domingo, outubro 31, 2021

Domingo, 31.

Tomei café no apartamento de Francis com vista para o canal esta manhã. Longa conversa sobre Napoleão III e a aversão que os socialistas têm ainda hoje ao grande imperador. Grosso modo, estive de acordo com ele no que diz respeito a Vítor Hugo que o danificou sem levar em conta tudo o que o grande homem fez pela França, muito das reformas sociais e progresso ainda hoje servem à sociedade francesa. Quando regressar de Quiberon, daqui a três semanas, voltaremos a estar juntos para almoçar e irmos à Comédie Française.  

         - Ao ouvir os franceses falar o inglês, ocorre-me aquela que julgo ser de Clemenceau: “O inglês é o francês mal falado.” Ou será que o francês é o inglês mal falado? 

         - Para escapar ao encontro com o Christian e Carole, meti-me no autocarro para ir passear sob chuva pelo bairro do Marais. Quando cheguei ao metro, dou-me conta que não tinha comigo a carteira. Toca de voltar para trás e conformar-me com o destino. Os meus amigos são contra as vacinas, já foram contaminados e estiveram num estado miserável. Apesar de me proteger, corro constantemente riscos. Mesmo em casa, Hugues, filho da Annie, não quer vacinar-se e constitui um perigo para a mãe já num estado extremamente frágil.  

         - Chegado à página 55 do journal de Green, tendo acompanhado os desaires dos dias do escritor que se refugiou em Baltimore para fugir à 2ª Grande Guerra, dias em que ele tenta equilibrar-se entre as necessidades sexuais e a palavra do Evangelho, le voilà (pág. 53) de retorno ao Green dos anos 20 a 40: “Fort troublé par un visage, hier soir. Le jeune orangé de la peau répondu d´une façon égale sur le front, les joues, les oreilles et le cou; les plis du cou à chaque movement de la tête, l´oeil plissé par un sorrire sensuel, un air de cruauté des plus agréables, la plenitude de la nuque, enfin j´ai senti le désir me prende aux entrailles, et j´ai éprouvé la mélancolie d´autrefois, et dont je me croyais débarrasssé.” 


sábado, outubro 30, 2021

Sábado, 30.

Num gesto pouco habitual nele, Robert convidou-me para uma volta de carro pelos Champs Élysées, Concorde, Palais Royal. Chovia, o movimento sendo sábado não era muito embora as duas alas da conhecida avenida tivessem gente bastante que levava a pensar na Paris doutros tempos. A cor cinzenta banhava prédios e pessoas, numa concentração de tristeza e humidade e gotas frias encharcando a psique e retendo num pensamento funesto qualquer infeliz passante. Obras por todo o lado; a cidade prepara-se para o acontecimento maior dos Jogos Olímpicos de 2024. As grandes avenidas ladeadas da arquitectura haussmaniana, resistem a todas as invasões e modas, são estandartes de um tempo que tudo deve a Napoleão III que do fundo da tumba vê transformar-se a pouco e pouco a sua capital igual a tantas outras: Nova Iorque, Rio de Janeiro, Dubai. Alinhados nos passeios regulares, crescem verdadeiros aquários, todos iguais, todos gélidos e sem individualidade, resistindo enquanto identidade nacional apenas o silêncio que banha o interior das catedrais góticas e romanas que atiram o visitante e devolvem à cidade a luz que desce dos zimbórios e floresce como memória no coração do parisiense. 

         - Há minutos apenas, entrei de um passeio pedestre pelo parque de La Courneuve com o Robert (Annie, debilitada, não saiu do carro). Caía de manso a noite, as árvores ofereciam no crepúsculo uma paleta de cores onde se destacavam os ocres e os verdes fugazes. O céu prometia chuva e em redor do grande lago, uma imensidade de aves rastejava à flor da água numa composição balética que nos fez admirar por largos instantes a sua arte. A beleza do conjunto melhora todos os anos. Uma guarda de jardineiros opera a magia restituindo ao lugar a natureza que não se rende às alegorias dos vivos que a pretendem domar. “La poésie est le réel absolu, plus une chose est poétique plus elle est réel”, dizia Novalis (citação de memória). 

         - Antes de partimos, trabalhei com a Annie no meu texto para a galeria de arte, Rue de Thprigny. Com franqueza não esperava ter apenas a correcção de duas vírgulas e três gafes no francês que me deu muito trabalho. A minha amiga foi professora de Letras e culta em tudo o que diz respeito à interpretação de textos literários e escrita comparada. Por isso, os elogios que ouvi ao texto e à versão na sua língua, encheram-me de alegria. 


quinta-feira, outubro 28, 2021

Quinta, 28.

Outro dia, descendo o Quartier Latin com o meu amigo Michel, não resisti a comprar o terceiro volume de Toute Ma Vie. Desta vez a minha curiosidade vai inteira para Éric Jourdan mais tarde Éric Green após ter sido adoptado pelo escritor. O prefácio de Tristan de Lafond herdeiro de Éric e por tabela de Julien Green e Robert de Saint Jean, é admirável e sério, sem pôr de lado todos os ditos e mexericos que suportaram a relação entre os dois homens. Contudo, por agora, resta-me esperar pelo fim da leitura do segundo volume para confrontar os meus pressentimentos e criar a minha própria ideia. 

         - Orçamento chumbado. É espantoso que tenha sido com os votos contra do PCP, IL, PSD, BE, Chega. Conclusão: só o PS votou a favor daquele xaile à medida do homem dito da esquerda socialista, dando-lhe milhares à conta da nossa ruína: TAP e CP. Mas não é só o primeiro-ministro que sai derrotado, é também o Presidente da República que tudo tem feito para manter uma “geringonça” que nos arruina, sem falar no facto de ter recebido o pseudo-candidato à gerência do PSD – aquilo foi um tiro nos seus próprios pés. António Costa diz que não se demite. Que novidade! Se o fizesse é que era de enaltecer. 

         - A chegada a casa é todos os dias uma aventura. Da estação do metro aqui, tenho três paragens de autocarro sempre superlotado de africanos. É raro o dia em que não haja escaramuça dentro do transporte e, evidentemente, ninguém está a salvo de covid como dos hábitos, costumes, odores, faltas de civilização e atropelamento das regras de bom convívio colectivo. Há pouco, no veículo que me trouxe, logo que entrei em Basílica, já o interior vinha à cunha e incendiado de discussões, ameaças, gritos em todas as línguas duvidando eu que os contestatários se intendessem entre si. A mim o que me arrepia e põe de atalaia, não é a cor da pele, é a falta de educação, a grosseria, a incapacidade de os africanos se ajustarem à civilização que os acolheu. Aqui como em Lisboa, Londres ou Viena d´Áustria. Regras de convívio não é com eles e se alguém os chama a atenção, apoiam-se nas madames do BE que não andam em transportes públicos e não conhecem a realidade e atiram: “racista!”. 

         - Comecei a leitura do Diário de Green (2º volume). Tempo limpo, sol quente q.b. A linha 1 do metro, que atravessa o centro chique de Paris, é a única onde não sinto perigo entrar. Pessoas recatadas, de aparência polida, o Le Monde em leitura e olhos debruçados sobre os livros. Por todo o lado, poucos chineses, americanos e outros povos de chinelos nos pés. Hoje almocei em Châtelet e deu-me para me armar em rico, com direito a comer no terraço de um dos bons restaurantes daquela famosa praça, preço da loucura: 18,50 euros. 


quarta-feira, outubro 27, 2021

Quarta, 27.

