quarta-feira, janeiro 31, 2024

Quarta, 31.

Eu já não os aturo. Assim que aparece qualquer politiqueiro a prometer o que não fez quando esteve no Governo ou outro que promete tudo e mais o que não tem como é o caso dos que para lá querem ir e nada oferecem de útil à nação e aos portugueses, eu desligo aquele mundo fantasioso, aberto a toda a sorte de criminosos e ladrões, espécie de feira da ladra franqueada em permanência à estupefacção dos incautos. 

         - Tomemos um exemplo. A viúva do BE há dias manifestava-se contra “o triste espectáculo da direita” referindo-se ao que se passa na Madeira; nada diz porém do que se passa (e passou) com a esquerda no Continente, como se a operação Influencer  não existisse, os 75.800 euros encontrados pelo MP no gabinete do amigalhaço ao lado do primeiro-ministro Costa, a rebaldaria Galamba, José Sócrates e seus generosos empresários, etc. etc.. Esta tem PFAS a mais no sangue, a pobre. 

         - Dia esplendoroso como gostaria de ter até ao fim da minha vida. Não saí daqui ocupado com o romance de manhã e à tarde duas horas de Cícero ao sol, depois a cavar a terra para plantar uma Feijoa que trouxe do jardim da Alice. Escolho o local e quando comecei a escavar, apareceu-me submersa na terra e na erva de metro, uma larga laje antiga que não me recordo  haver visto quando aqui cheguei pela primeira vez. Trata-se de um tijolo talvez do início dos inícios, quando o primeiro proprietário construiu alguma espécie de casa agrícola. Tentei remover a erva e a dada altura a transpirar, arrasado, pus de lado a tarefa e fui escolher outro local. Virado para o portão da entrada sem, contudo, deixar de ver até onde vai o achado que hoje descobri. Tenho trabalho para mais uns dias. 

         - Que dizer do dia de ontem! Cheguei a Caldas da Rainha pelas onze da manhã e tinha a minha amiga à espera para um passeio pelo mercado principal que visito sempre com a mesma admiração e prazer. Temos uma rotina que começa num dos cafés da praça e só depois avançamos para percorrer cada uma das tendas de cima abaixo, de lado a lado. Eu vibro, ela talvez não vivendo ali com hábitos enraizados de família desde que deixou a Assembleia da República. De seguida fomos para sua casa. Um almoço suculento de galinha do campo que só pecou por ser muito rija, nada que eu não soubesse devido aos coelhos que o Ramsés me trazia e eu confeccionava. Após o café acompanhado de um bolo caseiro de urtigas, fizemos um longo passeio pelo jardim de quatro hectares. Tudo regado generosamente com muita conversa e simpatia. Saí daquele magnífico espaço com dois sacos de exemplares de flores e pés de árvores com a terra que os alimenta e carreguei como o preto da Casa Africana de antigamente até aqui. Cheguei já a noite tinha avançado e o noticiário da SIC terminado. Caldas da Rainha é uma cidade à escala humana e fica a menos de uma hora de viagem. 


domingo, janeiro 28, 2024

Domingo, 28.

A banalidade da corrupção está instalada. É arrepiante ver a corrida ao poder quando os que lá estiveram roubaram o suficiente para terem uma reforma descansada e os novos no anseio de lhes roubarem a cadeira, nem questionam a gravidade das acções criminosas levadas a cabo por quem querem substituir. O PS e o PSD são os campeões da corrupção, do compadrio, do assalto ao poder. O Chega arvora-se em justiceiro, mas é só porque nunca esteve próximo do tacho, como diria Julien Green. 

          - Ontem mais uma grande manifestação em Lisboa e noutras partes do país contra a falta de habitação que em oito anos nunca preocupou António Costa e os socialistas. Ele que andou a vender e a comprar casa própria mostrando habilidade no conhecimento de mais-valias de uma para outra residência. Os polícias dormiram ao relento na escadaria do Parlamento e não desistem de ser comparados aos seus colegas do Ministério Público. Por todo o lado, não obstante o eclipse do primeiro-ministro, os seus estragos perseguem-no para todo o lado. O seu sucessor, apregoando o socialismo de esquerda, jura que nunca pertenceu àquele onde está filiado o seu camarada Costa. Parece uma conversa de loucos, de gente avariada da cabeça, com lata para tudo posto que esteja em causa o poder.  E toda esta miséria e desorganização num país de “contas certas” !!! 

         - Uma criança de dez anos foi sodomizada com o cabo de uma vassoura por um grupo de colegas da escola que frequenta, no Norte. Entre os pequenos criminosos, encontra-se um irmão da vítima. É arrepiante. Se esta é a juventude que o Portugal democrático está a criar, então está tudo putrefacto e nada de bom medrará desta qualidade humana. 

         - É absolutamente urgente ver a exposição O Tesouro dos Reis patente na Fundação  Gulbenkian. Muito do que ali se expõe, veio da curiosidade e da sensibilidade de Calouste Sarkis Gulbenkian que passou a infância pelos lugares histórico-religiosos da Terra Santa. São obras de arte religiosa de incrível valor artístico – ourivesaria, mobiliário, têxteis -, espécie de desafio aos reis entre si, que governaram as grandes nações do mundo, quando os papas exerciam não só o poder temporal como o religioso. Roma era o centro político, o papa tanto coroava reis, como os excomungava. As grandes questões político-internacionais, tinham de ter a bênção papal, um simples casamento real, uma adopção familiar, um acordo internacional. Tudo era político, o mesmo é dizer, religioso. Daí as oferendas à Basílica do Santo Sepulcro de peças impressionantes de magnificência, carregadas de ouro, prata, pedras preciosas que os franciscanos desde tempos imemoriais, guardiães do lugar onde se pensa ter sido enterrado Jesus Cristo,  recebiam. Há certas peças, relicários, por exemplo, onde faltam pedras preciosas. Eram os discípulos do Poverello que as extraíam para arranjarem comida porque a fome era muita. Portugal, naturalmente, também embarcou naquele delírio e numa das salas vêm-se casulas com as armas de Portugal e Espanha. O significado histórico e político é, talvez, o aliciante primeiro desta exposição, que retrata sobretudo o temporal que a Igreja aproveitou em desprimor do sagrado. A Igreja de Roma, ao longo dos séculos, tem muitas contas a prestar a Deus. Até hoje. 





        - Outro dia ao terminar a obra de Lídia Jorge de que me ocuparei mais tarde, instintivamente, beijei o livro. Nunca tal me havia acontecido.  


sábado, janeiro 27, 2024

Sábado, 27.

