Sexta,
18.
É
impossível escapar à praga do futebol. Umas vezes por bons motivos, outras
pelas piores razões. Assim, esta manhã, na Brasileira, João, António Carmo e eu
falámos em excesso dos energúmenos que atacaram a Academia do Sporting, em
Alcochete. João Corregedor, diz que a acção foi perpetrada pela direita que
anda a fazer coisas semelhantes por essa Europa fora. Não chego a tanto. O que
eu vejo é o assalto à cadeira do poder ocupada pelo actual homem forte do
clube. Perfilam já cuidadosa e humildemente, pois então, os três cavaleiros
andantes da honestidade, do desprezo pelo dinheiro e as honrarias: o bombeiro,
perdão, “o senhor 10 por cento”, o banqueiro e o advogado dos humildes e
injustiçados. Tudo muito bem orquestrado entre eles. Espero que Bruno de
Carvalho, apesar de ser quem é e como é, consiga os votos de confiança do povo
sportinguista. Quanto ao mais, é para mim líquido que os pobres jogadores
querem ficar multimilionários e vão aproveitar as circunstâncias para embolsar
a indemnização e com ela no dia seguinte estarem contractados por mais uns
trocos num qualquer clube estrangeiro. É da natureza daquela gentinha.
- Ontem vieram aí o Virgílio e o
Guilherme. Tinham uma reunião com a Presidente da Câmara de Setúbal para
exporem o desagrado do escultor ao rumo da sua obra à responsabilidade do museu
da cidade. Saíram fascinados pela senhora. Bom. Eu se fosse a eles, seria mais
prudentes. Disse-lhes: “Não embandeirem em arco. Eu tenho muito pouca confiança
nos autarcas. Eles aprenderam todos as técnicas do cinismo e da mentira.”
- No comboio que me trouxe a casa,
sentados perto de mim, um pedreiro, uma respeitável senhora de 83 anos e um
homem “mudo”. A passageira fazia crochet,
o trolha tossia, o mudo estava ausente. A dada altura, a senhora inquieta-se
com a persistente tosse do operário. Este sossega-a dizendo-lhe que aquilo era
do cimento, colas, tintas a que estava sujeito todos os dias nas obras. A
partir daí entro na conversa e digo da minha admiração pelo trabalho da
passageira. Esta diz-nos que trabalha num guardanapo, toalha e babete para uma
organização de ajuda aos mais necessitados. O rapaz admirara-se: “Está a ver!
Hoje é raro ver-se alguém a fazer esse trabalho e ainda por cima para ajudar os
outros. O que se vê é as pessoas com o telemóvel que substituiu isso que a
senhora faz. Ele substituiu aquilo que a senhora faz.” Eu respondo: “E você
também é especial. Quantos operários da construção têm essa observação.”
Riu-se. Rimo-nos os três. O mudo só partilhou a sua indiferença.