Justamente, nem a propósito, quero discorrer sobre o tempo sagrado da leitura. Talvez dedique mais horas nestes lugares que na casa de Palmela. Seja no meu quarto em Mittelhausberg ou aqui em Paris, as ocasiões debruçado sobre os livros parecem-me eternas e habitadas de um mundo que se alheia do sítio onde me encontro, só, o cérebro amarrado à sensibilidade que não se descreve, a curiosidade a derramar sentimentos complexos de espanto e perseverança, duvidas e frágeis certezas. Nada existe, tudo fica bloqueado quando abro um livro e por ele viajo até ao finito transitório do tempo nele impregnado das obstinações humanas. Conhecer, saber, pensar, argumentar, desviar o pensamento do seu criador; fazê-lo contraditório para que nada do que no livro fica estabelecido seja definitivo e nele se sobreponha à dúvida ou à revolta do leitor. Quando fico horas a ler no quarto verde que a Annie diz ser o meu por direito abstraio-me, perco a noção do espaço e do tempo e deixo-me ir no caudal das palavras e temas como se uma vida tivesse montado às minhas costas e eu a levasse para outro mundo distante do meu e lá, nesse firmamento sem lugar nem tempo, eu abastecesse o coração da dádiva que um sincero conteúdo me oferece. A verdade é que um livro ou conquista o coração do leitor ou não merece a sua atenção e, por conseguinte, é “lixo” no dizer de Lídia Jorge. 

         - A seguir a ter ajudado os meus amigos nas compras da semana, fui ao encontro do Michel ao Flore o famoso café, juntamente com o Deux Magots, local de imensas tertúlias literárias nos anos depois da Segunda Grande Guerra. Hoje é a imagem horrenda da era moderna, do turismo de massa, que se embriaga nas esplanadas das grandes cidades ao sol. Tenho a impressão que o único francês que ali estava, era o meu amigo pintor e a única conversa séria era a nossa falando sobre a sua obra surrealista. Resta aos dois pontos a legenda que os faz continuar a facturar à conta da mina Sartre, Beauvoir, Camus, Jean Genet e dos companheiros da Les Temps Modernes, entre outros escritores.  

         - Descemos de Saint Germain- des-Prés a pé até Notre-Dame. Por aí fora, fomos contando as livrarias grandes e pequenas que fecharam portas decerto por via da pandemia. Foi uma razia impressionante. Até o prédio de quatro andares onde desde jeune homme entrava, Chez Gibert, para adquirir livros da Poche, cerrou portas. É, como dizer, a descaracterização de um bairro célebre, carregado de história e lutas pela liberdade, que se entristece e se reduz a uma memória sombria, eclipsada pela fúria chinesa do pequeno comércio ordinário. 

Notre-Dame ressuscita das cinzas

         - No Público online vejo que Portugal caminha para novas eleições em breve - nada que eu não tivesse previsto. A esta quase certeza, acrescento estas palavras do escritor Rentes de Carvalho, tiradas do seu blogue Patrão da Barca: “Segue você, cidadão, a parlapatice do OE 2021? Acha que aquilo, mesmo de longe, tem a ver consigo? Repare na cara dos parlapatões que o discutem, na prosa dos que o "explicam" e no vocabulário dos adivinhos que detalham o que vai acontecer se forem desfavoráveis as conjunções planetárias. 

         Deus lhes acuda, que a nós nada nos salva da miséria. Os parlapatões, com esses é sempre como no "Titanic": empurram quem lhes impede o caminho e saltam para o salva-vidas.”                

         - A China entrou em novo confinamento, obrigando as pessoas a ficar isoladas em casa. Quem desobedecer arrisca-se a sanções severas. Ali não se brinca à democracia do proletariado. 


terça-feira, outubro 26, 2021

Terça, 26.

Para falar do meu caro Becker devo dizer que ele me deixou de importunar. Nos primeiros dias aceitei o medicamento químico que o Robert me deu à base de diclofénac de diéthylamine, uma porcaria de anti-inflamatório potente que nada fez. Depois lembrei-me de ir à farmácia de la Defense como acima expliquei e em três dias a dor foi-se e o sujeito deixou de me ralar, tendo até reduzido substancialmente. Este produto, é à base de extractos de plantas, óleos e cânfora. Caminho agora, já desde Strasbourg, sem problemas. 

         - Paris. Apenas chegado, os meus amigos levaram-me a conhecer uma pequena cidade perto daqui, banhada por assim dizer por água, no centro da qual existe o Lac de Enghien les Bains. Trata-se de uma zona termal, com hotéis sumptuosos, arquitectura ao jeito da Normandie, um cheiro a abastança e a férias permanentes, local de gente rica onde um perfume de desengano desliza pelas ruas em torno do lago, muito arvoredo e cantos umbrosos. Percorremos pela margem toda a massa de água que rumina ao entardecer quando as ruas e os edifícios se iluminam e por todo o lado desce uma fagulha de mistério que nos abastece de dúvidas ante os olhares que se cruzam connosco num convite à valsa. No meio da malha arquitectónica, surgem espaços de um modernismo fantasioso, como o teatro local metido num aquário de vidro. Lugar de veraneio, paisible, nem por isso a actividade hoteleira desce e são muitos os empregados fardados que avistamos nas ruas exibindo com denodo os logos das jaquetas escuras.  

O teatro e o casino metidos dentro de um aquário de vidro

         - O ser humano a tudo se habitua salvo à ausência de liberdade. Estou a pensar no modo como me vou acostumando à presença do coronavírus. A princípio tinha receio e instalava entre mim e os outros uma certa distância; depois, como os mais próximos se aproximavam eu não recuava por educação e não querer melindrar, esquecia o sujeito e tentava viver como se a praga nunca tivesse existido. Por exemplo, há minutos, tendo entrado no metro empurrado por uma chusma de passageiros, acabei por ir na enxurrada pedindo ao Senhor que me protegesse. Dentro da carruagem não havia nenhuma forma de defesa e, embora todos usassem máscara, o número deles que tossiam era assustador. É para mim claro que a gripe deve acampar em breve não só nos pulmões dos franceses, como no pavor que se propagará por toda a cidade. O Lionel, director de serviço no hospital, tosse e fuma como se ignorasse o perigo. Ao meu lado, vi-o com várias crises e não pude afastar-me porque estávamos no restaurante onde ele me quis obsequiar com um excelente jantar. Pensando bem, é a necessidade da vida tout court que nos expõe e ao fazê-lo nos convida a continuar na senda do nosso quotidiano comum. A doença e a morte é mera consequência de estarmos vivos.  

         - Desci a Saint Michel pela manhã para me consagrar aos meus queridos livros. Rendido ao peso restrito de 15 quilos, abstenho-me de tentações e confino-me ao essencial. Mesmo assim, a minha mochila trazia peso bastante para me reter num pequeno bistro a folhear as compras e antever as horas solitárias de leitura. Tempo moche


segunda-feira, outubro 25, 2021

Segunda, 25. 

Ontem, mal acordámos, partimos para um passeio pela colina que separa Mittelhausberg a zona onde os meus amigos vivem e Dingsheim onde a Anne habita. É um majestoso bosque selvagem, refúgio de militares, com largas manchas de milho e uma paisagem bucólica a perder de vista. Caminhámos durante uma boa hora por caminhos construídos para os amantes de caminhadas que por aqui são às centenas sendo domingo. Tempo frio, com sol estatelado no chão em fios luminosos que passaram através dos ramos das árvores de um tamanho imponente. Dois dias antes tinha havido tempestade e eram muitos os exemplares expondo raízes enormes derrubados pela fúria da natureza. Para nos reconfortamos, uma raclette com todos os ingredientes e a boa camaradagem em torno da mesa, um riesling ajudando e componho a boa disposição. 

