sábado, maio 18, 2024

Sábado, 18.

Outro dia fui defraudado. Quando saí do Lidl um automóvel segui-me sem eu dar conta quando ia na direcção do Continente para comprar uma daquelas caixas para transportar felinos. A meio do caminho, sinto atrás de mim um carro que fazia sinais e buzinava. Pensei tratar-se de alguém aflito e parei. Logo veio para mim um rapaz bem parecido, em vestes desportivas, que me disse que eu lhe tinha partido a grelha da frente. Nem me lembrei que quem bate por trás é culpado. A cena teatral onde não faltou a invocação de Deus pelo menos umas cinquenta vezes, era digna da melhor sala espctáculos. De telefone na mão, o rapaz diz-me que o carro não era seu, fora alugado em Torres Vedras e não podia preencher as folhas de sinistro para as seguradoras como eu reclamava, mas que não me preocupasse porque ia telefonar para a Europcar. Vejo-o a gritar, a gesticular, a pedir ajuda a Deus, por fim, diz-me “tem de pagar quatrocentos euros é o que a empresa de aluguer diz custar a grelha”. Vou analisar os estragos, e verifico que ao parar para o ajudar ele, com técnica, bateu no meu para-choques e fez umas ranhuras insignificantes, suficientes para que tivesse motivo para me extorquir dinheiro. Abreviando porque a cena dura muito tempo e eu à medida que os minutos passavam sentia que estava diante de um burlão. Foi quando, após nova cena ao telemóvel, ele me diz que do outro lado aceitam substituir a grelha por outra usada. “São 200 euros, mas eu pago metade e você a outra metade e não se fala mais no assunto..” Tudo isto numa aflição, aos gritos, implorando pressa porque tem de chegar ao destino antes das cinco da tarde de contrário pagaria outro dia de alugar do carro e eram mais 50 euros. Lembro-me de chamar a polícia, mas ele contra-argumenta que são 220 euros e não seria ele a pagar porque quem chama a guarda é que paga. Estamos nisto e eu já cheio de pena dele, que implora Deus todos os segundos, digo-lhe que quero o seu contacto e o da empresa que lhe alugou a viatura. Todas estas indicações anota-as ele num papel que rasgou de um caderno onde li Conservatória do Registo Civil Seixal, pelo meio lembro-me de apontar a matrícula do veículo. Assim que se apanhou com o dinheiro, abalou sem um adeus. Evidentemente, nada daquilo que ele havia escrito no bocado de papel tinha correspondência com a realidade – eu tinha sido burlado e, pior que tudo, com consciência disso. 

         - O Black passou a noite na clínica que o atendeu para o tratar da mordidela no pescoço por um cão. Eu, durante toda a semana, tentei curar-lhe a enorme ferida e vendo que a coisa piorava, levei-o ao veterinário. Bravo, foi com dificuldade que o pus dentro da jaula e o transportei ao médico. Aí, quando se viu em liberdade, atirou saltos contra as paredes e tecto do consultório e foi com objeção que a médica o conseguiu devolver ao transportes. No dia seguinte, pelas cinco da tarde, fui buscá-lo, paguei 150 euros e trouxe-o para casa a antibiótico e outros medicamentos e tratamentos. Jantou bem e até hoje nunca mais apareceu. Já lá vão dois dias. 

         - Quarta fui a Lisboa fazer o derradeiro exame que ditará a razão da hemorragia que tive há dois meses. Pelo que ouvi da médica que o realizou, tenho pequenas pedras nos rins, “mas nada de cuidado. Tem que beber muita água”, diz-me ela. Respondo: “Isso é uma maçada porque passo a vida a caminhar para o quarto de banho.” “Pois é. Mas tem que ser.” Na próxima quarta-feira, munido da talega de exames que venho fazendo desde Fevereiro, quero saber se minha médica de família me diz da razão do acidente nocturno ocorrido ou se a montanha pariu um rato. 

