segunda-feira, agosto 31, 2020

Segunda, 31.
Há coisas inexplicáveis. Andei sábado e domingo à procura de uma chávena de café por todo o lado. Pensei em telefonar à Piedade a saber se ela a arrumou em algum sítio inabitual; cismei se ela não a teria partido e, como é usual, não declarado o acidente. Hoje de manhã, quando chego à cozinha e me abeiro da bacia onde a loiça fica a escorrer, encontrei-a solitária e bela, com seu friso dourado sobre a transparência da porcelana. Juro que ainda ontem à noite não havia nada no escoador. Mas a maior satisfação que senti, foi não ter que confrontar a pobre da Piedade com esta história sem importância absolutamente nenhuma.

         - Ontem não sei o que me deu para pôr um disco de José Afonso (traz outro amigo também) que escutei debaixo do alpendre contiguo ao salão. Esta é a autêntica música popular. Que voz! Que construção musical sem arranjos especiais, limpa como a voz que a canta, os poemas claros que falam de tudo e de todos! Nada naquelas canções perdeu força, poesia, encantamento. É todo um tempo de opressão, uma geração de artistas subordinados ao rigor da arte enquanto manifestação especifica de cada um na divergência política contributiva da democracia que se estatela. Eu conheci o Zeca aqui em Setúbal, na sua casa com a Zélia serena companheira atenta a tudo, a Graciete que nos apresentou, o Ângelo Sajara. Disso dei testemunho em páginas idas e foi ainda essa noite que naufragou no meu coração ao escutar o disco. Ambos frequentávamos o mesmo dentista, à Lapa, o Dr. Eurico de Freitas e conversámos algumas vezes na sala de espera com a sua grande vidraça que dava para o pequeno jardim cheio de plantas. As memórias qual nobre rosácea medieval na quietude da manhã, com vista para um ângulo de luz, na quietude inundada das interrogações sem resposta, cachoavam na minha mente como flaches de um brilho incandescente.  


Verdes são os campos
Da cor do limão
Assim são os olhos
Do meu coração
(Luís de Camões, musicado por José Afonso, Ed- Orfeu).


         - Fui num pé e voltei noutro a Lisboa. Estive à conversa na Brasileira com os habitués (tema maior: a Festa do Avante, quase todos em desacordo, comunistas e ex), trinquei depois qualquer coisa no Corte Inglês, comprei o jantar e regressei a casa para não me cruzar com a foule das horas de ponta. Natação sob o céu limpo, calor q.b., um sopro de vento vibrando nas árvores, murmurando um salmo congraçado. Ando desvairado relendo o niilista Schopenhauer. Que modernidade construída em mil e oitocentos! São 17 horas e 37 minutos.

domingo, agosto 30, 2020

Domingo, 30.
Vou atirar-me a caiar a entrada da quinta incentivado por um velhote que vive numa casa apalaçada à entrada desta zona de quintas. Meti conversa com ele na ideia que seria pintor de construção civil, mas é o proprietário. Tem 92 anos e durante três dias andou a limpar em volta a erva daninha e depois meteu mãos à obra de caiar o muro. Convidou-me a ver o jardim, magnificamente tratado por ele, e só há cinco anos fez a piscina no centro de uma grande área com árvores de fruto. Sempre viveu só e nos últimos tempos juntou-se-lhe a filha. Do portão, quem passa, não imagina a beleza e o espaço daquilo tudo embelezado pela paixão de um homem que é verdadeira a imagem de um país cada vez mais raro.  

         - A menina do BE e mais uns quantos cómicos que gastam à tripa-forra, implora a protecção do Planeta. Fazem-me lembrar aquele que foi ministro da Ecologia de Chou Chou, Nicolas Hulot. O homem, como muita desta gente que apregoa amor à Terra e treme pelo buraco de ozono, possuía quatro carros e não sei quantos apartamentos a esta canhota gente, costuma-se apelidar de caviar e champanhe ou por outras palavras: faz o que eu digo e não o que eu faço.