         - Um pouco mais tarde, demos um salto ao centro da cidade. Gente a abarrotar ruas e praças, animação domingueira e um certo ar de província no modo de ser e na pacatez do conjunto. Máscara, curiosamente, só os mais novos usavam. O resto da foule cruzava-se, ombro com ombro, indiferente à tragédia que fora e crêem não volta mais. Os sistemas de transporte público são uma preocupação que merece alusão. Deixámos o carro muito antes do centro por uma tuta e meia e ainda por cima com o preço do estacionamento temos as passagens gratuitas. Aqui como no metro de Paris, embora haja gente de sobra, as janelas basculantes andam abertas de modo a que o ar circule. Nas margens dos canais que atravessam a Petite France, muita animação e uma atmosfera de festa típica da Alsácia que a arquitectura dos imóveis torna singulares. Por todo o lado, é visível a presença alemã não só nos nomes que se misturam na topografia francesa, como no toque abastado que imprime a diferença. A noite desceu encontrando-nos nós na Place Kleber animada por um português em tronco nu fazendo acrobacias aplaudidas freneticamente pela assistência. 

Place Kleber 

         - Terminei o Journal Spirituel de Julien Green. Muito haveria para dizer deste exercício de introspecção e salvação, todo ele assente na condenação do pecado do sexo. Ficará para uma próxima oportunidade, sendo certo que esse tormento que tanto amarrou o autor a parâmetros pouco humanos, foi nos dias de hoje desamarrado por um clero que escolhera a via de Deus e, por isso, a recusa da tentação sexual tornada pecado pela Igreja. Claro que S. Paulo está na origem desta violação quando, na Carta aos Gálatas, expõe: “As obras da carne são manifestas: fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçaria, ódio, rixas, ciúmes, ira, discussões, discórdia, divisões, invejas, bebedeiras, orgias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos previno, como já vos preveni, os que tais coisas praticam não herdarão o Reino de Deus.”  (Gl 5, 19-21) Para Green como para a Igreja, parece só ser ofensa a Deus as relações sexuais que um homem ou uma mulher têm fora do matrimónio, como as que dois homens ou duas mulheres têm entre si por mútuo entendimento. Tudo o resto exercido no outro enquanto imagem do Senhor, parece ter pouco interesse e reprovação. A fórmula é esta: faz o que te digo e não o que eu faço. O Deus dos Evangelistas está mais próximo de nós que o catecismo da Igreja Romana. 

         - Francis acaba de telefonar a convidar-me para irmos juntos à Comedie Française uma vez que son petit oiseau partiu para o Dubai. Deixarei Strasbourg logo ao fim da tarde. Tempo tristonho, sem sol, típico desta época em França. 


sábado, outubro 23, 2021

Sábado, 23.

Estou em Strasbourg chegado ontem. O Lionel que me recebeu como habitualmente de braços abertos, assim como a mulher e os dois filhos, está muito mudado. Sendo médico contraiu Covid pela terceira vez apesar de estar vacinado. A mulher, também médica, foi contaminada e os filhos. As sequelas são visíveis nele e nada nos filhos nem na mulher. Uma casa que me mete medo e todos os receios, pese embora a tranquilidade que o casal de clínicos quer passar para mim. Queira Deus que saia incólume deste belo encontro.             

         - Esta tarde, depois de ter flanado pela Petite France, percorri a praça Gutenberg, com a estátua de 4 metros ao centro criada por David d´Angers, em 1840, do homem que imprimiu a Bíblia na sua gráfica; entrei na catedral; vaguei pelos arredores. Em volta de Johannes Gutenberg havia uma feira de livros e aí me perdi como sempre. De manhã fui visitar a minha velha amiga Anne. Encontrei-a só, o marido ausente. Longa conversa no salão de altos muros forrados de livros, atmosfera serena, pelas janelas da vivenda entrava um sol limpo que parecia sorrir dando-nos todas as boas venturas que a existência aspira. Terminei a longa tarde de passeio numa esplanada frente à catedral com uma chávena de chocolate quente. 5 graus positivos. Nada mau. 

Johannes Gutenberg

La Petite France
La Catedral


La Petite France


quinta-feira, outubro 21, 2021

Quinta, 21.

O dia acordou banhado de sol depois de uma noite de vendaval. No jardim cá de casa, grossas braçadas das árvores fenderam. Parti, pois, disposto a deixar o Backer para trás e cruzar as ruas e bairros a caminho da Defense onde conheço uma farmácia que racha (para utilizar a expressão do Manel dos anos idos) os preços por metade e tem conselheiros estupendos. Quando saí já a chuva se tinha instalado embora eu quisesse fazer-lhe frente e ir ao Marais almoçar no restaurante onde gosto de ir diante do BGV, Vieille du Temple. A chuva era então intensa, ininterrupta, forte e implacável. Mas que interessava quando a vida no seu esplendor nos chama e cada olhar cruzado é um convite à dança e ao mistério que se esconde nas ruas sinuosas do bairro. Escorrei na cadeira - por sinal a um canto da sala -, com larga montra aberta para a rua onde os transeuntes não paravam de cruzar e deixei-me impregnar da realidade da cidade, sob o ruído da chuva e a atmosfera com seus odores e cores que o céu cendrado acentuava. Esperei então que a chuva parasse. Como tal não acontecesse, sem protecção alguma, sendo já quatro da tarde e querendo evitar a enchente no metro, meti pés ao caminho. Que pode a epidemia numa cidade como esta que abriga milhões de seres? Claro, andando sempre de sobreaviso, sei que nos transportes públicos não consigo cumprir as distâncias estabelecidas e conto com o bom senso dos parisienses que parecem temer o pior, viajando de máscara (quem for apanhado sem ela tem 150 euros de multa), mas sem desinfecção de mãos e muitos de nariz a descoberto. Esta realidade, não nos deve impedir de prosseguir a vida que nos coube, pois esta contém em si mesma todos os antídotos que nos protegem: o entusiasmo, a paixão, a incerteza, a loucura, o resvalo, a mobilidade, o desafio e o mistério.  

         - No avião que me trouxe uma criança de uns três anos, dizia: “Mãe está a chover em cima das nuvens. 

         - Nadei antes de abandonar a quinta durante meia hora. Possantes braçadas que mesmo com a água já muito fria não descoroçoaram. Custou foi entrar. Depois o organismo entra numa espécie de adormecimento, retesa, de algum modo a pele forma uma barreira contra a adversidade e daí a minutos, com o exercício, tudo se harmoniza e já não se sente o incómodo da temperatura. Logo de seguida, adormeci a água, apanhei as romãs, os dióspiros, guardei chaises longues e mobiliário estival, reguei as laranjeiras, pus ordem na cozinha, registei consumos de água e luz, fiz a mala, dei instruções à Piedade, chamei o táxi e meti pés ao caminho para o aeroporto. Não tenho bilhete de regresso porque não quero correr riscos impostos pelo SARS-COV-2. Pouco antes de sair, comprarei a passagem e, seguramente, não viajarei na easyJet. 


quarta-feira, outubro 20, 2021

Quarta, 20.

