasileira, de que resultaram fracturas de costela e bacia. Pobre Teresa! Quem a viu a ditar a moda entre os  anos 80 e 90, bela e janota, livre e independente e a vê no leito do hospital enroscada sobre si própria, tolhida de dores! Eu costumo dizer que os médicos tratam-nos de doenças, mas são as quedas em casa que nos levam deste mundo. 

         - Arrastei o João para o almoço no Vitta Roma. À hora a que chegámos, sendo o restaurante barato e onde vai toda a espécie de gente, de médicos a velhas olé olé, de trabalhadores a reformados, encontrámos o estabelecimento à cunha. João fica doido com aglomerações, barulho e gente de meia-tigela. Vai daí rogou pragas e coriscos e disse-me, peremptório, que não o convidasse mais para ali ir. Depois do almoço, como ele é muito poupado, fomos de metro até ao Cais do Sodré e dali no eléctrico até ao hospital. Na Avenida de Roma, parecia um cura de aldeia, distribuindo esmola aos pobres que encontra nos passeios, condoído com este e aquele que conhece a sua história de vida e acha que tem de falar a sicrano e a beltrano de modo a melhor a sua triste existência. 

         - Mesmo comigo. Acontece que domingo andei a roçar a erva sem cobrir a cabeça sabendo de antemão que o sol nesta época do ano é perigoso. Resultado: comecei com tosse seca mais irritante que perigosa. Logo ele se alarmou e à mesa fartou-se de me dizer que fosse ver isto, que não gostava de me ver, que tinha os olhos assim e assado. Não contente, chegado a casa, falou com a Marília que me telefonou (provavelmente a seu pedido) a saber como estava, se precisava de alguma coisa, que fosse ao médico porque o marido estava inquieto. 

         - À noite, estando à lareira a ver um excelente programa sobre a rainha Elizabete da Bélgica, telefona-me o Werner da Suíça. Quase uma hora ao telemóvel a recordarmos outros tempos, quando nos conhecemos na adolescência, numa época em que eu ia para Puerto de Nava Cerrada fazer sky (ou lá o que isso fosse), não adivinhando eu o pintor que ele viria a ser. Disse-me que a inflação no seu país ronda os 3 por cento, e no adiantado da conversa que os países do euro, iriam pagar muito caro as esmolas que a União tem vindo a distribuir aos povos sob o seu domínio. É capaz de ter razão. De todo o modo, durante a epidemia, foi acertado adquirir as vacinas em conjunto de modo a usufruirmos gratuitamente das mesmas.   

         - Durante a conversa, ouço um clique vindo da lareira e prestando atenção noto que o vidro rasgou de alto a baixo. Hoje perguntei a um técnico quanto custa um novo: duzentos e cinquenta euros.  Não é tão agradável viver no campo?!  

          - E eis como as palavras são como as cerejas: começa-se hesitante e acaba-se num caudal imprevisto.  


domingo, novembro 20, 2022

Domingo, 20.

Percebe-se até porque os jogadores não possuem a arte da dissimulação como os políticos, que foram instruídos para falar estritamente do seu trabalho dentro das quatro linhas, o resto fazem como Marcelo, esquecem o evidente: 6500 mortos (segundo a Amnistia Internacional) nas obras gigantescas do Qatar, milhares e milhares de feridos, mulheres escravas dos maridos, castigos selvagens a que são submetidas, os desvanecidos do trabalho com poucas horas de repouso, como aconteceu com um vizinho daqui que foi pleno de saúde e voltou careca, magro como um cão, doente, carregando uma depressão sem fim. Como precisa de trabalhar, foi agora tentar a chance em França. Nem sempre estou de acordo com o director do Público, mas desta vez estou em sintonia quando escreve: “O futebol é apenas um jogo tantas vezes usado como uma cortina para desviar as atenções do país essencial. Não é a ciência, a cultura, a civilidade, o patriotismo, a decência, a responsabilidade ou o espírito de iniciativa. É tantas vezes apenas um soporífero (eu chamou-lhe alienação) para iludir com alegrias efémeras a realidade. Dizer que o apoio à selecção nacional é do “interesse nacional” é não apenas um erro; é, por isso, também um perigo.” Referia-se à ida do Presidente da República, primeiro-ministro e presidente da Assembleia ao Qatar. Pudera! Ir à conta do orçamento nacional, ficar em bons hotéis, assistir à partida no meio daquela multidão, passear e fazer compras em Doha, não é para qualquer bolsa... 

         - Custa-me saber que o rapaz que pretendia ficar no rol dos assassinos em massa, vai ter uns quantos anos de prisão. O que ele devia era ser tratado dos dramas psicopatológicos que o cercam; que eu tenha conhecimento nenhum dos homicidas em massa, fez eco das suas acções hediondas nas redes sociais ou falou aos amigos das suas intenções de levar a cabo um ataque terrorista. Os colegas da Faculdade de Ciências onde ele estudava, disseram que se tratava de um colega calmo e sem desvios psicológicos marcantes, à parte ser um pouco introvertido. 

         - Felizmente tenho muito trabalho em vários domínios e nenhum se cruza com o futebol, nem tenho amigos que se dediquem a louvá-lo, a tecer-lhe apologias entusiastas; o mundo que me rodeia não tem o mínimo interesse pelo que fazem ou dizem os desportistas, os treinadores e aquela banda de comentadores muito sábios, que se exprimem como se falassem de filosofia esotérica ou sapiencial. Dito isto, era bom que o “nosso povo” se habituasse a pensar. Quando isso acontecer, verificará a injustiça que pesa sobre as suas vidas: um Ronaldo ganha num mês aquilo que um trabalhador médio não aufere em toda a sua vida de labor árduo. Mais ou menos o mesmo para os professores, cientistas, médicos, etc., etc. 

         - Dia cansativo com uma pausa apenas depois da missa para me sentar numa esplanada a ler o jornal. Depois andei a queimar dejectos do Verão, fiz o almoço e dois pratos para arquivo, seguido de duas horas de roçadora em punho a roçar a erva daninha com metro de altura. Duche. E pela primeira vez, chamei o Inverno para se acoitar dentro destas quatro paredes ao canto da lareira. Momentos de conforto, calma, meditação diante da lareira vendo através do vidro o fulgor do fogo. Este é quase uma presença humana. 


sábado, novembro 19, 2022

Sábado, 19.

