segunda-feira, janeiro 01, 2024

Segunda, 1 de Janeiro.

Ei-lo mais um ano. Ontem estive a ver quantos anos se perspectivam no meu iphone e parei no 2078. Que abismo, que alucinação! E contudo, sei que outros habitantes estarão a pisar o mesmo chão, a ver os mesmos declínios dos dias, os amanheceres, e provavelmente a apostar nas mesmas esperanças, nos mesmos sonhos, nas mesmas alegrias depois de mim. De seguida pus-me a imaginar que ficou da minha passagem, que traços me prosseguem para lá desta existência terrena, que elos nos ligarão, que olhares trocaremos ao fim do dia ou pelas noites serenas da eternidade. E pensei se tudo tem um sentido, se uma vida é mais que um majestoso nascer, se houve utilidade em havermos passado por aqui, eu e não outro, nós e não outros, quando sabemos que o mundo, melhor os mundos, ainda estão por descobrir na imensidão do Cosmo que nos continua a esconder verdadeiros mistérios. Sabemos muito, mas não sabemos tudo e desconfio que nunca tudo se abrirá à nossa insaciável curiosidade. Até porque no centro da extraordinária beleza que é o mundo, com tudo o que o rodeia e forma, está cada um de nós, na sua singularidade, peça única de quem procria ser a ser, sob o olhar terno da fragilidade da existência, minúsculo desenho humano, perdido no vastíssimo universo, como a redimensionar o nosso orgulho, a nossa importância, a nossa arrogância. Não somos nada e somos tudo quando nos perspectivamos no outro, nos associamos a ele no mesmo caminho a percorrer, à mesma espécie moldada do mesmo barro, e juntos percorremos o amplo universo para finalmente tingirmos na morte a igualdade que recusámos ao outro em vida. André Malraux, quando um dos filhos morreu, perguntaram-lhe como queria enterrá-lo, respondeu “como é uso na Igreja porque ele não é nenhum saco de batatas”. O escritor que devia ser ateu ou agnóstico glorificou a vida dando dignificação à morte. Também De Gaulle quando faleceu a filha com problemas cognitivos, mulher-criança a quem o pai dispensava todo o carinho e atenção, disse: “Agora, filha, na morte és igual a toda a gente.” A questão que me ponho com frequência é esta: morremos realmente ou somos transportados para uma outra qualquer forma de vida. De contrário, que interesse houve em termos percorrido caminhos muitas vezes tão duros, termos estado aqui submetidos a tanta privação, a tantas guerras, a tantas submissões e humilhações! Que teste é este por que passamos se tudo se decide neste lugar de incertezas, onde somos o epicentro, em liberdade plena, capazes de decidir entre o Bem e o Mal, no esplendor da existência antes de regressarmos às nossas desconhecidas origens. Que nos espera nesse lugar sem memória que Deus descreveu como “antes de todos os séculos, antes de todos os tempos”! Talvez uma pequeníssima ponta da resposta esteja neste verso de Rimbaud:

La nuit vient, noir pirate aux cieux d´or débarquant.