É a primeira vez que começo um livro pelo fim. Neste caso trata-se de Todo es Nada que figura como apêndice no segundo volume do Diário de Green. O título é tirado da obra de Santa Teresa d´Ávila, O livro da Vida: “tudo é nada e menos que nada, o que finda e acaba e não satisfaz a Deus.” Foi escrito entre Junho de 1941 e Fevereiro de 1944 quando o escritor estava nos EUA fugido da II Grande Guerra. Trata-se de uma espécie de Diário Espiritual onde o autor, a par do dia-a-dia corrente, ajusta contas com a sua natureza sensual tendo como destinatário o próprio Deus. Como eu suspeitava, ele vai a pouco e pouco transformar a sua vida de modo a ficar cada vez mais perto do Senhor. Toda vagabundagem do passado, o imenso número de rapazes que o satisfizeram, a vida dissoluta que fora a sua entre os 20 e os 40 anos, passaram ao exílio sob custódia de um pensamento de recusa, uma vontade de transformar a sua vida de modo a abraçar as altas cumeeiras do espírito e nelas permanecer para o resto da sua existência que foi de noventa e oito anos tendo nascido com o século. “Dieu veut obtenir de nous-mêmes le renoncement absolu aux plaisirs physiques, parce que ces plaisirs constituent un obstacle insurmontable à la vie d´union.” (pág. 984).    

         - Sobre a mesa de apoio, face à lareira, deixei o Journal de Guerre de Paul Morand, um calhamaço de 1.040 páginas, tão pesado que só o consigo ler sobre os joelhos ou no tampo da mesa, inteiramente consagrado aos jogos da Segunda Grande Guerra. Comecei a lê-lo em Julho e ainda vou na página 640 não sendo exclusivo de leitura. O que me surpreende é a descoberta de que mesmo em tempo de guerra ser político é o melhor que pode acontecer aos ambiciosos. Morand, como já disse, esteve do lado errado da História mas, ao ler a vidinha que ele e outros levaram no tempo da França ocupada que o ditador Pétain sustentou, eles prosseguiram o carrossel de almoçaradas e jantaradas, festas privadas e viagens, compras de terrenos e arte por preços que só eles, mantendo o salário em dia, podiam dar-se ao luxo de adquirir. Isto enquanto a França agrícola morria de fome, obrigada a trabalhar para os alemães; os agricultores tratados abaixo de cão, muitos suicidaram-se e o termo paysan como eram tratados com desprezo, só muito recentemente foi banido do vocabulário corrente.          

         Li também 17 Cartas Sem Moral Nenhuma de M. Teixeira Gomes, que o antigo Presidente da República (1923-1925) dirigiu ao amigo Luiz Botelho, numa edição de 1934. Que português magnífico, que controlo da língua sem deixar de continuamente a descobrir, inventar, tratar, que espírito livre num tempo pouco convidativo. Sem esconder a sua tendência que hoje chamaríamos pedófila, não tapa os olhos ante as realidades da sensualidade que se lhe ofereciam. Da uranismo às raparigas de tenra idade que lhe calharam em sorte. Estes aspectos livremente contados quando da sua viagem à Madeira, são exemplo. Aliás, segundo julgo saber, acabou por casar pró tarde com uma rapariga quase imberbe sendo ele homem de meia idade. 

         - Acordei um pouco tarde. Primeiro, porque me tinha deitado por volta da uma da madrugada a devorar o Diário de Green; segundo, porque, os mosquitos no início e o traiçoeiro Becker no adiantado da noite, não me deixaram dormir. O dia apareceu muito diferente de ontem. Hoje a chuva trocou o sol quente de ontem, projectando-nos num limbo de inverno que Paris goza com frequência. Os passeios da cidade estão atapetados de folhas mortas e tornaram-se escorregadios, obrigando o transeunte a enfrentá-los com denodo. De manhã fui com o Robert ajudar a Annie nas compras no Carrefour; de tarde trabalhei neste registo, li, conversei no salão com os meus amigos. Tudo isto, a pensar no Backer e no dia de amanhã em giros pela cidade. 


terça-feira, outubro 19, 2021

Terça, 19.

Os Legros quiseram acompanhar-me até parte do percurso. Antes de abandonar o restaurante onde eles me banquetearam, perguntei ao Backer se estava de acordo em me deixar fazer o passeio. Ante a afirmativa, fui de Montparnasse pela rue de Rennes, Saint-Germain des Près até Saint-Michel; longa promenade de mais de uma hora ao encontro de Julien Green. Pelo caminho assisti a um protesto estudantil como a foto documenta. Os franceses adoram reclamar e fazem-no nas ruas com o vigor que se lhes conhece. Por serem assim, já levaram Chou Chou a adiar leis, a repor outras, a suster leviandades presidenciais. Chez Gilbert estava quase vazio, como limpo andava o metro. Dá-me ideia que os franceses têm medo da Covid-19 e evitam aquele meio de transporte. A linha 13 habitualmente um susto, hoje cumpria as instruções mais severas contra a pandemia. Da livraria trouxe o segundo volume do Journal de Green que tinha encomendado na Fnac do Chiado e no derradeiro dia fui por ele e obtive a resposta da sua impossibilidade e também uma mapa da Ucrânia por onde Semyon terá de passar.  


         - A Carmo Pólvora telefonou-me à noite no dia em que almoçámos juntos preocupada com a minha ausência durante o almoço. Pedi-lhe que se explicasse e cheguei à velha conclusão: o escape frequente em mim. Estou, ouço e olho, mas o meu eu está algures num espaço fundeado no subconsciente de mim. Tendo a Maria Luísa falado logo a seguir, falei-lhe do que havia contado a Carmo e logo a minha irmã: “sempre foste assim, aéreo”. Bolas!    


segunda-feira, outubro 18, 2021

Segunda, 18. 

O valor da vida humana parece degradar-se a cada dia que passa, os fanatismos, a crueldade, os valores supérfluos dispersos em nome de razões obscuras, transformaram a vida numa coisa qualquer. Nos últimos tempos, ódios parecem ter acicatado ao crime tanto no nosso país como por todo o lado. Tenho ainda gravadas as imagens daquela besta (não encontro melhor qualificação) que agride até a perda de consciência um jovem numa discoteca, no Algarve; ou aquele francês que se envolve numa rixa na noite portuense e assassina outro adolescente de 21 anos; ou aquele fanático que, utilizando métodos antigos e bárbaros, mata com arco e flecha, cinco pessoas, na Noruega; ou a mortandade em Beirute inscrevendo pelo menos seis xiitas; ou o assassinato à faca do deputado do Partido Conservador em Leigh-on-Sea, no Sudeste de Inglaterra; ou o novo ataque dos talibãs no Afeganistão que ceifou mais umas quantas vidas. Esta escalada impressionante de crimes, devia levar os políticos a reflectir, porque há assombrações que se agigantam por todo o lado e são a natureza de convulsões sociais em ebulição.

         - Rangel pretende o lugar de Rui Rio. Do meu ponto de vista o PSD e a democracia não vão beneficiar absolutamente nada com a troca. Rangel é um bluff, um carácter pendurado de uma vaidade evasiva, sem ideias novas, montado na obsessão dos negócios, com pouco brilho no desempenho de deputado no Parlamento Europeu e o maior faltoso ao trabalho. Depois não lhe ouço uma ideia nova – tudo o que arrasta no discurso até hoje, é uma enxurrada de lugares comuns, de mediania, à maneira dos seus colegas deputados portugueses – é mais do mesmo. 