         - Tempo tristonho. Acabei de limpar a área defronte da casa. Vou fazer scones. 


quarta-feira, maio 15, 2024

Quarta, 15.

Um país como a Guiné-Bissau em que o seu presidente apareceu ombreando com Vladimir Putin, pode ser independente e soberano, mas não deixa de inquietar pela opção que fez privilegiando a Rússia do ditador. Diz-me com quem andas... Lenine que na sua obstinação acreditava poder ser omnipresente, dizia que quem pusesse a mão em África, punha ao mesmo tempo a mão sobre a Europa. É isso que um século depois pretende o tirano da Federação Russa.  

         - Encontrou-me numa livraria e veio para mim perguntando-me o que penso de António Bagão Félix. “Um grande senhor, bem formado, culto, sensato, competente.” “Pronto disse, foi essa a impressão com que fiquei quando ele aqui esteve e conversámos um pouco. Agora a  confirmação vinda de si que é tão selectivo, reconforta-me.” 

         - Dia tumultuoso, inútil descrevê-lo nestas páginas. 


terça-feira, maio 14, 2024

Terça, 14.

O diabo não escolhe hora nem local para nos tentar. Aconteceu que depois de deixar a clínica onde fui fazer uma Eco aos rins, desembarquei na Fnac-Chiado, abanquei no bar-café, preparado para duas horas no romance. De súbito, porém, surgiu do fundo da inquietação, um rapazito bailarino, pequeno de corpo, harmonioso, o rabinho fresco pavoneando-se na minha frente, desafiando o pouco de juízo que ainda existe em mim. Atirei com o computador, levantei-me da cadeira, e a meio do percurso onde o mafarrico me esperava e eu queria pedir-lhe contas, arrepiei caminho e voltei para os braços de Ana Boavida que ao seu jeito de ser gargalhou da minha figura.  

         - Fiz questão ontem à noite de ficar a sintonizar a SIC para conhecer a vedeta de momento descoberta por Luís Montenegro. Como nunca ouvira o pimpolho falatar, estava curioso e até disposto a aceitá-lo como fenómeno político à portuguesa. Saiu-me o tiro pela culatra. Quem confirmou o seu saber e conhecimento, a sua capacidade argumentativa e a consistência de ideias, foi o próximo deputado europeu do IL, Cotrim de Figueiredo. Mas também me agradou sobremaneira o rapaz do Livre, pragmático, bem preparado, senhor de ideias desenvoltas e ambos deixaram a quilómetros de distância a impreparada Marta Temido e o outro de seu nome Bugalho (que raio de nome) da AD. Uma e outro, são mestres nas frases feitas, nas banalidades, na argumentação fácil, que cativa mas não convence.  

         - Esta manhã, antes de partir, voltei a reler o capítulo Mil anos sem ninguém do romance de Valter Hugo Mãe. Conhecendo eu os estados de exaltação criativa, o delírio que se instala quando nos deixamos levar pela magia das palavras, invejo-lhe aquelas páginas de uma força incrível, de onde brota toda a dimensão humana e paira algo que não é deste mundo, aqui não medra, apenas passa em voo tangente à eternidade sobranceira ao mistério que é toda a escrita desta qualidade. 

         - Mais um olhar sobre a beleza inquietante das auroras boreais. Desta vez numa cidade dos países nórdicos. 



segunda-feira, maio 13, 2024

Segunda, 13.

Terminei o romance de Valter Hugo Mãe, Deus na Escuridão. Que dizer quando há tanto para contar! Talvez estas palavras sejam suficientes juntas com a frase acima citada de Terêncio que eu poria em epígrafe: forte, belo, sensível e profundamente místico, uma espécie de fenómeno seno-onda. Este e o livro de Lídia Jorge, Misericórdia, são suficientes para nos redimir de todo o lixo que os editores insistem em produzir. Incentivo quem de direito a premiá-lo pela elevada qualidade e originalidade, e peço aos meus leitores que o comprem e leiam com o mesmo entusiasmo que eu tive quando a arte se eleva e elevando nos arrasta com ela para mundos puros de imaginação e beleza. 

