sexta-feira, agosto 07, 2020

Sexta, 7.
O Líbano. Macron anda por lá, por entre os escombros a pregar a moral republicana, achando-se com autoridade para isso e até exercer uma certa chantagem sobre o país hoje coisa nenhuma. Ajudamos se vocês alterarem de alto a baixo o vosso sistema, se a corrupção desaparecer, se o povo voltar a confiar nos seus dirigentes. Pois é. Bem prega frei Tomás! A verdade é esta: se todo o Magrebe está como está, em parte à França o deve, a Sarkosy que ajudou a derrubar Khadafi. Quando a Líbia cai, começa o barulho e o grande Mediterrâneo que foi inspiração para civilizações, encolheu o seu caudal. 

         - O grande cronista e jornalista que é António Guerreiro, refere-se hoje ao tema. Pela minha parte, vou alargá-lo. Primeiro, porque gosto de pensar; segundo, porque quando penso aprofundo os detalhes. Referi-me, quinta-feira, ao actor do Teatro de Campolide com quem estive à conversa um certo tempo. A dada altura, falando da extraordinária plêiade de actores, antigos e sobretudo modernos, disse que a maioria representa-se a si própria, não tem escola, não sabe distinguir entre a sua pessoa e a personagem que lhe dão para vestir. Isto porquê? Por muitas e variadas razões, que se devem a ilusão da televisão, que promove coisas e coisinhas a que chama concursos, dando aos jovens com caras larocas e corpos insinuantes, a carreira numa arte muito exigente e complexa. O mercado é pequeno, o povo inculto e de costas voltadas para as coisas culturais, daí que as fábricas da TVI, SIC e RTP1, gastando muito pouco, produzem génios que em pouco tempo e sem preparação, caiem no desemprego e na desilusão. Mas não deixam de ser artistas, querem ser apoiados, ajudados com verbas chorudas, viver à grande e à francesa, com os luxos e as fantasias das vedetas de Hollywood. Deve ser muito difícil à ministra da Cultura, saber quem é quem nesta babilónia de mitos e lendas. A dada altura, perguntei quantos actores trabalham no Teatro de Almada. Fixos são uns quatro, digamos, os académicos; os outros são contratados à jorna. “E quanto auferem os amesendados? 6.000 euros/mês.” Pedi-lhe que reiterasse: “6 mil euros, mas acrescenta o meu interlocutor, agora estão a receber apenas 3.000.” Fiquei amalucado. Então ele é isso! Não é que eu esteja contra estes salários principescos, mas porque o país é um todo e a diferença entre o todo e alguns é gritantemente substancial. Vou rematar com António Guerreiro o seu artigo Cultura e melancolia, que aborda a entrevista que na SIC foi feita à ministra da Cultura pelo jornalista (eu vi a peça e achei que o entrevistador contrariamente à sua natureza e estilo, foi arrogante) Bento Rodrigues: “Por mais que o sector da cultura precise que lhe seja reconhecida a especificidade, a pergunta insistente dos 219 euros não passou de uma arma do embrutecimento cultural. Assistimos assim a um momento de violência doméstica no seio de uma conjugalidade muito problemática.” Chapeau, cher ami!

         - Depois do almoço no Taberna da Mó, fui andando do Rossio aos Restauradores onde tomei o metro. A dada altura, sentei-me num banco em frente ao Teatro Nacional para apertar os atacadores dos sapatos. Duas mulheres conversavam no remoto do banco e riam muito. Fiquei de ouvido a atalaia. A dada altura uma diz para a outra: “Não gosto nada desta coisa, parecemos cavalos com freios (referia-se à máscara que ambas usavam)! Olha – responde a outra – ao menos podemos dar quantos peidos cremos que ninguém dá pelo cheiro. Lá isso é verdade! Que eu até sou muito peidoqueira!” Gargalhada sonora a que eu me juntei. Forma divertida de encarar a Covid-19.


         - Agora, às regas matinais, acrescento a apanha dos figos que todos os dias amadurecem e torna-se urgente disputá-los à passarada. Dia insuportável de calor.