Três corajosas desembargadoras ditaram o acórdão que repõe José Sócrates, murcho, diante dos tribunais, acusado de pelo menos 22 crimes, são elas Madalena Caldeira, Raquel Lima e Micaela Rodrigues. Não foi só ele acusado, também entram os actores da Operação Marquês, ficando assim anulado o famigerado veredicto do juiz Ivo Rosa que arquivou 171 crimes da acusação inicial. À cena voltaram Ricardo Salgado, Carlos Santos Silva, Henrique Granadeiro, Armando Vara, o motorista do homem que foi a Paris aprender francês e a tocar piano. A ver vamos se é desta que o reformado da Ericeira, dez anos depois de se ter andado a pavonear-se por todo o país e estrangeiro, recolhe ao calaboiço para o resto dos seus dias. A Relação de Lisboa decidiu ainda que deveriam ser julgados: Bava (o gestor que a nossa imprensa dizia ser o mais brilhante de toda a Europa), Granadeiro, Barroca, Hélder Bataglia, a ex-mulher de Sócrates, Sofia Fava, e várias empresas do Grupo Lena, num total de 22 arguidos. Finalizo com este pormenor entre muitos outros: José Sócrates recebeu perto de seis milhões do grupo Lena como pagamento pela sua intervenção no processo da concessão do primeiro troço da Alta Velocidade, entre o Poceirão e Caia. Portanto, aviso eu, atenção ao novo contrato para o mesmo objectivo assinado há três semanas por António Costa ou melhor dizendo pelo governo socialista; e com mais este apontamento: "Justifica a falta de indícios, relativamente à existência dos ditos pagamentos, nas declarações do arguido José Sócrates e na interpretação que o mesmo fez dos documentos relativos às viagens à Venezuela (...). Confessamos que estas ilações do senhor juiz denotam uma certa 'candura/ingenuidade', pois é desde logo evidente que, tratando-se de actos ilícitos, os mesmos não vêm escritos em documentos" - dizem as perspicazes juízas desembargadoras.

         - O petit Gabriel, posto a primeiro-ministro, teve já a sua prova de fogo com os agricultores franceses nas ruas bloqueando auto-estradas e entradas nas grandes cidades. Do nunca visto movido da revolta contra a UE e os seus mandamentos no tocante a produtos agrícolas vindos dos países membros e concorrendo contra os produzidos no país. Le Pen esfrega as mãos de contente. A estratégia de Macron cai por terra ao formar um Governo em grande de parte por gente de direita. 


quinta-feira, janeiro 25, 2024

Quinta, 25.

Mais uma suspeita de corrupção. Desta vez é do outro lado, como se fosse normal a rotatividade: ora roubas tu, ora roubo eu. O honesto desta vez é um tal Miguel Albuquerque, de sotaque madeirense que, como todos os outros, se diz inocente. Isto de ser presidente de câmara às vezes toca mais que ser primeiro-ministro. 

         - O Fertagus, se vivêssemos num país com governantes ao nível do povo, era uma escola de importância sem igual para eles que não têm preparação política e só são obrigados a dar a barriga pelo partido. De contrário saberiam que os transportes públicos são uma escola que faz mover a indignação e projecta a revolta. Ao meu lado vinha um homem de uns cinquenta anos todo o percurso agarrado ao telemóvel, em luta com uma fulana do outro lado da linha. Ele repetia, e repetia, que não podia continuar com o contrato Vodafone porque vivia agora numa casa sem contrato de arrendamento, sem água, sem luz e por isso não via televisão. A dada altura diz que trabalha num hospital e à hora a que a funcionária lhe solicitava a presença, não lhe era impossível porque tinha de cumprir horários por turnos. Sempre muito bem educado, raramente alterando a voz, de súbito encerra o diálogo com um “não pagarei, a senhora faça o que quiser” e desliga o aparelho. Estava visivelmente fora de si. 

         - Terça e quarta não deixei este espaço. Todavia, ontem, tendo finalizado o trabalho iniciado de véspera, e concluído a limpeza da erva até ao portão, encontrava-me esgotado como raramente acontece. Quando digo esgotado era exausto, abatido, desmoralizado. Talvez tivesse sido tocado pelas páginas finais do livro de Lídia Jorge e a velhice da sua mãe se aproximasse da realidade que não desejo para mim, o que é certo é que me espapacei no sofá e de lá só saí para jantar. Hoje fui nadar. Amanhã vou a Lisboa. No fim-de-semana tenho aqui visitas. Terça-feira vou a Caldas da Rainha almoçar com a Alice. 


terça-feira, janeiro 23, 2024

Terça, 23.

O melhor de Portugal e sobretudo dos últimos cinco anos no que diz respeito ao respeito que deve àqueles que ficaram sob a alçada da justiça, está nesta notícia do Público de hoje que transcrevo: “Celas bolorentas e com ratos custaram a Portugal 823 mil euros nos últimos anos O estado em que Portugal mantém as cadeias custou-nos, nos últimos cinco anos e até agora, cerca de 823 mil euros, entre condenações e acordos amigáveis com os reclusos no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. São condições de alojamento que chegam a incluir o convívio com roedores, em celas bolorentas onde se defeca à frente do parceiro por não haver sequer cortinas que resguardem o mínimo de privacidade.” Esta realidade abafa toda a propaganda, a ideia de que somos um país de direitos humanos, profundamente cristão e cuidador dos mais desfavorecidos. Blá-blá-blá. Na campanha em curso, não se ouviu ainda nenhum partido falar de uma possível guerra à escala mundial, da condição das prisões, da pobreza que é real e atravessa transversalmente toda a sociedade. Um deputado para receber de reforma, em média, 1700 euros, sem precisar de atingir 66 anos de idade como acontece com o esgotado e mal pago trabalhador comum. É por isto que Portugal é um país de partidos, isto é, de submissos ao serviço dos líderes. 

         - A imprensa que temos também tem a sua cota-parte na situação. Porque não possui juízo crítico, porque se deixou enredar na bênção dos partidos, no dinheirinho que esconde a fome sobre a importância da palavra estudada, pesquisada, confrontada, livre e independente; no número de jornalistas que sai das faculdades como se fôssemos  um grande país, etc., etc.. Domingo reuniram-se para analisar a situação dramática de um grupo enorme de gente – rádio, jornais, revistas – e ao fim de três dias de reflexão dos problemas e consequentes causas, saiu a marcação de um dia de greve. Apetece dizer: a montanha pariu um rato. O apelo ao do erário público para remediar o mal causado por tanta desbunda, foi recusado – e bem, enfim! – pelo ministro da respectiva pasta. 

         - O Chega é produto das imposições hegemónicas da esquerda. Aqui como por todo o lado as pessoas estão fartas da ganância de uns quantos que se servem das patentes ideológicas em proveito próprio. O caso da Alemanha é perigosíssimo e lembra o período de antes os nazis tomarem o poder, mas também a configuração de equilíbrio no Parlamento Europeu, onde as direitas parecem vir a estar em alta. Talvez nesta tendência esteja uma vingança, uma posição política de censura à vaga esquerdista que assolou a Europa e de que todo mundo parece estar não só desiludido como convencido não dar a bota com perdigota. Entre nós, eliminados pelo eleitorado o PCP e BE, o PS, ainda por cima com maioria, governou como governam os grupos mafiosos da América Latina. Deixou o país num caos, e, contudo, acaba de pôr à frente do partido um homem que parece a imagem do companheiro Vasco Gonçalves, como se nada tivesse acontecido e a sua governação houvesse sido pelo menos sofrível. Resumindo: a posição do Chega não é mérito seu, mas demérito dos socialistas coligados com Marcelo e este com o seu pupilo “inteligente”. 

