segunda-feira, janeiro 15, 2024

Segunda, 15.

Não tenho vontade nem tema para me obrigar a vir aqui molhar a pena. Ainda assim, para não sufocar, boto o discurso que a minha perturbação ditar. Que, decerto, como é hábito, não será de grande importância. Todavia, é da minha responsabilidade chamar a mim o ímpeto da escrita, pela simples e honrada razão, que há leitores diários que não dispensam depenicar estes bocados de prosa. Porque o que me apetecia diante da vista que o meu olhar abrange, e neste sufoco de tempo que embrulha qualquer espécie de ânimo, era tecer loas à Natureza rebelde destes últimos dias. O campo, nestes tempos fechados de frio e chuva, torna-me sisudo, nostálgico, triste com vontade de largar tudo e ir espreitar a multidão das cidades que não se deixa afectar pelos cambiantes das horas, a dureza das noites e o ar rarefeito que tudo arrebanha, levando-os em manadas para os espaços fechados onde a noite não penetra. Mas eu olho e acompanho o olhar abrindo um sentimento de quietude, de espanto ante este espectáculo desordenado, onde tudo medrou sem rei nem roque, brotando das profundezas da terra flores frágeis, rebentos e ervas de variadas origens, urtigas, silvas, filhos e filhotes desta e daquela árvore, desta e daquela cepa que teima em viver, como se tivessem marcado encontro, vindos dos confins dos invernos lúgubres ou dos socalcos das funduras do subsolo para este espaço que eu nunca quis aperaltar como se fosse o jardim da tia Nicas de Cascais ou a sala de estar de um qualquer pateta jogador de futebol. O que há de misterioso no que aqui se passa em cada ano, é um mistério que não se deixa encontrar, enunciar ou instalar. A atmosfera que é a guardiã desse segredo, por estes dias escuros que às janelas vem espreitar em vergastadas de água ou tímidos raios de sol, parece agasalhar-se numa manta de espessa lã, resguardar-se das perguntas inquietantes, fingir escutar apenas os uivos do vento quando a noite cai e nenhuma alma encontra o caminho da redenção.  

A Azinha banhou quase toda a quinta e enquanto ela brilhar deste modo, não meterei mãos ao trabalho de limpar o espaço.