quarta-feira, dezembro 30, 2020

Quarta, 30.  

Refiro Frei Bento Domingues: “Quando, numa entrevista, perguntaram a Sophia de Mello Breyner Andresen o que gostaria de ver realizado, em Portugal neste novo século, respondeu: `Gostaria que se realizasse a justiça social, a diminuição das diferenças entre ricos e pobres. Mais justiça para os pobres e menos ambições para os ricos. O resto é-me indiferente.` Não me ocorre nada de mais adequado para 2021.” 

         A mim também não. Mas aos meus leitores abraço-os (sem perigo de contágio...) desejando-lhes 2021 com mais liberdade e saúde – bens archi preciosos.  


Todos somos mortais e por isso a vida encerra em si todas as esperanças. 

terça-feira, dezembro 29, 2020

Terça, 29.

Odeio qualquer forma de ditadura e não compreendo que num mundo maioritariamente sob regimes democráticos, possa haver um só homem que domine o seu semelhante apoiado por militares que dele beneficiam. É o caso do “imperador” da China. Neste momento, tem detida a jornalista que primeiro informou sobre a Covid-19, em Wuhan. Está presa e há uma semana em greve de fome. O seu advogado teme pela morte de Zhabg Zhan dado que ela está decidida denunciar a injustiça até ao fim. Irá morrer porque não há memória de um tirano dar valor à vida humana.  

         - Outra forma de injustiça é frequentemente praticada pelos “socialistas” de António Costa. Cabe na cabeça de alguém sustentar aumentos de 200% para os gestores da TAP, entre eles aquele repolho alegre chamado Frasquinho, e em simultâneo reduzir os salários dos trabalhadores a partir de 900 euros em 25 por cento! Então o estado de falência da companhia não é para todos?! Mesmo que nos digam que essa parte pertence aos privados, a empresa é um todo e uma parcela dos nossos impostos que nos vai empobrecer e a viver pior nos próximos anos, é do nosso esforço que sai. Vamos ter ali o nosso desastre colectivo, as somas astronómicas que fogem do nosso bolso para sustentar uma obsessão ideológica, é criminosa. O Mágico reduziu à sua insignificância aquele que queria o seu lugar, mas quer-me parecer que é ele que vai acabar por ganhar a partida por cheque mate ao rei. 

         - O Carmo é impressionante. Logo de manhã estava-me a telefonar para que visse a RTP2 onde vem anunciada a sua exposição de desenho para o mês que vem nas Belas Artes. Já a semana passada, quando descíamos o Chiado, ele parou nas lojas por ali abaixo para deixar o cartaz do facto pedindo-lhes que o afixassem na montra. Eu não o condeno. A falta é minha como ele diz, porque não me chego a ninguém, não falo a ninguém e remata: “Não podes ficar à espera que te peçam os originais, tens que ser tu a esforçar-te para que os editores os leiam.” Teria razão se eu considerasse a “minha obra” como ele considera a sua. Felizmente para mim, é a sua realização que me faz feliz. 

         - Dia intervalado de sol e chuva, frio constante. Uma certa melancolia banhou as horas e para a afastar fui ao Alegro tomar café. Cruzei-me com algumas beautés que me perturbaram os sentidos. Continuo sensível aos rostos que querem transmitir aquilo que as profundezas do ser insiste em encobrir; o físico, sendo importante, não consegue sobrepor-se às feições que dizem mais e melhor que a sensualidade exposta ou descaradamente oferecida. Escrevo à secretária, o calorífero aceso, o céu pardacento chorando a miúde. São 15 horas e 17 minutos. Por estes dias, só a companhia de Green me tem sido estimulante. 


domingo, dezembro 27, 2020

Domingo, 27.

De modo que depois de o “achatar da curva” veio a “bazuca” e agora “o que quero dizer lá pra casa”. Por quanto tempo mais teremos que gramar este charabia, este tição de vulgaridade, não sabemos. O que sabemos é do espectáculo que meteu comboio de polícia em motos, GNR a cavalo, câmaras de televisão, ministra e os mais altos cientistas  à chegada da prodigiosa vacina contra o coronavírus e a sua inoculação por médicos e enfermeiros destemidos e orgulhosos diante das televisões. Falam, falam mas não explicam o essencial como, por exemplo, se nos vacinamos – em principio é para ficarmos preservados de novo contágio – por que continuamos com os mesmos processos de protecção; quanto tempo dura a imunização; qual a previsão para a normalidade tão ansiada pela economia. Já ouvi que nem em 2022. Tudo isto é muito mal explicado ou as pessoas que era suposto saber, pura e simplesmente desconhecem. 

         - Primeiro instalou-se o caos, com mais de setenta quilómetros de filas de camiões para entrar no Reino Unido; a seguir, ao cabo de vários dias de desordem e desrespeito pelos profissionais da estrada, Boris Johnson anuncia como “prenda de Natal” o fecho do acordo (ou lá o que isso é) com a UE. Que Charlatanice! 

         - Frio. De manhã, para ir ao café e comprar o jornal, tive de utilizar a escova especial  limpa neve adquirida em Paris. Fui de gorro na cabeça, anoraque, luvas e chauffage a fundo da viatura. Da quinta desapareceu o tapete de verde e em seu lugar foi estendido um alvo e reluzente. Quem visse o carro com os seus flocos brancos nos vidros, diria que eu tinha acabado de chegar de uma estância de ski. Depois apareceu o sol, e o dia reconstitui-se à imagem duma bela manhã de inverno.  


sábado, dezembro 26, 2020

Sábado, 26.

Eu, se os meus leitores bem se lembram, disse no início do ano que acreditava neste 2020 prestes a ser pontapeado do calendário do século XXI. Parecia-me pelo seu número redondo que trazia qualquer espécie de transformação pessoal benéfica que o mundo aproveitaria também. Foi o oposto. A arquitectura do vírus chinês foi tão bem desenhada ou mal manipulada, que um monstro com a dimensão de uma pulga, suplantou todos os exércitos, derrubou esquemas até aqui sólidos, confinou a uma vida quase vegetativa milhões de milhões de seres humanos e atirou para a morte um número ainda não contabilizado de vítimas. Tudo isto sem um tiro, sem uma bomba atómica, sem esquemas bélicos concebidos nos laboratórios militares, numa guerra barata, eficaz, que não só transverteu o mundo como destruiu todas as teorias económicas-socais que séculos de estudo nas universidades não previram. A própria vacina, parece estar em oposição, numa batalha desigual tendo o ser humano por campo de combate ou por experiência para o que um dia se conhecerá de assustador. Isto, para mim, não passa de um ensaio. O pior virá um dia, sem máscara nem gel desinfectante - pobres e modestas armas utilizadas pela humanidade para matar um bicho de uma crueldade atroz. As sociedades tal qual as conhecemos, desapareceram do mapa do progresso, a fome e a miséria expandiram-se, à luz da verdade crua ficou a mentira das nações ditas ricas, das políticas presunçosas apelidadas de sociais, numa assimetria que abraça no mesmo amplexo, iguais e incrédulos, todos os falsos regimes políticos do mundo. Se Hitler tivesse tido uma ideia assim tão destruidora e original, a Europa e o mundo estaria hoje sob a sua alçada cruel, com cidades e seus monumentos góticos intactos e biliões de seres humanos a trabalhar como escravos para satisfazer as loucuras de uma classe dirigente usurpadora dos mais elementares direitos à vida. Para a China, onde o regime ditatorial impera e nada deixa transparecer, o ano 2020 foi o rasgar de um futuro de expansão e domínio do mundo – o nuclear pode transportar-se numa caixa de rapé e chama-se coronavírus. 

         - António Costa tem razão: é muito difícil governar nesta altura como ser governado e só não erra quem não se habilita. O que eu reprovo a sua excelência é a governação montada na propaganda ininterrupta, aquele prazer e vaidade de fazer política assente no jogo dos interesses partidários, na derriba do adversário, ainda que tudo aquilo não dê pão ao esfomeado nem cura ao doente, antes serve uma classe que se compraz em admirar o candongueiro.  

         - Fixemo-nos agora no meu pequeno e modesto mundo, exercido prioritariamente à sombra das coisas do espírito, e daí olhemos o que nele houve de substancial. Em primeiro, o começo de um romance, a 10 de Fevereiro posto de lado depois de muitas tentativas frustradas; depois o recomeço a 11 de Junho, muito penoso, a apalpar terreno, sempre na incerteza da página seguinte, mas que tomou fôlego e me ocupa as manhãs e o cérebro todo o dia. Falo de O Matricida, cuja primeira parte está preste a terminar. De seguida dou graças a Deus por não ter tido nenhuma doença por pequena que fosse, e o trabalho diário para me tornar melhor. Passo por cima do desgosto de não ter ido a Budapeste em Abril e Paris em Outubro, factos sem importância tendo em vista o trabalho no livro, aqui na quinta, paisible, voluptas in tranquilittate.

         Para não falar nas longas e ternas horas de leituras. Costumo dar a conhecer as obras que me ocuparam os dias e os meses e este ano não fujo à regra. De todos os títulos aqui registados, saliento dois: A Lição do Sonâmbulo de Frederico Pedreira e São Paulo a biografia de N. T. Wright.   

Bíblia (Os livros Sapienciais) Tomo 2 – Trad. Frederico Lourenço

Journal Intégral (1919-1940) – Julien Green

Não Te Esqueças de Viver – Pierre Hadot

Douleurs du monde – Schopenhauer

Diário II - Virginia Woolf

Journal d´Espagne – Jean Chalon

Ensaios Escolhidos - T. S. Eliot

O Rei Lear – William Shakespeare

Manual de sobrevivência de um escritor - João Tordo

Volfrâmio – Aquilino Ribeiro

A Lição do Sonâmbulo – Frederico Pedreira

Diário Intimo – George Sand

Cartas de S. Paulo – Tradução Frederico Lourenço

La princese de Clèves – Madame de La Fayette

Cartas – Katherine Mansfield

Jornal Intégral (1919-1940) (releitura) Julien Green


    

         - Frio intenso. Tenho todas as lareiras acesas. Tentei ler lá fora ao sol, mas o vento gélido obrigou-me a recolher ao salão onde estou diante do fogo. Telefonou a Annie e o Lionel de Estrasburgo, a Gi e Maria Luísa da Foz, inúmeros amigos um pouco de todo o lado. A Noite de Natal ficou perturbada com a aflição da Piedade, em lágrimas, devido à violência do neto que a culpabiliza de não ter o filho consigo. Na origem a solidão e a dor afogada no álcool. 


sexta-feira, dezembro 25, 2020

Sexta, 25.

Ia-me passando. Outro dia a entrevista da RTP1 a Ana  Gomes foi um “serviço público” (como eles gostam de chamar), deplorável. O dito jornalista era um espectáculo, cópia do menino Miguel, fazia a pergunta e dava a resposta pela entrevistada, cortava-lhe com frequência o raciocínio, impunha-se, e no final nada ficámos a conhecer do programa da candidata a Belém. Eu nunca me sujeitaria a um suplício daqueles. O jornalismo, hoje, é um punhado de pedras atiradas a quem aceita ir às televisões. A ele, jornalista, só lhe interessa o escândalo, o fait divers, o drama com lágrimas copiosas, a exposição dos seres humanos à humilhação pública. O poder deve ter muito de narcisista e masoquista para que pessoas com dois dedos de testa, se sujeitem a ser enxovalhadas por um Zé ninguém às ordens de um qualquer fantasma que lhe bichana ao auricular instruções.  