         - 34,6 º marcava o termómetro esta manhã – estou moribundo. Desde que a praga chinesa entrou no nosso país (reparem que não digo como os políticos “neste país”) que meço duas vezes ao dia a temperatura corporal. Regas e aspiração da piscina, o habitual. Trabalho moroso, chato, à força de braços. Depois, intervalo para ler o jornal e recomeçar o dia sob outros signos; cavaquear no terraço debaixo do guarda-sol com a minha velha amiga dos tempos da Latina. O vento passou e ela já chegou...

sábado, agosto 29, 2020

Sábado, 29.
Num artigo ontem no Público, Jorge Barreto Xavier, faz uma análise muito bem feita à obsessão do PCP pela Festa do Avante. Limpo de ideias e texto, o articulista põe os pontos nos ii: o futuro do partido pode estar em jogo. Nas últimas eleições obteve apenas 6,3% de votos, mas se reincide em pôr em risco milhares de pessoas só porque egoisticamente precisa de uns patacos, é capaz de se vir a igualar ao CDS (esta conclusão é a minha). Jerónimo de Sousa, que até costuma ser equilibrado nas análises, perdeu o tino e falou outro dia em “forças da reacção”, utilizando a mesma linguagem que os comunistas empregavam antes do 25 de Abril. Só que desta vez, as forças da reacção, estão distribuídas por todos os quadrantes da vida política. Definitivamente o PCP não muda. Agora o que tudo isto mostra, é que a força do PCP é maior do que a percentagem dos votos que lhe deram os portugueses nas urnas em 2009 – e aqui reside o perigo para a democracia.

         - Nunca percebi porque se obstinou António Costa em manter a TAP. Aquilo é uma companhia para encher meio mundo e, à parte a fama de segura e tecnicamente fiável, não vejo nada mais que a recomende. Fazendo a vontade ao João Corregedor, escrevi à companhia a reivindicar o montante de três centenas de euros da viagem à Hungria que não pude realizar devido à Covid -19. Responderam-me oferecendo um voucher 15,46€ para descontar numa próxima viagem. Ridículo!

         - Estive a ler com muita atenção as notícias de mais um “acto racista” por parte da Polícia de Wisconsin contra um jovem negro. Não li em nenhum lado as razões que levaram o agente a disparar sete balas, sete!, contra o infeliz deixando-o paraplégico. No fundo que quero eu dizer com a interrogação, que a imprensa corre atrás do sensacionalismo e não se queda a informar a parte inteira da notícia. Acredito que nenhum polícia dispara por disparar, mesmo na América onde o porte de arma está divulgado. Claro, qualquer que fosse o motivo dos disparos, estando a Polícia sempre em vantagem, atirar sete balas leva-me a pensar que com elas seguiu o ódio e a prepotência. Mas gostaria de saber que crime foi aquele que merecesse tão monumental descarga. Para se perceber o barril de pólvora que é a América, com interesses, raivas, incomunicabilidade entre raças, todos armados, sob ideologias sociais e religiosas, sem cultura, a pobreza estendida no quotidiano enfeitado de sucessos, basta ver que também há bandos organizados para defender a Polícia! Assim, um rapaz de 17 anos, dias antes tinha matado dois negros e ferido não sei quantos, para defender os agentes da autoridade, a supremacia branca e a vida dos polícias. A milícia tem um nome: Kenoska  (nome da cidade) Guard.

         - Os falsos padrões político-sociais do BE, reflectem um cinismo e aproveitamento insuportáveis. Falam de racismo e agora as mulheres negras nos transportes públicos apanharam-lhe o gosto e desde que um branco não ceda às suas estúpidas criancices despejam, alto e bom som, a acusação de racista. A Glória contou-me que outro dia levantou-se para dar o lugar a uma senhora idosa. Esta agradeceu e declinou a oferta dizendo que saía na próxima paragem. Logo surgiu uma negra que ocupou o lugar ante a estupefacção da minha vizinha. Insurge a benemérita, responde a oportunista: “Nunca ouviu dizer que quem vai ao mar, perde o lugar?” A menina do BE que vai todos os dias de transportes públicos para o Parlamento, que tem a dizer a isto? Talvez para ela a racista seja a civilizada.
Olha quem é ela!  (foto do Público) 

         - Rui Pinto ao Der Spiegel : “Portugal está sufocado pela corrupção.” Não podia ser de outro modo, adormecido com o futebol, instruído com os dejctos da televisão, ignorante, entretido a viver a vida medíocre que os políticos querem que ele tenha.