Não nos bastava o trágico espectáculo de Ronaldo desafiando a natureza que tende à arrastar-nos para a decadência e ele, grande egocêntrico e primário, não aceita; ainda tivemos a descoberta de um punhado de polícias, cerca de 600, da PSP e GNR, a escarrar postas de ódio e xenofobia contra africanos, políticos, homossexuais nas famigeradas redes sociais. A Procuradoria-Geral da República instaurou um inquérito para apurar a prática de crimes por forças da autoridade que têm o dever de proteger as comunidades, todas no seu conjunto e cada membro, e não ameaçar, ofender, destilar vingança e endeusar o Chega como sua fonte de inspiração e refúgio. Tudo isto, numa democracia consolidada (pelo menos até hoje), à revelia dos direitos constitucionais, contra todas as leis da República, covardemente protegidos por alçapões tecnológicos, alguns utilizando nicks outros os seus nomes próprios. Só espero que não seja mais um inquérito que se estende por anos e todos os culpados sejam, pura e simplesmente, expulsos das respectivas forças policiais. Confio em José Luís Carneiro que é dos melhores ministros de um governo sinistro. 

         - Mas para que o ramalhete azarento fique completo, há que acrescentar o tatibitates do seu presidente. O homem de duas uma: ou está valhelhas ou tudo nele é pompa do espectáculo da vaidade, da incongruência e da demagogia. Nas tintas para a violação dos direitos humanos no Qatar onde decorre o Mundial de Futebol, e onde milhares de escravos morreram para construir as estruturas impostas pela FIFA, apressou-se a dizer que se “esqueça” essas nódoas porque o futebol é mais importante que as minudências dos direitos humanos. Assim pensando, ele, o primeiro-ministro e o chefe da Assembleia da República, estão de malas feitas para assistir aos jogos onde é patente a mercantilização e escravidão dos jogadores. Esta alienação, é incentivada por políticos demagógicos, sob pressão de negócios corruptos, do estado chamado FIFA, que parece ter as suas próprias leis, acima das de qualquer país democrático. O que surpreende, é que Marcelo, dizendo-se cristão, não cumpra os princípios sociais da Igreja que são em tudo opostos aos da monarquia absoluta do Qatar. Quanto a António Costa e Santos Silva são idênticos: são ambos socialistas de gema. Toda esta pobre gente que se diz democrática, ofendeu-me profundamente. 

         - E tudo como no caso do Presidente da República. Para valer apenas um milhão de euros – preço pedido por carta com uma bala dentro, remetido para o Palácio de Belém esta semana. Preço insignificante para quem tanto tem feito para ser popular, prestado a selfis em série e posto de parte os direitos humanos – eis a tragicomédia de Marcelo Rebelo de Sousa. Pobrecito


quinta-feira, novembro 17, 2022

Quinta, 17.

Demos a notícia clara como se fosse redigida por um novato jornalista: Luís Vitorino, autarca de Marvão pelo PSD, é considerado culpado de um crime de corrupção passiva e foi condenado a três anos de prisão com pena suspensa e perda de mandato. Entendi. E depois, senhor principiante? Compreendo que a um jornalista seja vedada a opinião pessoal sobre determinado assunto político. Será assim, ilustre diarista? Claro que não. Hoje o jornalista já não é aquele que dá a notícia, é também aquele que lhe acrescenta a sua cor política, partidária e cobre os interesses do jornal e os seus próprios. Eu que não mando dizer por ninguém o que penso, adiciono a esta notícia uma pergunta que me inquieta neste como em muitos outros casos semelhantes: é suficiente em crimes deste jaez que o corrupto político se fique pela perda de mandato e vá tranquilo para casa gozar aquilo que não lhe pertence ou volte à faculdade ou ao negócio de família, como se fosse o mais puro dos cidadãos? 

          - Antes que me esqueça, deixem-me registar aqui a curiosa exposição que está no segundo andar da Fundação Eugénio de Almeida: Mundo de Aventuras do artista plástico João Fonte Santa. Trata-se de uma série de quadros na forma magistral de banda-desenhada, em contexto underground, que nos faz regressar à infância mas imbuídos da carga crítica de que hoje tanto se fala e pouco se pratica, tiradas das histórias de Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens. Ao longo de uma vasta parede, foram alinhados pequenos quadros, no desenho desempenado e solto do artista, que nos conduzem a um mundo onde dormem florestas silenciosas, se ouvem murmúrios de pássaros e se observam rastos de mamutes, numa atmosfera larga, penetrada pela luz que tudo faz crescer e a densidade sobrenatural de paisagens perdidas nos horizontes distantes que o homem tantas vezes destrói. A exposição abre com uns quadros grandes, trabalhados a cor, num traço denso e preciso, que expõe o homem no contexto natural, ele contra quem o artista se revolta por destruir o meio nato onde deveriam coabitar todos os seres vivos.  

         - Para além da tortura Cristiano Ronaldo, sobra nos meios de comunicação, o desentendimento entre António Costa e o ex-governador do Banco de Portugal. Carlos Costa diz que recebeu pressão do primeiro-ministro para proteger a senhorita Isabel dos Santos evitando que ela deixasse o banco BIC, com o pretexto de ser filha do falecido presidente de Angola. Eu não sei quem tem razão, mas sei que atendendo à personalidade de Costa inclino-me a dar razão ao governador. António Costa é homem para isso. 


quarta-feira, novembro 16, 2022

Quarta, 16.

