quarta-feira, maio 30, 2018

Quarta, 30.
“Não sabemos o que é o pecado, porque não sabemos o que é Deus.” Newman citado por Julien Green (sem comentário). Justamente, segundo Gabriel Matzneff que pertence à Igreja Russa, “chez les pretres orthodoxes leurs prédications sont centrées sur la spiritualité, la théologie, non sur la morale”. 

         - Os nossos cangalheiros do PS e BE não alcançaram levar-nos antecipadamente no caixão para a terra. Perderam a sua obsessão de nos tirar a vida na votação de ontem no Parlamento. Dignifico mais uma vez o PCP, que ousou votar ao lado do PSD e CDS contra o projecto-lei sobre a eutanásia. Sobre a dor assistida, a morte digna, sem sofrimento, nem uma palavra. Estes tipos, obcecados pelos valores ensandecidos dos partidos, legislam com o mesmo à vontade e sobranceria como fizeram para a interrupção da gravidez, a mudança de sexo e assim. Para eles uma vida é um pequeno apontamento ao lado das suas grandiosas e importantes existências. Banalizam a morte como banalizam os indivíduos no sofrimento em nome do qual dizem propor a eutanásia. Verborreia pura, radicalismo insuportável. Sobretudo, quando nada fazem para atenuar as dores daquelas e daqueles que, sem medicamentos e assistência condigna, sofrem nos hospitais públicos. Aquelas duas damas da esquerda irresponsável, são insuportáveis. Tudo fazem para chegar ao poder, mesmo que para tal matem pelo caminho uns quantos eleitores que nunca votam nelas.

         - Eu penso que a maioria dos portugueses começa a aperceber-se do logro do PS, da magia criada para os enganar, da mentira disfarçada por certa imprensa às ordens dos subsídios para isto e para aquilo. Um exemplo recente: o aumento de impostos nos combustíveis. Primeiro disseram-nos que era intermitente, com descidas pontuais e assim. Agora com a gasolina e o gasóleo a preços proibitivos, dizem-nos que não é bem assim e só lá para o ano (com eleições) podem voltar a rever o assunto. Gozam com o pagode, tomam-nos por idiotas, contam com o nosso esquecimento no dia da votação. É este modo de governação, aceite como normal para os políticos, que vai a pouco e pouco minando a democracia. O número de greves em muitos sectores, é a revolta dos que se sentem enganados.


         - Ontem ao serão, depois da leitura, não subi para dormir. Tinha a Antena 2 em fundo e deixei-me ficar afundado no sofá a haurir o momento absolutamente único que me levou a dar graças ao Criador a vivência inusitada daquela hora transcendente, voluptas in tranquillitate.

terça-feira, maio 29, 2018

Segunda, 28.
Conversa com a Maria José no seu atelier. Ela acaba de terminar o busto de D. Manuel Martins, bispo de Setúbal, falecido o ano passado. Obra notável de perfeição onde todos os pormenores de uma personalidade ímpar estão salientados: no brilho do olhar, na expressão doce, na composição clerical. Espero que passada a bronze, fique o testemunho não só do pastor de Deus, como da artista que se empenhou por vezes até às primeiras horas do dia. A diocese de Setúbal vai ficar com um maravilhoso registo humano do seu guia espiritual.

         - À medida que avanço nos estudos de um mundo abalado pela doutrina de Jesus, naquela concavidade entre a Antiguidade e a nossa Era, pelo menos até aos séculos III e IV, imagino o abalo social, religioso, com toda a sorte de implicações políticas, hábitos de vida familiares, comunitários, tradições culturais milenares, povos primitivos de súbito confrontados com a mensagem que ia em contraciclo com tudo o que até ali havia existido de bárbaro e hediondo, onde a vida humana não tinha a importância que Jesus Cristo veio a conferir-lhe. O mundo grego e romano, ambos apropriando-se um do outro, religiões pagãs e a guerra sempre como actividade visceral (o que Antigo Testamento integralmente faz prova), os senhores todo poderosos apeados do seu poder e arrogância, a ascensão dos povos pobres e humildes tomando a preferência de uma religião que parecia ter sido concebida para eles, insignificantes escravos nascidos para satisfazer os senhores de quem eram sua propriedade exclusiva. Habituados a idolatrar deuses sanguinários, a eles ofereciam-lhes os recém-nascidos, os velhos, comiam os seus corpos, bebiam o seu sangue, em cultos religiosos que os Apóstolos e Doutores da Igreja levaram séculos a alterar. Mas o mais inesperado da mensagem de Jesus Cristo, foi pôr-nos a todos ao mesmo nível, apeando dos seus pedestais os reis sanguinários, os governantes corruptos, os ricos e poderosos. A sua filosofia está assente no Amor e no perdão – diametralmente oposta a todas as filosofias terrenas então como hoje. O que padeceram os primeiros cristãos é inenarrável: mortes, prisões, deportações, perseguições às ordens de Nero, Domiciano, depois Cómodo, e até Marco Aurélio não escapa a diversas e terríveis perseguições, sendo a mais violenta a que vitimou a igreja de Lião, em 177. O imperador Adriano, por jurisprudência, condenou os delatores dos cristãos, mas foi no principado de Septímio Severo que os cristãos adquiriram peso social. Alexandre Severo ao edificar um templo a Cristo reconheceu oficialmente o cristianismo embora Jesus figurasse entre outros deuses. Filipe o Árabe, foi chamado o primeiro imperador cristão. Mas o catolicismo não ficaria por muito tempo. Décio restauraria o paganismo anterior. Estávamos em 250. De seguida veio o imperador Valeriano que foi de uma violência inimaginável, inclusive matou o Papa Sixto II. Seguiu-se Diocleciano que mandou incendiar igrejas, destruir livros sagrados, acossar os cristãos que iam já em metade da população romana. O grande Império Romano chega ao fim por volta de 476 dC.


