quarta-feira, agosto 12, 2020

Quarta, 12.
Almocei com o Carlos Soares no Adega da Mó. Momentos agradáveis que se estenderam por quase duas horas! Há muito tempo que um repasto simples (jaquinzinhos com arroz de tomate) não me sabia tão bem. Carlos, no final, retirou da mochila uma pequena pasta com a produção mais recente que fazia questão eu conhecesse. Que maravilha! Tudo era bom, alguns dos desenhos ex-tra-or-di-ná-rios. Quis surripiar-lhe pelo menos dois, mas ele não deixou. Talvez aquilo que a sua mente desvairada regista, venha a ser o mundo daqui a dois milhões de anos. Já estivemos mais longe.

         - Vladimir Putin anunciou com pompa e circunstância que a Rússia já tem a vacina contra a Covid -19. Batizou-a Sputnik V e afirmou que a filha já a tomou. Se o ridículo pagasse imposto, este senhor estava na prisão por falta de pagamento. Esta notícia colheu o mundo científico de surpresa e OMS diz que é preciso ter cautela. Quando a política invade a área da ciência médica, toda a segurança, desconfiança e prudência são poucas. Eu vou aconselhar o João Corregedor a pedir ao dirigente russo uma dose só para si deixando de parte a Marília e os filhos. Mas se se desse o caso de Jerónimo de Sousa e todo o Comité Central do Partido aceitasse a toma da Sputnik, nesse caso, só nesse caso,  a família Corregedor da Fonseca poderia inocular-se em... russo.


         - Estive a reler o capítulo XI (35 páginas) do Volfrâmio. É qualquer coisa de fabuloso, de fecundo, onde entra o delírio incontido, que varre o texto de algo sobrenatural, com Aquilino, o autor e o narrador, farto da narrativa cronológica que construiu, decide soltar o desvairo e, apoiado em Bárbara louca do amor que não conheceu a magia do pleno instante, fundir-se nela e com ela seguir pelos caminhos insensatos da loucura. Acodem a estas páginas aquilo a que vulgarmente se chama inspiração, quando o escritor liberta as amarras da história para dizer que está presente ainda que por breves momentos. É magia pura que as palavras constroem, numa correnteza de significados rumorejados no pico do desatino onde só assomam os iluminados escritores que sabem juntar ao texto tudo o que jaz adormecido dentro de si: fantasmas, privações, demências, solidão, vastidões incomensuráveis de imagens, de assomos de cegueira, flaches de mundos íntimos que a moral, todas as morais, não consentem, rumores de depravações, de alienações e pedradas no charco da abstenção, do tédio e da morte...