Tomás Emílio Leopoldo de Carvalho Cavalcanti de Albuquerque Schiappa Pectra Sousa Ribas, mais conhecido simplesmente por Tomás Ribas. Foi nele que pensei quando passei em frente à Embaixada de Espanha, na praça do mesmo nome, no passeio que me trouxe da Avenida Columbano Bordalo Pinheiro, atravessando o jardim, já a noite tinha inundado de escuro o vasta calçada dos passeios. Já aqui, noutra altura, contei a história que definia muito bem a personalidade do jornalista e homem do folclore nacional; e voltei a rir-me recordando aquele fim de tarde flamejado do escuro da noite, enviado para cobrir o assalto à embaixada pelo ardente António Valdemar, meu chefe de redação. Assim que cheguei, vejo o Tomás Ribas que vem para mim e mirando-me de cima abaixo, dispara: “Quem bem se veste, melhor se despe.” Ele era casado, mas tinha um fraco por jovens belos e misteriosos como ele me via. Era uma natureza divertida, culta, cheia de humor corrosivo. 

         - Almocei novamente na Confeitaria Nacional, desta vez com o João. Bom repasto, bem condimentado de conversa civilizada, e não sei a que propósito vi-me a dar-lhe uma aula de história mais precisamente sobre Nero o imperador romano. Ali estivemos até à meia tarde, altura em que ele partiu a visitar a Teresa Magalhães depositada no hospital da CUF na sequência de uma queda em casa. Devido ao adiantado da hora, não o pude acompanhar. 

         - O grupo terrorista Wagner, ao servido de Putin, matou à marreta um soldado russo feito prisioneiro depois de se ter rendido aos ucranianos. Entretanto, ontem, dois mísseis caíram na Polónia, junto à fronteira com a Ucrânia. A NATO está em estado de alerta, no terreno os contendores, empurram um para o outro, a iniciativa do ataque. A ver vamos como todas estas provocações vão terminar.


terça-feira, novembro 15, 2022

Terça, 15.

Atentado na rua principal de Istambul que eu por diversas percorri a pé, fez seis mortos e dezenas de feridos. A polícia atribui o acto bárbaro ao PKK e o Governo aceitou condolências de vários países menos dos EUA, por entender que ele apoia facções do mesmo grupo. 

         - Não sou eu que o digo, foi a TVi e, portanto, vale o que vale: António Costa, quando foi presidente da autarquia de Lisboa, fez três ajustes directos a Miguel Alves no mesmo dia por 80 mil euros!!! Assim sendo, explica-se o convite do primeiro-ministro ao autarca de Caminha para seu adjunto. La bouche est bloqué. 

         - Euforia porque o mundo chegou hoje aos 8 mil milhões de humanos. Os cientistas são mais pragmáticos e afirmam que o problema não está no excesso de população, mas no de consumo. Absolutamente de acordo. Que a massa petinga das meninas que barafustam contra o ministro António Costa Silva, sigam nas suas vidas, este aviso.  

         - Se o ex-regulador da energia, senhor Vítor Santos, diz que “permitir o regresso à tarifa regulada do gás (e suponho da energia) foi uma boa decisão”, pergunta-se por que motivo e com que interesses foi criada a opção contrária do liberalizado. Somos um país Maria faz como as outras, e “o nosso povo”, sempre no encalce do mais barato, segue-lhe o rasto. Depois chora no molhado.

         - Chama-se Topomorphias a exposição de Jorge Martins patente na Fundação Eugénio de Almeida, em Évora. Passei uma hora cheia a percorrer o primeiro andar do velho edifício do século XVI, recuperado para acolher actividades artísticas e culturais, em particular arte contemporânea. A primeira impressão que temos, como bofetada em pleno rosto, é a harmonia do conjunto, apesar de os trabalhos expostos terem sido concebidos entre 2010 e 2021 e em grande maioria no período sinistro da Covid, 2020. Se a isto juntarmos a idade do artista, nascido em 1940, temos o retrato de um jovem que não se encontrou com os anos, permanecendo com a curiosidade e o espírito aberto ao desassossego que impregna toda a vida empenhadamente vivida. A amostra é disso exemplo: uma continuidade na descontinuidade, uma aventura descomplexada que traz a arte para os circuitos, os percursos tangentes a uma certa magia, a um olhar para lá da tela, numa representação gráfica que nos faz voar além do que o artista nos quer mostrar. Somos, pura e simplesmente, apanhados na armadilha que o espaço da tela nos propõe, na frescura que ali se retém, nos paralisa ante a viagem como representação de terrenos artísticos numa simbiose real-irreal, de que certas transparências são exemplo. A modernidade, do meu modesto ponto de vista, advém da reflexão permanente de Jorge Martins ante o pensamento analítico, a busca obsessiva pelos parâmetros da arte, intelectuais ou metafísicos, na urgência de trazer para a tela o instante, a magia do acontecimento vadio que subjaz em formas e cores combinadas com um interior riquíssimo de objectivações díspares. Como se cada tela tivesse memória, fosse memória, do passado e do presente, apontamento de viagem que nunca chega ao destino, desenho de conformações e conceitos, que só um grande artista sabe exprimir. 

Jardim na China - 2010

Sem título - 2020

Flying Discover - 2010 

Fantasia Cromática - 2010

         - Almocei na Confeitaria Nacional. À saída pedi para me embrulharem meia dúzia de Austríacos, um doce com pouco açúcar e um sabor intenso a coisas indefinidas. De seguida, parti. À chegada ao metro, dou conta que havia deixado a caixa dos ditos cujos, sobre o balcão da pastelaria. Volto para trás e ao entrar a funcionária diz-me: “O meu colega ainda foi atrás de si, mas você caminha tão depressa! É verdade. Sou o coxinho coitadinho mais rápido de Lisboa.” Uníssona e estrondosa gargalhada de clientes e pessoal.  


segunda-feira, novembro 14, 2022

Segunda, 14.

Grande algazarra dos estudantes (alguns) junto às escolas exigindo a saída do ministro da Economia que acusam de não defender o Planeta. Para além da poluição sonora inimiga do ambiente, os contestatários que vestem as últimas modas da indústria poluidora e nada dizem, por exemplo, dos jogos de futebol à noite, nem dos concertos que deixam por onde passam um mar de lixo e destruição, em vez de se manifestarem dentro das instituições de ensino, deviam fazê-lo à porta dos bancos, grandes empresas disto e daquilo, dos Governos que conspurcam a atmosfera com congressos e reuniões inúteis, aceleração para aumento do buraco de ozono, e deveriam ainda abandonar os telemóveis de última geração, tomar duche rápido e não ficar horas a consumir água e energia. etc., etc.. O ministro que eles na sua ignorância querem ver fora do Governo, é um dos dois únicos competentes de todo o governo Costa, o outro é o ministro da Administração Interna. 

