domingo, julho 31, 2022

Domingo, 31.

A capa do Correio da Manhã exibia este título: “Salários milionários no banco da bazuca” e em subtítulo: “Presidente executiva deverá receber mais 18 mil euros por mês e a não executiva 14 mil.” Na origem destes salários pervertidos, está o facto de o Governo ter eliminado os limites que estavam indexados ao vencimento do primeiro-ministro, passando os ordenados da CGD a ser a referência. A sensação que sempre tenho quando sou confrontado com estas decisões, é que os governantes se comportam como os donos disto tudo, aumentando-se a si próprios como se o país fosse a sua coutada. Para os trabalhadores, reformados, médicos, enfermeiros, professores não há dinheiro e estes só alcançam qualquer tostão com a luta intestina em que andam enredados há anos; mas para aquelas cabeças iluminadas vai o esforço intelectual e braçal de 90 por cento dos portugueses. É por isso que apoio sempre as reivindicações, mesmo aquelas que infelizmente derrapam em violência – sem esta, no Portugal dos pequeninos, não há dignidade de vida. No passado havia a canção: “Eles roubam tudo, eles roubam tudo e não deixam nada.” Nem a propósito, na missa de hoje, o tema foi a sofreguidão do dinheiro. Jesus foi explícito: “Ninguém pode servir como escravo dois senhores. Ou odiará um e amará o outro. Ou dedicar-se-á a um e desprezará o outro. Não podeis servir como escravos a Deus e ao dinheiro. (Lc 16, 13.). E já agora também: “Quem é fiel no pouco também é fiel no muito; e quem é desonesto no pouco também é desonesto no muito Lc 16,10). Esta passagem serve inteiramente aos juízes que foram aumentados 700 euros/mês com o pretexto de manterem a dignidade e não se deixarem corromper e depois, como sabemos, alguns foram acusados de corrupção, falsificação de sentencias e afastados das funções forenses.  

         - Por esta altura o país entra no estado grandioso e a capital é um lugar apetecível sem muita da sua gente habitual (a passageira e a residente), a praga da política e seus agentes descem ao Sul para aquilo a que dizem “umas merecidas férias”. Bref. Os curiosos jornalistas, perguntam-lhes o que pensam eles ler nas tardes tórridas do Algarve, sabendo nós como eles são cultos, falam o bom português, e mostram sensibilidade ao que os rodeia... Vejamos então. Os mentirosos são na política como no resto, exibindo o floreado de títulos e autores, apenas para se darem ares de cultos. Neste quadro, temos o Pinóquio menino da mamã, que se diz muito preocupado com as Finanças do país e promete começar por ler Kissinger, seguindo por ali adiante, num total de meia dúzia (!) de títulos com sustança (só igualado a Marcelo, mas este tem as noites de insónia para preencher); Luís Montenegro, é dos mais honesto e diz ir ler apenas o livro de Barack Obama, Uma Terra Prometida; segue-se a menina do BE também, enfim, franca com um só livro e outros entreténs policiais; na área do PCP, João Ferreira não desilude e informa que lerá só dois livros; todavia, o mais sério e terno, é o líder parlamentar do PS quando confessa nunca ter lido o Dom Quixote de Cervantes e é nele, e só nele, que vai concentrar as horas livres das suas férias. Todos os outros, mesmo no descanso, não abrandam a macaquice. 


sábado, julho 30, 2022

Sábado, 30.

O Supremo Tribunal de Justiça mantém pena de nove anos de cadeia para os inspectores do SEF que assassinaram Ihor Homenyuk, embora os acuse de ofensas à integridade grave, com efeito morte. A defesa e as capelas dizem o contrário, mesmo quando um dos elementos se tenha gabado de não ter precisão de nesse dia ir ao ginásio – o exercício foi de tal modo violento sobre o nosso imigrante que o dispensou. 

