sábado, abril 18, 2020

Sábado, 18.
O verdadeiro retrato da América que Trump e todos os outros nos querem esconder, revela-se agora com a Covid-19 em toda a sua dimensão e tragédia. Sem SNS digno desse nome, milhares e milhares de americanos em Nova Iorque e S. Francisco fazem filas intermináveis para receber o essencial para não morrerem de fome; câmaras frigoríficas acolhem um número impressionante de mortos, os que não são reclamados pela família – e são imensos – vão para a vala comum; os hospitais estão num caos, morre-se pelos cantos e vãos de escadas; os governadores dos Estados dizem uma coisa, o construtor civil e especulador imobiliário, dito presidente, diz outra. A Trump não lhe interessa o americano médio, honrado e simples. Por isso, ante o que o mundo vê todos os dias na Internet e televisões, ele só tem uma coisa em mente: fazer trabalhar depressa os milhões de escravos desempregados. Com ou sem saúde, que se despachem porque a economia não pode parar e os capitalistas começam a ficar impacientes com os lucros criminosos a fugir-lhes da algibeira.

         - Não só lá, cá também. Quem ler o Público de hoje (págs. 4 e 5), verificará que, à excepção de Joacine Katar Moreira, todos os deputados da manta partidária, falo de PS, PSD, BE, PCP, CDS, PAN, PEV, IL, Chega (chega de facto para um país tão pequeno e modesto), o que está implícito nas suas sábias palavras, é o retorno com urgência dos escravos ao trabalho. Só falam nas empresas e quase nada naqueles que são mais importantes sob todos os aspectos – os trabalhadores. Ainda que o número de infectados não pare de crescer e novos casos surjam todos os dias (ontem mais 181), mesmo assim eles têm pressa em regressar ao corte e costura partidário que é aquilo que sabem fazer com as costas quentes d partido e o salário de parlamentar garantido. Ou eu me engano muito, ou esta aceleração vai precipitar o país num calvário ainda maior que este em que está. Mas bom o importante é que a economia floresça.

         - E por falar de economia, permitam-me os meus leitores ter também uma opinião. Posso? De resto já aqui aflorada inúmeras vezes. Quem não se lembra dos relatórios de início do ano, deste ano, que davam lucro aos milhões, da cantilena do Portugal rico, do turismo galopante, onde centenas de aviões law-cost despejavam nas ruas das grandes cidades e nas praias de areia branca os turistas-sardaniscas, das casas vendidas aos milhões, dos estrangeiros que ao abrigo do Gold trouxeram milhões de euros e dólares para enterrar neste recanto à beira-mar sonolento, escorraçando dos imóveis os velhos pobres para a sarjeta das periferias e os jovens para os arrabaldes encaixotados em apartamentos do tamanho do caixão que um dia os amortalhará porque a juventude dura o tempo de um suspiro, as ruas cheias de hostels, B & B, AL, e restaurante porta sim, porta sim, da alegria ligeira dos políticos sentindo-se obreiros de tanta riqueza, do orgulho inflamado dos banqueiros ufanos por verem a democracia enriquecê-los mais e melhor que a ditadura de Salazar e Caetano, todo este desenvolvimento em tão pouco tempo enaltecido pela velhaca UE, que de repente descobriu que os políticos nacionais estão ao nível dos da Alemanha, França ou Inglaterra, dos triliões que pediam pelos patetas dos jogadores de futebol que nem falar sabem... e eis senão quando chega um minúsculo insecto, tão ínfimo que só se deixar vislumbrar através do microscópio. De súbito, todo o lucro, a boa gestão, as almofadas confortáveis que faziam a soberba e a arrogância de gestores e homenzitos franzinos de importância, as empresas sólidas com centenas de funcionários, os economistas de renome montados na importância inabalável da sua sabedoria precisa, estudada com complicadas operações financeiras, que os saloios costumam designar por “engenharia financeira”, traçadas numa folha Excel, sob o controlo das autoridades puras de erros, toda esta compatível reunião de somas, multiplicações, divisões, algoritmos, gráficos, percentagens, lucros e mais lucros desapareceu no espaço de um mês. Afinal a riqueza estava montada em pés de barro, cresceu virtualmente atravessando os oceanos, escondeu-se ou tombou dos bolsos dos gananciosos, ignorara a responsabilidade de pagar aos escravos que a fizeram multiplicar. E vai daí, voltou-se para o Estado e exige dele tudo o que desapareceu sem deixar rasto, provavelmente para paraísos fiscais, atirando sem ética aqueles que ajudaram a criar para a pobreza e em breve a miséria. Este é mundo a seguir à pandemia. Para aqueles que pensam que muito vai mudar, desenganem-se. O que temos de mudar é o homem, é a vida estruturada exclusivamente em torno da riqueza, do ter e do haver, do dinheiro como função exclusiva da nossa passagem por esta terra, em vez que criarmos empresas e estruturas económicas onde todos sejam parte e o seu exercício aberto ao esforço comum dos que nelas trabalham. E que o Estado não seja igualmente perdulário, ambicioso, prometendo tudo em tempo de votos e carências depois. Porque as autarquias viram no crescimento desordenado de estruturas da restauração, uma mais-valia traduzida em impostos e IMI. Em vez de estruturarem a sociedade, deixaram que a anarquia medrasse e com ela tantas injustiças praticadas no corpo cansado de muitos dos nossos concidadãos. Portugal que não gosta de pensar, estudar, planear prefere o dinheiro fácil que o comércio faz em desfavor da indústria. Neste aspecto, pouco ou nada mudou. Infelizmente.


         - Dia harmonioso. Sol em pleno. Andei a limpar os troncos das árvores podadas para a lareira. Duas horas de leitura. Meia hora de conversa telefónica. Um pouco de ménage. Uma translúcida dose de equilíbrio e calma felicidade.