         - Em época de auroras boreais, perto desta imponência literária, só os fenómenos cíclicos que a Natureza como os verdadeiros artistas sabe produzir. Esta foto foi tirada no Alentejo e extasia-nos pelo mistério que encerra e a beleza que veicula. 

         - Não me apetece acrescentar nada mais a este dia. Tudo o que possa anotar, é um péssimo e fedorento espécime dos dias que correm, da infelicidade que os enche, da mentira que os banha, da morte que anunciam. Silêncio, pois. Que regresse a vida na plenitude e magnificência enquanto obra divina.  


domingo, maio 12, 2024

Domingo, 12.

“Rezo três vezes por dia; durante grande parte desse período, quando posso, tento manter esse silêncio sem imagens e apofásico, um vazio completo, mas muitas vezes necessito de me apoiar na meditação bíblica, em outros géneros de imagística e na disciplina dos salmos ou de outros textos. Na verdade, faço-o por mim própria, mas também rezo pelos outros e para que o meu silêncio possa ser útil de alguma forma no mundo barulhento em que vivemos. Ganho o meu sustento, faço caminhadas, dedico-me à  leitura e à costura. Penso no silêncio. Sinto-me extremamente feliz na minha casinha. Mas apesar de me sentir feliz e esperançosa, ou talvez mesmo por isso, continuo a achar que o silencio é profundamente misterioso.” Não se pense que sou eu que assim se exprime apesar de o silêncio me ser indispensável e até alicerce da minha vida. Estas palavras são da escritora americana Sara Maitland na sua obra O Livro do Silêncio (pág. 372). 

         - A missa a que assisti via RTP1, foi transmitida da igreja Cristo Rei da Portela, em Lisboa. Pelo que me foi dado observar, é uma capela muito bonita no interior, mas onde só cabem uma dúzia de fiéis, na circunstância os que participaram no coro, na sua maioria jovens. Pela sua singeleza, senti-me entre eles, irmanado na mesma intimidade em Jesus Cristo. 

         - Tenho praticamente concluía a leitura de Deus na Escuridão. Na página 184, deparo-me com esta curiosa interpretação da solidão. O narrador fala do irmão (no romance) que nasceu “sem origens” ou seja com uma qualquer deficiência a nível dos órgãos genitais: “A solidão que  me trazes abre meu corpo ao meio, metade do corpo só sabe cavar, a outra metade só sabe cair.” Aliás o romance está bem abastecido de ideais humanos, levantados da consciência que levou Terêncio a afirmar: Homo sum: humani nihil a me alienum puto. 


sábado, maio 11, 2024

Sábado, 11.

Às sete da manhã estava no mercado dos pequenos agricultores do Pinhal Novo. Às oito prosseguia de máquina roçadora nas mãos a devastação do mato em frente à casa, de seguida fui regar, tudo sem o mínimo cansaço. A maioria dos portugueses, estaria ainda entre lençóis e muitos, sobretudo os que nos desgraçam a vida e nada sabem do esforço quotidiano, sonhavam com a lotaria do Parlamento Europeu. Aliás, se bem penso, os nossos ditos gestores e políticos, são teóricos dorminhocos que não sabem nada de nada. Tomemos o João que faladou anos a fio na Assembleia da República. Tanto ele como a minha querida Marília, não sabem cozinhar mandando vir do restaurante todos os dias as refeições; não sabem pôr a roupa na máquina e vão dá-la à lavandaria que a lava e engoma, e assim por diante. Se eles fossem pobres, ou pelo menos gente normal tecendo nos dias as dificuldades do viver da maioria dos portugueses, compreenderiam que é fácil ser comunista e de esquerda quando as reformas são para esta exuberância burguesa em tudo contrária às teorias que impõem aos demais. Toda a nossa excelentíssima esquerda é deste calibre. São uns pobres patetas, que levam uma vida apartada da luta que nos empolga e renova em nós os ímpetos vivos da própria existência. Eles são seres ociosos, que acreditam no seu trabalho construído no paleio de formação odienta, que muitas vezes não dura uma hora e quando a ultrapassa deixa-nos na lama da desgraça saindo eles sem o mínimo salpico. Lenine e Marx adorados pelos comunistas e Gramsci pela viúva do BE.  