         - Ontem, dizem as organizações que se ocupam do assunto, a humanidade atingiu o gasto ecológico que já não poderá ser reposto pelo planeta. Em resumo: a Terra já não terá capacidade regenerativa. Na origem está, como é sabido, a recusa do homem em reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, a sua forma de vida, gastadora, malbaratando os recursos naturais, a indústria e o comércio, numa ganância de consumismo que não tem em conta o equilíbrio do todo. Dizem os que estudam estas coisas: década após década, a humanidade tem atingido este marco cada vez mais rapidamente. Em 1970 foi a 29 de Dezembro, em 1980, a 4 de Novembro, em 1990, a 11 de Outubro, no ano 2000, a 23 de Setembro, em 2010 a 7 de Agosto, e em 2019, a 29 de Julho.

         - A gargalhada não pára e vem mesmo a calhar neste início de férias. Há mais uma terceira unidade móvel da polícia, não sei se em Lisboa ou Porto, que avariou. O ministro da Administração Interna começou tão bem, mas descarrilou igualmente. Parece que a propaganda de feira contagia toda a equipa governamental que ao esbarrar com a realidade perde crédito. O que se pergunta é para que serviu aos portugueses darem a maioria ao PS, quando quem foi escolhido para a governação mostra ser completamente amadora. 

         - A canícula regressou. Hoje o dia aqui foi insuportável. Felizmente que manhã cedo abri todas as janelas de par em par (de cima e de baixo) e é em casa que se está bem. Nem me atrevo a nadar hoje, até porque ontem abusei e fiz 250 metros! 

Black adora o trono de cada parapeito de janela e exibe-se com nobreza para a foto. 


sexta-feira, julho 29, 2022

Sexta, 29. 

A Miteuropa tal como a pensa Claudio Magris e, também, imagino, Chou Chou, prega muito sobre direitos humanos. Depois vai-se a ver os queridos direitos humanos são insignificantes ante a hipocrisia de políticos como Macron ou a política tout court. Este, qual rei da França, está de joelhos diante do ditador da Arábia Saudita, aquele que mandou matar há dois anos, em Istambul, o jornalista Jamal Khashoggi, a implorar-lhe duas gotas de petróleo. Green dizia que não compreendia a política e por isso foi acusado de individualista e teve de fazer a vida só, com esforço, mas de cabeça levantada – nunca elogiou um só homem político nem se vergou à publicidade barata, ao gosto popular e muito menos pertenceu a tribos de direita ou esquerda. Defendeu causas com energia: a homossexualidade, a Libertação com De Gaulle, Jean Desbordes (que João Soares é entre nós o único a glorificá-lo, honra lhe seja feita).  

         - As equipas de futebol da Turquia e da Ucrânia defrontaram-se num jogo para qualquer coisa. A turma visitante (ucraniana) foi a primeira a meter golo e logo os energúmenos da casa, revoltados, gritaram: “Putin presidente da Rússia!” É por estas e por muitas outras que detesto multidões. Em grupo, apoiando-se uns aos outros, activam a selvajaria, o crime e dão largas à autêntica natureza primária que há em cada um. 

         - Ai este Governo! Quase ninguém escapa com qualidade. Ainda há dois dias, na sequência de sete (sete!!) horas de negociação com os sindicatos dos médicos, todo o mundo saiu satisfeito, afirmando que era desta que a harmonia havia sido alcançada, que os clínicos iam passar a ser exclusivos no SNS, com salários a condizer e assim. No dia seguinte, estava tudo de pantanas, as urgências nos hospitais de novo uma balbúrdia, fins-de-semana principescos para os internistas de serviço, faltas, médicos a dizerem que estão cansados, ganham pouco. Que fez a ministra da Saúde? Agendou nova reunião para breve.  