         - Esta tarde, no seguimento de duas horas de leitura, fui roçar a erva até ao portão. Surpreende-me ainda ter forças, capacidades mentais e físicas para um trabalho pesado que cada vez penso não ser capaz de o executar. Isto lembra-me aquela minha obsessão que me acompanha sempre que desembarco em Paris. Há anos que a coisa dura, pensar que não vou poder calcorrear a cidade como antigamente. Mas depois... tudo parece permanecer intacto. 

         - Como me faltam poucos capítulos para terminar o romance de Lídia Jorge, voltei a ele na esperança de o acabar. A dada altura disse: “pára, saboreia, junta ideias, goza e usufrui de uma obra com esta envergadura”. E de facto, ante a majestosa obra de arte que é Misericórdia, tudo à sua volta é “lixo”. 


domingo, janeiro 21, 2024

Domingo, 21.

O que é a felicidade, o que é ser-se feliz? Eu respondo: é estar horas esquecidas lá fora ao sol a ler com o Black nos joelhos e um olho no livro. 

         - Por muito que o senhor Nuno Santos queira subverter os muitos desastres do seu governo, em qualquer dos dois cargos que exerceu, sobem à superfície, desmascarando-o. Diz ele em campanha que deixou a TAP a dar lucro e em franco progresso. Esquece-se de dizer que, o mais pelintra empresário aqui como em qualquer parte do mundo, a quem pusessem nas mãos 3 mil milhões de euros dos nossos impostos, só se fosse um badameco ou mete-se ao bolso tal importância, não faria a sua empresa ganhadora. 

         - Já agora mais esta. Diz o competente e honrado senhor, quando lhe falam do contrato que estabeleceu com a ex-CEO da “companhia de bandeira portuguesa”, “orgulho nacional”, senhora Christine Ourmières-Widener, ignorava que a mesma possuía em paralelo com o marido, empresas que em princípio são oponentes ao exercício do cargo para que fora contratada. Quando a bomba explodiu há dias, o ministro defendeu-se como qualquer criança espertalhona: “Eu era ministro das Infra-Estruturas. Não sou jurista, não sou advogado e, por isso, cada um faz a sua parte e o contrato é acompanhado por equipas jurídicas.” Como quem diz, eu sou ministro e não me chateiem. Esta linha de responsabilidade ou o conceito que os socialistas têm dos cargos que exercem, vai na mesma linha do seu primeiro-ministro quando afirmava que ele fazia política e os seus ministros executavam-na. O resultado está à vista.  Por estas e muitíssimas outras, é que o Chega vai decidir a democracia que queremos. Agradecido senhor António Costa, senhor Presidente da República e socialistas todos. Bem hajam. 

         - Na Coreia do Norte, onde não me consta que nenhum dos nossos homens e mulheres de esquerda queiram viver, quem ocupar o seu tempo na Internet “subversiva”, como aconteceu a semana passada a alguns jovens, é condenado a 12 anos de trabalho forçado.  Vou convidar sua excelência o ditador Kim Jong-un a viajar comigo no Fertagus. Antes porém, aconselho-o a ter à chegada 1000 camionetas para recolher os alienados subversivos que são às toneladas.       

         - Fui sexta-feira ver a exposição que está na Gulbenkian O Tesouro dos Reis – Obras-primas do Terra Sancta Museum. Mais tarde falarei do enorme interesse ali exposto. O João Corregedor que me acompanhou, sendo homem com boa reforma, adquiriu o maravilhoso catálogo... 


sábado, janeiro 20, 2024

Sábado, 20.

Toda a gente conhece o senhor Alain Delon. É dele que vou falar hoje. Está com quase noventa anos, vários AVC, vive na sua propriedade a quarenta quilómetros de Paris, com 120 hectares, que eu um dia conheci quando o actor quis comprar uma viatura antiga à Annie e ela não lha vendeu. Pois o homem tem três filhos de cada mulher, dois rapazes e uma rapariga, o mais novo com vinte e poucos anos. As desavenças entre o pai, a governanta que dizem ser uma espécie de amante e os filhos, andam na praça púbica, quero dizer na televisão e jornais. Isto porque Delon, não se entendendo com o mais velho e o último, decidiu repartir a sua imensa fortuna deste modo: 50 por cento para a filha, os restantes 50 por cento para os dois rapazes. Com isto a guerra está instalada enquanto o velho Samurai agoniza, só, na mansão rodeada por uma equipa de seguranças profissionais que não deixam os filhos aproximar-se. A filha que vive na Suíça e tudo controla, para o isolar dos irmãos, fá-lo viajar por estrada até à clínica que a ela convém que o pai fique, aonde Delon chega esgotado; enquanto os outros lutam para que o pai morra no sítio onde foi feliz e construiu residências independentes para cada filho e insiste querer ser sepultado perto dos seus muitos cães que ele diz terem sido os seus mais fieis amigos. Aos ouvidos do enfermo, chegam estas disputas e o murmúrio do actor: “Douchy est ma terre, les chiens mes enfants:” 

         - A Piedade, tendo perdido a filha única num acidente de viação, ficou a tratar do neto dos onze aos 38 anos que é a idade que ele hoje tem. Depois de uma adolescência muito complicada que meteu drogas e tudo o mais, vieram as complicações com o álcool, as mulheres, o bisneto. Pelo caminho o neto quis vender um andar que ela possuía numa povoação aqui perto, a mãe da criança afastou-se dele devido ao vinho e às agressões e também à africana que se instalou na casa da avó e lhe faz a vida negra. Ambos não trabalham, dormem até tarde, ignoram a dona da casa e nem a levam ao médico, compram os medicamentos, dão-lhe a tenção que lhe é devida. Esse trabalho sou eu que me encarrego, deixando claro que é a ele que compete essa obrigação. Falo com ele, mostra-se correcto, mas não mexe uma palha e a pobre da Piedade sente-se só, abandonada por aquele que ela julgava o ser mais próximo da sua vida. Os milhares que lhe coube da venda do andar, aconselhei-a a pôr numa conta com o irmão – o mesmo que em tempos juntou as suas economias às dela e nunca lhe deu os correspondentes juros. A piedade, sendo uma mulher esperta, é quase analfabeta. 