         - Sexta-feira almocei no B & B do Carlos, ao Campo Pequeno. Almoço simples, bem regado de conversa amena, desabafos de ambas as partes, com ele eternamente prisioneiro de um mundo que se pressente não se ajustar à sua eterna busca pelo impossível. Valeram as sonoras gargalhadas que não poluem e são descargas de amizade e simpatia. 

         - Luís Pinheiro de Almeida, que aparece abundantemente num dos meus diários publicados, mandou-me o convite para o lançamento do seu livro Viagens no Tempo. Pena que tenha de me deslocar a Viseu o que nesta altura é de todo impossível e talvez nem estarei em Portugal no dia aprazado. A foto com ele morto de cansaço sobre a máquina de escrever, lembra-me o nosso tempo, esse tempo de rampa de lançamento para vidas que entre nós depois divergiram, mas guardo como tesouro de sentimentos nunca serenados... 


         - Escrevo estas linhas à minha mesa de trabalho, diante da janela baixa propositadamente construída pelo arquitecto João Biancard para que eu pudesse descansar o cérebro e a vista na paisagem hoje embrulhada de uma enorme tristeza e silêncio. Há no espaço uma fímbria de luz baça, por onde espreitam as nuvens ameaçadoras; nada bule, tudo se queda em contemplação, nenhum canto de pássaro chega às janelas da casa isolada no fundo de um mundo secreto, sem acessos ao real-irreal, em cujas amarras suspendo o cansaço de me saber palrador aos ventos que passam. (Francisco José Viegas fala disto com maior propriedade e beleza.) 

         - Vou-me despachar para ir ao encontro do Dr. Cambeta. 


domingo, novembro 13, 2022

Domingo, 13.

Afastado deste registo devido a uma série de compromissos a que houve de acudir. Os dias passam à velocidade das sombras que dardejam e pauteiam o ritmo dos vivos no seu lento-apressado caminho para o destino final. Debaixo deste céu que nos honrou com lampejos de auroras e brilhos de folguedos, prosseguem os horrores que cobrem do negro das viúvas e viúvos, as cidades inventadas à dimensão humana, onde a miséria e a humilhação abrem abismos de desgraçadas e revoltas. Não sabemos porque nascemos aqui, neste lugar distante, sob este sol crepitante de luz, que imprime aos dias uma quietação de felicidade escondida nas dobras das horas. Dir-me-ão que foi porque os nossos pais e avós aqui chegaram vindos de um lugar para lá dos séculos, sem tempo nem espaço. A pergunta, todavia, fica sem resposta. Ou antes a nossa inteligência, a nossa argúcia de tudo conhecer, descobrir, traçar a esquadro não vai além do que temos diante dos nossos olhos míopes. De súbito, tudo o que desbravamos circunscreve-se ao elementar, ao quotidiano, fica travado pelo instinto primário que nos leva desta vida a outra que nenhum sábio, filosofia ou religião nos consegue fornecer a chave do mistério, que não nos larga e nos cerca do infinito espanto que é a vida, a nossa e a de todos os seres acolhidos debaixo do firmamento - manto de união acessível à família humana. Pessoa, dizia: “Come chocolates pequena come, olha que não há mais metafísica no mundo filosofia senão chocolates.” 

         - Este intróito, chegou assim que abri o computador, como se aguardasse nas margens do meu cérebro a oportunidade de se transudar nesta página. E vem agarrado à minha eterna desconformidade com o país actual, os governantes, a pobreza mental, social e cívica, substrato da mentalidade egoísta, galvanizadora de princípios mesquinhos, ambições, ganâncias, típicas das sociedades pobres, atrasadas, sem conduta moral, montadas em coisinhas elementares, sem bases nem horizontes, satisfeita com os pequenos nadas da existência rasteira, fechada dentro da fé patriótica, temente aos que a governam, governando-se sob estratégias e conluios pessoais e partidários. Querem a prova do que acabo de dizer? Revejam o início do jornal da 20 horas na SIC, sexta-feira, dia 11.  

         - Foi, portanto, uma vitória moral importante para os ucranianos a tomada de Kherson. Tem, contudo, um ligeiro amargo por não ter sido conquistada, mas sim abandonada pelo ocupante. Estou com o Presidente Zelensky que desconfia da retirada russa. 

         - Ao lado do que se passa na Ucrânia, a nossa vidinha airada não é mais que um simples fait divers. Que até seria divertido, não se dera o caso de ser trágica e humilhante para nós e para a nossa jovem democracia. O homem estimado de António Costa, desistiu do cargo que o seu protector lhe oferecera. Andou um mês nas bocas do mundo consumpto de honestidade da oposição, mergulhado em contradições, os 300 mil euros dados de mão beijada a um homem de almanaque, doutor e empresário de mais de 50 empresas falidas, personagem romanesca, naturalmente do Norte que é de onde chegam estas abencerragens adoradas pelo PS, até que foi acusado pelo que de errado fez, não só no caso da Câmara de Caminha como de outros que entretanto chegaram à ribalta. Nem a defesa do famigerado homem de mão que dá pelo pomposo nome de Ascenso Simões e tem na cara estampada o que esconde de sabujo, lhe valeu. Toda a gente diz: o Governo de Costa dissolve-se na praça pública. Já entrou nestes dois dias para o rol dos transgressores, outra personagem do PS, presidente da Câmara de Matosinhos, arguida da Operação Teia. Por muito menos, se demitiu Guterres com a célebre frase:  “se nada fizesse o país cairia inevitavelmente num pântano político». É no que ele está hoje. 