         - A Missa do Galo vaticana em tempo de pandemia: 




         - Perde-se o dia em favor da noite. O braseiro suave que por aqui pairou, esconde-se agora na curva do horizonte, levantando do chão um frio frisante que aumentará pela noitada fora. Fico-me a olhar o clarão alaranjado ao fundo da quinta, do lado de lá, onde o céu confina o espaço. Os tons são muitos e variados e jogam às escondidas com as árvores que se interpõem no caminho da visão. Escrevo estas linhas diante da janela baixa, com o calorífero aceso, e sem a luz do candeeiro que tenho sobre a mesa. Quero-me aglutinar nesta atmosfera irreal, fundir-me nela, fazer entrar o lusco-fusco no salão e o exterior e interior ser apenas um, ovalado num todo. A sensação que experimento, é que céu e terra são uma e a mesma unidade, o silêncio sela a harmonia do conjunto, com um insinuante murmúrio a brotar do chão as vozes que por aqui passaram e aqui voltam para refrescar a memória e humanizar o espaço. Pelas frestas das janelas, entra desabrido o aroma de muitas chaminés aquecendo as vivendas que começam no Penedo da Saudade e terminam em Tovim. Eu acabo de entrar no eléctrico que me deixará no Colégio Luís de Camões e não caibo em mim de esperanças, de futuros rasgados na minha cabeça doida que não pára um instante de inventar cenários que decerto nunca se realizarão. Vou ao lado de Miguel Torga, que traz sempre que o vejo uma gabardine usada, e como eu leva mundos dentro da cabeça que precisam de cirandar para que a mesma não estoire. Ele sai em primeiro - sou eu que lhe dou passagem -, ambos seguimos pela rua com o mesmo nome do colégio; depois ele passa para o outro lado do passeio e entra na vivenda onde mora, eu sigo em frente para franquear o portão ao fundo do lado direito. A Cumeada tem um perfume quando o crepúsculo se instala que nunca deixou o meu olfato. Tenho a lareira acesa e talvez o fumo da chaminé seja o condutor da memória, porque sem ela morremos, perdemo-nos de nós, afundamo-nos num mundo de sombras vadias que nos perseguem como pesadelos. A noite desceu, enfim. Ainda não fechei as portadas, acendi as luzes, ou voltei costas ao dia que desfalece na mancha de sangue que persiste estática na minha frente. A abóbada celeste é quase um oceano zimbrado, com leves manchas esbranquiçadas, por onde o escuro da noite força a entrada. De repente, há como que um pavor a sair do firmamento, onde só as árvores se desenham no palato do céu. Quem olhar para a casa do caminho, verá um candeeiro aceso num canto e alguém sentado a uma mesa a realizar a magia que a noite amanhã segredará ao dia, quando este empurrar a escuridão, e a vida voltar renovada nos braços radiosos de outro tempo - este que por estas linhas passou e o outro que a recordação alimentou. 


quinta-feira, dezembro 24, 2020

Quinta, 24.

Ontem fui ao estomatologista e só não desmeei com o orçamento porque devo ter um coração sólido. Agora a moda por todo o lado não é conservar o que se tem, é acertar o passo com o deita fora e compra novo. Assim é com a dentuça. Não vale a pena manter os nossos dentinhos porque o médico tem urgência em enriquecer e de todo o modo o que ele nos propõe é duas filas de ouro como se pertencêssemos a um bando de salteadores daqueles que na América fizeram fortuna. Posto isto, arranquei a segurar os queixais não fossem eles ir parar à conta bancária do ilustre clínico de sorriso matreiro e olho certeiro, ao encontro do João que fazia as encomendas para a Ceia de Natal no Vitta Roma. Por lá me mantive umas duas horas à cavaqueira. De tudo o que falámos, o que mais me comoveu foi a sua intimíssima preocupação com a filha “que esteve por um fio”. João não derrama a dor, esta fica suspensa numa espécie de nuvem a que não deixa ninguém acessar, mas passa para nós como um drama de que é difícil falar. Por isso, a política se interpõe, não para ser tema de conversa, mas para correr o pano escuro entre ele e o seu interlocutor. A política não se sobrepõe à dor, esta é que sendo forte convoca-a para atenuar o sofrimento. 

         - A notícia do dia é o abate numa propriedade da Azambuja de 540 animais entre veados e javalis. A origem era a montagem de uma central fotovoltaica que para tanto não podia avançar com os pobres animais continuando a viver ali em liberdade. Vai daí, convoca-se um punhado de ricos caçadores espanhóis que se encarregarão rápido e barato de limpar o terreno. A batida começou cedo e prosseguiu até à meia tarde e do dia ficam as fotografias dos assassinos exibindo como troféu as centenas de bichos no Facebook. A carne foi despachada para o país vizinho onde será vendida a retalho em camiões frigoríficos. Os donos da propriedade, três dias depois da indignação geral, através de uma agência de comunicação, vieram dizer que não estavam a par do ocorrido; o Governo, como é apanágio em Portugal, para além de desconhecer a montaria organizada na quinta, diz que vai revogar a licença de caça da herdade e apresentar queixa ao Ministério Público. Pergunta-se para quê? 

         - De súbito o frio. O sol não chega a ter calor que se sobreponha à ventania desagradável que traz o desconforto. Incerteza, vazio, horas em branco. Nem os inúmeros telefonemas dos amigos de cá e de fora, bastam para reconduzir os dias ao equilíbrio e à paz que ameniza a solidão destes dias tenebrosos. Não penso no Natal, mas na vida tal qual ela se nos apresenta, prisioneira deste vendaval de tristezas que nos afirmam terminar com uma simples e miraculosa vacina. Quero sair, mas tenho de ficar. São 16 horas e 7 minutos. Que merdelhice de vida! Vou acender as lareiras do salão e da cozinha. 


terça-feira, dezembro 22, 2020

Terça, 22.

Ouvirei hoje Ana Gomes, mas não troquei ontem Stéphane Bern por Marcelo. Para mim sem interesse, tendo em conta a overdose, noite e dia, durante estes últimos cinco anos. Sua excelência não pode acrescentar nada de novo à ladainha televisiva do seu mandato. Não pode? Então e aquela de confessar ter sido enganado, não pelo Governo, mas pelos laboratórios que prometeram vacina contra a gripe para todos e os que conseguiram vacinar-se não passam duma minoria. Eu que não estou nos segredos da governação, nem escuto as reuniões do Palácio de Belém, preveni a tempo aqui os leitores da propaganda que a coisa trazia. Quem me lê, está sempre prevenido... 

         - Julien Green que continuo a ler (neste caso a reler) com imenso interesse. Por sobre tantas páginas “indecentes”, por entre as centenas de rapazes que passaram debaixo dele, as acções íntimas narradas com a força da pornografia que se desprende dos actos e excitarão muitos leitores, Green, através desse calvário que foi a sua vida pelo menos até aos quarenta anos, parece-me mais um percurso de purificação para chegar não digo à santificação, mas perto de algo parecido com a conduta humana que Deus exige de todos nós. Se não houvesse pecado, Deus não teria razão de existir. E como sabemos, Ele adora preferencialmente os pecadores.     

         - Almocei com fr. Hélcio no Vitta Roma. Antes para fugir às multidões que entopem os centros comerciais e são uma injustiça para os pequenos restaurantes e lojas, fiz singelas compras nas casas abertas da avenida do mesmo nome. De retorno ao sol, à calma do campo sereno e onde não bule uma folha, acendi a lareira do salão e, de computador nos joelhos, avancei no Matricida. Os irmãos Black têm o hábito de me ir esperar ao portão, a alegria por me verem é tal, que saltitam, rebolam um sobre o outro, e só não falam porque não foram à escola aprender. De contrário, diriam: “Olá galdério! Bem-vindo sejas!” 


segunda-feira, dezembro 21, 2020

Segunda, 21.

Não bastava a segunda vaga da Covid-19, como se prepara já uma terceira, variante do coronavírus que se conhece, vinda do Reino Unido com mais desgraça a descarregar sobre a humanidade apavorada a jogar à cabra cega com ela. A coisa está de tal modo preta, assim que uma mutação do vírus correu veloz pelas ruas de Londres infectando mais uns milhares, logo a França, Holanda, Portugal (viva!), Itália e outros países fecharam aeroportos, vias marítimas e terrestres, deixando a ilha isolada do mundo. O que vai sair em termos psicológicos, sociais, económicos, espirituais desta calamidade, ninguém consegue prever. Mas que os tempos vão duros, inóspitos em ternos vivenciais, destruidores dos relacionamentos afectivos, do ritmo quotidiano que separa em vez de unir, isso não há quem não medite e até os idiotas são incapazes, por idiotices bizarras, dizer o contrário. 

         - Vejamos. A nível mundial o total de casos ronda os 76 948 621; mortes 1 695 606. Na Europa os principais países com números surpreendentes são: França com 2.473.354 casos e 60.549 mortes; Reino Unido com 2.040.147 casos e 67.401 mortes; Itália com 1.953.185 casos e 68.799 mortes; Espanha com 1.797.236 casos e 48.926 mortes; Portugal com 374.121 casos e 6.134 mortes; EUA com 17.881.333 casos e 317.800 mortes. Os números são o que são, sendo certo que por todos os motivos eles tendem a apresentar um quadro menos doloroso – serve aos povos e sobretudo aos políticos. 

         - Para não fechar o dia com tanta tragédia, aqui deixou a mensagem de Boas Festas com que o Guilherme Parente acaricia os seus amigos. O mundo visto da infância do pintor é esta mancha onde cabe inteira a felicidade. 


         - Fui à Brasileira para estar à conversa com os do costume. De seguida, flanei pela Baixa bem alimentada de gente, espreitei o movimento nas lojas, levantei os olhos a admirar a iluminação natalícia, e deixei-me tomar pela cidade da minha adolescência quando entrava na Benard ou na pastelaria Suíça em busca de algum familiar, quase sempre a tia Dália, o tio Correia, a Nini, outros mais que ali iam diariamente à tarde tomar chá. E olhei demoradamente a fachada do prédio que faz gaveto com a rua Garrett e o Rossio, onde dei os primeiros passos no jornalismo, lembrando a Praça D. Pedro IV depois da uma da madrugada quando deixava o jornal a caminho de casa, sempre com os inevitáveis espectros desassossegados a rondar os urinóis que ali existiam e eram concorridos pela noite fora... Essa Lisboa ainda existe, mas agora pelos urinóis vadios da internet, com o seu grau de perigosidade e sem aquele charme que convidava ao namoro antes da concretização de qualquer coisa e era nas linhas nervosas dos circuitos sensuais o instante fulminante que enfeitiçava a morte ou o renascer da vida... 


domingo, dezembro 20, 2020

Domingo, 20.