         - Ando a arrumar gavetas e de todas saltam memórias do passado. No caso uns quantos números de A Seara Nova do tempo em que jovenzinho acreditava que era pela via da esquerda – e só por ela – a salvação do país se fazia. Mal eu concebia como fora enganado e nem imaginaria afinal que havia várias esquerdas, várias ditaduras, e que a melhor delas era a que se vivia e vive na Rússia, China, Coreia do Norte, Cuba, etc.. Vou despachar esta aldrabice para casa do João Corregedor que colecciona sonhos para ele verdades que (pagará?) com a vida. Gastei um tempo a folhear a revista e anoto a vergonha de haver sublinhado a grande maioria dos artigos. Muitos dos escritores que nelas participam, trabalhei lado a lado com eles nos jornais, sentei-me à mesa da Brasileira, assisti a comícios depois do 25 de Abril em que eles invocaram a URRS como exemplo de democracia. 

         - Já nessa altura, estamos em 1971, pela pena de Abílio Teixeira Mendes, a saúde era analisada. O SNS foi – e bem – uma conquista da democracia. No entanto, apenas por comparação, retenho que a população de Lisboa rodava 1.611.887 assistida por 3435 médicos, isto daria 469 médicos por habitante. Hoje a Ordem dos Médicos tem inscritos cerca de 55.976 médicos. No Porto, por exemplo, o número de habitantes era de 1.314.794, assistidos por 1773 médicos, é só fazer as contas. 

         - Raul Proença foi outro ilustre político a utilizar a revista. Num artigo intitulado As Aberrações da Democracia, ele dá o exemplo, espécie de lugar comum, que, como se sabe, tomba para os dois lados. “Só quando não houver nem ricos nem pobres, a humanidade verá multiplicar-se à superfície da terra as fontes de generosidade e de sacrifício. A questão económica é, pois, capital na medida em que é uma questão moral – na medida em que o planeta se puder vir a converter numa mansão inteiramente habitável para os que têm sede da bondade e da beleza.” Aqui surge o país do Sol dourado - a URSS. Este sonho, que por natureza nunca se poderá realizar, será aproveitado por toda a espécie de ditadores que vergarão o povo a ideais fantasiosos que lhes permite dominar e estar perto daquilo que eles sabem nunca chegará à totalidade dos seus escravos. 


sexta-feira, maio 10, 2024

Sexta, 10.

Um tal José Castelo Branco, casado com uma milionária americana a viver em Sintra há muito tempo que nunca aprendeu português, faz o entretenimento das televisões. O homem é idiota e está transformado num palhaço que faz rir toda a gente, não se desse o caso de ter agredido a mulher com quem vive há trinta anos e hoje com 95 anos de idade (ele andará pelos 60). No hospital onde está internada, denunciou os maus-tratos psicológicos e agressões que tem sido vítima ao longo dos anos. A polícia que foi chamada, ouviu as denúncias e deu ordem de prisão ao agressor. À chegada ao tribunal, este vinha vestido com um extravagante vestido branco, com capuz, todo ele armado em donzela ofendida e humilhada. Até aqui tudo bem, a maluqueira identifica-o. Só não acho bem que a justiça surja espezinhada, quando consente que um homem (ou lá o que ele é) se apresente travestido. Não pode haver dois pesos e duas medidas: a lei proíbe às muçulmanas andar de véu a cobrir-lhe o rosto e aquela coisa pôde enfrentar os juízos deguisée em prima-dona. Que grande actor de revista à portuguesa! 