         - Com isto ia-me esquecendo que estou em Paris. A primeira impressão é que nesta babilónia no que toca à Covid, vale tudo. A Annie diz que estou mais magro, o Corregedor que estou seco, eu digo que execro comer e só aprecio o convívio. A propósito, amanhã vou almoçar com os Legros a Montparnasse e receber o pacote que eles tiveram a amabilidade de trazer quando rumaram a França de carro e é um cadeau para os meus anfitriões.  


sexta-feira, outubro 15, 2021

Sexta, 15.

Não vem nada a calhar, mas o Becker há três dias que acordou enquanto dormia e em consequência despertou-me já violento. Entrei no anti-inflamatório que a médica de família me prescreveu. Hoje foi o segundo dia e as dores desapareceram de tal modo que me fartei de andar pela Baixa onde almocei com a Carmo e o João na Confeitaria Nacional e de seguida por outros pontos da cidade. Vamos ver como corre em Paris, sendo certo que por lá terei de flanar sem descanso. 

         - “Estamos a falar aqui...” – expressão de apresentadora/o de televisão.         

         - “Identificada que está...” – falar de autarca.

         - “De há dez anos a esta parte...” – locução de político. 

         - Hoje são mais confiáveis os inimigos que os amigos. 

         - António Costa diz-se humilde... como os jogadores de futebol. 


quinta-feira, outubro 14, 2021

Quinta, 14.

As contradições são evidentes. O Governo a nível europeu fala da protecção do Planeta, impõe-nos a nós automobilistas uma taxa dita de carbono (e por causa hoje a gasolina chegou aos 2 € o litro),  mas na prática, como se viu na apresentação do OE, apela aos portugueses para que consumam. Quem quiser que engula a pastilha do clima e sua defesa. Por mim não acredito em nada dessas tretas que os governos nos impingem e são os primeiros a não acreditar. Mais: se algum político decidisse pôr em prática aquilo que a donzela sueca reclama e os jovens por moda aplaudem, esse político era pura e simplesmente assassinado. Com esta história da destruição do nosso habitat natural que é verdadeira, anda meio mundo a ganhar fortunas e os Estados a surripiar milhões aos contribuintes. 

         - Desde D. Dinis que a moda dos pobres campeia neste pobre país. No século XII junto aos conventos; hoje de mão estendida pelas autarquias, associações e refúgios, igrejas e instituições da vária ordem. É uma catástrofe natural que ainda por cima dá ordenados chorudos aos presidentes, administrativos e assim. E engrandece o Estado através do Governo da nação. Veja-se os complementos de reforma, subsídios, ajudas, os rios de dinheiro que entra nos sectores da misericórdia de que o OE acaba de dar notícia! Os países modernos e democráticos, não rebaixam os cidadãos com esmolas, estão estruturados para o progresso onde a trabalho é dignificado e a pobreza erradicada. Aqui até o pobre se encosta à esmola e muitos deixaram de trabalhar porque é melhor viver com pouco que perceber que o trabalho dignifica o ser humano. A grande reforma das instituições, não interessa a ninguém porque há um mundo de caridosos hipócritas que se pavoneia entre a misericórdia e a cagança, exibindo a sua importância social através da marca da distinção e supremacia sobre os demais. É uma classe vistosa, abastada, alguns cheios de remorsos redimem-se através das obras caritativas como no tempo de Salazar, Mário Soares, Cavaco Silva, José Sócrates, Passos Coelho e António Costa. Sem falar nesses asilos para indigentes que são os lares, onde pessoas em fim de vida e depois de uma carreira de trabalho, são desconsideradas e deixadas à porta da morte que todos desejam breve a começar pelos próprios anciãos. Segundo o presidente da União das Misericórdias, o Estado só paga 400 euros por idoso; a maioria decerto nem isso ganhou quando no activo. A pobreza é negócio para muita gente e humilhação para milhares aqui e milhões pelo mundo fora. Bem sei e honro aquelas e aqueles que o fazem por dever cívico ou religioso, e para esses não tenho palavras que junte para lhes agradecer. O seu desinteresse e humana atitude não coabita com a imagem comercial daquelas e daqueles que fazem o espectáculo com a dor dos outros. 

         - Não convém descrer dos homens. A prova está nesta notícia do Público segundo o qual um drone leva comida e água aos cães que ficaram cercados pela lava incandescente que continua a correr nas Canárias há um mês.  

         - A Annie conseguiu meter-me medo. Eu conto. Ontem telefonou a dizer que fazia um frio húmido em Paris e recomendou-me que fosse devidamente agasalhado e não fizesse como em anos anteriores que desembarco na capital francesa em pleno inverno como se o fizesse em Lisboa. Daí ter ido esta manhã ao Corte Inglês comprar umas calças de bombazina, dessas que os velhos usam. Bref. Declinando para amanhã um almoço com a Carmo a que se junta o João, almocei no Vitta Roma, só. Que bem me soube! Não falo do pasto que é sempre mediano, digo do bem que me soube ficar depois estendido na cadeira a delirar. Devo ter dado a volta ao mundo umas três vezes e de todas enchi o cérebro de ideias e fantasias. Uma hora a perder de vista passou. Quando voltei ao restaurante, senti-me próximo do ancião digno que saboreava a sobremesa como se fosse a última da sua vida; ou o casal a meu lado, igualmente vetusto, que parecia sorver a vida no ocaso das horas que deslizam incomensuravelmente para o abismo. Se o barco para o Paraíso ali passasse a apanhá-los, teria embarcado com eles, sereno, abençoado pela vida que me coube encher, apaziguado de todos os sofrimentos, disponível e curioso por conhecer que espécie de luz ou noite ou golpe infinito ou aceno de sombras siderais me transformariam em um ser puro e eterno, livre e inteiro, tudo e nada, esvaziado de mim para todo o sempre... 


quarta-feira, outubro 13, 2021

Quarta, 13.

Estive a ouvir e a ler o nosso futuro no horóscopo do Orçamento do Estado: o Pai Natal chegou a este pobre país com um saco carregado de mimoseias. Entrou pela Assembleia Nacional a dentro e distribuiu presentes a todos e a cada um, mas estes rejeitaram a oferta por vir antes da quadra que nos une num mesmo e risonho instante. Naquele gesto não se vislumbra o futuro, apenas o presente imediato na forma de cheques que se gastam num ápice. Há, contudo, generosidade na distribuição da esmola: por uma vez o rei da selva não guardou para si o naco maior, o bodo foi partilhado por todos. O leão que o fabricou não fez jus à sua raça - nunca vi animal tão bem domesticado. 

         - Os Pandora Papers têm feito razias. Demitiram-se por corrupção e fuga aos impostos os primeiros-ministros da Checoslováquia e Áustria. Sobre este, quando estive há quatro anos em Viena, ouvi dizer boas. A mim nunca me convenceu com aquele ar de vendedor de gelados. Todavia, nestes países onde a democracia ainda é levada a sério, os implicados em negociatas criminosas, demitem-se. Por cá, país de gente séria e honrada, os acusados desmentem, deixam passar o tempo que normalmente joga a seu favor, cospem para o lado, e desafiam a justiça que quase sempre lhes dá razão.  


terça-feira, outubro 12, 2021

Terça, 12.