Os políticos que estão à frente das organizações sociais, todos ou quase conheceram o desrespeito que o antigo regime tinha pelos cidadãos e, então, fieis aprendizes do passado, não incorporaram que a democracia pela qual muitos se bateram, é o regime onde não há nobres e plebeus. O que se passa no SEF é disso retrato actual. Tudo o que o Governo diz só agora descobrir, já ele conhecia em catadupa por queixas escritas pelos pobres imigrantes visados pela selvajaria dos funcionários. Quem em Portugal se sentir maltratado ou ostracizado pelos organismos públicos, não perca tempo em protestos escritos, dirija-se directamente a um qualquer canal de televisão e logo vê a justiça realizada. Ganha ele, pobre vexado, e lucra o canal com tempo de antena para a lágrima que tanto atrai os espectadores deste país do terceiro mundo. 

         - Bem prega frei Tomás. Os líderes europeus, nomeadamente, da França, Espanha, Portugal, Holanda e passo, são óptimos a defender os cidadãos da Covid-19 impondo-lhes restrições de toda a ordem. Depois vai-se a ver, são os primeiros a infringirem-nas como atesta a infecção por coronavírus de Macron, o confinamento por ameaça de Costa e do pobre Sanchez, entre outros. No Eliseu, o monarca Chou Chou, fartou-se de dar almoços e jantares, à direita e à esquerda, abracinhos queridos, pancinhas contra pancinhas, sem ter em conta o distanciamento que impôs aos seus súbditos. Um cura a doença no palácio de Versalhes, pois então!, o nosso no palácio que pertencera a Salazar; ambos com médicos à cabeceira da cama, os melhores remédios e bons tratos por chefes de cozinha.Em democracia, caros leitores, somos todos iguais e isso é óptimo, óptimo, óptimo! Mas não se esqueçam que a ceia de Natal este ano é na estrebaria. 

         - Assisti à missa transmitida pela RTP1 dos Açores. O celebrante, um padre spedado, nervoso, de palavra vomitada disse que este ano temos que festejar o Natal na estrebaria em alusão ao nascimento de Jesus. Que o Senhor tenha compaixão da Igreja de hoje. 

         - Mais esta de frei Bento Domingues. Falando do meu santo protector, Francisco de Assis, a quem se deve o primeiro Presépio, diz ele: “Não me refiro ao Pai Natal, porque não sou apreciador de Coca-Cola.” Já somos dois, caro dominicano. 


quinta-feira, dezembro 17, 2020

Quinta, 17.

Fui ao barbeiro. Estas instituições ainda são o que sempre foram: lugares do diz-que-diz-que, espaços onde se deixa à mercê do lugar as mais insuspeitas e terríveis aprendizagens, boataria e verdades bichanadas. Vai lá o rufia como o professor de medicina, o taralhouco e o artista de flor na lapela e até o político trasvestido de importância.  O homem que me corta o cabelo há uma data de anos, contou-me que um cliente lhe contou que um oftalmologista com letreiro na porta de entrada e folha de bons serviços exposta na internet, depois de observar o paciente, disse: “O meu amigo tem uma catarata em cada olho.” Refeito do susto, o homem pergunta-lhe o que devia fazer. “Isto só operado. E quanto custa a operação? Mil e quinhentos euros cada olho.” O doente ia cegando de vez. “Homem não se assuste! Fazemos assim: eu opero-o a uma vista por mil e quintos euros e o senhor vai ao público operar-se à outra que é grátis.”  Ainda esta. Perguntei ao meu escanhoador se conhecia uma pedicura. Ante a afirmativa logo veio: “Cuidado com isso! Eu tenho um cliente que tiveram de lhe cortar o pé por causa de um calo mal tratado.” Só mais esta. O director de um hospital, homem de grande sabedoria, é constantemente solicitado pelas televisões para falar sobre a Covid-19. Nunca aceitou conversa com essa gente, mas com ele, seu barbeiro estimado, tece longas conversas assentes no princípio que os seus colegas palradores nada sabem sobre o vírus. “Sabemos muito pouco sobre esta pandemia, e quanto às vacinas ainda menos.” Rectifico: barbearia é escola de conhecimento científico e humano. 

 

         - Nuno Pacheco é um jornalista do Público que eu aprecio imenso e leio com agrado. Normalmente ocupa-se da Língua Portuguesa, falada e escrita, com maestria. Hoje, aborda a invenção de certas palavras por poetas e romancistas, palavras essas que os guardadores da língua nos dicionários nem sempre acolhem. Depois saiu-se com esta que é de uma beleza, digo até criatividade: “É bom lembrar que, antes deles (os ficcionistas), muito antes deles, são sobretudo as crianças que mais palavras inventam sem as registarem, pelo simples gozo da descoberta, trocando-lhes letras e sentidos, virando palavras do avesso como quem revira brinquedos.” Agora que narro o que acabei de fazer, veio-me à memória a discussão que eu tive com o revisor do meu ensaio Fragmentos do Silêncio. O pobre homem discutia comigo a propósito de duas ou três palavras que apareciam no texto, que ele dizia não existirem nos dois ou três dicionários com que trabalhava. E insistia: “Eu percebo o que quer dizer, mas as palavras não existem.” Eu tentava fazer valer os meus argumentos, e, por fim, saí-me com esta: “Olhe se não existem passam a existir porque eu não as dispenso.” 

 

         - A Piedade andou aí e deixou tudo num brinco. Quando saí do barbeiro, dei um passeio na Luísa Todi sob céu limpo, lacrimando fios de calor sobre a terra. De retorno a casa, abri as janelas de cima e de baixo que assim ficaram até agora (16,36) de modo a enxotar o coronavírus. Mas claro entrou o frio do entardecer, pelo que acendi a lareira do salão. Não trabalhei no romance e talvez também não lograsse fazê-lo, porque tudo aqui dentro ferve de ansiedade e a cabeça anda numa insurreição. Leituras só o Público e o Diário de Green (pág. 440). 

quarta-feira, dezembro 16, 2020

Quarta, 16.

O Colégio Eleitoral americano deu por terminado o calvário de Biden atribuindo-lhe a vitória calando assim a maluquice de Trump. O que se segue, ninguém poderá prever. Contra os vaticínios de muitos e de mim próprio, uma guerra civil não estará à altura de um especulador imobiliário. Mas estou de acordo com Pacheco Pereira quando afirma: “O que há de significativo nessa votação é que os 74 milhões eram só para Trump e os 81 milhões eram contra Trump e não por Joe Biden.” Uma nação que vive em democracia há mais de um século, é suficientemente sólida para afastar um tal desastre. 

         - O folhetim Eduardo Cabrita está com mais uns quantos episódios. Começo a ter compaixão pelo homem que, tendo muitas culpas no cartório, não poderá ter todas. Porque quando há funcionários que mentem para encobrir os assassinos, quando toda uma equipa – enfermeiros, médicos, assistentes, guardas – colaboraram na morte do infeliz ucraniano, quando a directora do serviço, uma tal Gatões (cruzes!) tentou disfarçar o crime, quando quase todo o SEF parece uma organização de malfeitores, a responsabilidade não pode recair inteira sobre o ministro - para mim isso é evidente. 

         - Eu, como os leitores sabem, desde a entrada do Chega no Parlamento, nunca o considerei ao ponto de nada saber dele e só recentemente me ocupar de o observar. Isto porque a esquerda lhe deu tanta importância que comecei a deitar o olho à personagem e ao que da sua cara barbuda brotava. Vi, pela primeira vez, o frente a frente com o Miguelinho e achei que André Ventura estava melhor preparado que o infausto perguntador, do alto da sua importância nem deixava falar o convidado. E assisti, ontem, à entrevista que o candidato a Chefe de Estado deu à RTP1. E francamente, movido do que hoje sei do homem e do seu partido - mais dele que da organização decerto de amantes de futebol que o pôs na Assembleia -, não merece a publicidade que a esquerda lhe tem feito à borla. O sujeito é nulo de ideias, malbaratado de argumentação, escrevendo uma coisa para logo se contradizer e ter precisão de esclarecer o que tinha mal alinhavado, construindo o discurso numa folha de lugares-comuns, de populismo fácil, protege-se com a argumentação popular descontente com o caminho que o país tomou por incompetência e prepotência da esquerda, sem que ele tenha propostas claras para a substituir. O Chega, apesar do medo da esquerda, que o teme porque o seu trabalho tem sido desastroso e fechada em propaganda que não confere com a realidade, apesar de tanto rumor, o Chega vai implodir não tarda. Já agora esta minudência: o Chega e o PCP são os únicos a querer manter Eduardo Cabrita. Embora por razões diferentes, o Chega porque ambiciona ter a Polícia do seu lado; o PCP porque a parceria com António Costa é para manter. 

         - Falemos de coisas mais importantes e sérias. Estou curvado de reconhecimento a um jogador de futebol (não, não é esse, esse é analfabeto, egocêntrico, ganancioso incapaz do gesto que vou narrar, como de igual modo qualquer outro jogador ou treinador nacional). Falo de Mesut Ozil, jogador do Arsenal que, através das redes sociais, denunciou o campo de concentração chinês dos uigures, uma minoria muçulmana que fala o truco, perseguida e privada dos direitos humanos, no noroeste da China, na província de Xianjiang.  Os chineses de Xi Xinping ping ping dizem ter mais de um milhão de adolescentes em campos de “reeducação”, talvez idêntico ao dos nazis, de forma a fazê-los esquecer a sua religião e prepará-los para os integrar na sociedade chinesa. Em consequência, num mundo de idiotas, onde o dinheiro é o deus venerado, o jogador foi posto de lado embora lhe paguem milhões, e perdeu mais uns quantos milhões de publicidade, mas não renuncia aos seus valores humanos e éticos e não dá ouvidos aos dirigentes do Arsenal que dizem ser “independentes da política”. 

Mesut Ozil popular jogador de futebol e das causas humanitárias. 

          - Ontem almocei com o João Corregedor. Uma pipa de assuntos foram despejados no decorrer do repasto cordial e extremamente simpático. Como ando a trocar o lençol de baixo para não dar muito trabalho à Piedade quando muda as camas, ele acompanhou-me à retrosaria antiga perto da pequena livraria do Simão. Uma das poucas lojas que heroicamente resiste à terrível razia que se instalou com a Covid. Mais de metade de toda a Baixa, fechou de vez. Antes tínhamos estado na Brasileira, na esplanada, num dia claro sem frio nem chuva – um dia de graça depois de duas semanas de chuva, vento, trovões, inundações e dias de uma tristeza sem fim.   