         - Há um mês que a tragédia se abateu no Rio Grande do Sul, Brasil. Aquela terra de poetas, está submersa por fortes tempestades que já matam mais de 100 pessoas e fizeram dezenas de desaparecidos e populações de desalojados. 

         - Fui a Lisboa num pé e voltei noutro. Quero avançar com a limpeza em frente à casa e para isso não posso ter veleidades de nenhuma espécie. Travail d´abord. Tempo subitamente quente. Reduziram-me a reforma este mês. Ninguém percebe nada de nada. Vão uns, voltam outros e a confusão é sempre a mesma. Quando penso como são tratados os reformados em França, estremeço. Lá, quando o Robert se reformou, a Segurança Social do sítio, mandou-lhe um dossier detalhado com a história da sua vida profissional. Aqui somos pura e simplesmente abandonados aos caprichos do sobe e desce dos nossos ganhos mensais, sem qualquer explicação. 


quinta-feira, maio 09, 2024

Quinta, 9.

Por muito que queiras fugir do mundo, ele corre no teu encalço. Mas não vem só, traz consigo a desorganização que hoje impera por todo o lado, mas também as guerras, o sofrimento, a miséria e a fome. Por vezes, à mistura, chega um vislumbre de lucidez, uma faísca de luz a brotar dos corações dos homens. É o caso da atitude dos EUA que foram parceiros de Israel na guerra sangrenta contra os palestinianos: Joe Biden decidiu não enviar mais armamento bélico por forma a não ser utilizado em Rafah onde a situação atingiu o auge da desumanidade. A resposta não se fez esperar. Netanyahu insiste que invadirá o Sul da Faixa de Gaza orgulhosamente só, e de ódio em riste, reduzirá a cinzas a população inteira. Nesta atitude, vejo a persistente e corajosa política de contenção do genocídio palestino levada a cabo por António Guterres. Claro que Israel continuará a contar com o segundo armador que é a Alemanha. 

         - Houve tempos que nem sempre apreciava as crónicas de Alexandra Lucas Coelho. A falta deve ter sido minha, ou então o tempo trabalhou para nos juntar. Os anos, ao contrário do que pensamos quando somos jovens, são a maior riqueza da vida. Daí que exponha como exemplo, estas linhas da jornalista outro dia no Público: “O Velho Mundo de que falo não é só a Europa. É o mundo dos líderes que perderam essa lição directa com seres humanos a serem amputados, em todos os sentidos, à nossa frente. Porque os vêem como humanos. Ou humanos à sua altura. Aquela palavra que os nazis usavam, e o Velho Mundo jurou não repetir: untermensch. Sub-humano, menos-que-humano. Todos eles, Scholz, Biden, Von der Leyen tratam os palestinianos como untermensch. (...) Foi o que os poderes do Velho Mundo fizeram desde 7 de Outubro, agir como se os palestinianos não merecessem da vida o mesmo que cada um deles – e cada israelita.”

         - O nosso D. Américo Aguiar, digníssimo político ao serviço do poder temporal, está em todas. Vi-o ao lado do ex-presidente do FCP, naturalmente preocupado com a riqueza e poder do velho dirigente desportivo na hora da despedida. Segundo julgo saber, fez parte da Comissão de Honra à renovação do mandato. Espero que não tenha perdido para Deus o tempo que esbanja em honrarias e frivolidades. 

         - Recomecei a cortar a eito o mato que entretanto cresceu na frente da casa. É a segunda vez e, talvez, não seja a última antes do Verão. A Piedade ajudou-me a fazer um remédio à base de aloé vera para tratar a ferida do Black. Dia magistral. A quinta vista ao rasante do olhar, é um espaço lindo de morrer.  


quarta-feira, maio 08, 2024

Quarta, 8.