         - Comecei a cortar a erva daninha que cresceu por toda a parte. Fiz uma tarte de medronhos. Terminei o extraordinário romance de Francisco José Viegas, Malancholia. Não choveu. Tempo entre cinza e intermitentes raios de sol. Silêncio profundo, agarrado à terra. Silêncio. 


quinta-feira, novembro 10, 2022

Quinta, 10.

Andam a brincar com o fogo. O sujeito que governa a Coreia do Norte, tem-se divertido nestes últimos dias a disparar vários mísseis que atingiram as águas limítrofes do Japão e da Coreia do Sul. Dizem ser um aviso às manobras militares dos Estados Unidos e dos irmãos do Sul na zona, que considera uma provocação e, portanto, digna das centenas de projéteis de artilharia que despejou à porta das suas fronteiras marítimas. Isto não vai acabar bem. O homem é louco e capaz de todos os desastres. É como Putin a única pessoa que pode declarar a guerra. Isso acontece nos regimes ditatoriais que usam desumanamente a juventude como carne para canhão e obediência aos seus interesses. 

         - Marcelo não pára, é um realejo em contínuo. Por este caminhar arrisca-se a ficar na história como o Presidente trolaró. 

         - Agora é a vez dos social-democratas. O PS e o PSD disputam entre si quem de entre os seus mais roubou, quem possui nas suas fileiras os ladrões mais refinados. Os gatunos comuns desapareceram substituídos pelos corruptos do erário público. Em quem confiar! Esta choldra está retratada todos os dias nos jornais e revistas, na televisão e no espaço público: cafés, transportes colectivos, wc, ginásios, igrejas, etc.. 

         - Outro dia chuva diluviana sobre a capital. Tratou-se segundo os entendidos de um pequeno tronado que fez estragos de monta: árvores tombaram, carros amachucados, ruas desfeitas, casas destelhadas e outras tragédias. Aqui, neste oásis de silêncio e bem-estar, nada. 

         - Ontem passei um excelente dia em Évora. Fui lá de propósito para ver na Fundação Eugénio de Almeida a exposição de Jorge Martins, Topomorphias que me encantou (a ela voltarei). A cidade já não pertence aos nativos, foi invadida por uma massa sôfrega de turistas que se traduziu num incrível aumento do custo de vida. Dizia-me uma padeira que as pessoas andam de loja em loja a perguntar os preços dos bens essenciais de forma a poderem comer o mais barato que encontram. Um pão 2,50 euros, um prato vulgar 19 euros, uma empada 1,80 euros, uma azevia 2 euros. Deixemos para trás a desgraça e concentremo-nos nas transformações ocorridas na igreja de S. Francisco que eu não havia tido oportunidade de ver.  Ela esteve entaipada anos, e o que agora se descobre é um assombro de arte que se estende por vários séculos. Todavia, para meu gosto, acho que a limpeza foi excessiva, exibindo as cores vivas que o tempo matizou e em certo sentido interiorizou, fechando cada imagem no silêncio do mistério divino. Não apreciei o altar dedicado à Virgem de Fátima por destoar do conjunto e parecer ter sido metido a martelo naquele convívio barroco. 

         - Que, enfim, vai de par com o gosto duvidoso dos sucessivos autarcas. Eu sou de opinião que estes não deviam ter de maneira nenhuma decisão na matéria. Porque são de uma forma geral analfabetos, sem conhecimentos ou gosto artístico, nem preparação para lidar com matérias desta sensibilidade. Veja-se, por exemplo, o destino dado ao mercado coberto em frente da Capela dos Ossos, hoje uma estrutura sombria, onde funcionam cafés e lojas de mau-gosto, talvez com animação nocturna mais rendosa que as couves e alfaces, batatas e carne, os rostos queimados e sorridentes das vendedeiras e aquela animação criadora que exibem as praças de peixe e legumes aqui como em todos os países da Europa. 


terça-feira, novembro 08, 2022

Terça, 8.

Dia em cheio de gentilezas, dia amável. A começar pelo senhor, grande Senhor, que me atendeu quando contactei as Finanças para esclarecimentos sobre a esmola de 125 euros que o Governo prometeu; logo a seguir ao guiché da CP do Pinhal Novo, onde fui comprar a viagem para Évora onde conto estar amanhã; e no passeio que dei pelo centro da vila e me cruzei com dois homens que me cumprimentaram com aquele respeito de antanho e eu não merecia; e já aqui no caminho de terra batida, saudado por dois jovens ciclistas que encheram o espaço do sorriso que encanta e destrói toda e qualquer amargura.  

         - O contacto que fiz para o fisco, foi porque até à data não vi na minha conta bancária a tal esmola apregoada como troféu do socialismo solidário estabelecido pelo pároco e seu sacristão. Como calculava, fora mais uma aldrabice, uma manobra à boa maneira de Costa. Eu fui daqueles a quem o Governo deu aquilo que era meu, isto é, meia pensão. Fora isso não tive direito a mais um tosto, quando a propaganda dizia que era para toda a gente sem excepções, ou antes à parte os 10% de felizardos, naturalmente e sobretudo deputados com uns quantos anos de serviço, gestores, banqueiros, alguns bancários, Presidentes da República, primeiros-ministros e assim.) Imagine-se que até os capitalistas que vieram abrigar-se à sombra da bagunça dos vistos Gold e da fanfarra dos impostos cobrados na nossa acolhedora pátria, até esses, tiveram direito à esmola socialista e não consta que nenhum tenha recusado a maquia. Tenho um desprezo profundo por esta gente que nos governa, espécie de socialistas à moda de Fidel Castro, com o descaramento de Trump e a habilidade de Xi Jinping. 

         - É um horror. Eu se não tivesse a minha fé centrada em Deus, esmorecia dos homens. Em França, veio a terreiro, a implicação de vários bispos e até dois cardiais em crimes de pedofilia. O país assiste a estas revelações desertando das igrejas, descrendo da fé, achando que entrámos num período negro da cristandade. O próprio Papa há dias, dizia que padres, freiras e seminaristas vêem pornografia na Internet. Que mundo este em que nos coube habitar! 


segunda-feira, novembro 07, 2022

Segunda, 7.

