quinta-feira, abril 30, 2020

Quinta, 30.
O ministro Pedro Nuno Santos que tem um ego enorme e arrogância suficiente para dar e vender, atirou para quem o quis ouvir, no caso numa comissão qualquer na Assembleia, que a TAP tinha de amochar se quisesse apoio financeiro do Estado, acrescentando: “A música agora é outra no que diz respeito à TAP.” Deixou em aberto a possibilidade de voltar a nacionalizá-la por completo ou, quando muito, acabar com aquela aberração de o Estado português não poder intervir nas grandes orientações, financeiras e outras, para o futuro da empresa. Os accionistas estão em pulgas. É para eles que a companhia é das mais caras da Europa, labora mal, está-se nas tintas para os passageiros, anda sempre atrasada, faz-nos esperar sem uma palavra dentro do autocarro que nos conduz ao avião, não tem linhas abertas para reclamações e não responde aos e-mails... Os privados pedem 350 milhões com o aval do Estado para salvar a empresa (o ministro diz, e bem, dos portugueses), a grita que pelas suas contas 800 milhões não chegam. A ver vamos como tudo vai terminar. O Frasquilho pôs-se ao fresco.  

         - Com o insuportável confinamento, não tarda ficamos todos confitados.  

         - Ou talvez não. Fui a Lisboa fazer compras. O movimento por todo o lado era mais que muito. Apenas no Corte Inglês onde entrei para trazer qualquer coisa para jantar, vi uma fila enorme de clientes no supermercado. O Fertagus e o metro estavam já compostos, numa antecipação do levantamento da reclusão a começar na próxima segunda-feira. Mais uma vez, o que vi não gostei - profetiza o desastre.

         - Hoje não me posso queixar. A manhã rendeu-me tendo chegado às 1475 palavras, isto é, a página 5. Ainda não estou certo se embalei, mas tudo começa a fazer sentido e o ritmo vai-se impondo. Conversa com o Carlos Soares que o confinamento contribuiu para uma série de desenhos pornográficos que ele me deu a conhecer via telefone. Falou-me a Maria Luísa, Gi, António Carmo. Céu plúmbeo. 

quarta-feira, abril 29, 2020

Quarta, 29.
Hoje, muito cedo, fui a um laboratório de Setúbal fazer análises ao colesterol. Pedi-as ao meu médico porque em Outubro do ano passado, na bateria de exames anuais, acusava 30 gramas a mais. Bom. Apresentei-me na figura que os meus leitores podem ver na foto a baixo. Contudo, quando entrei nas instalações, tive a sensação de estarmos todos os ali presentes, de partida para Marte. Que coisa bizarra! Que mundo a um tempo cómico e aterrador! Todos mascarados, cada um de sua marca, assinalando distâncias, obrigando a passos de doble para não nos tocarmos, fazendo esforço para nos escutarmos através das viseiras de plásticos que nos isolavam. Um morto há um ano, que viesse de retorno à vida, teria um pavor de tal ordem que se enfiava de novo no mundo obscuro de onde havia chegado, julgando que se tinha equivocado ao ver a terra habitada por licantropos.

         - Das sombras emergem os energúmenos. O primeiro Xi Xinping ping ping, logo seguido do vendedor de imobiliário, Bolsonaro, entre um ou dois mais. Para trás, talvez já definitivamente coberto pelas trevas negras, da cor daquilo que ele fez passar aos seus familiares e compatriotas, meia bola de corpo inchado de poder, boneco de borracha que não atraía a curiosidade das crianças, de seu nome Kim Jong-un. Não se sabe se está morto ou mesmo moribundo ainda manda matar todos quantos se apresentem com coronavírus. O que se sabe, é que todos os déspotas no poder, são idolatrados pelo vírus chinês. Fá-lo reduzindo a cinzas milhões de seres humanos que outro remédio não têm que obedecer à autoridade dos que em vez de os proteger os expõem por amor à economia, à morte. Assim, nos EUA o número de falecidos ultrapassa os 57 mil e os infectados mais de meio milhão. A galope vem o Brasil, governado por outro palerma, com mais de 5 mil mortos e 71.900 casos confirmados. Para uma “gripezinha”, estamos conversados.  