De igual modo, ante os crimes praticados na rua e em zonas de diversão nocturna e ante esquadras a fechar por falta de agentes, o povo a gritar que se sente inseguro, o governo com o presidente da Câmara de Lisboa como chefe da banda, constrói um plano que rotula de eficaz: formar unidades móveis com agentes de modo a acorrer rapidamente aos distúrbios urbanos. Logo na primeira noite, o projeto foi abortado porque as viaturas empancaram. Não é tão engraçado, tão mimoso, tão divertido o país chamado Portugal? Eu daqui não quero sair, isto dá-me vida, desopilo, incho os pulmões de risadas sonoras e, naturalmente, socialistas, quero dizer, saudáveis... Dizia, ontem, o Carmo com o ámen do João, à mesa da Brasileira: “Seja como for, ninguém faria melhor que António Costa.” 

         - O bem que me fez o encontro com a escrita esta manhã à mesa do café, em Setúbal! Andava um pouco transtornado, descrente, iludindo o tempo, tendo sido várias as tentativas ao longo da semana para fazer avançar no livro – nada me satisfazia, tudo medíocre, inútil. Às nove horas, sentado em frente ao castelo de Palmela tristemente escuro no cimo da colina, comecei timidamente, tacteando cada palavra, o cérebro embrulhado, doente, cheio de dúvidas, titubeante. Ao cabo de hora e meia, tendo destruído muito, enfim, o pensamento começou a alinhar qualquer coisa de jeito. Saí com uma página cheia e tudo se reconstituiu em mim em esperança para o resto do dia. 




quinta-feira, julho 28, 2022

Quinta, 28.

Vai aí um grande brouhaha acerca da indignação que o músico Pedro Abrunhosa proferiu contra Putin e a sua guerra expansionista. Todavia, o nortenho perde a razão quando se dirige ao ditador (em inglês) com palavras obscenas, não se sabe se para português se espantar e dizer “o homem até fala inglês”; se para Putin compreender ele que parece não fala a língua de Shakespeare. A embaixada reagiu com ameaças próprias dos regimes ditatoriais. Ninguém sai bem desta trapalhada. O grito de revolta de Abrunhosa perdeu-se entre contendas e apoios díspares. A tão celebrada liberdade de expressão, saiu dos limites e da decência.     

         - Como os meus leitores se terão dado conta, raramente entra nestas páginas o Chega. Em verdade porque não o considero um partido, mas um grupo de arruaceiros que não traz perigo algum à democracia pela simples razão que não tem ideias, não tem ideologia, vive do desencanto nacional como as meninas do BE. Chamam-lhe fascista, mas para mim nem isso chega a ser – são uns pobres oportunistas que se servem da liberdade para agitar a bandeira do nacionalismo e assim enganarem os iletrados portugueses. Num artigo outro dia no Público, António Araújo, director do jornal 7Margens, a propósito de mais uma investida do metafórico presidente do Chega contra ciganos e estrangeiros, afirma citando Ezequiel (16, 49): “... o verdadeiro pecado de Sodoma (que não é a sodomia que muitos pensam) : eis em que consistiu o crime de Sodoma: orgulho, abundância de alimentos e insolência; estas foram as faltas que cometeu e as de suas filhas: não socorreram o pobre indigente (o estrangeiro).” Haja alguém que tenha lido a Bíblia linha a linha, palavra a palavra! Aquela que Sodoma é a maldição dos homossexuais (como já aqui disse não é uma única vez nomeada no Novo Testamento), não passa de perseguição que de tempos a tempos volta. Como agora quando se amplia a varíola dos macacos e já antes a SIDA. Essa desgraçada ganha terreno, porque a promiscuidade avança e não porque escolhe a identidade de género. Voltando ao Parlamento, o seu presidente, Santos Silva, quer-me parecer que se aproveita do Chega para outras ambições – ele que veio do MRPP! 


quarta-feira, julho 27, 2022

Quarta, 27. 