De acordo com o mestre Castilho, apresentei-me na Brasileira para um bate-papo saboroso. O homem, do alto dos seus 93 anos cheios de dinamismo e saúde, assentes nas memórias que ele debita sem pausas nem buracos, com vida agitada de ir e vir todos os dias a Cascais, ao volante do seu carro, deixando a mulher na loja que possui no Cais de Sodré e tem muita da sua clientela nos empresários e políticos (Costa é um deles), sobe depois a pé ao Chiado para se encontrar com um grupo que nada (ou pouco) tem com os seus interesses e cultura. E todavia. Com ele posso estar horas a dissertar sobre tudo e nada, pinceladas com a sua enorme simpatia e um sorriso que não desaparece do seu rosto impecavelmente escanhoado, o seu modo elegante de vestir, personagem do século XIX que afronta o presente munido da carga civilizacional que as novas gerações espezinham. Foi na juventude um grande desportista, conheceu a pobreza, trabalhou horas e anos a fio, sem descanso, no limite das forças. Hoje é um homem livre, senhor de uma fortuna sólida (esta manhã despediu-se porque tinha de ir à inauguração de uma loja que arrendou a estrangeiros na Baixa, com interior de Raul Lino), sem exibir a riqueza, sóbrio, de algum modo secreto, personagem de romance com quem tanto simpatizo. O João trata-o de fascista, capitalista e outros mimos que vêm no catálogo do PCP e BE. 

         - Dali fui ao C.I. comprar a mesa para o terraço que o dondoco do Carlos chama lounge. Este ano tenho umas massas a desembolsar para o muito que finou em mobiliário exterior: cadeiras, toldo, almofadas, chaise longue para nada dizer do balúrdio de pôr a piscina a funcionar. Enfim. O que me move é a beleza, o conforto, como se pende-se inteiro para estes pequenos nadas que me fecham na intimidade de ver, viver, admirar. Mesmo que não fizesse uso deste universo de cor e utilidade, contentar-me-ia em ficar horas a admirar e a escutar o que diz todo este cosmos uns aos outros. Porque os objectos falam, interrogam-nos, fazem-se nossos irmãos, contribuem para o nosso equilíbrio e paz.


terça-feira, maio 07, 2024

Terça, 7.

Domingo, preso ao Holter por 24 horas, naquela circunstância de o sentir aos uivos de quinze em quinze minutos, dia e noite, não quis escrever uma palavra que fosse. Em contrapartida, atirei-me ao último romance de Valter Hugo Mãe, Deus na escuridão e li metade do livro. Algo direi quando o terminar. Por agora deixo-me embalar pela história e, sobretudo, pela forma de narrar e do seu típico português. 

         - Ontem, portanto, fui ao cardiologista desembaraçar-me do cão que me mordeu vexes sem conta e fazer o exame Eco Transtorácico. Mais uma vez pude constatar quão a medicina desceu às cavernas fedorentas do dinheiro às carradas, depositado em sacos de serapilheira, como bacalhau apodrecido que nenhuma salgadeira ousa recuperar. O clínico mal me dirigiu palavra. Em dois tempos debitou números e posições que a funcionária despejava na folha do computador, com o aparelho apontado ao meu coração heróico que não lhe deu o prazer de ter pus suficiente que justificasse o exame. No final perguntei: “Então doutor, descobriu algum buraco?” Não respondeu. Perguntou-me se estava a tomar os medicamentos que me havia indicado, respondi que só tomei durante 15 dias o Kainever (que magia!). “Não se dá bem com ele? Pelo contrário, dou-me de tal modo bem que não quero continuar a frequentá-lo.” A assistente olhou-me e sorriu. Ele respondeu lesto estendendo-me a mão indicando-me a saída: “Faça como entender.” A consulta terminou ali, sem que eu pudesse usar o que sei sobre o meu corpo. Queria-lhe mostrar o calendário do registo das tensões e explicar-lhe que ao Mapa Holter tinha forçosamente de registar tensões mais elevadas (ele dizia 15 em média, facto eu sabia porque só ao segundo e terceiro registo a tensão se estabelece nos 14-7 e 13-5).  A impressão com que fiquei, é que de quinze em quinze minutos, a clínica tinha de facturar 130 euros, e upa desaparece e entre o senhor que se segue. 