         - Ontem por pouco não terminava o espaço de limpeza que tinha começado dois dias antes. Naquele local o silvado é muito e forte, obrigando-me a mil cuidados para não tombar no seu emaranhado de espinhos. Da próxima vez fica concluído para ter então tempo de começar em torno propriamente da piscina e chamar o homem para gradar a terra.


         - Em quase duas horas, apenas escrevi 330 palavras no romance. Estive muito tempo ao telefone com Nieto, Conceição e Zitó. Chove, faz frio. Para o fim-de-semana prometem-nos 30-32 graus de temperatura. Aqui, no momento em que escrevo à mesa do escritório, está um archi-dia de inverno.

segunda-feira, abril 27, 2020


Segunda, 27.
Suspendi às 483 palavras esta manhã o romance. Não quero forçar o meu cérebro. Sei como ele sofre quando o coajo a exprimir-se como uma máquina impressora que vai amontoando as páginas impressas. Desta vez não tenho pressa. Sei que a escrita de O Matricida vai ser dolorosa, difícil e lenta e, nestas condições, tenho de estar em alerta para não resvalar para a tensão e daí à depressão. Mesmo assim, pouco depois de uma hora de trabalho, tive de enfiar um Valdispert.

         - Eu tenho uma colossal reserva quanto aos advogados. A quase todos não é a aplicação da justiça que lhes interessa, são as somas astronómicas que daí resultam. Uma maioria dos advogados é muito pouco instruída, mas há uma coisa que eles decoraram - as leis. Basta ler uma carta por eles remetida a um constituinte, para nos apercebermos do seu saber. As leis bem encerebradas são o seu poder e com frequência a mim atiram-me: “Oh, meu caro de leis percebo eu!” Mas perceber é uma coisa, e interpretá-las e ajustá-las à justiça outra. A primeira é automática e qualquer um que saiba ler as vomita; a segunda faz apelo à inteligência e ao coração. Eles são pragmáticos: “é da lei” e está tudo dito. Que pobreza de espírito, santo Deus!  

         - Carlos telefonou. Longa cavaqueira sobre a sua genialidade de artista. Eu acabei de emoldurar dois magníficos desenhos que ele me ofereceu e tão satisfeito estava com o resultado, que até lhe propus devolver-lhos. “O que se oferece, oferecido está.” Falei com a Alice, o Fortuna. E fui de roçadora atacar uma parte distante da quinta até à figueira maior. O mato aí é assustador. Mas não quero que o homem que virá cuidar do terreno chegue àquela zona, porque o ano passado rompeu-me o cano que trata a água da piscina. Tempo dividido: de manhã encoberto, á tarde uma poeira densa de sol. O Filipe que viu a foto da moda Covid-19, diz que eu pareço uma freira. Respondi que o coronavírus detesta as freiras – é fervoroso adepto de Xinping ping ping. 

domingo, abril 26, 2020

Domingo, 26.
Em Portugal os campeões do protagonismo são os advogados. Eles saem de todos os cantos, descem dos tectos, surgem das portas, dos buracos dos ministérios, de debaixo dos sofás, rastejam pelo chão onde político passa e são tantos a espalharem-se por tudo quanto é jornal, televisão, rádio, internet que nenhum insecticida por muito potente que seja os consegue erradicar. Veja-se o que eles dizem acerca daquele simples controlo de temperatura nas empresas, que protege em primeiro os trabalhadores e todos os que num escritório laboram em grupo, mas que eles montados na lei - essa trave de salvação dos medíocres, dos funcionários públicos e de todos aqueles que não pensam pela sua cabeça e se apoiam em decretos construídos como se fossem normas divinas, para se agigantarem em valor sapiencial. Num país de pudibundos e respeitosos, eles são sobas.