         - Se cito estes dois exemplos, diferentes na grandeza da riqueza envolvente, mas iguais na tragédia é para reflectir sobre o estado da família tão deificada por todo o lado. Eu sempre fui muito séptico nesta bênção unânime que tanto jeito dá ao consumo, às religiões e á política. A condição materialista das uniões familiares, são, estou certo, quando tocadas por estes modelos, motivo de profunda decepção. É usual ouvir-se dizer que os filhos são os enfermeiros dos pais e avós, têm a obrigação de corresponder ao investimento emocional e material dos progenitores, mas os lares e hospitais são o resultado inesperado dessa expectativa, assim como o facto de haver ou não riquezas que correspondam à dedicação e, se possível, a brevidade da vida. Abro um parêntesis para aconselhar a este propósito a leitura de Misericórdia de Lídia Jorge. Eu não sei como vou findar. Mas sei que não morro com o humilhante desgosto de ter acreditado numa instituição, em entes queridos, que me abandonam ao trabalho solitário da morte.  Curiosamente, uma só vez fui hospitalizado e foram os amigos que se incumbiram de mim.  


quarta-feira, janeiro 17, 2024

Quarta, 17.

Aos transtornos do mundo, vieram juntar-se as catástrofes agora dignificadas com nomes, a actual foi batizada de Irene, enquanto a nós nos subtraem o nome para sermos simplesmente um número. Esta vingou-se ontem com um fim de dia e noite sinistra, invadida de ventos fortes, trovoada, relâmpagos numa orquestração que durou horas e fez medo. Por esse mundo fora, são as tempestades de neve e inundações em França, EUA, Brasil, ficando-nos a imagem de um mundo a afundar-se. 

         - O Nuno mentiroso, apregoa que deu aumentos e regalias aos agentes da PSP e GNR em permanente presença junto do Parlamento. Estes responderam-lhe à letra chamando-lhe “aldrabão.” 

         - Há uma senhorita de nome Márcia Rodrigues que eu não apreciava, e agora tem um programa na RTP3 com interesse. Outro dia levou para conversar sobre as guerras na Ucrânia e EUA/Israel, três grandes senhores: Carlos Gaspar, António José Telo e o general Arnaut Moreira. Que impressionantes personalidades! Num tom cordial, sábio, modesto e brilhante, esclareceram-nos sobre o que se passa no teatro das operações e o futuro que nos reserva o actual estado do mundo. Qualquer destas personalidades anulou a jornalista que se limitou a fazer as perguntas e obter as respostas com um  alto nível de conhecimento. Aquele tipo de programa devia ser imposto em todos os outros canais. Aquilo, sim, é verdadeiro serviço público. Nós não precisamos de saber da incultura dos nossos jornalistas, não precisamos das suas opiniões, queremos apenas que se coloquem no seu lugar e estudem as características das perguntas sem lhes acrescentar os seus juízos.  

         - A guerra, melhor, as guerras alastram por todo o lado. A nossa querida e ronhosa UE prossegue passiva e palavrosa, enquanto à nossa volta o mundo se arma e se prepara para a guerra. O Reino Unido, sempre oportuno e vigilante, o primeiro a compreender o que pode sair do conflito com a Rússia de Putin, preparou um pacto de segurança e foi a Kiev assiná-lo com Volodymyr Zelensky. Mas fez mais. Precavendo os ucranianos do pouco auxílio americano, levou uma ajuda militar no valor de 2,5 mil milhões de libras, qualquer coisa como três mil milhões de euros. De assinalar que este acordo, é o primeiro do género que a Ucrânia rubrica com um membro do G7. Não satisfeito, Sunak vai fornecer o país com mísseis de longo alcance, defesa antiaérea, munições e drones indispensáveis à Ucrânia. Obrigado, senhor Rishi Sunak. 


terça-feira, janeiro 16, 2024

Terça, 16.

A vida oferece-nos quase sempre saídas imprevisíveis. Foi o caso esta manhã. Saí de casa com o propósito de ir responder ao Novo Banco sobre um assunto relacionado com o acesso à minha conta bancária. Pensei ir duas horas antes e abrigar-me no meu velho e conhecido café da vila, o Retiro Azul. Hoje transformado numa unidade moderna, com as paredes cobertas de azulejos, espaço amplo de mesas e um balcão com máquina automática de pagamento de um simples café ao prato mais apetitoso. Até aqui, enfim, digamos que é a modernidade ou lá o que isso seja, a atrair os gestores aficionados pelo progresso. Tomei a bica, abri o computador, chamei a Ana Boavida para ao pé de mim, mas ela recusou. O ruído das máquinas de café, das chávenas, e sobretudo da clientela, toda formada por surdos que gritavam uns para os outros a ver quem ouvia melhor, não me permitiu permanecer. Nunca compreendi por que razão os portugueses de classe, digamos, menos cultivada têm precisão de conversar aos berros. Fugi e entrei na porta ao lado onde o banco se encontra. Felizmente que a funcionária, uma brasileira competente (ufa, enfim!), estava com outro cliente e pediu-me que aguardasse. Há anos que não entrava naquela dependência bancária e foi para mim uma surpresa pois tive a sensação de chegar ao hall de um hotel de cinco estrelas: conforto, luz filtrada, maples profundos, cores claras e discretas, gabinetes em vez de balcões, atmosfera aquecida onde fiquei por mais de uma hora confortável a trabalhar no romance. De seguida, pelo meio-dia, voltei à natação. Desde antes do Natal que não me exercitava e, por isso, a meia hora foi custosa. 

         - E como estamos de política, irmã Agnes? Cada vez pior. Fechada a Assembleia Nacional, começado o lixo ambiental das promessas dos políticos, continuado os urras de várias classes profissionais, o Governo satisfeito por não poder responder, acotovelam-se as razões de uns e outros remetidas para a governação seguinte. O senhor Pedro Santos, fala em “orgulho”, “empatia”, “confiança” e... “humildade”! Para fintar aqueles que o dizem tempestuoso, extremista, radical. A verdade é que o homem está disposto a vender o pai, a mãe, o gato, o cão e até os lençóis da cama para nos convencer da sua humildade à S. Francisco de Assis; o senhor Ventura, esse, é um espectáculo demagógico;  a viúva do BE, coitada, até pode ter alguma razão, mas ninguém crê nela; quanto ao senhor Paulo Raimundo do PCP, não querendo ligar-se ao mentiroso do PS (a experiência com a “gerigonça” atirou-o para uns míseros 3%), não quer tentar outra. Resta o senhor Montenegro, embora mais contido e discreto, não me parece que por si só possa colher a confiança do eleitorado. Seja como for, para melhor não vamos e quem vai decidir a coisa é o Chega do assanhado Ventura. 

         - Pois que os jornais franceses o revelaram, eu retiro as reticências que pus na notícia da eleição de Gabriel Attal para primeiro-ministro da França (quinta-feira, 11). Todavia, outra notícia do mesmo género acaba de rebentar em Espanha. Eu sou dos que se surpreenderam quando do anúncio do casamento de Filipe VI. Aos meus ouvidos, desde há muito, haviam chegado notícias em sentido oposto às tendências sexuais do Príncipe das Astúrias – e aqui não vai nenhuma forma de censura. 


segunda-feira, janeiro 15, 2024

Segunda, 15.