         - Levantei-me ainda ensonado para estar às oito da manhã no Auchan, em Setúbal. Quis evitar as enchentes que “achatam a curva” e em boa hora porque no super andava eu e uma dúzia de velhotes. A seguir ao almoço, passei levemente pelo sono e sentei-me ao computador, voltado para o campo onde a chuva caía num choro sentido, e ataquei o romance. A propósito, tenho a sensação que o facto de não ter ninguém que o publique, a este e a outros já escritos, dá-me uma extraordinária liberdade, uma comoção de escrever para quem vem depois de mim, íntegro e inteiro, indiferente a tudo, refugiado na urgência do artista solitário que reconstrói o mundo que o marcou e deixou o registo imperecível da voz do tempo que todas as manhãs se imobiliza em palavras e sentimentos e imprime nas páginas o gesto largo da liberdade e da independência – singulares e sagradas razões da arte. 


segunda-feira, dezembro 14, 2020

Segunda, 14.

O Irão dos déspotas ayatollahs, enforcou o jornalista Ruhollah Zam que de Paris onde vivia combatia pelos direitos cívicos e pela democracia no seu país. Atraído a uma emboscada que lhe prometia uma cadeia de televisão financiada pela oposição ao Guia Supremo Khamenei o ditador lá do sítio, foi preso à chegada ao Iraque onde era suposto realizar-se a reunião com o líder dos xiitas iraquianos Khamenei que financiaria o projecto. Foi condenado sem direito a advogado, por “corrupção na Terra”, uma das mais graves na República Islâmica. A designação “corrupção na Terra” é curiosa. Imagine-se que ela se aplicava no nosso país, onde a rede de corruptos é já tão grande que não haveria cemitérios onde os enterrar. 

         - Não gostei das palavras de Ana Gomes e Marisa Matias sobre o Chega. A primeira, disse que "era obrigação do Presidente da República dizer ao Tribunal Constitucional e à Procuradoria Geral da República que deveriam atuar para não permitir a legalização de uma força que claramente põe em causa a Constituição";  a segunda, garantiu que eleita Presidente da República, "não daria posse a um Governo apoiado pelo Chega" Belas democratas, sim senhor! Então o Chega está constitucionalmente na Assembleia porque arrobou a porta e entrou, ou porque houve milhares de portugueses que votaram para que lá esteja? Não gosto de quase todas as propostas do partido, mas isso combato-as eu com as armas de que disponho: a escrita e discussão onde calha. Mais: se um partido como o Chega obteve os votos que lhe deram força, foi porque a esquerda, com o seu trabalho e imposição hegemónica, o permitiu.  Há milhares de milhares de descontentes com o trabalho dos ditos socialistas que, diga-se em abono da verdade, não passam de matriz social-democratas, mas mais perigosos por pregarem um princípio e praticarem outro. Prefiro mil vezes o Chega ou o Partido Comunista no Parlamento que fora dele. 

         - Os centros comerciais são incubadoras de coronavírus. Recuso-me a entrar e aconselho os meus leitores a fazer o mesmo. É mais um erro do governo permitir as inundações a que assisti há duas semanas, por contraste com os pequenos restaurantes e lojas, e um crime que apresentará a conta a partir de Janeiro se não for antes. 

         - Donald Trump, Presidente, sim ainda lá está, forçou o começo da vacinação contra a Covid-19 em massa. Eu acho tudo isto uma grande aventura que ninguém com dois dedos de testa aceitará. Sabe-se muito pouco sobre os seus resultados e o que nos escondem é imenso. Quando a política se mete onde não é chamada, as pessoas, os cidadãos não contam para nada. 

         - Isto é um país amaldiçoado, só pode. Enquanto milhares de pessoas vivem em condições extremas de pobreza, quando o SNS paralisou, os pobres crescem, milhões estão confinados, velhos apodrecem sem ajudas, os quadros governamentais distraem-se com fait-divers num divórcio insuportável entre o país real e o político.  É porque este saiu de Belém com mensagem de Marcelo, é porque o ministro perdeu a confiança dos seus subordinados, aqueloutro quer mais dinheiro e influência, a Policia está descontente e assim. Uma pergunta inocente: como vai o Mágico e com que magia governar o pagode em simultâneo com a chefia da UE, quando a retaguarda está afundada num buraco de víboras?  

         - Tinha um encontro em Lisboa, mas faltei. Trabalhei de manhã, intervalei para o almoço, e depois de ter dado um salto ao supermercado daqui, prossegui no romance tendo chegado às 58 linhas. Chuva todo o dia, céu coberto de grandes manchas negras.  Clima ameno, embora húmido. Há dias que não acendo a lareira. 


domingo, dezembro 13, 2020

Domingo, 13. 

A magia aconteceu, mas não enfeitiçou a União Europeia. Pelo contrário, condenou-a a chafurdar uma vez mais nas suas enormes ambiguidades. O problema é saber até quando. No que toca a Portugal, Costa bem pode regozijar-se esquecendo que o problema levantado pela Hungria e Polónia para obstruir os milhões de Bruxelas, é o mesmo que ele um dia alçou e se calhar irá pagar por isso. Porque os fundamentos de que acusam aqueles países, temo-los nós por cá. Não se pode vilipendiar outros países que não são governados pela esquerda, quando Portugal, após 50 anos de democracia, não respeita os seus cidadãos, despreza os velhos, os salários são baixíssimos, a justiça é só para quem tem dinheiro,  a aplicação fiscal é tendencialmente mais gravosa para a classe média, mantém dois milhões e meio de pobres, os privilégios e vantagens que os 10 por cento de ricos auferem são um escândalo, entre o cidadão e a Administração Pública quem leva a melhor é sempre o Estado, etc. etc.. O Estado e a/as forças que se apropriam dele, impondo ideologias que começam por não conferir com a prática e são jogos políticos intermináveis, que têm arruinado a economia e atrasado Portugal. Parece que vem aí uns milhões, ou seja vêem mais uns milhões, mas eu não tenho dúvida absolutamente nenhuma que o país continuará como sempre esteve – na cauda da Europa, a viver dos dinheiros mendigados lá fora, sem indústria, sem desenvolvimento, ruas cheias de modestos restaurantes, funcionários públicos medíocres, sem responsabilidades, pequenos partidos arruaceiros, com mais poder que os que a população elege, tudo governado por uma clique prepotente, servil, corrupta que depois do 25 de Abril se instalou, se governa e para aí está a palrar de manhã à noite. Mas obra nada, rien, anything. Quanto ao “Estado de Direito” que barrou a pipa de massa, como se vê, tem muito que se lhe diga. Se há país cujo “estado de direito” é mais desigual é o nosso. Se a UE continuar, um dia seremos encostados à parede, assim espero. 

         - Justamente. Tenho estado a ver uma série de programas sobre a vida e obra de Charles De Gaulle. A França recorda cinquenta anos após a sua morte, o estadista, o militar, o lutador da liberdade e o libertador da Segunda Grande Guerra. Já devo ter visto uns cinco ou seis episódios, todos extremamente bem feitos sem faltar aqueles que com ele discordaram. Mas o que é mais notável e para esta época hors norme, é a verticalidade, a devoção à causa nacional e ao povo, à democracia e ao sentimento de missão que o habitou e obcecou. Num curto espaço de anos, fez da França uma potência mundial, recusou aceitar as imposições dos EUA, não se vergou às jogadas de Churchill, caminhou, só, mas imponente com o sentido da responsabilidade e não se aproveitamento do lugar.  Viveu modestamente, ele e a mulher, e os três filhos um deficiente. Morre ano e meio depois de ter deixado o poder. A mulher Ivonne, vive ainda mais uns anos num lar da chamada terceira idade, em Paris. Existe algum político hoje que leve a vida que este grande homem levou enquanto esteve no poder e depois? Que eu saiba e alguns conheci de perto, sem cheta, todos vivem sem preocupações financeiras. Só aquele encontro incompreensível com Franco depois de ter deixado o Eliseu... mas perdoa-se-lhe pelo muito de admirável que fez à França, à Alemanha, e à Europa num todo. 

         - E esta trapalhada que surgiu do nada acerca da nota de pêsames do nosso impagável ministro Eduardo Cabrita dirigiu em Março (!!!) à viúva do ucraniano assassinado através da embaixada da Ucrânia, em Lisboa... A embaixadora, ante as perguntas inconvenientes dos jornalistas, deixou-os a falar sozinhos e desapareceu. António Costa e o seu adjunto, tomam-nos por ineptos. Mas são eles que deviam ser julgados pelo assassinato de Ihor Homenyuk. Espero que Maria Lúcia Amaral, a procuradora da Justiça, seja rápida a ajudar a viúva e os filhos do malogrado cidadão. 


sábado, dezembro 12, 2020

Sábado, 12.

Tive curiosidade em ouvir o recandidato a Belém saído do bolo-rei da pastelaria Versalhes e por isso plantei-me como um atrasado mental em frente ao ecrã. Saiu-me o tiro pela culatra. Quem foi uma delícia observar foi o comportamento dos dois jornalistas que não cederam à subserviência e, embora às vezes se atropelassem, fizeram as perguntas à pessoa certa. Marcelo derrapou, não esperava tanto arrojo, não estava preparado para ver o seu habitual populismo ser desmascarado, ao ponto de lhe terem dito na cara que estava a mentir. De facto, os perguntadores centraram a entrevista na questão gravíssima do assassinato do cidadão ucraniano nas instalações do SEF. Pediram contas ao populista que as remeteu para o sacristão Costa com quem “diversas vezes” havia falado no assunto e,  subentendido, nada tinha feito. O mais grave porém, é a cadeia de cumplicidade que andou fechada a sete chaves na organização assassina. Parece que o caso de Ihor Homenyuk, não é único. Os energúmenos e selvagens não são só os três ou quatro que o mataram, são médicos, enfermeiros e pessoal menor que, sabendo dos crimes, não os denunciaram. Da longa entrevista, não houve uma só palavra em que tivesse acreditado – da boca do futuro Chefe de Estado só saíram cambalhotas na forma de discurso podre, gasto, cansado. Cito padre António Vieira (1608-1697) que vi plasmado outro dia no Público: “Todos os que na matéria de Portugal se governaram pelo discurso erraram e se perderam.”  

         - Não me apetece dizer mais nada. O silêncio é revelador da natureza humana. Ele muitas vezes é uma forma de traição. 



sexta-feira, dezembro 11, 2020

Sexta, 11.

Este governo de quem não se conhece nada de importante que tenha feito e já vai no segundo mandato, aparece numa aflição a fazer obra quando as televisões o acordam e as imagens pungentes comovem ou revoltam os portugueses. Fora isso, é uma gestão indolente, vegetativa, de braço dado com a Presidência que o protege, protegendo-se. Assim aconteceu com o caso do infeliz Ihor Homenyuk, o ucraniano assassinado nas instalações do SEF no aeroporto. Quase um ano depois e só porque Portugal inteiro se levantou em protesto, quando partidos, personalidades públicas, instituições de apoio aos imigrantes, todos se haviam fechado num silêncio ensurdecedor, indiferentes ao sofrimento da mulher e dos seus dois filhos. Esta, de nome Oksana Homenyuk, contou à SIC que esteve exemplar neste caso, nunca ter recebido qualquer apoio de Portugal e que foi a própria família que pagou a transladação do corpo do marido para a Ucrânia. Felizmente que temos uma provedora de Justiça com uma folha de serviço impecável e independente, que irá tratar com dignidade a família de Oksana Homenyuk. E já agora com a celeridade que se lhe conhece, cale o Presidente da República a quem só interessa proteger os que lhe dêem popularidade e votos. Somos governados por cínicos e hipócritas. 