         - Todo o dia ventou forte. A temperatura baixou e o que se sente e penetra os ossos, é um ténue anúncio outonal. Construi a embalagem para mandar ao Robert um frasco de compota de figo, por correio azul, como resposta à sua sovinice. Duas horas de leituras. Como amanhã vem cá lanchar a Alzira, fiz meia dúzia de scones. Jornada comme ci, comme ça.

sexta-feira, agosto 28, 2020

Sexta, 28.
Nas palavras do Presidente da República está implícita a resposta e o medo. Diz sua excelência que temos de nos prevenir – e nesse sentido o Governo vai pôr o país a partir de 15 de setembro em “estado de contingência” – de nova vaga da Covid – 19 porque “entraram turistas, o desporto e escolas vão recomeçar”. Então porque quiseram tão obsessivamente cá os veraneantes estrangeiros? Para termos agora de pagar novo confinamento e, sobretudo, o sofrimento e as mortes por coronavírus? Du n´importe quoi. 

         - A trupe voltou para terminar o trabalho. Desta vez porém, o patrão trouxe consigo um rapaz que aparentava ter uns vinte anos, mas já ia nos 34 (portanto mais velho que o chefe). Barba mal semeada, médio de altura, corpo magro como uma tábua de engomar, rabo de cavalo que lhe chegava à cintura, peludo do pescoço e por aí abaixo, ar seráfico de seminarista, perspicaz no trabalho, circunspecto de fala. Quando a montagem terminou e eu pude, enfim, ter água para regas e banhos, sentámo-nos á roda da mesa lá fora para festejar o feito. Acontece que os meus sobrinhos tinham deixado uma caixa de cerveja e como não sou dado a bebida, ofereci-as aos dois técnicos. O rapaz franciscano, preferiu água; o patrão engoliu num ápice duas minis. Mas vamos a contas. Como o motor esteve a trabalhar em seco durante pelo menos um mês, a factura que recebi há três dias da eléctrica chinesa, tinha este número assustador: 430 euros para pagar!! Se a estes acrescentarmos os 950 euros da nova bomba e trabalho dos operários, levou-me a amparar o meu pobre coração que ia indo desta para melhor com o susto. O pior é que uma boa parte deste montante, segue no fim do ano para o senhor Xi Xiping ping ping (mais uma) ping. Sobra a satisfação de ter, ufa!, encontrado alguém sério numa região de gananciosos e incompetentes “técnicos” disto e ainda daquilo e mais daquilo, a que acresce não termos direito a um sorriso, a um “obrigado”, a um “bom dia” a um “se faz favor” como se toda a gente lhes devesse e ninguém lhes pagasse.

         - Acerca da China. Para além de terem, os dirigentes, preparado o pós-coronavírus, o ataque ao continente europeu não abranda. Pacientemente, aguardam que a presa salte do covil, acabrunhada e triste, para lhe passar a mão no pelo. É o caso da firma Mota-Engil, refúgio socialista, sem dinheiro vendeu aos chineses 30% do capital. A pouco e pouco, vão tomando conta de tudo e estrategicamente distribuem os seus piões para o assalto final. Os políticos medíocres nem se dão conta da lagarta que nos imobilizará a todos. 

         - Evidentemente, todos os capitalismos se assemelham, seja o dos Estados comunistas ou das multinacionais das sociedades de consumo. A Ryanair acaba de reduzir os salários dos seus funcionários portugueses para menos do salário mínimo nacional. A Covid -19 veio mesmo a calhar a estes connards furibundos do lucro.   

         - Os números da Covid – 19 em Portugal: 56.673 casos confirmados; 1809 mortes; 41.367 recuperados.


