sábado, setembro 28, 2019

Sábado, 28.
Este Outono de lentejoulas que coabita com o Verão de doçura, invade a casa às primeiras horas da manhã enchendo-a da luz que ambos irradiam. Trazem também uma espécie de exultação salpicada de estrelas que crepitam quando me sento a olhar estas paredes cobertas de livros, refúgio de um solitário que invoca o silêncio por companhia e a beleza como alimento do espírito. Mas há qualquer coisa mais que as palavras não encontram forma de exprimir que entra nestes muros abençoados e fica como uma presença a passear ao longo do dia. As estantes de alto abaixo, as telas nas paredes, à medida que as horas avançam, tornam-se recordações de outros tempos quando a suavidade da vida imprimiu a cada escolha o deslumbre do pobre ante o objecto dos seus sonhos. São memórias vivas de verões e outonos que na sua azáfama mal conseguiam disfarçar o precioso instante fixado no suspiro de satisfação que invade cada espaço, pronto para o desabafo do coração ante a magnificência que ofusca o olhar. Uma sequência de imagens confunde o passado e o presente, e o tempo, este que aqui desaguou, como o rasto de um cometa, traz na cauda essas abertas tardias do encontro com a obsidiante comparência desse outro eu, estático diante dos anos, sem se aperceber que são as horas que dão forma e majestade ao tempo. As pontas atravessam-no, e juntam-se em manchas de saudade que não despega dos sentidos, magoam, agridem cada pedaço de sol que aqui se estabelece e inunda de harmonia o espaço de uma humanidade pungente, rara, feita da recordação que se acumulou nos fios dos dias, nos pedaços de mágoas, nas alegrias e tristezas... Oh, não desças pelas escarpas dos pensamentos, fixa o presente e eterniza-o no teu coração; faz de cada segundo a rampa de lançamento para outras horas, outros dias, outros anos como se a vida fosse um eterno recomeço e o sol, a chuva e o vento os companheiros que te levarão inteiro ao teu  destino eterno...

         - Não são só os chineses de Hong Kong que me ouvem. São também os jovens portuguses que numa de folclore, incentivam no vazio das suas propostas e slogans curiosamente em inglês, o governo a tomar medias contra o aquecimento da Terra. Sem temas apaixonantes e revolucionários como aqueles que nos moveram a nós – o fim da guerra, a libertação sexual, a ideia da Esquerda contra a Direita, o amor como fonte de criação e transformação social, a igualdade e união dos povos do mundo – sem nada que os preencha além da fúria consumista, esta malta, na razia do analfabetismo, pega em tudo como uma moda, uma paixão sem conhecimento do essencial nem forças para enfrentar os autênticos problemas que afectam o nosso mundo. Os políticos aproveitam a onda e surfam no populismo que a juventude na sua suposta inocência lhes oferece de bandeja. Não ouvi uma única ideia em favor da alteração do status quo. A festa do Planeta está para durar. Enfim, do dia consagrado ao clima, fica a concretização da minha ideia aqui há muito sufragada: que os protestos sejam sentados nas ruas reivindicando o que acharem de direito. Aconteceu em Hong Kong e ontem em Lisboa. Por este caminho, vou registar o protótipo. 

         - A propósito, um tal André Silva, diz que se lhe derem votos, com apenas 2 milhões de euros retira das ruas os sem-abrigo.  Registo para memória futura. E para lembrar a Marcelo – que deixou cair os abandonados da sorte – que se una ao neopolítico e ambos se batam pela dignidade daqueles que a sociedade só recorda nos dias de eleições.


         - Fortes braçadas apesar de a água ter arrefecido um tanto. Se Deus quiser, este ano, vou poder nadar até 15 do próximo mês de Outubro. Sim, Outubro! Momentos paisibles, voluptas in tranquilittate.

sexta-feira, setembro 27, 2019

Sexta, 27.
Os males de uns, são o bem de outros. Vem isto a propósito do nosso gritado Planeta. Um dos noticiários não sei de que canal estrangeiro, apresentou uma reportagem sobre Gronelândia que Trump quer comprar. Os habitantes que apareceram diziam-se satisfeitos por as terras terem deixado de estar guardadas sob camadas de gelo e, enfim, poderem ver brotar do chão não só couves e alfaces por eles plantadas, como árvores a despontar por todo o lado. Ante a insistência do jornalista se não temiam aquela alteração tão radical, os homens responderam que era tudo uma questão de adaptação. Por agora estavam satisfeitos por comerem o que a terra dá.