         - Costa tirou o tapete ao seu ministro das Infra-Estruturas o presunçoso e mandão Sr. Pedro Nuno Santos. Este senhor, tendo concluído o trabalho que irá com os nossos impostos mais a pedinchice de Bruxelas permitir à TAP voar, quis que ele fosse consagrado com o parecer de todos os partidos com assento parlamentar. A mim parecer-me-ia bem, tratando-se de um projecto nacional com implicações medonhas na nossa vida colectiva. Se o BES passou por lá e outros dossiers que gastaram a tripa forra os nossos impostos... Mas o Secretário-Geral do Partido Socialista, quis que o enfant terrible fosse reduzido à sua insignificância e assumisse as responsabilidades do seu trabalho, o mesmo é dizer do seu mais que certo logro. O Mágico fez já uma macacua ao seu ministro e por antecipação atirou para as suas costa o óbito do seu futuro político. Há muito que António Costa governa utilizando o poder que é próprio dos débeis e atarantados. 

         - Fui a Lisboa debaixo de chuva. Tomei café na Brasileira e conversei um pouco com o António e com a Teresa, forma de dizer porque ela está há meses muda. Na fnac comprei dois livros de Valter Hugo Mãe (O Apocalipse dos Trabalhadores e Homens Imprudentemente Poéticos). Estou curioso em conhecer o autor, e assim que acabe o que tenho em mãos, atirar-me-ei à sua leitura. Se calhar nem seguirei a lógica de ler os que estão na fila de espera há mais tempo. Almocei no Vitta Roma e fiz por ali várias compras e embarquei no Fertagus de regresso a casa. Aqui céu fechado, pesado como Jumbo. 


quinta-feira, dezembro 10, 2020

Quinta, 10.

Vi e ouvi pela televisão a tradução do drama criado no jogo Paris Saint-Germanin e o Basaksehir de Istambul. Não retiro uma palavra ao que ontem escrevi, e acrescento umas mais. A imagem dos africanos revoltados contra o árbitro, pareceu-me ridícula. O que me ficou foi que eles, com o seu comportamento excessivo acusando o árbitro de racista, mais não fazem que exibir o complexo de inferioridade que há muito devia ter sido ultrapassado. Prefiro aquele jogador negro brasileiro, ante a banana arremessada das bancadas, apanha-a, come-a e depois retoma o jogo chutando de canto. Óptima bofetada de luva branca. Os racistas – aqui com propriedade – devem ter engolido em seco o gesto digno e nobre do jogador. Este é cá dos meus! 

         - A minha revolta, se os meus leitores bem se recordam, remonta ao início dos inícios conforme entrada neste blogue a 14 de Maio. Pois só agora a directora do SEF, a espampanante Cristina Gatões (cruzes que nome!), foi demitida. O titular da pasta do Ministério da Administração Interna, na verdade ministro do partido socialista que tem por chefe António Costa, devia também ser posto na rua.  Como outrossim não vi grande indignação por parte dos partidos e sindicatos, à excepção, honra lhe seja feita, da menina do BE. Aquela organização sempre andou à balda, e na mesma ocasião, até decorreu nas instalações de Oeiras uma festa da qual resultaram uns quantos contaminados com coronavírus. Um país do terceiro mundo como o nosso, tem os políticos que merece, despreza os seres humanos e exerce o poder em cartel mafioso, matando um ser humano que se vem acolher à nossa guarda e depois inventando toda a sorte de mentiras e esquemas para encobrir o crime. Que organização é esta, que gente é esta que mais parece uma associação de assassinos e malfeitores! Resta que, se fosse alguém com nome, logo o Chefe de Estado e Primeiro-Ministro viriam, chorosos, apresentar condolências. Como é um pobre ucraniano que não dá votos, ninguém conhece, um trapo sujo posto no caixote do lixo do SEF. Que sacanagem! Não tenho nenhuma confiança em vós, desprezo as vossas políticas, não acredito que sejam competentes para os cargos que ocupam. Que nojo, senhores! 

         - Dia neutro. Frio e humidade. Fui buscar não sei a que lugar de mim, a serenidade que a escrita exige. Narrei a cena na esquadra de Anadyr, onde a revolução introduzida por Mikhail Gorbatchev ali não chegou como de resto a toda a região de Chukotka. 


quarta-feira, dezembro 09, 2020

Quarta, 9.

Na ordem do dia está mais uma vez a nossa querida bandeira de soberania – a TAP. Esta como muitas outras companhias e instituições, vale não pelo seu preço, mas pelo desvario entre direita e esquerda. O ministro que a comanda, do alto da sua arrogância e prepotência, não olha ao país e muito menos aos trabalhadores, fulminado pela ideia que a empresa deve sobreviver por sobre tudo e todos. Diz ele que a TAP é o porte estandarte da soberania nacional. Para isso, que se lixem os milhares de despedimentos, os milhões que vão ser investidos, as lamúrias da direita – ele dá o peito pela sua causa. Ora, eu tenho para mim, que a soberania de um país é o seu povo, a sua instrução, a sua saúde, a organização séria e equilibrada da vida, a erradicação da pobreza, a dignidade dos velhos, políticos honrados e competentes, planeamento industrial e comercial, o país traçado a escopo e martelo com etapas que nos projectem e nos assegurem o futuro. A pobre criatura, com aquele seu ar de alucinada, tem na sub-cútis o desejo obsessivo de vir a ser alguém. Ambiciona para já o lugar de Costa, depois se verá. Pois que deixem estar António Costa com todas as suas magias e preservem-nos das figuras cinzentas travestidas de grandeza. 

          - Estive a dar uma olhada ao resto dos afilhados de Saramago. Nenhum me seduziu, uma pobreza franciscana desprende-se das suas palavras e gestos. Ao mais novo, Afonso Reis Tavares, aconselharia a leitura do livro de Gabriel Garcia Marques, Vivir para Contarla; aos outros que arranjem bagagem, vivam a vida e quando tiverem doses suficientes de dor e espanto, transportem-nas para a página em branco. 

         - Uma vez mais a história de racismo. Desta vez no futebol com o seu coro de fanáticos a impor-se sem perceber o que é o racismo, para a maioria daqueles grunhos soa mais a oportunismo. A moda, segundo percebo, é esta: se estás num país de brancos, não te surpreendas se vês um negro, ele por simbiose passa a branco e, portanto, não tens que o distinguir no teu discurso oral dos demais. Vê tudo negro ou branco, mas não digas que uns são negros e outros brancos. Quando muito, se fores imaginativo, inventa uma terceira pigmentação que te permita observares todos idênticos. De contrário, conforma-te: não passas de um rotundo racista. 

         - Borrifos de chuva que o vento espalha. Dia calmo, sem fermentação interior habitual. 22 linhas no romance. No salão ao crepúsculo, o computador sobre os joelhos, a lenha a crepitar na lareira. São 18 horas e 12 minutos. A tarde extingue-se devagar. 


terça-feira, dezembro 08, 2020

Terça, 8.

Que eu saiba a OMS ou qualquer outro organismo europeu do género, não deu aprovação a nenhuma das vacinas com que os políticos querem vacinar à força as populações. O Governo de Costa, junto com o acólito Presidente e a DGS, sempre montados nos pareceres da Organização Mundial da Saúde, viram-se agora contra ela e vão iniciar um acto sem ter em conta a palavra avisada de quem sabe e está acima da economia e do lucro em bolsa. Isto mostra como nos andam a manipular. E de que lado está o Mágico e aquele que acaba de anunciar a recandidatura a Belém dentro de uma pastelaria. Eu não confio nesta gente. Está tudo louco. A desconfiança é geral. Um russo dizia à televisão, em Moscovo, que só se vacinava quando visse Putin a fazê-lo – este cidadão é dos poucos esclarecidos. O João dizia-me ontem que também só o fará quando vir Xi Xinping ping ping a vacinar-se. 


segunda-feira, dezembro 07, 2020

Segunda, 7.

Fui à Brasileira ver o António ressuscitado, sendo suposto estar morto e enterrado, dado que na véspera de ser operado, despediu-se com um triste “amanhã já cá não estarei”. Encontrei-o um pêro maduro e rosado e só tenho pena da mulher que padece com o marido tresloucado que lhe coube aturar. Juntou-se a nós o Castilho, Teresa e Corregedor. Ficámos no interior onde a maior parte do tempo não entrou um cliente. China oblige. Percurso de ida e volta no Fertagus quase vazio. No metro, na carruagem onde ia, apenas um pretinho a 10 metros de distância, fulminando-me com dois olhinhos brilhantes e risonhos, a sobressaírem do rosto onde tudo era negro até a máscara, na forma de um par de repolhudos sim-sim-estivesse-eu-pr´ali-voltado. Eram 10 da manhã. 

         - Falou-se de vacinas, fala-se por todo o lado. Sobretudo quando o que dizem os políticos e certos cientistas que para além de não me convencerem, deixam-se levar na conversa dos laboratórios que estão embalados na mina de ouro largada de Wann. Há tantas vacinas como há queijos. O freguês, neste caso, não pode escolher o paladar porque vêm já com o selo de obrigatório e a sentença: “ou comes o que te dão, ou morres à fome”. Basta ver um tal Durão Barroso, anafado líder da Goldam Sachs, corrupto até à quinta casa, que por sua causa morreram milhares de iraquianos e de outras nações, parece que formado em direito, a dirigir o empório mundial das vacinas. Que faz um homem destes à frente de um produto médico? Que percebe ele da gestação dos vírus? Que faz o Direito no meio daquele bichedo todo, ele que pouco usou o curso levando a vida a endrominar meio mundo? E todavia, tanto quanto sei, a CGVI, como dizia Marcelo outro dia, é uma organização internacional financiada por doadores públicos e privados que fomenta as vacinas e a imunização das crianças no mundo, portanto, sem fins lucrativos, penso eu. A ver vamos no que vai dar a pressa. Felizmente, que até ao momento, pelo menos nos países democráticos, ela, a vacina, não é obrigatória.  A sensação que tenho, é que tudo isto está muito mal contado, porque as devidas explicações não são fornecidas nem ao pequenote que faz a homília de domingo na SIC. Bref.


domingo, dezembro 06, 2020

Domingo, 6.

“Será que estamos mesmo condenados a ter os mais ilustres corruptos e bandidos da Europa, em cujo elenco se incluem primeiro-ministro, ministros, secretários de Estado, deputados, presidentes de câmara e vereadores, directores-gerais, secretário-geral de ministério, presidente de instituto, chefe de policia, magistrado de primeira instância e da Relação, alguns dos mais importantes banqueiros, gestores e administradores de algumas das mais importantes empresas privadas e públicas, oficiais das Forças Armadas e dirigentes de polícia militar?” pergunta António Barreto no Público. Eu respondo: estamos. A classe política saída do 25 de Abril, salvo raras excepções da primeira leva de parlamentares e ministros, tudo o resto entrou na política por interesses pessoais, malabarismos de esquerda e direita, corrupção conjugada e protegida, aproveitamento de cargo, ignorância das bases ideológicas dos primeiros obreiros, marimbando-se para a coisa pública, preocupados em “quanto toca”. E o que “toca” é muito e vitalício: reformas e cartões de saúde, transporte privado e casa, entre outras mordomias. É, portanto, uma vida tentadora sob muitos aspectos – a mais próxima da classe aristocrática do séc. XVIII. 