Nunca suportei nenhuma espécie de agressão física ou psicológica e com a idade refinei de revolta e atenção a casos que se vão vulgarizando ao ponto de se tornarem naturais. Assim o que se passa com a nova onda de migrantes que aportam a Inglaterra via França, Croácia, Roménia, Grécia entre outros países. O que as imagens da TV nos mostram – sempre com aquele aviso hipócrita que previne os espectadores contra o horror que vai ver, mas que as cadeias de televisão sabem ser aquilo que vende – é a vergonha de uma Europa que nunca conseguiu concertar estratégias para diminuir o sofrimento daqueles que fogem da fome e da miséria, da guerra e dos déspotas. Causa dor ver os rostos de jovens cansados e em pavor, face à polícia bem nutrida e armada, depois de terem vencido a morte nos túmulos flutuantes que os trazem à fronteira da sorte ou seja de uma vida melhor. A arrogância dos países ricos, que alimentam com as suas políticas a xenofobia e o racismo, é cada vez mais insuportável. Os jovens que andam a endeusar por moda a menina Greta Thunberg, deviam voltar-se para esta tragédia humana e obrigar os governos a entenderem-se para que o ser humano seja respeitado em plena igualdade quer seja africano, árabe, indiano ou cigano.  

         - Para mim a homossexualidade dentro dos seminários e colégios religiosos, não é surpresa nenhuma. Se virmos bem, viver num harém de corpos frescos e em pleno desassossego sensual, irmanados num mesmo doce enleio, onde nada está ainda decidido na disposição do corpo ávido, que solicita o possível e o impossível, num avio de solicitações naturais que não podem esperar; muita dessa desordem dos sentidos que urgia satisfazer era saciada. Talvez a identificação da Liberdade, do seu conhecimento e importância, tenha a sua génese na insurreição da mente e do corpo em transformação. Nessas idades a moral não conta para nada, porque o que está em jogo tem mais importância que o facto de Deus permitir ou não, isto é, a urgência da conclusão da descoberta leva a palma sobre todos os tratados, proibições, escolhas futuras e pecados. Essa salada de convenções fica à margem daquilo que é o essencial – a descoberta do corpo com todas as variantes sexuais disponíveis para que nos ajustemos à nossa identidade. 

Vem isto a propósito de a Igreja portuguesa, na linha ou contra o que pensa a Papa Francisco, ter admitido a investigação de casos de pedofilia “desde que não seja limitada ao clero”. E tem razão. Era aqui que eu queria chegar neste meu reflectir sem descanso: ou seja a violência, a pressão psicológica sobre adolescentes crentes que foram usados por sacerdotes obsessivos e decerto produziram nas vítimas traumas que perduram pela vida fora, devem ser investigados e resolvidos nos tribunais. A mim o que me fere é a violência, é forçar alguém a fazer aquilo que não está nos seus desígnios. Vamos ser mais claros: é uma afronta à liberdade individual e ao amor. Porque este requer união, subtileza, solidariedade, doçura, partilha. A doutrina da Igreja só aceita o acto sexual se for praticado com amor. Eu ignoro se ela está cómoda com o amor praticado e vivido por duas mulheres ou dois homens, estou em crer que não. Mas, hoje, pelos factos presentes que só à Humanidade dizem respeito, a evolução natural é que caminhemos todos para a felicidade. Rasgados os objectivos marxistas da proibição da individualidade de cada um em favor da colectiva, é, todavia, naquele campo largo que a luta pela liberdade tem de ser exercida. Só somos livres e colectivos quando exercermos o direito a sermos Um e neste caber todos os outros seres humanos. 

Dito isto, voltando à hipótese da hierarquia religiosa com a qual, como disse, estou em sintonia, cabe dizer que não há adolescentes e crianças mais abusadas por padres que por senhores endinheirados a troco de uns tostões servem-se delas e as deixam na beira da estrada de seguida. Aqui quem está em situação é a criança, o adolescente  e não o seu criminoso abusador. Conhecemos alguns julgamentos que se arrastaram nos tribunais envolvendo figuras conhecidas, algumas das quais mesmo depois de terem sido condenadas, continuam a dizer-se inocentes. Talvez até tenham razão, atendendo ao estado da Justiça no nosso pobre país. E ao que me consta, apesar de tanto alarido e bênçãos despejadas sobre as vítimas, o carrossel de carros nas imediações das instituições que deviam proteger os rapazes à sua guarda, continua se é que alguma vez paralisou...  

         - Pois que falo de Justiça, aqui vai - é dos sectores mais desacreditados. Eu se governasse, mandava fechar todos os tribunais, convocaria o Parlamento para a criação de novo Código Civil, reestruturaria o Ministério Público, as leis, as estruturas de funcionamento do organigrama judicial, etc., etc.. Na praça pública são muitos os que, sentindo-se injustiçados reclamam razões, inocências, humilhações. Veja-se o caso Armando Vara. Esteve preso não sei quanto tempo por ter sido acusado de vários ilícitos; hoje foi solto e traz a bênção da inocência. Dá para entender? Como é que ontem era criminoso e agora é cidadão exemplar?  

         - Tempo de verão autêntico, quase canícula. Vou gozando em braçadas potentes a água que não aquece apesar da temperatura estival. Adoro o choque térmico quando me faço à natação. A Carmo que me falou, perguntou-me como estava a água, respondi: “Gélida” e ela: “Deus me livre!” 


segunda-feira, outubro 11, 2021

Segunda, 11.

Havia tempo que não o via. Encontrei-o mudado: mais vistoso, o cabelo penteado à maneira, ligeiramente oxigenado, revolto a formar um rosto jovial, moço e simpático. Ofereci-lhe um café e ficámos por meia hora à conversa. A dada altura pergunto-lhe o que faz: walk dog. Porquê em inglês, não sei. Talvez disfarce ou esconda a natureza de um trabalho que dito em português o desonere. Como assim, insisto? A resposta chega pronta: ando aqui (Av. de Roma) a passear os cães das madames. Não sei quem terá mais sorte: se os cães, as madames ou ele. 

         - Estou quase transformado em peixe. Não largo a piscina, não me escondo do sol, dou loas cantadas a este Estio madraço que se arrasta Outono a dentro. (Não aceito aqui a próstese atual adentro.) Quero ir até ao fim, ungir-me deste Verão que nem grandes incêndios provocou, que por cá se queda remansoso, sorrindo ao banhista como ao meu conhecido que leva os cães a esticar as pernas avenida acima avenida abaixo. 


domingo, outubro 10, 2021

Domingo, 10.

Hoje quero deixar a revolta longe deste bouquet que apanhei pela frescura da manhã envolta em algodão de nevoeiro. As uvas são as derradeiras, os dióspiros fonte inesgotável, a romã a primeira que colho. O mundo dos sabores e dos sentidos consegue anular todo o tumulto que habita os gabinetes ministeriais, as sedes dos partidos e os escritórios dos banqueiros. Ao lado destes elementos sublimes da natureza, a razão da sua luta é vulgar, trivial e boçal. Quando eles um dia pararem para pensar, irão perceber que toda a riqueza que acumularam com sofreguidão, não dá para comprar esta travessa de frutos nascidos e criados em liberdade... 




sábado, outubro 09, 2021

Sábado, 9.

“Governo dá 46 cêntimos por dia a função pública” – título de capa do Correio da Manhã. Sendo um país rico, com o PIB a crescer como diz a propaganda oficial, o que se pode dizer dos socialistas a par de tantas outras coisas, é que são somíticos. 