         - Olhando para o rol de gente implicada no roubo de Tancos, sobretudo oficiais do exército, da GNR, da Polícia Militar, sou levado a dizer como Manuel Carvalho hoje no Público: “ainda há muito por esclarecer”. Porque os 23 arguidos, curiosamente, não se limitam à grande Lisboa, estão disseminados por todo o país. E dá que pensar se o Presidente da República e o Primeiro-Ministro não foram informados da rede sinistra de criminosos. O que pretendia verdadeiramente esta gente? Era só a venda das armas no mercado negro ou algo de mais profundo que tenha a ver com um ensaio para futuras alterações políticas nacionais? Dos militares espera-se tudo: o bom e o mau.

quinta-feira, setembro 26, 2019

Quinta, 26.
Há dias, numa roda de amigas e amigos, falaram-me eles de um programa transmitido do Campo Pequeno, tendo por convidado um artista se possível do mais ordinário que o mercado dos cómicos possua: Ghost, se bem entendi. Na primeira sessão, foi presença aquela coisa que faz dó, chamada José Castelo Branco. Seguiu-se um daqueles cómicos moralistas que inundam as rádios e o próximo será o meu vizinho Toy. E em que canal se passam estas coisas de um interesse irrecusável, recheadas de classe, arte e espírito crítico elevado e humor inteligente? Adivinhem?  Claro, nesse mesmo. Enquanto ia ouvindo a indignação do grupo, pensava na Piedade que é quem me traz as novidades da estação em primeira mão. Conclui que os dejectos só deviam passar tarde na noite como mandam as normas de higiene. Parece que o tema querido da multidão que entope as estruturas da Praça de Touros, é o sexo nos seus aspectos mais asquerosos e sórdidos. Os cómicos, que o devem praticar muito pouco, fazem uma espécie de catarse em público. São cómicos porque o sexo canalha existe, de contrário nem chegariam a ser cómicos, isto é, actores de si próprios. É evidente que em tudo isto está a pressão do dinheiro, as audiências, a ambição vulgar, que os alcandora ao tecto de uma sociedade pacóvia, que mal sabe falar, e se apoia no futebol como base do conhecimento e da natureza humana civilizada e desenvolvida. É nesta cultura da coisa alarve, comum, óbvia, animal que se apoiam os nossos cómicos, discípulos de um tal Herman José, para quem o que as mulheres e, sobretudo, os homens têm entre as pernas é a mina de ouro capaz de dar dinheiro a rodos a toda a companhia de charlatães... O país é demasiado pequeno para tanto artista despejado no mercado untuoso da ordinarice. Salva-se quem for mais nojento, quem souber colher as graças de uma assistência nada exigente, para quem as anedotas sujas fazem desobstruir o fígado martirizado por uma vida circunscrita à monotonia difícil do quotidiano. No fim, espectadores e “figuras públicas”, são tão reles que se irmanam em duas horas de mau-gosto inenarrável, mas onde todos acabam por sair satisfeitos com sobredose de risos boçais, conversa alarve e apimentada do que há de mais grosseiro.