Não tenho vontade nem tema para me obrigar a vir aqui molhar a pena. Ainda assim, para não sufocar, boto o discurso que a minha perturbação ditar. Que, decerto, como é hábito, não será de grande importância. Todavia, é da minha responsabilidade chamar a mim o ímpeto da escrita, pela simples e honrada razão, que há leitores diários que não dispensam depenicar estes bocados de prosa. Porque o que me apetecia diante da vista que o meu olhar abrange, e neste sufoco de tempo que embrulha qualquer espécie de ânimo, era tecer loas à Natureza rebelde destes últimos dias. O campo, nestes tempos fechados de frio e chuva, torna-me sisudo, nostálgico, triste com vontade de largar tudo e ir espreitar a multidão das cidades que não se deixa afectar pelos cambiantes das horas, a dureza das noites e o ar rarefeito que tudo arrebanha, levando-os em manadas para os espaços fechados onde a noite não penetra. Mas eu olho e acompanho o olhar abrindo um sentimento de quietude, de espanto ante este espectáculo desordenado, onde tudo medrou sem rei nem roque, brotando das profundezas da terra flores frágeis, rebentos e ervas de variadas origens, urtigas, silvas, filhos e filhotes desta e daquela árvore, desta e daquela cepa que teima em viver, como se tivessem marcado encontro, vindos dos confins dos invernos lúgubres ou dos socalcos das funduras do subsolo para este espaço que eu nunca quis aperaltar como se fosse o jardim da tia Nicas de Cascais ou a sala de estar de um qualquer pateta jogador de futebol. O que há de misterioso no que aqui se passa em cada ano, é um mistério que não se deixa encontrar, enunciar ou instalar. A atmosfera que é a guardiã desse segredo, por estes dias escuros que às janelas vem espreitar em vergastadas de água ou tímidos raios de sol, parece agasalhar-se numa manta de espessa lã, resguardar-se das perguntas inquietantes, fingir escutar apenas os uivos do vento quando a noite cai e nenhuma alma encontra o caminho da redenção.  

A Azinha banhou quase toda a quinta e enquanto ela brilhar deste modo, não meterei mãos ao trabalho de limpar o espaço. 



sábado, janeiro 13, 2024

Sábado, 13.

Mais uma vez vou ter que chamar António Barreto a enriquecer estas páginas. “Sempre o PS teve uma predilecção pelos serviços públicos (é onde estão os seus apoiantes, digo eu). É o seu melhor lado (será?), a sua primordial inspiração. Acontece que é crente, mas não praticante, O estado actual em que se encontram muitos serviços públicos faz-nos pensar em ciclos de bancarrota ou situações depois de catástrofe natural. As cidades sã esvaziadas, é o termo, dos seus habitantes tradicionais. Nas ruas de Lisboa Porto, regressam os mendigos, os sem-abrigo e os despejados sem capacidade económica. A crise da habitação parece planeada pelos especuladores. O caos do Serviço Nacional de Saúde é inimaginável. É escandalosa a absoluta falta de precisão das necessidades, dos meios, dos profissionais e dos recursos para a saúde. Tal como a incapacidade para gerir a escola púbica, que parece em permanente desastre.” Perante este retrato, será possível que os socialistas da esquerda com ambição a fazer melhor, perdão, pior, ultrapassem os 6 por cento que por toda essa Europa vigoram desde o desaparecimento de François Hollande? 

         - Já agora, porque vem a talhe de foice, aqui deixo mais um troféu da governação da ala direita do PS, chefiada pelo “inteligente” António Costa: 30% dos portugueses entre 15 e 39 anos, segundo o Observatório da Emigração, abandonaram Portugal para trabalhar o estrangeiro nestes últimos anos.  

         - Um elogio ao texto de Sofia Lorena no Público de hoje à cerca da complexidade que impera no Médio Oriente, atacado ontem pelos EUA e Inglaterra com mísseis que pretendem atemorizar o sólido exército dos houthis do Iémen. O artigo é não só esclarecedor, como extremamente bem escrito – jóia rara no jornalismo dos nossos dias. 

         - Ontem regressei a casa já a noite inundava o campo de um manto de estrelas e o frio rabiava por todo o lado. Parti de manhã e comecei a tricotar no romance no café da Fnac por falta de lugar na Brasileira, apropriada pelos nossos salvadores os queridos estrangeiros. Almocei no C.I. e de seguida, num dos recantos onde quase ninguém passa, prossegui no tricot. Quando ia no metro para a estação Roma-Areeiro, o telefone toca e tenho do outro lado o João Corregedor a convidar-me para um café e dois dedos de conversa. Os dois dedos cresceram em duas horas agradáveis e vivas, devido como sempre ao nosso desentendimento político, talvez hoje mais atenuado da sua parte, por não querer perder o amigo e antigo colega de longa data. Ele é muito, não digo sovina, não, cruzes, mas economicozinho. Foi, por isso, com surpresa que o vi abrir o porta-moedas e pagar a despesa “sou eu que convido”. E lá desembolsou o preço de uma bica e o Travesseiro de Sintra que a acompanhou. No comboio, apinhado, só eu e duas passageiras tinham máscara, embora a orquestra da tosse fosse insuportável. 

         - Esta indecência que escutei a um tipo que se cruzou comigo no C.I., diz muito do estado a que chegou a distância entre governantes e governados: ”Os políticos são como as fraldas, se não se trocam começam a cheirar mal.”  


sexta-feira, janeiro 12, 2024

Sexta, 12.

Quem vier a seguir, se os socialistas não sucederem aos socialistas, vai ter um trabalhão medonho para endireitar o que Costa desarranjou nestes últimos oito anos, só, ou com a geringonça agarrada. Há uma insurreição nos sindicatos da Intersindical, na tropa da PSP, GNR, hospitais e escolas, que vai paralisar o país completamente e oferecê-lo de mão beijada a um qualquer ditador que por aí manobra na sombra a nossa rendição. O terreno mundial é-lhe propício. O PS nem se apercebe do mal que nos causou porque vive num outro mundo, fascinado pelo poder que a maioria lhe outorgou. As greves nos transportes e as manifestações dos agentes da autoridade, são o aviso que vai ter que ser levado a sério por quem venha a seguir e tenha a coragem de alterar profundamente a lei da greve. Assim é que não se pode viver. Aqueles que ganham pouco, pagam os passes de transporte e ainda por cima têm de ir de carro para o trabalho, serem prejudicados por um grupo de barões, nas tintas para o povo que juram defender, é um embuste demasiado forte para ser consentido pela sociedade num todo. O chefe dos ditos socialistas, criou uma estratégia segundo a qual quem esteve no poder foi a ala direita do seu partido, daí a sua liderança ser aquela que promete o céu na terra, isto é, o reino utópico querido da esquerda, fortemente ideológico, indiferente às pessoas.    