         - Já agora o meu encontro ocasional de ontem no Corte Inglês, quando desci da esplanada do restaurante onde estivera a almoçar com o Carlos R. regressado de Angola, com os socialistas, pai e filho, ou melhor Karl Marx e André. O pai está intacto na sua dinâmica blá blá blá, que pode mudar num ápice, como sempre o conheci; o filho tendo terminado os anos que a lei concede aos presidentes de junta, disse-me que ia a partir de agora dedicar-se aos negócios. Respondi-lhe: “Fazes bem. Eras mal empregado na política.” Riu-se naquele sorriso que nos cobre de simpatia e surge de uma espécie de timidez acumulada na meninice superprotegida que foi a sua, embora me pareça que um qualquer travamento subsiste que o impede de desabrochar completamente – o grito que o porá no centro de si está por acontecer. Já não o via há anos e diante de mim era como se tivesse o mesmo André que eu vira nascer – o homem feito está lá, mas toldado pelos segredos da infância.  

         - Horas antes, tinha estado a tomar café no Vitta Roma com o João. Levei-lhe um tratado de arquitectura para a Marília e para ele uma dúzia de dióspiros. A política entrou de rompante não obstante o pouco tempo de que dispunha para estar com ele. Disse-me que me quer oferecer um livro que estuda, à exaustão, os movimentos de ultra-direita que estão a emergir por todo o lado. Contra-ataquei: “Não preciso de ler isso, prefiro os gregos que sempre me trazem algo de novo. Depois teria de ler os avanços da esquerda que são tão sinistros como os da direita.” E raspei-me para a Fnac do Chiado onde o Carlos já me esperava. 

         - Cavaco Silva veio dizer ao pagode que ainda está vivo e toda a gente se interessa pelas suas opiniões. O farsante é capaz de tudo. Muito do que ele diz no Expresso subscrevo inteiramente, mas não aceito ser dito por aquele que foi o primeiro a usar a política como embuste. Quem não se recorda do seu “Portugal é um sucesso” quando as empresas caíam como tordos à nossa volta; quem esqueceu aquela sua promessa de pôr Portugal entre os primeiros países da UE, com vida equivalente; hoje diz que ”Portugal corre o risco de ser o último dos 19 países da Zona Euro”, quando ele deixou o cargo estávamos, se não estou em erro, no penúltimo lugar ou pelo menos nos últimos. Para não falar nos milhões que durante o seu reinado de primeiro-ministro entravam todos os dias no país e se evaporaram por entre os dedos de empresários que enriqueceram, de agricultores que receberam para destruir a agricultura, banqueiros gananciosos e assim. Portugal não perdeu nenhum pobre na sua governação, e os ricos subiram no ranking ante a estupefacção dos dois milhões de pobres – que ainda aí estão e estarão com os socialistas. Se tivéssemos um governo verdadeiramente socialista, pelo menos uma parte deste número chocante já tinha sido abatida ao horror que devia estar estampado em todos os homens e mulheres que se dizem de esquerda. 


quinta-feira, outubro 07, 2021

Quinta, 7.

Desde muito cedo percebi ao que vinha António Costa. Desde logo pela forma como correu com o seu antecessor António Seguro, a sua personalidade estava estampada naquele gesto sem precedentes; depois, no início do seu mandato, as sucessivas facadas no programa que havia apregoado, os truques para conseguir governar sem ter tido a maioria - apesar de a austeridade que Passos Coelho teve de impor devido aos milhares que todo o mundo roubou a começar pelo primeiro-ministro José Sócrates -, foi a ele que os portugueses deram o direito nas urnas de governar; isto sem falar na aberração de uma democracia que é controlada por dois partidos ultra-minoritários de esquerda seja lá o que isso for. Mas demos a palavra ao homem que acerta em cheio e põe o dedo na nossa ferida colectiva de modo a que a dor seja menos suportável – José Miguel Tavares. No artigo do Público deste dia, ele sintetiza o que eu venho dizendo nestas páginas em meia dúzia de anos. “... seis anos de ilusionismo e golpadas: o golpe da substituição de impostos directos por indirectos; o golpe da reposição de salários, de reformas e das 35 horas através do brutal desinvestimento do Estado e do truque das cativações; o golpe da nacionalização da TAP em 2016; o golpe de oferecer com a mão direita o que se ia tirando com a mão esquerda.” Pois é. Não esqueço que tudo isto foi possível graças ao professor que habita o Palácio de Belém e não consegue separar-se do “aluno brilhante” que ele instruiu ... E lembrar-me eu que Marcelo Rebelo de Sousa possui tudo para ser um extraordinário Presidente e esquecer o comentador garranchoso que foi, o fabricante de factos políticos, o malabarista publicitário, e ... passo. 

         - Combinei com o Lionel visitá-lo em Strasbourg entre 22 e 25 deste mês. Prometo nem sequer olhar para a catedral dos corruptos que na cidade têm lupanar.  

         - A vida nunca nos ensina o suficiente ou somos nós que não retemos o essencial das suas lições. 

         - Deixem-me abençoar uma vez mais este Verão de seda, que toca o meu corpo nas tardes cálidas como a carícia de sucessivos amores, deixando nele a marca que sobrevive no lençol branco da pele metamorfoseada em pergaminho que perdura pelos lustros que desfrutam a eternidade. Vou nadar. 


quarta-feira, outubro 06, 2021

Quarta, 6. 

Depois da debandada reprovável por irresponsável e sem sentido humano de nenhuma espécie dos EUA (fuga à Trump), o que era expectável no Afeganistão está a acontecer. Sucedem-se os atentados, a humilhação das mulheres, a imposição da Sharia enquanto pilar da Justiça, a fome, o subdesenvolvimento de toda a espécie e por último as rivalidades de seita entre talibãs e radicais do Daesh-K. Estes ou os outros – para o caso pouco importa – atacaram a mesquita de Cabul no momento das orações e o resultado foram vários mortos e muitos feridos.  

          - Ontem vindo eu no passeio da Avenida de Roma calmamente na direcção da estação de comboios, vejo vir na minha direcção uma rapariga de bicicleta. Estaco preparando-me para o embate, quando ela na minha frente, as rodas a tocarem-me nas pernas, ambos baloiçando o corpo para nos mantermos de pé, hesitantes, a bicicleta tomba para o lado direito, ela já quase no empedrado agarra-a e assim consegue escapar ao desastre. Um pouco adiante dois companheiros, também montados, assistem atónitos à cena. Aquela artéria da cidade não tem aquilo que o bebé Nestlé amava tanto e julgava indispensável à vitória: as ciclovias. A miúda, aflita, pede-me desculpa. Respondo: “Na cidade não devia ser permitido andar de bicicleta.” Olhou-me espantada e deve ter levado a novidade aos camaradas que me miraram com igual espanto. 

         - Estou agora entregue a pequenos trabalhos. Sem ter parado o tratamento da água – logo vou fazer os meus tradicionais 30 minutos de natação (permitam-me que recorde Madame Juju de “nadação”) -, andei esta manhã a apanhar dois baldes de pinhas no fundo da quinta para a lareira. Primeiro havia recolhido duas dúzias de dióspiros e, se antes pensava não ir gozar daquela delícia, agora temo não ter um só para levar à Annie. Tempo magnífico, sol em cheio, luz a abarrotar, sossego, paz derramada dos confins do universo onde nenhum homem chegará alguma vez, armazém de todos os mistérios e segredos, lugar de deuses e deusas, só acessível aos poetas que nunca abdicaram daquele maravilhoso mundo. 


segunda-feira, outubro 04, 2021

Segunda, 4.

