Quarta,
19.
O
cérebro é uma máquina fabulosa e ainda tão pouco conhecida. Reparem só. Acordei
às quatro da manhã a balbuciar este nome: Vera Lagoa. Percebi imediatamente que
tinha de descer para espreitar o texto que havia deixado algumas horas antes
neste blogue. Logo detectei o erro: em vez da jornalista do jornal O Diabo,
devia ter redigido Natália Correia o que fiz de imediato. Voltei a deitar-me,
mas o meu cérebro pedia-me uma justificação para o erro. Que foi esta: na nossa
longa e agradável conversa a três, Vera Lagoa foi nomeada, daí o engano; depois
um diário é um acto de impulso, de escrita quase automática, onde correm os
sentimentos arrastados pela loucura do dia, e registados no vagar depressa da
memória (para preludiar Marcelo Mathias). Tudo o que aqui é lançado, mesmo os ímpetos
de revolta, são um desabafo do coração e por isso sinceros, objectivos, eivados
do furor da vida. É isso que caracteriza um Diário. De contrário, o diarista
está paulatinamente a construir uma personagem que não é ele, mas que desejaria
fosse. Só a seguir a um longo momento de esconjuras, pude voltar ao meu querido
e amado sono.
- Esta tarde os meus sobrinhos
deixaram a quinta rumo ao Porto. Abastados de sol e praia, lá foram deixando um
vazio insuportável na primeira hora.
- Os franceses, não digo na
totalidade, mas uma boa parte é um povo bizarro. Difíceis de governar, avarentos
como prova a história do livro de George Sand e muitas outras que eu enquanto
hóspede dos meus amigos me dispenso de citar, egoístas até à quinta casa,
convencidos que são uma raça superior às demais, inculta, trapalhona e de
sentido nos séc. XVIII e XIX onde estiveram no centro do mundo ou pelo menos da
Europa civilizada. Experimentem convidar um francês da classe média para
almoçar num restaurante e aceitem – se tiverem essa chance – ir jantar a sua
casa. Logo verão a diferença e concluirão o que eu quero dizer com o arrazoado
acima. Fora, porque convidado, ele dirá logo no início do repasto: “Acordei com
imensa fome, isto está uma delícia e é tudo irresistível” e amorfa sem controlo
tudo quanto chega à mesa; em casa, o que vai para a mesa, é minimalista e a
conversa é esta: “Não sei o que tenho hoje, este fastio põe-me doente. Só posso
petiscar, mas vocês comam à vontade.” Fome e desejo de nos satisfazermos até
podemos ter, mas o que vemos na frente mal dá para um comensal quanto mais para
quatro...