         - Tempo frio e chuvoso. Tenho tudo aceso até o calorífero a gás no escritório contíguo ao salão onde escrevo diante da janela que dá para o vasto espaço que termina no horizonte cinzento. Silêncio profundo e tenebroso provocado pelo confinamento como ensaio para uma qualquer espécie de ditadura. Vou amarrar-me ao romance para que dia termine com algum valimento. São 16 horas e 8 minutos. 


sábado, dezembro 05, 2020

Sábado, 5.

Ouvi o primeiro-ministro Marcelo Rebelo de Sousa antecipando-se ao chefe do Governo, na apresentação das medidas de confinamento para as próximas semanas. É mais do mesmo. Mas quem vê o que se passa nos centros comerciais, tende a dar razão aos homens da restauração, aos artistas, lojistas e portugueses obrigados a ficar em casa muitos deles a pão e água. Não se percebe este trabalho com tanta falta de lógica, que parece preferenciar as grandes superfícies em desfavor do leque imenso de pequenas unidades profissionais. 

         - Eu, aos meus leitores, uma dezena ou um milhar, aconselho a que não liguem nenhuma ao plano de vacinação propagandeado pelo Governo; esperem para ver é tudo o que lhes peço. 

         - J.M.T. ocupa-se na sua crónica de hoje de Ljubomir Stanisic. Chega a elogiá-lo dizendo que ele é vítima de investida contra a sua reputação por se ter atrevido a criticar o Governo. Vem a propósito recordar a natureza do sujeito,  a sua “reputação” fala por si e não necessita da protecção do articulista. Apanhado ao telefone prometendo a um polícia garrafas de vinho se ele abrisse caminho na ponte Salazar, perdão, 25 de Abril porque sua excelência, em tempos de confinamento, necessita de alcançar rápido os seus vastos domínios do Alentejo; a sua “reputação” faz-se tentando envenenar o banqueiro Ricardo Espírito Santo; a sua “reputação” está arquivada em páginas de impropérios aos portugueses, de Norte a Sul, na SIC que lhe deu apoio, em emissões que cortava aos bocados os pobres chefes e cozinheiros nacionais inferiores a ele, chefe supremo, vindo dos confins não sei de onde para os reduzir a  porcos, merdas, porrada e humilhação. Fez muito bem António Costa em não o receber. A SIC desceu muitos pontos ao tê-lo recebido no telejornal, um homem grosseiro, ordinário, convencido que os portugueses são uma cambada de pobres coitados com pretensão a ser alguém num domínio onde ele está persuadido ser o maior. João Miguel Tavares perdeu uma oportunidade de ser imparcial e convencer os seus leitores de que é jornalista. 

         - Momentos indescritíveis diante da ARTE a assistir ao concerto da orquestra de Leipzig, Sinfonia 4 de Peter Tchakovsky, dirigida por Andris Nelsons. 

         - Neva intensamente em Castro Daire, Serra da Estrela, Guarda. O frio chegou em força. Tenho três lareiras acesas. A casa assim aquecida, recorda-me os dias de inverno quando aqui vinha passar os fins-de-semana e a encontrava uma câmara frigorífica. Só ao fim de uma hora, a lareira a fundo, ousava despir os agasalhos. 


sexta-feira, dezembro 04, 2020

 Sexta, 4.

Quis espreitar outros mais, não só por curiosidade como por dever de ofício. E assim entrei no vídeo de Valter Hugo Mãe. A figura não sei porquê não me era simpática, nunca li nenhum dos seus livros, não conheço nenhuma referência sobre o autor e o seu trabalho. Mas vou informar-me, porque o que vi e ouvi, acercou-me de um escritor na verdadeira essência do termo. Os excertos dos seus livros que a voz em off nos dá, a escolha do próprio de viva voz, traduzem alguém que pensa e ao pensar dá-se inteiro à revelação mais imediata como ao murmúrio que lêveda os sentimentos e os transforma na matéria fluída da criação. Dos três vídeos da autoria de Carlos Vaz Marques que vi, este é talvez o melhor conseguido. Ainda por cima, tudo na personagem tem um ar civilizado, simpático, abordável pelo lado humano que sem ele nenhum escritor pode pretender ser o artista que os nossos antepassados, homens da cultura e do espírito, nos legaram. Até o ambiente em que vive e trabalha me agradou; sem aquela base que subentende o que a aparência esconde. Conclusão: Helder, nunca dês demasiada importância à aparência; muitas vezes ela é o invólucro que cobre o que a fachada não conta à retaguarda.  

         - A desorganização mental provocada pela pandemia, está a arrastar-nos para um pântano psicológico medonho. Envelhecemos dez anos num ano. Embora as esperanças dos governantes sejam no sentido que tudo voltará ao que era, tal não se me afigura credível. Há esse desejo não só dos políticos, mas principalmente da economia. Todavia, qualquer coisa mudou, tocou-se o fundo nos relacionamentos, descobriram-se as misérias e os podres de países e pessoas, percebeu-se que a vida moderna não se plasma nas palavras daqueles que falam a toda a hora, noite e dia, vomitando loas que não encontram no enquadramento actual e no que vai suceder-lhe correspondência. A vida parou, estagnou, está reduzida ao que resta das economias daqueles que as têm e a faz estrebuchar ainda até ao derradeiro suspiro. A partir daqui, qualquer cidadão atento, inteligente, interveniente, percebe que o antes da Covid-19 não se projecta para depois dela. São dois mundos que não se cruzam, para o bem e para o mal. Decerto mesmo ao nível da ciência; as futuras vacinas empreenderão outro caminho, os povos ficarão mais expostos à pressa e ao lucro, o ser humano culmina num qualquer objecto que gasto pelo uso, é deitado ao caixote do lixo. Talvez até não acha mais anciãos, ficaremos na terra enquanto formos úteis e não dermos trabalho e despesa. Os próprios regimes democráticos talvez não desaparecerão, mas confinam-se a novos valores universais onde o homem é qualquer coisa e não o centro da civilização e do humanismo. Deus será de novo cruxificado, e sobre a terra não haverá mais lugar à parusia de Jesus. Ficamos sob o ceptro de tiranos, de grandes máquinas de propaganda que intoxicarão a humanidade debaixo de um mesmo princípio ideológico, com variantes criadas pelo senhor poderoso que produz a seu bel prazer as regras e o sentido da nossa existência. Muito disto vê-se a céu descarnado no quotidiano corona; multidões ignorantes, temerosas, sem motivação para viver, arrastam-se aos trambolhões impondo a brutalidade da falta de cultura, da pobreza de espírito, da pobreza tout court; enquanto os políticos ensaiam uma sociedade à mercê de imputos diários, de ordens carregadas de poder e arrogância, que denotam antes demais as suas fragilidades, a desigualdade de comportamentos e orientações gerais. A Covid-19 denunciou o seu lado errado de governar, a sua falsa ideologia, o devorador e obsessivo proveito do poder. 

         - Tédio absoluto. Marasmo. Frio e chuva a prender-nos às proibições de toda a ordem. Para onde se ausentou a vida? Eu gosto da solidão, mas não desta que me é imposta. 




quinta-feira, dezembro 03, 2020

Quinta, 3.

A história conta-se assim. A Polícia foi alertada para uma festa que decorrida ao arrepio das regras em tempo de pandemia num bar gay no centro de Bruxelas. Aí chegada, deu com uma autêntica orgia que acontecia na sua quase totalidade entre homens. Na busca foram encontradas drogas, nomeadamente, pastilhas de ecstasy, e os 25 reinadios nus. Quando passou à identificação dos barbudos, verificou que na sua grande maioria eram diplomadas e eurodeputados acreditados na Bélgica. Entre eles, estava Jozsef Szajer, eurodeputado e fundador do Fidesz, o partido de Viktor Orbán. Aquele senhor, fez constar na Constituição de 2011 que permite a Orbán fazer o que quer, “a Hungria protegerá a instituição do casamento como união de um homem e de uma mulher”, isto é, os direitos de igualdade reivindicados pelas pessoas LGBT não serão admitidos. Esta cena, faz-me lembrar o regime Nazi que combatia os homossexuais, mas os generais e graduados das Forças Armadas aproveitavam à tripa forra os corpos sólidos dos soldados. Esta é também a imagem de um tempo, em que os países são governados por uma canalhada foleira, que não só aproveita as benesses e corrupção de toda a ordem, como satisfaz impunemente os seus instintos sexuais que condenam por lei aos outros.     

         - A Piedade chegou de rastos – o seu bisneto fora levado pela mãe para a Holanda sem dar cavaco ao ex-companheiro. Fiquei sem fala. Que se diz a uma bisavó ou a um pai em situações como esta? Não sei. De modo que me limitei a aconselhar que nem ela nem o neto desistam de lutar pela tutela da criança. Ai, santa e sagrada família! Bem fazem os burlescos apresentadores da TV sempre de olho “na família”, enquanto engodo de incitamento à sociedade de consumo.  

         - Caíram as primeiras geadas. O sol chegou logo depois e, sob seu calor, li lá fora os irmãos Black espojados a meu lado. Levanta-se o frio, são horas de fechar as portadas e acender a lareira.  


quarta-feira, dezembro 02, 2020

Quarta, 2.

Macron, honra lhe seja feita, ordenou que a vacinação contra o corona, começasse pelos idosos. Entre nós os velhos que ocupam as câmaras mortuárias chamadas lar, esperam deitados pela morte – assim se vê duas filosofias bem diferentes, só que uma diz-se socialista. 

         - Os infectados com coronavírus estão a reduzir desde que sólidas medidas foram tomadas. Triste é que, entretanto, tantos tivessem morrido, milhares tivessem ou estão doentes, porque António Costa demorou, voluptuoso com a economia, a tomar as decisões que se impunham. Que os anciãos se lembrem disso quando chegarem à mesa de voto.  

         - O que irá acontecer aos chefes de cozinha e donos dos restaurantes que continuam em greve da fome, à espera que o Mágico saque da cartola a macumba que os leve de retorno aos seus lugares de trabalho? O líder por eles escolhido, um tal  Ljubomir Stanisic, básico e grosseiro, não abona nada em favor deles. Aconselhava-me um conhecido esta manhã na esplanada da Brasileira a não ter pena deles, porque todos fugiram anos a fio ao fisco. Talvez tenha razão. Mas olha se eles não o tivessem feito, o que seria das suas vidas nesta altura! Num país onde meio mundo se esconde do fisco, remeter para eles o ónus do crime, é uma injustiça.  

         - Marcelo falou, por uma vez, claro. Disse que a UE não faz mais que justiça ao ajudar Portugal nesta altura, atendendo ao seu contributo anual para os cofres de Bruxelas. Nunca tinha ouvido nenhum governante falar no assunto. Sempre acusam Portugal de gastar, mas nunca dizem que também damos e forte para o bolo económico-financeiro da União Europeia. 