Está a decorrer no Egipto a COP27. É mais uma reunião de blá blá como foi a que reuniu em Lisboa a dos Oceanos. Alguém ouviu em sequência falar dos nossos queridos oceanos? De algo de útil para os mesmos? Aquela sobre o clima é, paradoxalmente, a que mais polui tendo em conta o desarranjo com aviões, carros, barcos, estadias em hotéis de luxo, refeições apuradas, deslocações de criadagem para acudir aos digníssimos chefes de Estado, ruído sonoro, etc. Todos ganham, sobretudo suas excelências os ministros e chefes de Estado, que aproveitam para uns dias de repouso nas melhores unidades hoteleiras. Todos menos o clima e à conta dos nossos impostos. 

         - Até porque a defesa do Planeta passou a ser uma ideologia açambarcada pela esquerda, postas de lado outras ideologias que alimentaram a primeira metade do século XX, as religiões, as instituições familiares e assim. Não vejo ninguém a atacar os grandes obreiros do buraco de ozono: indústria de armamento, automóvel, moda, perfumaria, turismo de massas, desportiva, tecnológicas, etc., etc.. São elas que, junto com a publicidade, fazem o desperdício, a avareza, a gula, criam necessidades, dividem pobres e ricos, sacodem o equilíbrio e conduzem ao desespero e à desigualdade. Tudo se passa ao nível de uma moda que dondocas e dondocos apadrinham como fazem com uma qualquer canção choldra, um cantor marreco ou um jogador de futebol idiota. Tudo é efémero, sem direito a entrar nas consciências transformando-as em um bem comum.  

         - O bispo na sua homília de domingo na SIC, arregalando muito os olhos minúsculos, diz “aqui chegados” o país tem tido algum crescimento vindo de grandes investimentos estrangeiros nos últimos quatro anos. A criatura apresenta quadros, gráficos, números  que, preto no branco e passados a cor, parecem ser convincentes como são sempre os números e quadros do Instituto Nacional de Estatística... Só que a pobreza não descola, os hospitais são mantas rotas, o ensino mergulhou num pântano, os portugueses vêem-se à rasca para comer até ao fim do mês, a sua dignidade nunca esteve tão pelas ruas da amargura. O país está melhor para os olhos da UE, para que esta veja nos saldos públicos os olhos dos governantes que governam para a fotografia que os há de catapultar a cargos bem remunerados nas suas instituições. Não tenhamos ilusões. Este oximoro não convence ninguém.  

         - Não se fala doutra coisa: a saída da ribalta política de Jerónimo de Sousa. O seu substituto que ninguém conhece, é uma cópia do que sai, mas com uma particularidade que me atrai e excitará muita gente – foi padeiro. As histórias acerca do padeiro que anda de porta em porta, invadem a superstição portuguesa do encoberto, do que se esconde debaixo da cama e nos armários. É esse casulo de mistério que me apaixona, embora o senhor não seja propriamente um galã, nem possua os atributos físicos do homem de província na sua ingenuidade e inocência. Jerónimo de Sousa marcou a política e, sobretudo, o Parlamento com o seu português impecável que dava cartas àquela massa cinzenta de doutores da mula russa, que se sentam, empolados e importantes, todas as manhãs na Assembleia da República. A maioria não tem onde cair morta. São bonecos manobrados pelos partidos. 

         - A propósito de armários. Então não é que o número de “figuras públicas” que decidiram sair dos armários onde mantinham secretamente vidas paralelas, explodiu. É vê-los mostrando as suas caras-metades barbudas, exibindo físicos artificiais fabricados em saunas e ginásios da periferia, afirmando a felicidade ao lado de homens mais velhos ou do seu personal trainer (desculpem o anglicismo, mas é assim que eles se exprimem), enfim, felizes e contentes com as suas revelações e a possibilidade de atrair contratos, relacionamentos mais abrangentes e experiências e novos e excitantes modos de viver a vida, sem o peso insuportável da mentira e do disfarce. A coisa é tal, que alguns deles passaram da tradicional bicha directamente a quinquicha. As mulheres que se cuidem. Se a moda dura, a abstinência vira problema patológico. 


domingo, novembro 06, 2022

Domingo, 6.

Em princípio toda a revolta me apaixona, mas quando ela é pela liberdade arrebata-me. É o caso da juventude no Irão que ao cabo de 50 dias não baixou a sublevação, pese embora o número de mortos às mãos dos verdugos ayatollahs. Ontem houve mais uma dúzia de mortes; uma de um jovem estudante, Mahasa Amini, 22 anos, por uso indevido do hijab, o obrigatório lenço islâmico para rapazes. O objectivo dos universitários e universitárias é acabar com a ditatorial República Islâmica e com o chamado Guia Supremo, Ali Khamenei. 

         - Sexta-feira voltei ao Dr. Cambeta. Sessão rápida apenas para ajustar a prótese e combinar já o mês para a definitiva. Contrariamente ao anterior médico dentista (que me tratou o maxilar superior), o Dr. Cambeta apressa tudo e sem dores de maior. Só me dói e muito o preço; daí que lhe tenha dito que só lá para meados do próximo ano poderei pensar em colocar a  irrevogável. “Deixe-se disso. Quero-o cá em Janeiro. E não se preocupe com o pagamento. Como lhe disse paga quando e como puder.” E esta, hem! 

         - Depois fiz o passeio a penates entre a Av. Bordalo Pinheiro e o Corte Inglês, atravessando o jardim que fica contíguo à Praça de Espanha. A manhã estava soberba, mais aberta e feliz porque tinha deixado para trás os dias proparoxítonos e pardacentos. Tomei café com um doce no pequeno bistro do primeiro andar, a memória ora em Paris sentado numa esplanada em Saint Germain-des-Prés, ora no lento vagar do tempo da minha adolescência, quando não tinha nada de responsável para fazer, senão entregar-me às horas no remanso supremo do vazio repleto de sonhos. Ali estive por um longo momento ausente, a mente a deixar-se prender nos pequenos nadas que são tão essenciais à existência, como observar quem passava, quem se sentava, quem olhava na avidez sensual que tudo possui e nada tem. De seguida desci à livraria sem deixar de piscar o olho ao Zénite armado em relógio de pulso, pela módica quantia de 10.499 euros, para adquirir o último romance de Francisco José Viegas, Melancholia. Almocei no Vitta Roma e voltei para casa no Fertagus dos que acreditam que a covid já era. Ao serão, curioso por ver em que estado se encontrava o inspector Jaime Ramos, devorei cinquentas páginas antes de subir para dormir. 

