Terça,
24.
A
necedade é atributo dos povos que levantam o queixo sobre as cabeças calvas e
brancas dos sábios simples, que pensam e agem de acordo com os princípios da
natureza. Portugal é grosso modo ignorante, básico, analfabeto, aproveita os
restos como se fossem dádivas originais, com o fim de lucrar com os patacos que
outros lhe atiram aos pés descalços. Ao longo de séculos sempre assim foi; nos
nossos dias não foge ao destino causticado pelo passado. Tudo o que vem do
exterior é ouro e, portanto, há que aproveitar enquanto outros não chegam para
o derreter e o levar de retorno às origens. Assim é com o turismo, as energias
renováveis, a assimilação do inglês mal falado, o futebol e passo. Depois, bem
depois, vem o choro, a lamentação, a ira contra os políticos, o estado
miserável das pessoas, a fotografia de um povo que fica eternamente no seu
canto a cantar o fado da desdita. E no entanto, basta saber somar e multiplicar
para destronar toda a avareza dos que vieram a este mundo apenas para acumular
riqueza ou daqueloutros que lhes vomitam ideologias como quem conta os mortos
por eles assassinados em seu nome. Luta-se por uma fantasia, uma ilusão, uma
aldrabice, um pedaço de coisa de nenhuma.
E no entanto, bastava um pouco de sagesse, um simples olhar em redor da
História, um pensamento que trouxesse à mente o bom senso, para que tudo fosse
claro, natural, que digo eu, perfeito. Olhe-se para o espectáculo degradante em
que está transformada Lisboa. É uma capital do terceiro mundo ou um país
africano dos mais pobres. É também uma cidade desumana, que os visitantes
ligeiros dizem estar à escala de um biju por lapidar, porque se estão nas
tintas e querem só o sol que jorra dos rostos atarantados dos pobres e velhos
que eles escorraçaram das suas casas humildes, dos párias sem identidade nem
fururo. O mundo subterrâneo da indigência, dos empregados dos serviços a dormir
na laje fria das estações de comboio porque o que ganham não chega para duas
refeições diárias, ou daqueles milhares de cidadãos que escondem a pobreza e
vivem montados numa dignidade que os conduz à revolta, toda essa multidão de
dois milhões e meio de pobres são uma afronta à nossa própria dignidade, um
arrombo na Democracia, porque os transformámos em cartão usado que o carro do
lixo incinerará para satisfação dos políticos cínicos e hipócritas para quem
quarenta anos de democracia não chegaram para erradicar a pobreza de um pequeno
país. Que não me falte a revolta, que me não se extinguem as capacidades
mentais, que o meu olhar não seja desviado da singularidade de cada rosto
sofredor, que a escrita seja luz nos dias sombrios e clareza nos anos a provir,
para que possa denunciar aquilo que os astutos e os presunçosos pretendem
esconder.
- E no entanto, basta ver a
fragilidade da vida em todos os seus aspectos, sobretudo no conforto e solidez
que muitos pensam haver na riqueza. De um dia para o outro, todos tendo jogado
no mesmo número da sorte, apostando nos mesmos delírios, e tudo se vai como um
baralho de cartas desfeito diante de uma criança sonhadora. Bastou uma
companhia de aviação, a Thomas Cook, abrir falência, para deixar 600 mil
passageiros em terra a tremer de raiva ante a impotência de se verem sem
dinheiro, sem férias, num país estrangeiro, e sem saberem como regressar aos
seus lares. Britânicos são pelo menos 150 mil. Um hoteleiro do Algarve, fala em
milhões de prejuízo. Não tarda a velha cidade de Lisboa e já agora a vetusta do
Porto, serão reduzidas ao abandono pelo turismo triunfante, tendo de albergar
gratuitamente os mendigos que antes viviam nos prédios de onde foram
despejados. O destino prega-nos e ensina-nos lições de eloquência que nenhuma
universidade nos transmite. Só a vida tem a sabedoria de nos alertar para a
nossa miserável condição.
- Boris Johnson soube do chumbo da
Suprema Corte britânica à suspensão do Parlamento nas Nações Unidas, onde está
reunido com grande número de países para mais uma lengalenga sobre o Planeta. Entretanto,
não esperando pelo primeiro-ministro, o Parlamento britânico reabre já amanhã
para uma sessão de galifões contra o intempestivo homem e o Brexit que todos
dizem ser necessário negociar, como se May e Boris tivessem andado a
divertir-se, ela dois anos e ele uns meses.