O mundo vai ajeitando-se à desgraça. A China, festejou os 72 anos enquanto República Popular, com 38 aviões bélicos, nuclear incluído, sobre a zona de Taiwan. O primeiro-ministro, senhor Su Tseng-chang, reagiu: “A China está apostada em realizar acções de agressão militar, o que prejudica a paz regional.” Palavras suaves de bom senso. O pretexto do lado de Xi Xiping ping ping é sempre o mesmo: o perigo dos EUA. 

         - Os políticos honestos, ante o espectáculo degradante e quase diário dos seus pares corruptos, pedem que não entremos em generalizações; os outros, indecorosos, falam de populismo, de mentira e afirmam que vão levar à justiça quem os acusa de falsidades e ofensas ao seu bom nome. É o costume de cada vez que vem a lume mais um escândalo de podriqueira e desvio para paraísos fiscais e offshores de somas astronómicas. Habitualmente, essa ladroagem, tem sede no PSD e PS (dois partidos à vez no poder). Os Pandora Papers agora divulgados, trazem dois que nunca me enganaram: Nuno Morais Sarmento (PSD) e Manuel Pinho (PS), o outro, Vitalino Canas (PS), trocou-me as voltas. Os três foram descobertos nos milhares de informação numa mega-investigação que ocupou mais de 600 jornalistas de 117 países e não estão sós no gamanço e falcatruas de várias espécies. Por lá andam chefes de Estado, ex-primeiros-ministros de outros países e assim. Foram 11,9 milhões de documentos analisados e é impossível ter uma ideia do montante que deslizou para cavernas escuras onde nem o sol é convidado a entrar. Acabar com esses covis indecorosos, não está no projecto de nenhum governo pela simples e obscena razão: neles cabe a maioria da classe política e todos aqueles que exploram os empregados e, ainda assim, fogem a pagar impostos. Muitos destes crimes, são urdidos nas sociedades de advogados que, além de se especializarem em fazer dos transgressores  santos, também se ocupam em desviar somas impressionantes dos seus clientes para paraísos fiscais. Em Portugal, Rui Pinto é mal-amado por todos eles, incluindo os patetas do futebol. 

         - Há tanta legislação bem feita no nosso pobre país, o problema é pô-la em prática. Os tratados e leis estão para os códigos cíveis como a palavra está para o parlamentar. Vejamos no que vai dar a boa ideia do Governo em tornar a escola obrigatória a partir dos 3 anos de idade. O pacote de medidas parece acentuar o ataque à pobreza; esperemos que não seja apenas isso. De contrário, faz-me lembrar o que se passava antigamente quando o mancebo não tinha meios para estudar e os pais metiam-no no seminário de onde ele saía feito o liceu, portanto antes dos três anos de filosofia e mais três de teologia.    

         - Meti mãos à obra e comecei a roçar a erva que cresceu exponencialmente em torno das laranjeiras devido às regas semanais. Como as urtigas são em toda a volta da quinta a protecção natural, tive que enfrentar a sua invasão sobre a raiz das árvores. Trabalho árduo, que queria absolutamente realizar antes de deixar este espaço. Ontem choveu e devido à sinfonia dos pingos batendo na janela, deixei-me ficar até às oito entre lençóis. Julgo que voltei a passar-me para o mundo do silêncio e paz, embalado pelos deuses que nunca dormem. 


sábado, outubro 02, 2021

Sábado, 2.

A vida política anda tão confusa, tão violenta e, simultaneamente, tão choldra. Não há nível nos governantes, só os partidos contam, por eles até se estripam numa guerra onde todos gritam e ninguém tem razão. O país vai definhando aos poucos, mas eles não se dão contam porque não é por ele que lutam mas pelo poder tout court. Nos tempos em que tínhamos jornalismo independente e lúcido, ele fazia o contraponto e a informação real chegava a toda a gente a nós a liberdade de julgarmos os factos. Hoje os jornais são uma capoeira onde cada galo faz e desfaz a história diária segundo a sua cor política, nos chamados “artigos de opinião”, como se o jornal não tivesse identidade nem linha jornalística definida. Até admito poder haver mais liberdade ou a sua ilusão, o facto é que o leitor, na marmelada que lhe servem, fica confuso e opta por seguir o que se escreve nas redes sociais onde o cheiro é nauseabundo. Não foi este jornalismo que exerci. No meu tempo, cada notícia, cada acontecimento, era escrutinado de vários ângulos, sob a batuta sábia do chefe da redacção. Toda a informação que do jornal saía, tinha sido antes confrontada com outros órgãos de informação e ao chefe competida, depois de ler cada bloco de texto, se devia ou não ser publicada. Hoje é cada cabeça sua sentença. Quanto mais ideológica e partidária, melhor. Os acontecimentos são vistos a analisados segundo a cor política de que galo. Chegámos a isto. 

         - Eu tenho uns quantos que vou seguindo e são adeptos de uma espécie de política evolutiva. A estrutura partidária está lá, mas com frequência fogem dela para se centrarem na notícia crua, na ocorrência real, com independência e objectividade. É o caso, entre muitos outros, de João Miguel Tavares. Convido os meus leitores a reler o que aqui escrevi sobre esse lamentável caso da troca do Chefe de Estado-Maior da Armada (quinta-feira, 30) com o artigo de opinião do jornalista no Público de hoje. 


sexta-feira, outubro 01, 2021

Sexta, 1 de Outubro (Já?!). 

Que irá fazer o mestre da propaganda e da nulidade senhor (não sei quê) Medina? Arrisco que se vai entregar à TVI como comentador, para comentar o autarca que foi despedido com um pontapé no rabo pelos lisboetas. 

         - A novidade que corre por aí, é que foi o ministro da Defesa Nacional, por sua alta recreação, quis apear o actual Chefe do Estado Maior da Armada substituindo-o por Gouveia e Melo. Por outras palavras, sua excelência o senhor primeiro-ministro foi surpreendido pela audácia do seu ministro. Morde aqui a ver se eu deixo.  

         - Ontem, pelas quatro da tarde, fui fazer meia hora de natação. Belíssimo. O melhor porém, foi a hora e meia ao sol que não queimava, antes parecia envolver-me num abraço caloroso e apertado. Pensava que aquele prazer fosse o último deste Verão majestoso. Mas depois, apesar de a água já estar francamente fria e ser o derradeiro dia de Setembro e não dever enviar nem mais um yuan para a China, decidi prolongar por mais uma semana o gozo e o prazer que me acompanha desde Junho. Consultada a meteorologia, verifico que ainda aí vêm dias de quase 30 graus.   

         - Talvez tenha sorte. Os dióspiros andam a amadurecer meia dúzia todos os dias. Também enchi uma tijela de medronhos. Não sei o que fazer com eles, mas alguma transformação se operará.  

         - O ar morno impregnado de aromas das noites de Setembro, a memória roçando pelo passado repleto de recordações agradáveis, vieram juntar-se à felicidade da hora presente, deixando-me por largo tempo suspenso da tarde. Havia em torno do espaço um silêncio puro, adejado entre partida e chegada do instante eterno que não se materializa no presente, antes se fortifica nas recordações sepultadas na memória e essas, as recordações, não respondem pelo destino que o nosso coração delas faz. O vazio que abalroa o tempo quando este perdura e o transforma numa roda permanente de actividade - facho misterioso que rompe clareiras para uma região sublime...