Quarta,
12.
Almocei
com o Carlos Soares no Adega da Mó. Momentos agradáveis que se estenderam por
quase duas horas! Há muito tempo que um repasto simples (jaquinzinhos com arroz
de tomate) não me sabia tão bem. Carlos, no final, retirou da mochila uma
pequena pasta com a produção mais recente que fazia questão eu conhecesse. Que
maravilha! Tudo era bom, alguns dos desenhos ex-tra-or-di-ná-rios. Quis
surripiar-lhe pelo menos dois, mas ele não deixou. Talvez aquilo que a sua
mente desvairada regista, venha a ser o mundo daqui a dois milhões de anos. Já
estivemos mais longe.
- Vladimir Putin anunciou com pompa e
circunstância que a Rússia já tem a vacina contra a Covid -19. Batizou-a
Sputnik V e afirmou que a filha já a tomou. Se o ridículo pagasse imposto, este
senhor estava na prisão por falta de pagamento. Esta notícia colheu o mundo
científico de surpresa e OMS diz que é preciso ter cautela. Quando a política
invade a área da ciência médica, toda a segurança, desconfiança e prudência são
poucas. Eu vou aconselhar o João Corregedor a pedir ao dirigente russo uma dose
só para si deixando de parte a Marília e os filhos. Mas se se desse o caso de
Jerónimo de Sousa e todo o Comité Central do Partido aceitasse a toma da
Sputnik, nesse caso, só nesse caso, a
família Corregedor da Fonseca poderia inocular-se em... russo.
- Estive a reler o capítulo XI (35
páginas) do Volfrâmio. É qualquer
coisa de fabuloso, de fecundo, onde entra o delírio incontido, que varre o
texto de algo sobrenatural, com Aquilino, o autor e o narrador, farto da narrativa
cronológica que construiu, decide soltar o desvairo e, apoiado em Bárbara louca
do amor que não conheceu a magia do pleno instante, fundir-se nela e com ela
seguir pelos caminhos insensatos da loucura. Acodem a estas páginas aquilo a
que vulgarmente se chama inspiração, quando o escritor liberta as amarras da
história para dizer que está presente ainda que por breves momentos. É magia
pura que as palavras constroem, numa correnteza de significados rumorejados no
pico do desatino onde só assomam os iluminados escritores que sabem juntar ao
texto tudo o que jaz adormecido dentro de si: fantasmas, privações, demências,
solidão, vastidões incomensuráveis de imagens, de assomos de cegueira, flaches
de mundos íntimos que a moral, todas as morais, não consentem, rumores de
depravações, de alienações e pedradas no charco da abstenção, do tédio e da
morte...