         - Um simples apontamento. A botija de gás pluma que comprei ontem custou 37 euros, a anterior 33 euros.

         - Prometem-nos frio polar para os próximos dias. Por mim, estou abastecido do necessário ao conforto ainda que, de cada vez que durmo com o irradiador ligado, amaldiçoe o capitalismo chinês que não difere do americano ou russo. Depois do armamento, farmacêutica, banca, a energia é o recurso mais querido do capitalismo. 

         - Reservo para um dia destes falar sobre o admirável romance de Lídia Jorge, Misericórdia. Li de uma assentada as primeiras cem páginas e logo entrei em estado de exaltação. 


quinta-feira, janeiro 11, 2024

Quinta, 11.

A primeira-ministra francesa demitiu-se e Macron foi buscar um jovem de 35 anos para a substituir. Como Chou Chou tem o cargo titubeante e a senhora Le Pen tem toda a chance de ganhar as próximas eleições, ele pensa que poderá sobreviver assumindo os dois cargos: a presidência e o de primeiro-ministro (por via do inexperiente). Se a moda pega, um dia veremos um tipo qualquer sair da maternidade directamente para o Eliseu ou Belém. Isto admitindo que a escolha sexual nada tem a ver com a eleição... 

         - Sim, de facto. Se observarmos a substituição de uma pelo outro, vemos que os noticiários das diferentes cadeias de televisão, precisaram de uns escassos cinco minutos para divulgarem a informação. Aqui, António Costa, ocupou a paciência dos espectadores dois meses a fio. Isto prova a qualidade do nosso jornalismo. Que não percebe, num país tão pouco interessado na vida política, haja tantos jornalistas a sair das faculdades e, ainda por cima, com a qualidade que se lhes reconhece...  Nem a propósito. Há dias um jornalista dizia na televisão:  “Com os meios de hoje que há...”

         - Soube por um amigo que o velho Bota Alta no Bairro Alto, onde tantas e tantas vezes fui jantar, acaba de fechar portas por o ganancioso do proprietário ter exigido um aumento de renda de 1300 para 11 mil euros de aluguer mensal!!! A senhorita Cristas de mãos dadas com dourado António Costa, devem estar a esfregar as mãos de contentamento. A lei do mercado funciona e... resplandecente.  

         -  23 mil palestinianos foram mortos em menos de três meses para dignificar a centena de israelitas em 7 de Outubro do ano passado. Neste número estão 8 mil crianças, uns quantos idosos e pelo menos 79 jornalistas. A ira da extrema-direita com Netanyahu à cabeça e o sinistro ministro da Defesa Yoav Gallant, deviam ser julgados por repetirem em vingança aquilo que o Holocausto praticou. A opinião pública mundial, tem-se manifestado nas ruas e Biden começa a ver a sua reeleição a fragilizar. Entretanto, toda a região está em estado de guerra. O Hezbollah intensifica os combates, o Iémen também, o Irão observa na sombra. Putin, reforça-se. 


quarta-feira, janeiro 10, 2024

Quarta, 10.

Quando vou a Lisboa como foi o caso ontem, levo comigo o croché e tricoto pelos cantos que encontro. Tenho sempre o sentimento que esbanjo o meu precioso tempo quando me deixo arrastar por convites ou tertúlias a maior parte das vezes inúteis. Sem contar com gastos em almoços e transportes e distrações que me levam ao engano. Acontece que nestes últimos tempos recuei aos meus tempos de juventude e a um corpo disponível para a aventura. Constato que de nada serve ordenar à natureza que se renda aos anos quando a mente continua efervescente e disponível para todos os pecados que inundam os espaços de liberdade. Muitas vezes faço como Julien Green e fecho os olhos à beleza que se expõe nos nossos dias com o orgulho vão de se exibir através da provocação que é de si a sensualidade mais arrebatadora. Noutros tempos, a fase de namoro era um caminho de santidade, que impedia o pecado de se apresentar na sua forma arrojada e tentadora; hoje, com o pecado banido dos conceitos morais onde monta e se espoja a liberdade, o que vem ao nosso encontro é quase só a imagem banal sob formas caricaturadas do desejo que exige realização imediata. Vergílio Ferreira diz algures que já no seu tempo, a chance de dois seres se entenderem no quotidiano, tinha de passar pela “prova da cama”. Entretanto, o tempo não parou e parece-me que o teste da cama foi ultrapassado, porque a velocidade que o tempo tomou não se compadece com os trapos que usamos e são um empecilho à aflição em que se encontram os corpos entregues à banalização dos dias deitados na cama vazia e fria da nossa condição. Quem somos, o que sentimos, o que vemos no outro como complemento de nós próprios, não conta para a chama que nos fulmina com o olhar, o corpo dengoso, a crueldade do desejo estampado no arrojo sublime, que empareda os corpos na sofreguidão que não deixa o tempo e as palavras acontecer. Há muito que o amor se ausentou. Porque o amor é lento, amacia as frases, contorna os maus odores, embeleza o corpo de um júbilo íntimo, que nos deixa a pensar e estende as vigílias por madrugadas inopinadas. Ocupa demasiado os dias, é invasivo, ama o êxtase, reforça os sentimentos, projecta cada ser humano para lá da sua condição carnal e obtusa. Mas dá trabalho, os corpos eternizam no prazer tempo excessivo, o fogo arde em murmúrio secreto, falta-lhe o ímpeto da descoberta que se oferece ao virar da esquina, na esplanada inventada para seduzir quem está livre para o inesperado, na carruagem de comboio antes da chegada, depois dos olhares cúmplices se terem saudado e a fatalidade ter chegado ao percurso programado... 


segunda-feira, janeiro 08, 2024

Segunda, 8.

Pus de parte este registo para me consagrar ao romance. Gostava de o terminar antes do final do ano, mas para isso preciso de sacrificar o tempo que perco aqui em notas de rodapé da vida política, que mais parece um exercício de gangsters ou de gente que vive de expedientes contabilizados. 

         - Outro dia estive à conversa ao telefone com o João B. mais de uma hora. Ele vive como eu revoltado com o estado disto tudo e sobretudo do abandalhamento geral em que os socialistas deixaram o país. Ele sabe do que fala. Esteve décadas a servir o Estado português cá dentro e lá fora em diferentes cargos, todos prático-políticos e conhece esta gente de ginjeira. Depois um dia, farto de assistir aos folguedos partidários, meteu os papéis para a reforma. Foi no período Sócrates-Costa. Ele conheceu de perto estas personagens kafkianas e percebeu antecipadamente a sintonia da união. Grande senhor, surpreendeu-me alguma adjectivação empregada e ainda o conselho que me deu  para ler o Correio da Manhã onde encontro tudo aquilo que outros jornais não querem publicar. Prometi-lhe que o iria visitar aos seus domínios para os lados de Torres Vedras e conhecer a capela mortuária que construiu dentro da área da sua cottage e onde, diz-me, já se celebraram duas missas. 