         - Esta manhã fui assistir à missa na capela do Senhor do Bonfim, em Setúbal. Há cerca de dois anos que lá não entrava, e foi com surpresa que revi os fiéis que antes da pandemia a frequentavam. Vi-os todos mais velhos uns anos, o celebrante incluído, cabelo grisalho ou branco, mas a mesma devoção e atenção às palavras do Evangelho. A velhota simpática que costumava ficar sempre a meu lado, nos últimos bancos junto ao guarda-vento, e me cumprimentava com um doce e terno sorriso bonito, não apareceu. Teria falecido? Espero que não. Porque ela era em certo sentido a união que nos juntava no silêncio dos lábios que rumorejam e deixam passar a solidariedade que carrega cada oração. 


sábado, novembro 05, 2022

Sábado, 5.

O ministro da TAP saiu-se com esta a propósito da ameaça de greve na companhia: “O esforço tremendo que o povo português fez para que a TAP não tenha desaparecido em 2020.” É uma anedota que nos faria rir até às lágrimas se atrás dela não estivessem milhões saídos dos nossos impostos: 55 milhões para David Neeleman, mais 3200 milhões para salvar a coisa e satisfazer o PCP e o BE, e ainda o que nos espera. Valeu a pena para agora de novo revendê-la depois do tremendo esforço financeiro tão necessário noutros sectores e ajuda a quem tanto precisa? Volta tudo à estaca zero, quero dizer ao lugar onde a empresa estava em 2015. Gestão socialista. Malbaratamento dos nossos dinheiros. Alguém nos perguntou se estávamos de acordo? Então ao que vem o tradicional escudo “povo português”, hábito demagógico de os políticos falarem em nosso nome? Eu não autorizei a compra nem que falem em meu nome. A gestão do ministro na TAP e na CP tem-se revelado um desastre.  

         - José António Ramos, segundo o Expresso, terá sido condenado pelo Tribunal Criminal de Lisboa a quatro anos de prisão, com pena suspensa, por alegados crimes de corrupção passiva e abuso de poder, no âmbito de um processo relacionado com a sua actividade enquanto chefe do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), anterior à sua eleição como autarca. O advogado, no entanto, já anunciou que vai recorrer da sentença e que espera a absolvição. Esta maioria dissolve-se a pouco e pouco em corrupção e escandaleira. Este é mais um socialista a acrescentar à folha dos "honestos" governantes. 

         - A mim dá-me para defender a senhora Christine Lagarde quando diz que a melhor forma de controlar a inflação é manter a subida das taxas de juro. Também estou do lado do presidente do BCP quando alertou o executivo para demasiada facilidade no apoio à compra de casa. E pasmei-me com o senhor Centeno ao posicionar-se ao lado da Presidente do Banco Central Europeu. Na realidade, é preciso que a compra de casa, cujo investimento é enorme para os salários pagos em Portugal, seja uma opção consciente, que leve os compradores a assumir as suas responsabilidades e não a contar tarde ou cedo que o Estado venha em seu auxílio. 

         - A Alemanha parece não ter aprendido nada com a guerra da Ucrânia e a investida de Putin sobre os interesses do seu país. Mais uma vez, são os negócios que movem a nossa classe dirigente, depois se verá como as coisas correm. Tanto se lhes dá que o país seja uma ditadura de Estado ou uma oligarquia. Por isso, não se entende a ida de Olaf Scholz à China em visita a Xi Jinping a pretexto de lhe pedir que interceda pelo fim do conflito na Ucrânia. Suponho que no íntimo, o ditador chinês dirá:“tira o cavalinho da chuva”. 


quinta-feira, novembro 03, 2022

Quinta, 3.

O amor entre Virginia e Vita que havia começado em 1926 depois de três anos de namoro, esmorece por volta de 1933. Apesar das muitas ligações amorosas com outras mulheres que se intrometeram na dedicação e admiração que nutriam uma pela outra, ambas ficaram amigas e cúmplices até ao suicídio da autora de Orlando. Trouxe aqui uma carta de Vita, transcrevo agora uma de Virginia quando a relação entrou por assim dizer numa fase morna, manchada por ciúmes:

Já não há espaço, senão contava-te uma história muito triste sobre os ciúmes que tenho de todos os teus novos amores. 

E quando é que te vejo? Porque, como sabes, tu agora amas várias pessoas, mulheres, quero eu dizer, fisicamente, quero eu dizer, melhor, com mais frequência, mais carnalmente do que a mim. 

Em 1933 as coisas não parecem estar resolvidas do lado de Virginia, como demostra o final de uma carta datada de Janeiro:

Será que arranjas um intervalo entre as escarradelas para me escrever? Descreve tudo, até a renda das camisas de noite das mulheres. E acescenta uma declaração, sucinta mas esclarecedora: porque é que Virginia é quem eu mais amo, logo a seguir ao meu marido e filhos. 

E toma muito cuidado contigo. 

Numa outra carta, com data de 13 de Abril de 1934, Virginia Woolf, numa espécie de previsão da tragédia que viria a ocorrer em  Abril de 1941, escreve: Daqui a duas semanas vamos à Irlanda, fazemos todo o caminho terrestre de carro, depois pulamos o canal (...) e subimos até às ilhas mais selvagens, onde as focas ladram e as velhas trauteiam baixinho junto dos cadáveres dos homens afogados, não é? E ali posso talvez ser arrastada para o mar pelos ventos. Mas isso que importaria a Vita? (...) Debaixo deles me sepultaria, não era assim Vita? 