         - Morreu aos 97 anos Eduardo Lourenço. Ainda há pouco tempo nos cumprimentámos na livraria do Corte Inglês. Parecia estar bem, embora muito cansado. Conheci-o em Paris quando das comemorações dos 50 anos de vida literária de Virgílio Ferreira. Foi este que nos apresentou a mim e à Annie que levei comigo à Embaixada de Portugal. Eduardo Lourenço não conhecia nenhum dos meus livros e foi Virgílio Ferreira que lhe citou dois títulos - o que nos surpreendeu à Annie e a mim. Gostava muito de ambos e, cada um com a sua paixão e cultura, ajudaram-me a ser quem sou. O autor de O Labirinto da Saudade era um homem religioso, numa abrangência que não dispensava a fórmula concepcional de princípio divino. Como Sophia. 

         - Na RPT1 tem passado uma série que os seus autores chamam Herdeiros de Saramago. Quem me alertou para isso, foi o João Corregedor. Eu vejo o mínimo das estações nacionais e quando observo é acidentalmente. Depois chegaram-me impressões e pareceres de vários outros amigos a quem fui perguntando o que acharam. Grosso modo, todos me disseram que não tinha interesse e o João foi ao ponto de tecer um péssimo parecer sobre a qualidade do som e imagem. Assim fiquei. Ontem, ao serão, não estando com disposição para ler, espreitei no computador a série. À parte Tordo e M. Tavares, nunca ouvira falar dos outros novos escritores e só as obras de ambos havia lido. Portanto, espreitei os dois que me interessavam, ignorando se os outros tinham interesse e qualidade que me atraísse. Falando verdade como é meu apanágio e tendo jurado a mim mesmo nunca mais bajular ninguém, ainda que em vivo e talvez morto nada do que escrevi ou publiquei venha a ser editado, a verdade é que compreendi que cada um dos escolhidos corresponde integral e verdadeiramente ao seu trabalho, os seus livros são aquilo que eles deixaram transparecer na emissão. Assim, uma boa parte do programa com Gonçalo M. Tavares aligeirei correndo o cursor de forma a livrar-me daquela cabeça formada de pedacinhos de calhaus de ouro e marfim de um valor incalculável; Já o filme sobre João Tordo, sendo todo ele passado a papel químico da sua natureza romanesca, achei-o interessante, frágil até, mas profundo no desajuste entre a realidade e a ficção, tomando por base um universo onde navega algo que eu identifico, mas não me cabe a mim revelar – e é nisso que reside o mistério de João Tordo...   


terça-feira, dezembro 01, 2020

1 de Dezembro (Oh!).

Foi ontem a enterrar Mohsen Fakhrizadeh (que não sei como se prenuncia). Era master em matéria do programa nuclear iraniano, perseguido por Israel e pelos EUA e ambos, desejosos por se verem livres dele antes de Trump abandonar o posto, trataram de o assassinar numa emboscada. Teve honras de chefe de Estado e categoria de “mártir”. O ayatollah Ali Khamenei promete vingança: “Vamos atacar como um relâmpago os assassinos desse mártir oprimido e faremos com que se arrependam das suas acções.”. Na minha pequena inteligência não entra a ideia que há armas nucleares benignas nos Estados Unidos, Israel, e passo e as mesmas armas destrutivas na Coreia do Norte, em França, etc.    

         - O Estado é useiro e vezeiro em vender empresas que dão lucro e ficar com as que dão prejuízo. Por que será? 

         - O Mágico e o seu ministro das Finanças, assim como o Presidente dos afectos, nenhum se digna ir falar aos empresários da hotelaria que continuam ao fim de cinco dias em greve da fome diante ao Parlamento. Eu vejo com apreensão a capacidade de estes senhores resvalarem para o autoritarismo e a arrogância. Basta ouvi-los falar, o tom e o ar já está lá. Desafio-os a deitar uma olhada ao Corte Inglês ou ao Alegro, em Setúbal, onde entrei esta manhã e fiquei apenas uns minutos assustado com o que vi. Em ambos os centros comerciais, havia milhares de pessoas a comprar com tal descontracção, nas tintas para “achatar a curva” tão querida de vossas excelências. 

         - Em sintonia com os dias difíceis que todos passamos, encolhi-me, desmotivado, afundado no sofá do salão. Fiz o estritamente indispensável como acartar lenha para a lareira, fazer alguma cozinha, dar de comer aos gatos. O resto das horas foram quase um ininterrupto fio de leituras o que não é bom para a tola nem membros inferiores. Ainda por cima o tempo sinistro acrescentou uma nota lúgubre ao já escuro cerco do espaço. O verde das árvores recortado no horizonte de chumbo, dava a este cenário um toque a finados. Isto foi ontem. Hoje o dia expandiu-se da luz original, o sol abriu a sua coroa dourada, as plantas, julgando que era já verão, piscaram os olhinhos ensonados e por toda a terra à tristeza sobreveio a alegria. 18 horas e 15 minutos, no salão onde arde um fogo radioso. 


segunda-feira, novembro 30, 2020

Segunda, 30.

Ouço uns e outros, donos de restaurantes em França e os nossos e constato a diferença. Enquanto os primeiros dizem que o Governo os ajuda no fecho dos estabelecimentos com 10 mil euros mês; os de cá falam em 20, 30 euros mês!  Por isso, eles estão há três dias em greve de fome diante da Assembleia Nacional. Somos pobres diz o ministro, mas ricos para sustentar bancos, companhias de aviação, associações de tudo e mais alguma coisa, as PPP e todos os oportunistas que se espalham pelo tecido empresarial dependente de subsídios e esmolas do Estado. 

         - Respigo da entrevista do neurocientista António Damásio ao Público de ontem: “Era a religião que nos dava a direcção daquilo que é ser bom e decente como ser humano em relação aos outros e ao mundo. A ciência não é, de forma alguma, oposta à religião, é uma nova forma de caminhar no sentido daquilo que as melhores religiões puderam trazer ao ser humano.” Estas palavras endereço-as aos novos médicos e enfermeiros que, segundo a filha do João que acaba de regressar a casa depois de quase um mês ligada à máquina no Santa Maria, referem a vida humana como qualquer coisa que está abaixo do seu dia-a-dia de funcionários que trabalham na saúde – a ontologia e a humanização da medicina não lhes diz respeito. 


domingo, novembro 29, 2020

Domingo, 29.

O mercado financeiro está sempre a magicar o modo de nos fintar. Esta é recente. Tendo ido à cgd verifiquei que as máquinas tinham sido mudadas assemelhando-se às típicas distribuidoras de dinheiro. Surpreendido, fui obter esclarecimentos. A funcionária elucidou-me que agora podemos depositar dinheiro vivo nestas modernas, mas com um pormenor: o montante não estará disponível de imediato. Pus-me logo a magicar: então se aquilo é a mesma operação de quando escrevo no computador e ponho online o texto, os meus leitores têm acesso de imediato à sua leitura. Depois matutei: imaginem quantos milhares a SIBS não ganha em suster por horas aquilo que não lhe pertence. E se aplicar os montantes nem que seja por um dia num qualquer paraíso fiscal, quanto não lucrará! O Banco de Portugal decerto ainda não deu por isso...

         - A actual TAP, dirigida pelo ministro que bate todos os records de arrogância e prepotência, socialista bem entendido, está a fazer aquilo que condenou e impediu inicialmente aos privados donos da companhia. Vejamos as perspectivas já anunciadas e algumas praticadas: despedimento de 500 comandantes e co-pilotos, redução de salário em 25 por cento, 3000 postos de trabalho em causa, 750 indivíduos do pessoal de terra despedidos. Esta excelente obra não impede que nós os contribuintes que pagamos para o delírio e importância do ministro, ganhemos alguma coisa com o negócio - pelo contrário, continuamos a pagar impostos com língua de fora. 

          - Gás lacrimogénio contra manifestantes, em Paris, que incendiaram carros e equipamentos públicos em confronto directo com a Polícia. A raiz destes tremendos tumultos, está na “lei de segurança global” que proíbe, privados e jornalistas, de filmar as acções da Polícia nas ruas. Acontece que de véspera, foi divulgado um vídeo de uma barbárie inaceitável, na pessoa de um produtor musical. Na sequência, a Praça da Bastilha encheu-se de um mar de gente irada. A obra do ministro do Interior, um tipo com várias acusações de abuso de mulheres, vai ter que ser posta de lado. 

         - Frases que marcam o dia:

          A graça do João quando me telefonou para casa: “Julguei que estavas no Congresso do PCP.” 

          “Cristo acontece no nosso acontecer quotidiano.” Frei Bento Domingues, Público.

          “Morre-se de uma forma muito dura hoje em qualquer sítio em que se esteja com a covid-19 nas mãos.” Filipe Almeida, presidente da Comissão de Ética do Hospital de S. João numa extraordinária entrevista ao Público. Li-a de emoção e aconselho a sua leitura aos meus leitores.  

          “A espinha espetada na garganta do grande capital” – linguagem de João Oliveira, em pleno séc. XXI, no Congresso do PCP. Ou esta do mesmo senhor, no mesmo congresso, no mesmo século: “Ficará para a história a reposição de direitos que se julgavam perdidos e conquista de outros que não se esperavam conquistar.”

         - Choveu todo o dia. Ontem, antes de me deitar, pus um taralhouco na lareira que durou toda a noite e parte da manhã. O quarto cujo calor subiu pela chaminé saindo pela grelha, manteve-se aconchegante. Li Green (pág. 340), S, Paulo. Francis telefonou-me demorando-se a contar as aventuras homo entre Winston Churchill e o compositor Benjamim Britem que eu conhecia. Oscar Wilde sofreu por causa do pusilânime político que nunca saiu abertamente do armário. 


sábado, novembro 28, 2020

Sábado, 28.

O Público deixou de fornecer informação e passou a oferecer opinião. É a nova directiva dos meios de comunicação social por uma razão simples: os jornalistas querem impor a sua opinião em desprimor da notícia tout court. Portanto, a salgalhada e a peixeirada entre articulistas baralha o leitor que apenas quer saber o que na realidade se passa no mundo, dispensando a opinião que a ele pertence. Exemplo: o confronto ideológico entre o capelão da esquerda, Rui Tavares e o porta-bandeira dos liberais, João Miguel Tavares.  

         - António Costa, sentindo o poder a desvanecer-se, saiu-se com esta: “Não é admissível desistir de proteger a vida em função da idade. As vidas não têm prazo de validade.” Logo o arcebispo respondeu do púlpito da capela de Belém: a ideia de não vacinar os velhos com mais de 75 anos “é tonta”. Mas a última opinião vem do director adjunto no editorial do Público, portanto alguém com responsabilidades: “A decisão de administrar em segurança ou não (sublinho “ou não”) uma vacina a pessoas com mais de 75 anos, não deve ser tomada em São Bento ou em Belém.” No artigo pateta o editorialista remete para a equipa de cientistas a decisão de matar ou deixar viver os anciãos. E os leitores do jornal, que pensarão eles de tanta balbúrdia? A nível ideológico, o diário parece uma capoeira onde todos cantam de poleiro. 