Eu tinha razão. Quando recebi os dois relatórios (Mapa e Eco) verifico que tenho um coração de pedra. Mas como é de lei, do médico não se sai sem um qualquer problema que justifique a autoridade científica e o montante cobrado, assim nas conclusões do relatório, leio; “Alterações degenerativas das válvulas mitral e aórtica; insuficiência mitral ligeira;  restante ecocardiograma dentro dos limites da normalidade ao nível das estruturas registadas.” E destas, conto, onze parâmetros sem mácula. Quanto as degenerescências, é normal porque não somos os mesmos no adiantado da idade. Ele não gostou que eu tivesse apostado nos medicamentos alternativos, apontando a tensão em média nos 15 graus. Assim vou continuar, sem que seja obstinado no assunto. Quando vir que os suplementos não me ajudam, entrarei sem ressaibo nos químicos. 

         - E contudo! Do fundo do momento chega-me a doçura dos dias, a Primavera a tombar do tempo, a encher os corações do perfume das flores, do ar rarefeito que abraça as manhãs e fica indolente pelas tardes já quentes. Há tanta vida na vida que me coube! Estou a estoirar de prazeres, de sonhos, de energia que catapulte horas e dias, nervo dimensional que não cede à derrota de me saber mortal e livre de ir ao encontro da finitude para esse lugar onde os verdadeiros problemas estão plasmados  e anulam por inúteis todos os ódios e remorsos que a vida carregou no dorso implacável... (interrompido). 

         - Terminei logo pela manhã a razia da erva na parte da casa que dá para o caminho de terra batida. A Piedade veio aí passar a ferro a roupa da semana passada. Estive tempos infinitos a vê-la nessa operação de uma beleza sem fim que sempre me atraiu; porque se trata de um trabalho que acode à memória e junta as recordações de infância num feixe ou bouquet de segredos que guardamos só para nós, e constitui a nossa morada nos longes  labirínticos tornados perto pela recordação em contágio com o absoluto. 


sábado, maio 04, 2024

Sábado, 4.

O PS de Vasco Gonçalves, não pára de nos advertir que “em tempos de crise, só os socialistas dão garantias de estabilidade”. Tal afirmação, incendeia-nos o coração de esperança como forma de nos tomar por parvos. Assim, esta semana, com o descaramento habitual desta gente, depois de ter sarnado Montenegro para não se coligar com o Chega, é ele que aceitou, sorridente, a muleta do Chega para aprovar a eliminação das portagens. O projecto foi aprovado depois de o PS se haver oposto quando era governo. Pelo que se vê, é melhor acreditar na honestidade de Luís Montenegro. Eticamente, os socialista são zero. 

         - No final da semana, também tivemos a revolta de políticos muitos do PS e o desgarrado Rui Rio. A maioria dos subscritores do manifesto, que acusa o MP de funcionar sem escrutínio, esteve na mira da justiça e não gostou. Não gostaram, julgam-se acima da lei e daí tudo fazerem não só para correr com a Procuradora-Geral da República, como pretendem mais autonomia para o poder político. Quando se vê como eles são tratados comparados com o cidadão comum, cheios de papel que entregam a advogados que possuem o condão de adiar julgamentos até perderem o prazo de validade, como possuem a magia de transfigurar assassínios em cordeiros divinos.  