         - Ligeiros farrapitos de chuva esta manhã. As temperaturas desceram e tudo ficou mais suportável. A água da piscina evaporou-se a baixo dos skimers pelo que cuidei de a reabastecer. Apanhei figos. Regas abundantes em árvores, hortênsias, morangueiros. Passei a roçadora pelo espaço em frente à casa. Dia luminoso. Paz. Serenidade. Enchi os pulmões de ar puro e do silêncio perturbado somente pelo farfalhar das folhas das laranjeiras.

quarta-feira, agosto 26, 2020

Quarta, 26.
Chamar covardes como fez António Costa aos médicos que tanto se bateram pelos seus doentes no pico da pandemia, alguns até morreram, é um ultraje da parte de qualquer pessoa quanto mais do primeiro-ministro. Costa está esgotado. A obsessão pela economia transformou-o numa marioneta que todos manobram segundo os seus interesses. O futuro não se adivinha promissor.

          Depois, aconteceu a reunião com o bastonário da Ordem dos Médicos, supostamente para um entendimento e reconhecimento do trabalho dos clínicos. Ok, tudo bem, as câmaras estavam lá e António Costa botou discurso. Sem referir os 18 utentes do lar de Reguengos de Monsaraz (origem da discórdia) que faleceram com coronavírus, disse que a pandemia veio trazer à luz do dia uma realidade a que é preciso acudir. Que grande lata! Então ele não sabia em que condições vivem os velhos, ele que foi presidente da Câmara de Lisboa, onde os lares abundam, clandestinos e oficiais, todos cavernas assustadoras de reclusão e desumanidade! Este insulto à humanidade, ao espírito civilizado, à democracia é a paleta de palavreado que estamos todos fartos. Parece que Costa andou a governar um povo troglodita para lá do Paleolítico. Mais, esta tarde, soube-se que o primeiro-ministro disse coisas cá fora para a comunicação social que não correspondem ao que afirmou lá dentro ao bastonário. Este, sempre digno, transmitiu por carta aos seus associados o desencanto. Como se classificam atitudes destas? Desobrigo-me de nomear.  

         - Romperam aí três homens pelos trinta anos. Vinham de calças rasgadas nos joelhos à moda idiota dos tempos presentes, T-shirts cavadas, depilados nas pernas, peitos e sovacos e talvez todo o corpo, troncos proeminentes e andar dengoso, tatuagens, enfim, completíssimos. Dois eram empregados do terceiro, um tipo baixo, cabelo ralo, olhar cativante, especialista em bombas de furo actividade que herdou do pai. Pareciam três saltimbancos da era moderna, os dois assalariados de vez em quando faziam acrobacia entre as laranjeiras. Não falavam propriamente entre eles, emitiam grunhidos, por monossílabos, como se as frases estivessem e o seu sentido subentendidas, com o apoio do olhar, do encolher de ombros, da expressão do rosto, numa cacofonia que me atraiu. Estes operários modernos, nada sabem de Marx, Lenine, nem da consciência moral kantiana. Parecem viver numa bolha que não tem precisão de nada a não ser dos afectos profissionais, do salário ao fim do mês, da paixão pelo seu clube de eleição e de um almadraque para deitar o corpo que exibem como se fossem os Schwarzeneggers em versão portuguesa, e com ele se sentissem as pessoas mais admiradas e cobiçadas do mundo.

         - O Raul foi empresário de construção civil, em Paris, e por lá andou desde adolescente, possui a mesma consciência humana que eu, que tenho mais duas linhas de conhecimento. Esta constatação e tudo o que nela se oculta e desoculta, devia ser estudada. A reflectir.


         - Calor insuportável. Voltaram os incêndios lá para a Covilhã. A Covid – 19 está a progredir a passos largos. Os lares, lugares abandonados pelos governos, são a chaga aberta de um sistema que assenta arrais na propaganda, na palração, na vaidade e na vacuidade. Imprimi as vinte páginas de O Matricida para ver o que lá está. Dias agitados. Muita preocupação com assuntos da vida corrente para os quais não fui feito e portanto me esmago de tédio e inconformismo. Bom. Vou mergulhar.