segunda-feira, outubro 25, 2021

Segunda, 25. 

Ontem, mal acordámos, partimos para um passeio pela colina que separa Mittelhausberg a zona onde os meus amigos vivem e Dingsheim onde a Anne habita. É um majestoso bosque selvagem, refúgio de militares, com largas manchas de milho e uma paisagem bucólica a perder de vista. Caminhámos durante uma boa hora por caminhos construídos para os amantes de caminhadas que por aqui são às centenas sendo domingo. Tempo frio, com sol estatelado no chão em fios luminosos que passaram através dos ramos das árvores de um tamanho imponente. Dois dias antes tinha havido tempestade e eram muitos os exemplares expondo raízes enormes derrubados pela fúria da natureza. Para nos reconfortamos, uma raclette com todos os ingredientes e a boa camaradagem em torno da mesa, um riesling ajudando e componho a boa disposição. 

         - Um pouco mais tarde, demos um salto ao centro da cidade. Gente a abarrotar ruas e praças, animação domingueira e um certo ar de província no modo de ser e na pacatez do conjunto. Máscara, curiosamente, só os mais novos usavam. O resto da foule cruzava-se, ombro com ombro, indiferente à tragédia que fora e crêem não volta mais. Os sistemas de transporte público são uma preocupação que merece alusão. Deixámos o carro muito antes do centro por uma tuta e meia e ainda por cima com o preço do estacionamento temos as passagens gratuitas. Aqui como no metro de Paris, embora haja gente de sobra, as janelas basculantes andam abertas de modo a que o ar circule. Nas margens dos canais que atravessam a Petite France, muita animação e uma atmosfera de festa típica da Alsácia que a arquitectura dos imóveis torna singulares. Por todo o lado, é visível a presença alemã não só nos nomes que se misturam na topografia francesa, como no toque abastado que imprime a diferença. A noite desceu encontrando-nos nós na Place Kleber animada por um português em tronco nu fazendo acrobacias aplaudidas freneticamente pela assistência. 

Place Kleber 

         - Terminei o Journal Spirituel de Julien Green. Muito haveria para dizer deste exercício de introspecção e salvação, todo ele assente na condenação do pecado do sexo. Ficará para uma próxima oportunidade, sendo certo que esse tormento que tanto amarrou o autor a parâmetros pouco humanos, foi nos dias de hoje desamarrado por um clero que escolhera a via de Deus e, por isso, a recusa da tentação sexual tornada pecado pela Igreja. Claro que S. Paulo está na origem desta violação quando, na Carta aos Gálatas, expõe: “As obras da carne são manifestas: fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçaria, ódio, rixas, ciúmes, ira, discussões, discórdia, divisões, invejas, bebedeiras, orgias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos previno, como já vos preveni, os que tais coisas praticam não herdarão o Reino de Deus.”  (Gl 5, 19-21) Para Green como para a Igreja, parece só ser ofensa a Deus as relações sexuais que um homem ou uma mulher têm fora do matrimónio, como as que dois homens ou duas mulheres têm entre si por mútuo entendimento. Tudo o resto exercido no outro enquanto imagem do Senhor, parece ter pouco interesse e reprovação. A fórmula é esta: faz o que te digo e não o que eu faço. O Deus dos Evangelistas está mais próximo de nós que o catecismo da Igreja Romana. 

         - Francis acaba de telefonar a convidar-me para irmos juntos à Comedie Française uma vez que son petit oiseau partiu para o Dubai. Deixarei Strasbourg logo ao fim da tarde. Tempo tristonho, sem sol, típico desta época em França.