domingo, novembro 20, 2022

Domingo, 20.

Percebe-se até porque os jogadores não possuem a arte da dissimulação como os políticos, que foram instruídos para falar estritamente do seu trabalho dentro das quatro linhas, o resto fazem como Marcelo, esquecem o evidente: 6500 mortos (segundo a Amnistia Internacional) nas obras gigantescas do Qatar, milhares e milhares de feridos, mulheres escravas dos maridos, castigos selvagens a que são submetidas, os desvanecidos do trabalho com poucas horas de repouso, como aconteceu com um vizinho daqui que foi pleno de saúde e voltou careca, magro como um cão, doente, carregando uma depressão sem fim. Como precisa de trabalhar, foi agora tentar a chance em França. Nem sempre estou de acordo com o director do Público, mas desta vez estou em sintonia quando escreve: “O futebol é apenas um jogo tantas vezes usado como uma cortina para desviar as atenções do país essencial. Não é a ciência, a cultura, a civilidade, o patriotismo, a decência, a responsabilidade ou o espírito de iniciativa. É tantas vezes apenas um soporífero (eu chamou-lhe alienação) para iludir com alegrias efémeras a realidade. Dizer que o apoio à selecção nacional é do “interesse nacional” é não apenas um erro; é, por isso, também um perigo.” Referia-se à ida do Presidente da República, primeiro-ministro e presidente da Assembleia ao Qatar. Pudera! Ir à conta do orçamento nacional, ficar em bons hotéis, assistir à partida no meio daquela multidão, passear e fazer compras em Doha, não é para qualquer bolsa... 

         - Custa-me saber que o rapaz que pretendia ficar no rol dos assassinos em massa, vai ter uns quantos anos de prisão. O que ele devia era ser tratado dos dramas psicopatológicos que o cercam; que eu tenha conhecimento nenhum dos homicidas em massa, fez eco das suas acções hediondas nas redes sociais ou falou aos amigos das suas intenções de levar a cabo um ataque terrorista. Os colegas da Faculdade de Ciências onde ele estudava, disseram que se tratava de um colega calmo e sem desvios psicológicos marcantes, à parte ser um pouco introvertido. 

         - Felizmente tenho muito trabalho em vários domínios e nenhum se cruza com o futebol, nem tenho amigos que se dediquem a louvá-lo, a tecer-lhe apologias entusiastas; o mundo que me rodeia não tem o mínimo interesse pelo que fazem ou dizem os desportistas, os treinadores e aquela banda de comentadores muito sábios, que se exprimem como se falassem de filosofia esotérica ou sapiencial. Dito isto, era bom que o “nosso povo” se habituasse a pensar. Quando isso acontecer, verificará a injustiça que pesa sobre as suas vidas: um Ronaldo ganha num mês aquilo que um trabalhador médio não aufere em toda a sua vida de labor árduo. Mais ou menos o mesmo para os professores, cientistas, médicos, etc., etc. 

         - Dia cansativo com uma pausa apenas depois da missa para me sentar numa esplanada a ler o jornal. Depois andei a queimar dejectos do Verão, fiz o almoço e dois pratos para arquivo, seguido de duas horas de roçadora em punho a roçar a erva daninha com metro de altura. Duche. E pela primeira vez, chamei o Inverno para se acoitar dentro destas quatro paredes ao canto da lareira. Momentos de conforto, calma, meditação diante da lareira vendo através do vidro o fulgor do fogo. Este é quase uma presença humana.