         Convém, contudo, não generalizar. Os cómicos são uma aranha descontinuada de invectiva artística. Felizmente temos ainda Actores que merecem a nossa estima e nos dão momentos de infinito prazer, porque se desligam de si para vestirem a personagem que o seu talento sabe recriar. Alguns: as sacrossantas Ana Bola e Maria Rueff, o divino Joaquim Monchique,  o abençoado Manuel Marques e até o sacristão Eduardo Madeira que com o tempo se fez um bom cómico. Isto para falar dos humoristas que enchem os ecrãs de televisão. E assim, embalado, vou falar de um outro que se enquadra nesta categoria e começou por fazer um programa muito curioso, sem tapete, na SIC, A Nossa Terra, penso ser este o nome.  Vi por mero acaso uma parte e na semana seguinte todo, e depois outro até aquele que é passado em Paris. Aí o pequeno cómico, com um sorriso sedutor, inteligência sábia, de repente, escolhendo o popularucho, constrói um serão bárbaro, em torno de um velho e uma velha que morreram em condições de uma solidão extrema. Sem qualquer tipo de sensibilidade e respeito pelos mortos, faz o programa à volta dos casos particulares em que apareceram os dois parisienses nos seus domicílios, se tivermos por verdade aquilo que contaram as porteiras portuguesas. Mourão andou muito mal, destruiu a competência que exibia ao fazer de um programa sem estrutura, sem base, sem nada, num grande programa de televisão sustentado na sua arte de entretenimento. Acossado pelas audiências caiu na ordinarice, resvalou para a mesma vala dos seus congéneres da rádio, e desistiu de utilizar a sensibilidade e a graça que lhe são naturais. Ficou tão vulgar como todos os outros. Perdeu-me como espectador.

Esta gravura da Idade Média assenta como uma luva nos cómicos da nossa praça: sexo e  cérebro vazios. 

         - Prazer intenso dos primeiros medronhos e dióspiros saboreados ainda debaixo da árvore às primeiras horas da manhã!


         - O Ministério Público acabou de acusar 23 arguidos no processo do assalto a Tancos. O Ministro da Administração Interna, Azeredo Lopes, foi um dos acusados de cumplicidade como, de resto, eu aqui ventilei na altura. Outro foi o oficial da Casa Militar da Presidência da República que no início dizia nada saber e depois veio-se a verificar o contrário. Perante isto, mesmo considerando que Marcelo não é criminoso, custa-me a acreditar que um homem, militar, da sua inteira confiança, não o tivesse posto a par do que se estava a passar. Reafirmo: em política tudo é possível.

quarta-feira, setembro 25, 2019

Quarta, 25.
O oficial da PJ Militar, Vasco Frazão, foi caçado em telefonemas para a irmã, a denunciar o Presidente da República que apelida de “papagaio-mor”, de ter tido conhecimento do roubo das armas de Tancos. Marcelo apressou-se a desmentir dizendo que não é “nenhum criminoso”. Talvez. Mas para mim em política, tudo é possível.

         - “Jesus sera en agonie jusqu´a la fin du monde, il ne faut pas dormir durant ce temps-là” diz Blaise Pascal. Ou seja para a eternidade. Julien Green, vai nesse sentido quando afirma, a propósito da missa: “Tout le temps que dure une messe, nous sommes tirés du temps et placés devant un moment d´éternité.” A missa, queiram ou não os padres de hoje, é a celebração da condenação à morte do nosso Salvador.


         - Não queria desligar a máquina que trata a água. O tempo arrefeceu um pouco, mas a água cristalina chama-me para mais uns largos dias de natação. Saudoso Verão, não te vás a galope. Espera, detém-te por aqui umas semanas mais, pega-te ao meu corpo tisnado, acaricia a sua suave pele, fornece-lhe o encanto da sensualidade que mergulhou na beleza dos instantes apartados do desejo, do cio que magoa, dos olhares libidinosos, das frustrações e dos apertos amorosos, cangas demasiado duras e obsessivas que o trituraram anos a fio. Pacificado, ele é inteiro a dádiva da ternura que o sol massajando-o multiplica e fornece aos músculos duros, aos tendões sólidos, à força a solidez de um carvalho que mesmo em fim de vida não verga nem cai nas tentações malbaratas da escravidão sexual dos nossos dias. Bendito Rá! Mil vezes bendito!