         - A prova que nada terá sido aprendido com a pandemia e suas consequências imediatas na nossa vida colectiva, está na reunião que os políticos tiveram para comemorar o 25 de Abril no Parlamento. Desde Marcelo ao Chega o mundo permanecerá como sempre foi – obtuso.

          - É neste estilo Covid-19, que conto enfrentar as multidões a caminho dos empregos no Fertagus e metro. Pareço um astronauta dondoco.

 - Ontem, ao serão, não sei como, fui ter à TVi onde há muitos meses se não anos não parava. Apanhei uma telenovela a meio e, entre o computador onde tinha um olho e no ecrã outro, deparei com uns tipos que se dizem actores e actrizes a representar tão mal, mas tão mal que não fazia ideia pudesse haver alguém com aquele nível no mundo do espectáculo. Depois pensei: “ah, ele é isto que as pessoas vêem!” E desliguei o aparelho. Cada vez aprecio mais e louvo os amigos que pura e simplesmente não possuem televisão.


         - Longa conversa com a Maria José que se isolou no atelier da Quinta de Alcube para trabalhar numa escultura de dois metros, António Carmo, Teresa Magalhães. Clima desagradável, nem uma mão de sol, duplamente confinado todavia com vista para amplos espaços verdes.

sábado, abril 25, 2020

Sábado, 25.
Não vou falar do “25 de Abril Sempre”, gostava mais de interpelar a democracia que se lhe seguiu – serviria a todos, inclusive, a juventude.

         - Não é possível que o homem esteja no seu perfeito juízo. Falo de Trump aconselhando os americanos a fazerem uma lavagem interior com lixívia para expulsarem o coronavírus. Tem 100 mil infectados e 50 mil mortos e permite-se gozar com o pagode, armado em vendedor de propaganda médica como antigamente se chamava aos rapazes que vinham dar a conhecer o medicamento de tal laboratório e no caminho ofereciam viagens de luxo ao estrangeiro, férias para o campeão que receitasse mais, incluindo a família, numa estância no mar Negro e assim. No seu caso é o hidroxicloroquina usado para a malária, desaconselhado pelos cientistas por perigoso e com efeitos colaterais graves para o paciente. Além que há dias afastou Rick Bright, conselheiro do Governo dos Estados Unidos, por se opor ao uso do medicamento. Este acusou o vendedor imobiliário de clientelismo. Assim vai mundo, governado por loucos, tiranos e ditadores.

         - Numa outra dimensão, por cá, uns duzentos refugiados foram encontrados numa pensão (agora chamam-lhes hostels é mais fino e a indignidade mais nobre) em Lisboa, em condições insalubres, dez vivendo em 4m2, duas casas de banho para o mundo, com mais de metade infectados com Covid-19 (138 acho), sem que aparentemente ninguém se importasse com eles. Esta vergonha, não deve ser imputada ao Governo, mas sim aos departamentos que se ocupam destes infelizes – migrantes, refugiados, turistas pobres. Como na administração pública não se pode despedir, o resultado fica eternamente espelhado na sua incompetência e no péssimo serviço prestado aos cidadãos.

         - O confinamento já acabou. Por aqui o movimento nas ruas e estradas é o normal e no Auchan onde fui às compras, a fila tinha cerca de trinta metros. Eu recomendo aos meus leitores redobrado cuidado a partir de hoje. Ou me engano muito, ou vai ser terrível a segunda vaga de Covid-19.

         - O Mário (advogado) que é a bondade de homem, dizia-me que não telefonou mais cedo porque me lê todos os dias e acrescentou: “é como se falasse contigo todos os dias”. Que diabo! Mas eu não sou uma máquina, e gosto de ouvir os amigos! Assim fico transformado num palrador que fala para a plateia silenciosa – o que é sinistro.


         - Terminei sob algum cansaço a limpeza do mato no jardim. Falei com o Carlos Soares, Maria de Lurdes. Ménage e horas ao telefone a tentar falar com o Corte Inglês sempre ocupado. Tempo tem-que-não-caías.