         - Ontem aceitei o convite da Alzira e fui ver Dias Perfeitos do realizador Wim Wenders. Fui de pé atrás, porque nem tudo deste realizador me agrada, particularmente, o filme que rodou em Lisboa. Todavia, este seu trabalho passado no Japão, marcado por uma interpretação magistral do actor Kôji Yakusho, narra a história de um empregado de limpeza dos mictórios públicos de Tóquio, com um quotidiano como se imagina nada aconselhável do ponto de vista da natureza do trabalho, mas que a personagem dignifica através da aceitação e coordenação quase poética do seus dias, onde depois do emprego, vivendo só, se dedica ao cultivo de plantas, à leitura de William Faulkner e Patricia Highsmith, à música e à fotografia. O filme é servido por uma formidável banda sonora de uma subtileza mágica, que nos conduz através da monotonia de uma existência que só nos toca a nós e jamais à personagem. Que até metade do filme pouco ou nada sabemos de Hirayama, sendo pessoa calada, secreta, interiorizando os sentimentos e só quando tocada pela poesia das árvores, de um pôr-do-sol, de um sorriso de criança se nos desvenda o seu profundo e abastado mundo interior. Há, contudo, uma segurança, um hermetismo, um desabrochar da sensibilidade que nos envolve e nos faz acreditar que não precisamos de ninguém em especial, mas carecemos de todos. O solitário é alguém disponível ao aceno indelével do outro. Aconselho vivamente os meus leitores a ver esta obra-prima. 

         - As damas de Zuckerberg andam aí há uma semana a podar. Numa mão a tesoura, na outra o Facebook. 

         - Os socialistas ainda por cima são velhacos. Andou Marcelo – que é cúmplice do estado em que nos encontramos – com o seu educando António Costa nas palmas da mão, sempre em acenos de simpatia e compreensão, amparando o primeiro-ministro nos seus desastres e, por consequência, desamparando-nos a nós, e vai-se a ver levantou-se durante o dito congresso dos ditos socialistas, um coro de vozes contra o inquilino de Belém. Marcelo devia saber que em política não há amigos. O espectáculo degradante do congresso dos, como se chamam mesmo, foi penoso, subserviente, coisa de gangues programando um assalto ao país. Social-democracia por social-democracia, que venham os originais -  pelo menos não nos enganam afirmando-se socialistas.  De todo o lado, quer-me parecer, que quem vai decidir tudo isto é o Chega. Se assim for, obrigado senhor António Costa. Aliás, se a minha memória não me engana, no tempo do falecido senhor Mário Soares, dizia-se que o CDS era de extrema-direita, mas esse facto não invalidou que o líder socialista o tenha chamado para o Governo. Todavia, entre o CDS e o Chega, vai uma diferença abismal. O primeiro, tinha ideias; o segundo tem paparrotada.     


quinta-feira, janeiro 04, 2024

Quinta, 4.

Retomemos a vidinha salteada nacional onde os anos se sucedem e nada se altera a começar pelas palestras insuportáveis de Marcelo a acabar (ufa! esperemos) na propaganda barata de Costa. Costuma-se dizer que quem muito fala, pouco faz. É o nosso caso. Somos palradores, patetas, humildes, indisciplinados, contentamo-nos com pouco, um jogo de futebol semanal, um fim-de-semana festivaleiro com os “artistas” saídos da fornalha televisiva, apostamos no maior banha da cobra, e depois carpimos raios e coriscos porque não passamos da cepa torta. 

         - E todavia, todavia. Bons cérebros não nos faltam, gente que pensa também não. É uma minoria? Talvez. Mas de que servem as maiorias quando são idiotas, básicas, facilmente manobradas. “E Portugal... (pergunta António Barreto) Uma oligarquia socialista dominante tem vindo a ocupar o país e as instituições. Acrescentou-se e ultrapassou-se uma clique social-democrata que durante alguns anos se banqueteou (atenção estas palavras não são minhas, pode parecer mas não são). Ambas se adicionaram à cleptocracia corporativa que só aparentemente tinha desaparecido.” Posso continuar? “A venda desbragada de património nacional, das terras às águas, das empresas à habitação, tem transformado o país não num primor de eficiência, mas sim num universo de vida airada e descalabro.” E os partidos, os nossos queridos protectores, os guardiães da democracia? Senhor António Barreto, aproxime-se: “... aliás em Portugal, hoje, nenhum partido merece que se vote nele pelo que é. Nem a direita nem a esquerda. O PCP “persiste em afirmar que representa todos os trabalhadores, que a história sempre lhe deu razão. Até à derrota final. Até ao desaparecimento eleitoral.” O Bloco “nunca fez nada de jeito que lhe dê qualquer espécie de currículo, qualquer folha de serviços prestados à sociedade.” O Chega não merece o voto só porque protesta, denuncia  e ataca. Não é convincente, não tem políticas. A IL parece saída de uma produção laboratorial. É só mais um partido, sem currículo ou experiência, a vender camisolas de lã no deserto.” Conclua, senhor articulista: “Nas próximas eleições (...)  votar de acordo com compromissos , em vez de repetirmos os gestos do sonâmbulo. Votar em compromissos é do que votar em rebanho.”  Posso meter a colher? O problema dos compromissos, é que nenhum partido faz o que diz e a democracia não tem meios para os fazer cumprir o que prometeram. Se me permitem, porque vem a propósito, que entre a minha escritora querida Lídia Jorge: “Dizer a verdade tem de ser mais importante do que pertencer a um grupo.” 

         - Vivo revoltado. Abre-se-me o coração quando vejo a tristeza a que chegámos nestes últimos oito anos de governação (ainda por cima) dita socialista. Os maiores desastres são nitidamente por incompetência, agremiação partidária, observância daquilo a que chamam filosofia de esquerda, com a sociedade cada vez mais estandardizada entre direita e esquerda. Paradoxalmente, tendo sido o PS o criador do SNS, é hoje o seu coveiro. Neste período sinistro de governação Costa, o número de portugueses que aderiu ao cartão de saúde privado (se não me engano) anda por 60 por cento. Ninguém hoje tem confiança no SNS porque o espectáculo horrendo de doentes a dormir no chão dos hospitais, 19 horas de espera para serem atendidos, pessoas a morrer por abandono (tive conhecido a semana passada de uma médica na sequência de uma queda), tudo isto em oito anos!!! Como podem os idiotas que nos governam pedir votos, quando os escândalos de má governação e negociatas caiem como tordos nas folhas dos jornais dia sim, dia não. Até ao fim, vão-se descobrindo negociatas sem dar cavaco aos contribuintes. O fulano amador de política, secretário-geral do PS (julgo que é assim que se diz), comprou como se o dinheiro fosse seu, quando foi ministro, uma percentagem dos CTT. Só agra foi descoberto. Imaginem se o homem vira primeiro-ministro! 