Por esta altura já a correspondência entre as duas se tornara escassa. Vita tinha deixado a vida mundana de Londres e adquirira com o marido o Castelo de Sissinghurst, no Sussex. A guerra de 1939-1944, reaproximou-as e nas vésperas de se suicidar remeteu a 24 de Março de 1941, a derradeira carta a Vita. Esta quando soube da morte da amiga, alguns anos mais tarde, anotava: “Ainda penso que a podia ter salvado, se me encontrasse lá e estivesse a par do estado mental em que ela estava a cair.” Vita faleceu de cancro a 2 de Junho de 1962. Quando terminei a leitura desta epistolografia, dirigi uma oração ao Senhor pelas almas destas bem-aventuradas criaturas. 

         - Moscovo pediu à Organização das Nações Unidas que ajude a cumprir parte do acordo de cereais que ela própria tinha interrompido. Isto porque a economia da Federação Russa caiu a pique e a recessão é tremenda ao contrário do que Putin dizia há meia dúzia de meses. O PIB caiu 4,4%. As 12,739 medidas sancionatórias, mais as restrições impostas pela comunidade internacional, são a causa e o efeito de tal humilhante pedido.  


quarta-feira, novembro 02, 2022

Quarta, 2 de Novembro.

Ontem fomos Virgílio, João, Sérgio e eu a Sintra em busca do brocante que possui meia dúzia de peças do nosso escultor. Chegados a Terrugem (nome horroroso!) bifurcámos à direita e à esquerda, perdidos numa vasta zona desarrumada do ponto de vista arquitectónico, nem campo nem vila, feia e mal plantada, onde por fim demos com o bricabraque. Logo à entrada, no meio do entulho que não deixava ver o chão da loja, estavam as esculturas em gesso do nosso ilustre artista. Virgílio surpreende-se ao ver os seus trabalhos assim tratados, mas numa rápida e lúcida observação, distancia-se deles, refuta outros que lhe eram atribuídos, extasia-se com dois ou três, apela à memória para os reconstituir e por fim, bichanando-me ao ouvido, diz: “Se tivesse dinheiro, comprava isto tudo para destruir.” Na realidade, vistas fora das fotografias que o proprietário do estabelecimento nos havia enviado a João e a mim, as obras pareciam pertencer a um mundo outro, usado pelo artista como trampolim para voos que ancoraram na sua consistente e estruturalmente sólida capacidade criativa. Pareciam esculturas, como diz Jorge Martins “subtractivas”, isto é, algo que se vai devastando até chegar à obra enquanto sobra do pedaço de nada de onde, bem vistas as coisas, provém o veio adâmico. Ao olhá-las pensei tratar-se de ensaios, de momentos tocados pela embriaguez, quando o escultor se deteve a encher o tempo da ironia dos grandes ante a pequenez do talento que a natureza apesar de tudo não deixa submeter. Seja como for, para mim, diante daquelas formas talhadas em gesso, esmoreceu o impulso de adquirir qualquer uma. Percebia a raiva surda do artista, mas fui-lhe dizendo que sem aquele esforço ele não tinha atingido a craveira que todos lhe reconhecem. A verdade é que ninguém nasce génio e mesmo aqueles que nós pensamos terem nascido com esse dom, é com labor constante, entrega solitária, desvio de preconceitos, normas, obsessões, confissões, vazios, desesperos e solidão que assomam, quantas vezes por breves instantes, à perfeição sublime da arte. Que até quando atinge a unanimidade, continua mergulhada no subjectivismo que a engrandece, afinal, defronte de si mesma. João fora arrastado pela minha visão dos factos e pelo alheamento do escultor que intermitentemente olhava o que jazia pelo chão ou sobre peanhas inconstantes, como objectos que não lhe mereciam nenhum valor. Todavia, o que enchera o olho de Corregedor, fora uma escultura datada que narrava a eloquência de um ávido banqueiro subjugado ao poder que o dinheiro possui como forma de humilhação sobre os rústicos que diante dele se ajoelham (fez-me lembrar aquele banqueiro, durante uma reunião com os seus pares, na altura em que o povo deu a vitória a Miterrand e a economia ia dar uma volta: “Que vão eles fazer do meu pobre dinheiro?). Era, portanto, uma escultura de carácter político. João Corregedor já se via a fazer eloquentes sermões, apontando para o ícone (como falam os papalvos nas televisões), saído das mãos do camarada (na altura) e amigo e acabou por sair de mãos vazias e carteira intacta. 

         - Directamente para um modesto restaurante de terceira escolha, no repulsivo nome de Terrugem, na rua principal. Foi, por assim dizer, a recompensa merecida por termos sobrevivido à tentação de termos algo do nosso amigo, onde só a assinatura nos podia valer se fôssemos contrabandistas de arte. Não foi tanto o que se comeu, por sinal nada mau, mas o convívio animado que reinou na nossa mesa e atraiu as atenções do grupo de raparigas brasileiras que o dirigiam. O repasto arrastou-se pela tarde soalheira derramada sobre as nossas vidas à beira do desespero dos últimos dias de chuva diluviana. Regressei ao meu convento já a noite se espapaçava pelo campo viçoso.  

         - Uma avalanche humana saiu à rua para festejar a moda americana do halloween. Ao todo seriam 100 mil pessoas na sua maioria jovens, que se viram subitamente amachucados quando tentavam descer uma rua estreita no centro de Saul. O resultado foi a morte de mais de 150 mortos e uns milhares de feridos. Quase todos os chefes de Estado apresentaram pêsames ao presidente da Coreia do Sul, todos menos o ditador horrendo do Norte. 

         - Há um quadro que nos aperta o coração com as centenas de timorenses, confiantes nas palavras de acolhimento proferidas por Marcelo Rebelo de Sousa quando recentemente visitou o país, vieram acoitar-se entre nós depois de terem entregado fortunas a criminosos para a viagem. Estão por todo o lado, nas ruas das cidades alentejanas, nas praças lisboetas, passam fome e dormem mal. O Estado pouco ou nada tem feito para os tirar daquela insustentável e degradante existência.  

         - Quando a extrema-direita e a extrema-esquerda se encontram, o desastre não pode ser outro que o degradante e perigoso espectáculo para a democracia que se vive no Brasil com a vitória de Lula e a derrota de Bolsonaro.