         - Não digo com isto que a Justiça é pura com derrames salvíssimos de protecção e imparcialidade. Sei muito bem que o MP nem sempre é competente e os seus juízos esbarram nos tribunais por mal feitos, mal urdidos e muito amadorismo à mistura. Tomemos o caso da Operação Influencer. Se se vier a provar que o processo de suspeição contra António Costa foi uma cabala para correr com a maioria dirigida por ele, então é todo o sistema nacional da justiça que é posto em causa e é evidente que não podemos confiar em ninguém. Eu detestei e detesto o modo de fazer política dos socialistas, acredito que Costa não é ladrão como Sócrates, mas estou em dúvidas se ele não moveu artifícios políticos para influenciar negócios em torno do lítio e das empresas de dados erigidas no Algarve. 

         - Tentei avançar hoje um pouco mais na limpeza do mato. Amanhã vou pôr um Mapa no braço e durante 24 horas vou andar com ele. Como não deve ser aconselhável o contacto com maquinaria, comecei cedo o trabalho. Dia surpreendente de calmaria. Leitura, escrita, pequenas lides disto e daquilo. 

         - Ontem passei praticamente o dia com o João Corregedor. Combinámos encontro na Brasileira e dali como eu tinha que ir ao C.I. ver uma mesa para o terraço, ele quis acompanhar-me. Almoçámos no restaurante panorâmico. Depois ficámos um tempo em amena cavaqueira com enorme esforço da minha parte para que ele não resvalasse para a única cultura que o absorve – a política. No final ele desabafou: “Porreiro. Conversou-se bem.” Forma de falar, porque quem nunca se calou foi ele num monólogo vigiado por mim.


quarta-feira, maio 01, 2024

Quarta, 1 de Maio.

Para honrar o dia do trabalhador, fartei-me de trabalhar. Não só na escrita e leituras, assim como lá fora a roçar erva, a podar o alecrim da entrada, a continuar a aliviar o jardim dos acantos das ortigas, a cortar os rebentos selvagens das oliveiras, a fazer uma queimada que ainda gora vigio do ponto da escrita É deste modo que me sinto equilibrado. Quando uma actividade fica de fora e é apenas em casa que laboro, falta-me qualquer coisa para que o dia se cumpra em plenitude. 

A beleza dos  acantos em flor. 

         - Louvo a atitude dos jovens universitários americanos que reclamam nas ruas a condenação de Netanyahu há duas semanas seguidas. Enfrentam a violência e a prisão, mas não desistem e são já exemplo para outros movimentos similares em França, Bélgica e Alemanha. Entre nós não há nenhum sinal de idênticos protestos. Os ditos jovens, estão concentrados nas finais, masculina e feminina, dos jogos de futebol. Somos tão pobres, tão idiotas. 

         - O Reino Unido há muito que deixou de ser uma referência civilizacional. Depois da senhora Thatcher, dos hooligans é agora a vez da crueldade democrática do senhor  Rishi Sunak. Este cavalheiro, primeiro-ministro do reino, decidiu extraditar todos os imigrantes que entraram no seu país sem autorização ou trabalho. Pega neles, põe-nos num avião e deposita-os algures no Uganda como quem despeja um montão de lixo. São seres humanos, mas ele decidiu que são dejectos epidémicos. 

         - É muito difícil viver em Portugal sob todos os aspectos. Isto não é uma democracia, os deputados não são representantes do povo, vivem numa bolha completamente alheados dos portugueses, em lutas intestinas permanentes, a ver quem leva a palma sobre o inimigo que eles cândida e cinicamente chamam adversário e dizem ser “a democracia a funcionar”. Todo este ódio, as permanentes rasteiras, os casos e casinhos que brotam do chão por todo o lado, alimentam o virar de costas e o sentimento de que isto só lá vai com um dirigente forte que esteja acima de tudo e de todos como demonstrou uma recente sondagem. Vendo, bem, contudo, isto é falta de educação, civismo, cultura democrática e muita saloiice. Esta gente, lamento dizer, a quem deram um hemiciclo para exibirem tudo o que não possuem ou possuindo  em nome da ideologia se acham no direito de impor aos demais, não passa de novos-ricos inchados de riqueza e poder. Nós estamos lixados. Apostámos na ficha errada.