         - Por esta altura chegava a casa vindo de Paris. Tal não aconteceu este ano e devido às saudades que sinto dos lugares que me são queridos, viajo pela internet visitando catedrais, avenidas, bairros históricos, museus... Só este ano tenho consciência do privilégio que a amizade com a Annie me permitiu, uma vez que longe da cidade e dos amigos vivo o bulício dos dias atravessando virtualmente os sítios do meu encantamento. 

         - Dia sinistro que perdoa em grande parte o confinamento e até o reforça. A Teresa Magalhães com que estive ao telefone, disse-me que o Chiado visto das suas janelas é um sepulcro, com a Brasileira fechada e as moscas molhadas a passear por todo o lado. Escrevo estas linhas em frente o lume no salão, o computador sobre os joelhos, o ruído da chuva por companhia. 


sexta-feira, novembro 27, 2020

Sexta, 27.

Um diário este e qualquer outro que verdadeiramente o seja, regista o impulso, a indignação, a revolta com o fígado, o coração, a mente, a força da escrita, correndo o seu autor o risco de se enganar, por vezes maltratar, cometer enganos e passageiras verdades. Esse é o mais sério documento que empresta à realidade quotidiana o cunho que assinala o acontecimento, incorporando as personagens que lhe deram corpo, numa determinada época. 

         Assim, nestes tempos de pandemia, com o sofrimento a espalhar-se, muitas vidas à mercê de um sopro, milhares abandonados à sua sorte, um país baralhado, com uma governação desorientada, não é de política que precisamos, mas sim de um Governo sólido, coeso, competente, seguro. E o que temos? Um conjunto de gente atarantada, mentindo e desmentindo-se muitas vezes num só dia, cada um ocupado em parecer o boneco do ecrã de televisão, que entretém e não faz mal, como aqueles bacocos dos apresentadores que enchem as vidas vazias de milhares de espectadores com a aridez das suas próprias existências. Vem isto a tona do que escrevi ontem sobre as vacinas. Logo hoje, um coro de revolta varreu Portugal de norte a sul, de este a oeste. Felizmente que ainda há uma parte dos meus concidadãos com eles no sítio. De contrário aquela comissão de peritos (notem, PERITOS) nomeada pela DGS (registem Direcção Geral de Saúde) para coordenar a vacinação, preconiza a não protecção de pessoas com mais de 75 anos, elas que têm sofrido e foram humilhadas na merdelhice de lares onde passam o pior e mais degradante final das suas vidas. Invocam os sábios de aviário, que ainda “não há evidência suficiente sobre a eficácia da vacina neste grupo etário”. Então o melhor é continuar a deixá-los morrer, a descartá-los das obrigações que o Estado deve ter para com todos, sem discriminar ninguém. Esta comissão é um punhado de criminosos que de certeza não matará o prof. Marcelo, sua excelência o senhor professor, doutor presidente Cavaco Silva, nem outros quejandos que passaram largamente a idade que eles estabeleceram para acabar com eles. Se houvesse mais respeito e dignidade pelos cidadãos, este Governo faria como na Alemanha, França, até Espanha países civilizados que tem em conta o conjunto da nação e não a prepotência do poder socialista ou outro. E ainda a procissão vai no adro... E lembra-me eu que o Parlamento habilitar o país da lei da eutanásia! Não é preciso, não se macem, senhores! Ordenem a matança em final de utilidade do produto e antes de carregar a despesa pública. 

         - Está a decorrer, contra todas as indicações sanitárias, o Congresso do PCP. Os partidos estão antes das pessoas, dos cidadãos. No caso do PCP não sei se já notaram no país que é o seu – o dos “trabalhadores e o povo”. 

         - Ontem fui ao dentista. Passei, portanto, o dia em Lisboa. Almocei no Corte Inglês estando perto do consultório. É lugar onde não espero pôr os pés tão cedo. As multidões que por lá andam a “achatar a curva” não se recomendam. Tempo cinzento. Piedade despejou as mágoas e pareceu-me melhor quando a acompanhei ao portão. Tenho a lareira do salão acesa. O retiro forçado começa esta madrugada e só é levantado 2 de Dezembro. Rezemos ao Senhor pelos nossos empenhados governantes na causa pública. Fartam-se de trabalhar sem tempo para pensar neles e nos seus interesses familiares e partidários, os pobres, os pobrezitos! 


quarta-feira, novembro 25, 2020

Quarta, 25.

Todos os países da Europa têm já montados esquemas de vacinação contra o SARS-COV-2. A França, apesar do seu presidente, está a trabalhar, inclusive, para acudir àqueles que foram atingidos pela Covid-19 e vão precisar de cuidados especiais para recuperar das sequelas do vírus. Nós, como somos um grande país, governado por cérebros iluminados pela Providência, com milhões de seres arrumados num vasto espaço territorial, estamos ainda a montar uma organização que os nossos governantes afiançam vir a ser a melhor do mundo como, de resto, tem acontecido com a vacina da gripe. Há até um punhado de patrióticos portugueses que pensam inscrever o plano do governo no Guiness. 

         - “Não acredito nas improvisações dos nossos cabotinos filósofos e literários. Poetas e professores são todos uma cambada de comediantes. Não se pode dizer que o público seja comido por parvo, pois é ele que os incentiva com o seu aplauso, e quanto aos nossos oradores políticos, as suas almas são tão pouco dotadas de enlevo e de poesia que os respectivos discursos não passam de declamações mais ou menos articuladas.” George Sand, Diário Íntimo, pág. 133, ed. Antígona. 

         - Não pus a cabeça fora de porta. Dia de chuva, sorumbático. Trabalhei no meu livro com pausa demorada a certa altura para encontrar a palavra exacta; fecho e abro dicionários por uma boa meia hora. Tempo imóvel. Sentimento profundo que Terra e Céu se juntam enfim como batalhou S. Paulo, justamente, para mim um mistério (ou ignorância). Como pôde ele saber tanto sobre o NT quando este só começou a ser impresso 50 anos mais ou menos após a morte de Jesus Cristo. Um dos irmãos do Nazareno, Tiago,  divulgou a palavra do Senhor com ele, Saulo de Tarso, e nem sempre em boa sintonia. Desacordos vários levaram-nos a afastar-se. Tenho a lareira acesa na cozinha. Vou tomar um duche. 


terça-feira, novembro 24, 2020

Terça, 24.

Portugal governado por ignorantes e gente pouco escrupulosa dá nisto: até aqui o melhor serviço que poderíamos prestar ao controlo dos gazes de estufa, era mudarmos para veículos híbridos ou eléctricos. Pois bem. Dizem-nos agora que nada disso devemos fazer, porque estes veículos (os híbridos) poluem mais que os que nos têm servido até agora. Entretanto, os gananciosos lamberam-se de gozo. 

         - Eu nem sempre aprecio o colonista João Miguel Tavares. Mas há uma coisa que considero nele: o seu inconformismo, a diferença de pensamento, o cortar a eito. O oposto do capelão da esquerda, Rui Tavares. Acerca do Chega, J.M.T. diz hoje no Público aquilo que eu diversas vezes escrevo aqui. Respigo o último parágrafo: “Lamento muito: desde que o Chega cumpra as regras do jogo democrático, não há fascismo nem `anticolaboracionismo´ que nos valha. Temos de levar com ele e lidar com o seu peso eleitoral. Até porque, ao contrário do que diz Rui Tavares, não foi o Chega que ´trouxe consequências funestas para a democracia portuguesa´. Foi o estado funesto da democracia portuguesa que teve o Chega como triste consequência.” Interessante e oportuna a farpa que J.M.T. enfia no cogote de Rui Tavares, quando este num artigo fazia a diferença entre direita “colaboracionista” e “anticolaboracionista”. Resposta de João Miguel Tavares no mesmo artigo: “À primeira das direitas Rui Tavares aconselha a formar um novo partido e a fragmentar ainda mais o espectro partidário (uma excelente ideia, como o próprio já comprovou). (Referia-se ao partido Livre que desapareceu.) Toma e embrulha. Porque este senhor capelão da esquerda, é versado em saber democrático, provavelmente professor, mas uma coisa é a teoria, outra bem concreta é a prática. Rui Tavares é o protótipo de uma certa esquerda caviar e champanhe, olha para o que eu digo e não para o que eu faço. É resquício do antigamente, quando ser do MDP/CDE e PCP era chique. 

         - Atenção: eu também militei no MDP/CDE até porque tinha por colegas de trabalho Tengarrinha, Urbano, Costa, Alexandre Cabral e tantos outros. A questão não é essa; do que não gosto é vê-los hoje a defender aquilo que condenaram antes, abrigando-se debaixo do chapéu do partido. Muitos dos dramas sociais e humanos 50 anos depois do 25 de Abril persistem, mas como estamos em democracia são tolerados e até ignorados. Criou-se uma classe política, na sua grande maioria bebendo na oposição de então, que pretende anular os princípios que vieram do regime anterior e que este não conseguiu solucionar, como se ao abrigo da democracia pudesse haver pobres, explorados, corruptos, ladrões e toda essa arraia miúda que vegeta como então nos meios de comunicação e decisão. 

         - O desplante e a embriaguez de certos “editores”, não tem limites. Pois aquele que me havia contactado para entrar numa coletânea, insiste com novo mail que, como o anterior, não terá resposta. Não resisto, contudo, a transcrever o derradeiro parágrafo, para se ver até que ponto vai o delírio e a imbecilidade deste “editor”: “Aos autores não será exigida nem oferecida contra partida para a participação na obra, não serão igualmente ofertados exemplares da mesma.” Pergunta-se quem poderá aceitar trabalhar nestas condições? Eu respondo: aquelas e aqueles que têm a escrita como factor de vaidade, importância e um ego demasiado elevado. É para esses e com esses que a empresa ganha milhares, engando os incautos e ambiciosos “escritores”. 

         - Em carta para Murry datada de 15 de Maio de 1915, Mansfield perguntava “Quem será o responsável de sermos uns isolados, de não sabermos viver realmente e de termos a mania de que tudo quanto não seja ler nem escrever é mera perda de tempo?”

         - Fui dar um passeio pela Luísa Todi esta manhã com entrada no Livramento. Pelo que vi – homens a escarrar para o chão, gente sem máscara, ajuntamentos – não admira que a cidade esteja entre as mais atingidas pelo coronavírus. Depois comprei o Público e sentei-me numa esplanada afrancesada a lê-lo. Manhã serena, sol fraco, nuvens ao longe. De volta a casa, leituras e três horas de escrita intervaladas por três carros dos ramos das oliveiras para queimar. O romance está numa fase que me inquieta - a escrita parece galopar sobre a folha do computador. Comprei o último romance de Francisco José Viegas, A Luz de Pequim. É um escritor de que gosto sobremaneira. Devemo-nos ter cruzado no Diário de Lisboa. 203 páginas tem este blogue. Não tarda, chove.