         - Actividade variada: roçar mato, regar, piscina, leitura, escrita.

domingo, maio 27, 2018

Domingo, 27.
A eutanásia está de novo na ordem do dia. Não vou repetir o que já aqui expressei. Acrescentarei que todo o barulho não passa, finalmente, de uma imposição parlamentar, não inscrita em nenhum programa partidário, portanto, à revelia das normas democráticas e ainda por cima um projecto feito à pressa ou um acordo lançado aos deputados para ver se pega. Basta ler o que disse Ana Sofia Carvalho, directora do Instituto de Bioética da Universidade Católica e membro do CNECV (Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida): “Avançar com um projecto de lei sobre a eutanásia sem o parecer do conselho nacional, ao qual compete pronunciar-se sobre legislação com implicações éticas, é algo inédito e moralmente irregular.”

         Tudo isto, a meu ver, por razões meramente economicistas. Sai mais barato convencer o doente e a família de que não há nada a fazer, que deixar o paciente viver até ao derradeiro segundo assistido, quero dizer sem dor, gozando os últimos instantes sem stresse nem ansiedade. Porque esta é a primeira porta que se abre. A seguir vem a inutilidade dos velhos, o horror dos homossexuais, dos deficientes, dos delinquentes e por aí adiante. É de novo a teoria hitleriana da raça pura, do eugenismo como apuramento da raça, o regresso ao mundo macabro, antes e nos séculos seguintes à vinda de Jesus Cristo, quando crianças e anciãos eram mortos para idolatrar os deuses romanos que eram aos milhares. É por último retirar da vida humana a sua fabulosa e lindíssima identidade divina.

         - Com Trump e com outros senhores que nos governam, a política é du n´importe quoi. Como foi possível termos chegado a este ponto! De facto, vivemos já na pré-decadência. Tudo o que nos oferecem só tem o valor do vil metal e cada vida vale o que vale um país. Não há vergonha como não há honra, honestidade, cumprimento da palavra dada. Estamos transformados em coisas, em objectos descartáveis, à mercê do primeiro tirano, do cinopena de que fala Plínio o Velho na sua História Natural ensandecidas criaturas com cabeças de cão.

         - Quinta-feira, à mesa do café A Brasileira e depois descendo o Chiado em modo passeio, saudosa conversa com João Corregedor. Ele falou dos seus tempos de jornalista, invocou nomes, situações, a Lisboa desse tempo. Algumas personagens como o Toy, um chulo que eu também seguia quando, enviado ao Governo Civil (então no Chiado) pelo meu jornal no adiantado da noite, tínhamos conhecimento do que nesse tempo se chamavam as “rusgas”. Acompanhei muitas vezes na carrinha policial, esse mundo de proxenetas, prostitutas, chulos, ladrões e mulheres estranhas, algumas das quais estudantes universitárias. A princípio sentia medo, depois falava com aquela gente de igual para igual, não me passando pela cabeça que estava diante de gente perigosa e marginal. Alguns dos jornalistas nossos colegas, ainda estão vivos e por isso dispenso-me de trazer aqui a carga adjectival que ouvi e com a qual estou de acordo.

         - Queria falar da reunião dos socialistas, mas não vale a pena. “Helder de Sousa, poupa-nos!” pareço ouvir aos meus leitores. 

sexta-feira, maio 25, 2018

Sexta, 25.
A atracção pelo dinheiro parece-me ser mais violenta à esquerda do que à direita. Até o líder de rabo de cavalo do Podemos, uma vez embalado nos projectos de esquerda, logo encontrou as delícias de uma mansão no campo por 600 mil euros. Ele e a querida companheira, benignos de causas populares e dos mais pobres, até aqui membros de topo do terceiro maior partido de esquerda de Espanha, estão agora sob o fogo cruzado daqueles que nele votaram convencidos que Pablo Iglesias fosse diferente dos outros que ele um dia, da tribuna partidária, perguntara: “Entregarias a política económica do país a quem gasta 600 mil euros num apartamento de luxo?” A revolta dos cá de baixo foi tal, que eles, ambos parlamentares, puseram o lugar a votos para saber se o povo que os elegeu quer continuar a ter um “burguês” a defendê-lo no Parlamento. O povão é sempre ingrato e nem se dá conta que pagar 600 mil lecas por uma casa no campo, é diferente de desembolsar o mesmo montante num apartamento de luxo na cidade... “Ganda” invejosos!