terça-feira, setembro 24, 2019

Terça, 24.
A necedade é atributo dos povos que levantam o queixo sobre as cabeças calvas e brancas dos sábios simples, que pensam e agem de acordo com os princípios da natureza. Portugal é grosso modo ignorante, básico, analfabeto, aproveita os restos como se fossem dádivas originais, com o fim de lucrar com os patacos que outros lhe atiram aos pés descalços. Ao longo de séculos sempre assim foi; nos nossos dias não foge ao destino causticado pelo passado. Tudo o que vem do exterior é ouro e, portanto, há que aproveitar enquanto outros não chegam para o derreter e o levar de retorno às origens. Assim é com o turismo, as energias renováveis, a assimilação do inglês mal falado, o futebol e passo. Depois, bem depois, vem o choro, a lamentação, a ira contra os políticos, o estado miserável das pessoas, a fotografia de um povo que fica eternamente no seu canto a cantar o fado da desdita. E no entanto, basta saber somar e multiplicar para destronar toda a avareza dos que vieram a este mundo apenas para acumular riqueza ou daqueloutros que lhes vomitam ideologias como quem conta os mortos por eles assassinados em seu nome. Luta-se por uma fantasia, uma ilusão, uma aldrabice, um pedaço de coisa de nenhuma.  

         E no entanto, bastava um pouco de sagesse, um simples olhar em redor da História, um pensamento que trouxesse à mente o bom senso, para que tudo fosse claro, natural, que digo eu, perfeito. Olhe-se para o espectáculo degradante em que está transformada Lisboa. É uma capital do terceiro mundo ou um país africano dos mais pobres. É também uma cidade desumana, que os visitantes ligeiros dizem estar à escala de um biju por lapidar, porque se estão nas tintas e querem só o sol que jorra dos rostos atarantados dos pobres e velhos que eles escorraçaram das suas casas humildes, dos párias sem identidade nem fururo. O mundo subterrâneo da indigência, dos empregados dos serviços a dormir na laje fria das estações de comboio porque o que ganham não chega para duas refeições diárias, ou daqueles milhares de cidadãos que escondem a pobreza e vivem montados numa dignidade que os conduz à revolta, toda essa multidão de dois milhões e meio de pobres são uma afronta à nossa própria dignidade, um arrombo na Democracia, porque os transformámos em cartão usado que o carro do lixo incinerará para satisfação dos políticos cínicos e hipócritas para quem quarenta anos de democracia não chegaram para erradicar a pobreza de um pequeno país. Que não me falte a revolta, que me não se extinguem as capacidades mentais, que o meu olhar não seja desviado da singularidade de cada rosto sofredor, que a escrita seja luz nos dias sombrios e clareza nos anos a provir, para que possa denunciar aquilo que os astutos e os presunçosos pretendem esconder.

         - E no entanto, basta ver a fragilidade da vida em todos os seus aspectos, sobretudo no conforto e solidez que muitos pensam haver na riqueza. De um dia para o outro, todos tendo jogado no mesmo número da sorte, apostando nos mesmos delírios, e tudo se vai como um baralho de cartas desfeito diante de uma criança sonhadora. Bastou uma companhia de aviação, a Thomas Cook, abrir falência, para deixar 600 mil passageiros em terra a tremer de raiva ante a impotência de se verem sem dinheiro, sem férias, num país estrangeiro, e sem saberem como regressar aos seus lares. Britânicos são pelo menos 150 mil. Um hoteleiro do Algarve, fala em milhões de prejuízo. Não tarda a velha cidade de Lisboa e já agora a vetusta do Porto, serão reduzidas ao abandono pelo turismo triunfante, tendo de albergar gratuitamente os mendigos que antes viviam nos prédios de onde foram despejados. O destino prega-nos e ensina-nos lições de eloquência que nenhuma universidade nos transmite. Só a vida tem a sabedoria de nos alertar para a nossa miserável condição.   


         - Boris Johnson soube do chumbo da Suprema Corte britânica à suspensão do Parlamento nas Nações Unidas, onde está reunido com grande número de países para mais uma lengalenga sobre o Planeta. Entretanto, não esperando pelo primeiro-ministro, o Parlamento britânico reabre já amanhã para uma sessão de galifões contra o intempestivo homem e o Brexit que todos dizem ser necessário negociar, como se May e Boris tivessem andado a divertir-se, ela dois anos e ele uns meses.