quarta-feira, agosto 19, 2020

Quarta, 19.
O cérebro é uma máquina fabulosa e ainda tão pouco conhecida. Reparem só. Acordei às quatro da manhã a balbuciar este nome: Vera Lagoa. Percebi imediatamente que tinha de descer para espreitar o texto que havia deixado algumas horas antes neste blogue. Logo detectei o erro: em vez da jornalista do jornal O Diabo, devia ter redigido Natália Correia o que fiz de imediato. Voltei a deitar-me, mas o meu cérebro pedia-me uma justificação para o erro. Que foi esta: na nossa longa e agradável conversa a três, Vera Lagoa foi nomeada, daí o engano; depois um diário é um acto de impulso, de escrita quase automática, onde correm os sentimentos arrastados pela loucura do dia, e registados no vagar depressa da memória (para preludiar Marcelo Mathias). Tudo o que aqui é lançado, mesmo os ímpetos de revolta, são um desabafo do coração e por isso sinceros, objectivos, eivados do furor da vida. É isso que caracteriza um Diário. De contrário, o diarista está paulatinamente a construir uma personagem que não é ele, mas que desejaria fosse. Só a seguir a um longo momento de esconjuras, pude voltar ao meu querido e amado sono.  

         - Esta tarde os meus sobrinhos deixaram a quinta rumo ao Porto. Abastados de sol e praia, lá foram deixando um vazio insuportável na primeira hora.


         - Os franceses, não digo na totalidade, mas uma boa parte é um povo bizarro. Difíceis de governar, avarentos como prova a história do livro de George Sand e muitas outras que eu enquanto hóspede dos meus amigos me dispenso de citar, egoístas até à quinta casa, convencidos que são uma raça superior às demais, inculta, trapalhona e de sentido nos séc. XVIII e XIX onde estiveram no centro do mundo ou pelo menos da Europa civilizada. Experimentem convidar um francês da classe média para almoçar num restaurante e aceitem – se tiverem essa chance – ir jantar a sua casa. Logo verão a diferença e concluirão o que eu quero dizer com o arrazoado acima. Fora, porque convidado, ele dirá logo no início do repasto: “Acordei com imensa fome, isto está uma delícia e é tudo irresistível” e amorfa sem controlo tudo quanto chega à mesa; em casa, o que vai para a mesa, é minimalista e a conversa é esta: “Não sei o que tenho hoje, este fastio põe-me doente. Só posso petiscar, mas vocês comam à vontade.” Fome e desejo de nos satisfazermos até podemos ter, mas o que vemos na frente mal dá para um comensal quanto mais para quatro...