         - Outro escândalo que diz bem como fomos abandonados à nossa sorte, é o recomeço das greves. Ontem consegui ir e vir a Lisboa sem problemas porque viajo no Fertagus que é privado e anda sempre a horas e só faz greve quando é forçado pelos príncipes das infra-estruturas. Estes, decidiram juntar ao fim-de-semana duplo mais a quarta e quinta-feira desta semana. Umas férias de Natal para suas excelências que pertencendo a Intersindical, se estão nas tintas para os passageiros que trabalham no duro e não podem fazer greve e ainda por cima pagam adiantadamente o bilhete.  Eu sou dos que voto por alteração da lei da greve. 

         - Vou fazendo como e quando posso. Numa aberta de sol, pego na roçadora e corto a eito porque não gosto de ver o chão em redor da casa coberto de erva alta. Em contrapartida, há duas semanas que não vou à piscina. Talvez amanhã porque recusei fazer parte no almoço de uns dez em torno do Guilherme. O João que organizou a repasto, escolheu um restaurante que eu detesto, dirigido por um homem que foi (e é) devoto do Putin e me recuso a ouvir sermões que entoam loas às estrelas aos sois e luas comunistas. Além de que, devido ao estado cognitivo do meu amigo, não sou de opinião que o sujeitem a um convívio com tanta gente. Ainda por cima longe do seu restaurante na Doca de Belém.


quarta-feira, janeiro 03, 2024

Quarta, 3.

Neste início de ano, o mundo parece apostar na hecatombe. São já tantas as guerras que só falta uni-las para que o conflito à escala mundial tenha lugar. Israel liquidou ontem o estratego número dois do HAMAS, Saleh al-Arouri, que vivia em Beirute, e fazia a união entre o HAMAS e o Hezbollah, servindo-se do arsenal bélico que mata à distância com um simples premir de botão. Coincidência ou não, o Irão que assinalava a morte de Soleimani, o grande obreiro da aliança do Irão com os irmãos muçulmanos, morto pelos Estados Unidos em 2020, foi surpreendido com uma série de explosões perto do cemitério onde jaz o oficial, matando 70 pessoas. Um pormenor: o primeiro devia discursar sobre o segundo. O que se segue? Tendo em conta o que disse Nasrallah ao impor a Israel uma “linha vermelha” (que, de resto, ainda não confirmou nem desmentiu a autoria do ataque), o Médio Oriente aguarda em alerta. 

Se tivermos em conta a guerra na Ucrânia, o crescente ataque diário de Moscovo e a retaliação de Kiev, assim como a chamada da Polónia à zona do conflito, para não falar do Sudão, Miramar, Iémen, e passo e, sobretudo, dos apoios que estão faltando na defesa da Europa; nas expectativas eleitorais nos Estados Unidos; na falta de estratégia da UE, nas ajudas a conta-gotas para a defesa das fronteiras da Europa; temo que ainda este ano estejamos envolvidos no começo da Terceira Guerra Mundial. Francamente não agouro nada de bom neste triste quadro mundial. Não se vislumbra nos políticos de hoje, ninguém que ombreie com De Gaulle, o chanceler Adenauer ou mesmo Churchill. 

         - Não me apetece falar de mais nada. Aproveito este intervalo para me regozijar com os amigos que este Natal e início de ano, se lembraram de mim. Até da China vermelha me chegaram votos de prosperidade. Disse ao João Corregedor que é todo pró-China, que por lá até os envelopes e toda a correspondência é vermelha. Riu-se de satisfação.  Mas não consta que Xi Jinping, ping, ping, lhe tenha escrito. O meu amigo, pelo contrário, convidou-me a ir visitá-lo, mas eu respondi que não viajo para países governados por ditadores. 


 


terça-feira, janeiro 02, 2024

Terça, 2. 

Mantenhamo-nos afastados o mais possível da política suja levada a cabo por todos os partidos e organizações sindicais e patronais, e falemos do amor que flutuava esta manhã no Chiado. 




segunda-feira, janeiro 01, 2024

Segunda, 1 de Janeiro.

Ei-lo mais um ano. Ontem estive a ver quantos anos se perspectivam no meu iphone e parei no 2078. Que abismo, que alucinação! E contudo, sei que outros habitantes estarão a pisar o mesmo chão, a ver os mesmos declínios dos dias, os amanheceres, e provavelmente a apostar nas mesmas esperanças, nos mesmos sonhos, nas mesmas alegrias depois de mim. De seguida pus-me a imaginar que ficou da minha passagem, que traços me prosseguem para lá desta existência terrena, que elos nos ligarão, que olhares trocaremos ao fim do dia ou pelas noites serenas da eternidade. E pensei se tudo tem um sentido, se uma vida é mais que um majestoso nascer, se houve utilidade em havermos passado por aqui, eu e não outro, nós e não outros, quando sabemos que o mundo, melhor os mundos, ainda estão por descobrir na imensidão do Cosmo que nos continua a esconder verdadeiros mistérios. Sabemos muito, mas não sabemos tudo e desconfio que nunca tudo se abrirá à nossa insaciável curiosidade. Até porque no centro da extraordinária beleza que é o mundo, com tudo o que o rodeia e forma, está cada um de nós, na sua singularidade, peça única de quem procria ser a ser, sob o olhar terno da fragilidade da existência, minúsculo desenho humano, perdido no vastíssimo universo, como a redimensionar o nosso orgulho, a nossa importância, a nossa arrogância. Não somos nada e somos tudo quando nos perspectivamos no outro, nos associamos a ele no mesmo caminho a percorrer, à mesma espécie moldada do mesmo barro, e juntos percorremos o amplo universo para finalmente tingirmos na morte a igualdade que recusámos ao outro em vida. André Malraux, quando um dos filhos morreu, perguntaram-lhe como queria enterrá-lo, respondeu “como é uso na Igreja porque ele não é nenhum saco de batatas”. O escritor que devia ser ateu ou agnóstico glorificou a vida dando dignificação à morte. Também De Gaulle quando faleceu a filha com problemas cognitivos, mulher-criança a quem o pai dispensava todo o carinho e atenção, disse: “Agora, filha, na morte és igual a toda a gente.” A questão que me ponho com frequência é esta: morremos realmente ou somos transportados para uma outra qualquer forma de vida. De contrário, que interesse houve em termos percorrido caminhos muitas vezes tão duros, termos estado aqui submetidos a tanta privação, a tantas guerras, a tantas submissões e humilhações! Que teste é este por que passamos se tudo se decide neste lugar de incertezas, onde somos o epicentro, em liberdade plena, capazes de decidir entre o Bem e o Mal, no esplendor da existência antes de regressarmos às nossas desconhecidas origens. Que nos espera nesse lugar sem memória que Deus descreveu como “antes de todos os séculos, antes de todos os tempos”! Talvez uma pequeníssima ponta da resposta esteja neste verso de Rimbaud:

La nuit vient, noir pirate aux cieux d´or débarquant.