Sexta,
7.
O
Líbano. Macron anda por lá, por entre os escombros a pregar a moral
republicana, achando-se com autoridade para isso e até exercer uma certa
chantagem sobre o país hoje coisa nenhuma. Ajudamos se vocês alterarem de alto
a baixo o vosso sistema, se a corrupção desaparecer, se o povo voltar a confiar
nos seus dirigentes. Pois é. Bem prega frei Tomás! A verdade é esta: se todo o
Magrebe está como está, em parte à França o deve, a Sarkosy que ajudou a
derrubar Khadafi. Quando a Líbia cai, começa o barulho e o grande Mediterrâneo
que foi inspiração para civilizações, encolheu o seu caudal.
- O grande cronista e jornalista que é
António Guerreiro, refere-se hoje ao tema. Pela minha parte, vou alargá-lo.
Primeiro, porque gosto de pensar; segundo, porque quando penso aprofundo os
detalhes. Referi-me, quinta-feira, ao actor do Teatro de Campolide com quem
estive à conversa um certo tempo. A dada altura, falando da extraordinária
plêiade de actores, antigos e sobretudo modernos, disse que a maioria
representa-se a si própria, não tem escola, não sabe distinguir entre a sua
pessoa e a personagem que lhe dão para vestir. Isto porquê? Por muitas e
variadas razões, que se devem a ilusão da televisão, que promove coisas e
coisinhas a que chama concursos, dando aos jovens com caras larocas e corpos
insinuantes, a carreira numa arte muito exigente e complexa. O mercado é
pequeno, o povo inculto e de costas voltadas para as coisas culturais, daí que
as fábricas da TVI, SIC e RTP1, gastando muito pouco, produzem génios que em
pouco tempo e sem preparação, caiem no desemprego e na desilusão. Mas não
deixam de ser artistas, querem ser apoiados, ajudados com verbas chorudas,
viver à grande e à francesa, com os luxos e as fantasias das vedetas de Hollywood.
Deve ser muito difícil à ministra da Cultura, saber quem é quem nesta babilónia
de mitos e lendas. A dada altura, perguntei quantos actores trabalham no Teatro
de Almada. Fixos são uns quatro, digamos, os académicos; os outros são
contratados à jorna. “E quanto auferem os amesendados? 6.000 euros/mês.”
Pedi-lhe que reiterasse: “6 mil euros, mas acrescenta o meu interlocutor, agora
estão a receber apenas 3.000.” Fiquei
amalucado. Então ele é isso! Não é que eu esteja contra estes salários principescos,
mas porque o país é um todo e a diferença entre o todo e alguns é gritantemente
substancial. Vou rematar com António Guerreiro o seu artigo Cultura e melancolia, que aborda a
entrevista que na SIC foi feita à ministra da Cultura pelo jornalista (eu vi a
peça e achei que o entrevistador contrariamente à sua natureza e estilo, foi
arrogante) Bento Rodrigues: “Por mais que o sector da cultura precise que lhe
seja reconhecida a especificidade, a pergunta insistente dos 219 euros não
passou de uma arma do embrutecimento cultural. Assistimos assim a um momento de
violência doméstica no seio de uma conjugalidade muito problemática.” Chapeau, cher ami!
- Depois do almoço no Taberna da Mó,
fui andando do Rossio aos Restauradores onde tomei o metro. A dada altura,
sentei-me num banco em frente ao Teatro Nacional para apertar os atacadores dos
sapatos. Duas mulheres conversavam no remoto do banco e riam muito. Fiquei de
ouvido a atalaia. A dada altura uma diz para a outra: “Não gosto nada desta
coisa, parecemos cavalos com freios (referia-se à máscara que ambas usavam)!
Olha – responde a outra – ao menos podemos dar quantos peidos cremos que
ninguém dá pelo cheiro. Lá isso é verdade! Que eu até sou muito peidoqueira!”
Gargalhada sonora a que eu me juntei. Forma divertida de encarar a Covid-19.
- Agora, às regas matinais, acrescento
a apanha dos figos que todos os dias amadurecem e torna-se urgente disputá-los
à passarada. Dia insuportável de calor.