         - Por este andar o partido que criou o SNS vai ser o seu coveiro.

         - Vi com interesse o programa da RTP1 de homenagem a Eduardo Lourenço. A realização é meritória, pese embora o som que é miserável. Sobretudo quando nos não permite ouvir o que diz o filósofo. Este, ancião, como todos os velhos, possui um registo vocal menos audível, os agudos e os graves parecem desencontrarem-se e o conjunto surge-nos um pouco entaramelado, o que é natural num homem de 90 anos. Agora o que eu acho é que neste género de projectos, nunca temos o contraditório. É tudo muito simpático, muito reverencial, muito alinhado com o convidado, pondo-o com todas as razões, teorias e futurologias do seu lado. Se ele se limitasse a narrar a sua vida, tudo bem. Mas quando, como pensador, nos explica o passado e o futuro do país, a história e os seus agentes, aí discordo em muito do que ele disse. E no entanto, pelo que me apercebi quando com ele estive uma noite – com ele e com Vergílio Ferreira – na nossa embaixada de Portugal, em Paris, Eduardo Lourenço não tem nada do intelectual convencido da verdade única. Eanes, Jorge Sampaio e alguns mais, aparecem como fantasmas, enquanto deviam ser os perguntadores, os argumentadores, os que tendo passado pelo poder têm coisas a dizer-nos.


          - Ana Gomes a propósito do processo Manuel Vicente à agência Lusa: “É de uma hipocrisia serem utilizados este tipo de argumentos para justificar uma decisão que é uma tremenda demissão da justiça portuguesa e uma tremenda derrota da Justiça.” Quem fala assim... é livre e pensa pela sua própria cabeça. Temos muito pouca gente deste quilate.

quarta-feira, maio 23, 2018

Quarta, 23.
 Longas horas em suspensão a ler de Tertuliano, Apologético. Infelizmente, esbarro com frequência no português do tradutor José Carlos de Miranda, e sou automaticamente levado a comparar com a tradução da Bíblia por Frederico Lourenço, onde o português é escorreito e limpo de compreensão. Acresce que as notas de rodapé dão ao leitor um cansaço imenso devido ao corpo reduzido da letra. Os editores de tanto quererem economizar, acabam por perder leitores, para não falar na falta de respeito por eles.

         - Fiz aquilo que já executei uma série de vezes: com o corta relva a trabalhar tentei retirar a erva armazenada na roda cortante de forma a aliviar a força ao empurrar a máquina. Desta vez, porém, fui apanhado pela lâmina e um corte num dedo, com sangramento abundante e um senhor inchaço. A princípio, devido à dor insuportável, pensei que tinha deixado nas folhas de corte parte do dedo. Felizmente foi apenas a unha e um golpe. Nada que o gelo não tivesse aliviado. E o trabalho prosseguiu tendo eu terminado o relvado do lado sul da casa.

         - Annie telefonou. Recém-chegada do Vietname, no meio de uma tempestade de granizo que imobilizou Paris, quis contar-me o que viu e como decorreu a viagem. À despedida: “este ano arranja-te para ficares mais tempo que o ano passado. Oui, chef.” (O léxico francês como também o português, não admite o neologismo “chefa” que é uma aberração e eu ouço com frequência aos nossos queridos palradores na TV.)

         - No país maravilhoso, rico e cumpridor do défice e das ordens de Bruxelas do Mágico, os hospitais de Norte a Sul, incluindo o Instituo de Oncologia de Lisboa, falam em falta de meios e na recusa em atender novos doentes. Uma pergunta inocente: se isto se passa num país próspero e socialista, como seria se fosse no período de governação de Pedro Passos Coelho?


         - Verifico que à medida que a idade avança, esta noite e de quando em quando, vou tendo chonas de saudade do sono seguido de sete horas que toda a minha vida me acompanhou. Com uma diferença estranha: não sei se durmo se sonho que estou acordado. Isto porque não sofro da noite clara, nem acordo no dia seguinte cansado. Mistério. Dito isto, se assim continua, vou ter que comprar aquele medicamento que o Tó uma vez me receitou, tão cómico e tenebroso, que se o tomava no salão ia de gatas, escada acima para o quatro e aí chegado tinha de me segurar ao respaldo da cama para não cair inanimado no chão... com tremenda soneira.