Em conversa, manhã cedo, com os trabalhadores que cuidam do oceano de vinha que me cerca, um deles lamentava o incêndio da “nossa serra”. Digo-lhe: “Que a câmara devia cuidar e não o fez. Se fosse um privado aplicavam-lhe uma multa que o homem não se levantava mais.” Resposta: “Tem razão. É por essas que o povo se revolta e ateia os fogos. É tudo por vingança.” Ninguém é responsabilizado, os funcionários públicos estão defendidos pelos seus sindicatos que, por sua vez, estão escudados pelos partidos. O povo amocha. Bela democracia que serve os interesses de uns e outros deixando de lado os da maioria!  

         - Pelas nove da manhã chegava ao Largo do Rato, depois de deixar para trás o Fertagus das oito a abarrotar de passageiros. Devo dizer que vivi toda a minha vida a seguir à adolescência (antes na Rua do Salitre, junto ao Palácio dos Duques de Palmela), entre o Príncipe Real e esta artéria da cidade. Foi, pois, para mim um horror, ver o metro à cunha e a saída para a rua com filas enormes na plataforma para passar as barragens automáticas. Que mundo! De onde vem tanta gente! Que cidade é esta onde nasci e não a reconheço hoje e a identifico com um pesadelo de que me livrei ao abandoná-la por Palmela. Nunca me arrependi pela escolha do campo onde vivo hoje, mas ante estas assombrações ainda mais louvo a minha decisão. 

         - Não vale a pena bater no ceguinho? Vale, vale. Nunca a vigilância foi tão imperativa. Ninguém parece dar-se conta do arrasto de mediocridade e miséria em que a sociedade portuguesa cai cada dia. Ele é visível na televisão, em todos os canais à excepção do 2, no discurso político, sindical, social e até religioso. A miséria humana é tal, que vale tudo: mostrar as mamas, o rabo gordo onde se incrusta apenas um fio dito dental, nauseabundo, o sexo aparado sob vestidos transparentes, os programas de conversa íntima, onde as grandes figuras e figurões confessam as traições, a vidinha humilde de onde emanam, se possível com cachões de lágrimas à mistura, porque rende e a estação sobe audiências; os concursos ditos “serviço público” e os outros ditos “culturais”, uns e outros na mira dos incautos, dirigidos por analfabetos selecionados/as pelo corpinho que depois ficamos séculos a ver definhar, engordar, perder o cabelo, arredondar trejeitos, sob a capa da sabedoria adquirida no Google; sem falar nos estuporados entretenimentos culinários, com as receitas fora de prazo e o sabor a azedo; ou os concursos disto e daquilo, com os mesmos apresentadores fazendo boquinhas e olhinhos, muitos suspeitos mesmo enquanto pais e mães; ou a festa que dizem o povo adorar e lhes é servida em doses pirosas, nas vozes desafinadas de cantores vindos não se sabe de onde, com poemas de faca e alguidar, de cama e sexo repolhudo, feito à medida da populaça que conhece como ninguém os nomes paralelos das coisas e dos coisos que mulheres e homens trazem à nascença entre as pernas e possui até formação superior na pindérica vida que ali vêem retratada, como se a sua tivesse a mesma dignidade e destino, irmanada numa choldra social que tanto favorece os políticos, iguais em destino e condição, ao povo que pastoreiam com palavreado falso, gasto, festivo, efémero, também eles despindo as emoções, cobertas de uma lágrima prontamente enxugada que a televisão tudo suga, guarda e pode servir em momento propício de urnas; o inglês pós-moderno que nenhum professor de Oxford entende cantado, falado, malbaratado no alinhamento de programas, daquelas e daqueles apresentadores, muito vivos, muito cultos, em calções, peitos abertos, depilados, numa ladainha merdosa que embrulha entrevistados numa piedade cristã que toca ao choro, à compaixão, ao miserabilismo que dá audiências e alimenta o que há de pior nos corações de um povo já de si cristão à moda do temor à Igreja que tem em Deus o vingativo. E que dizer dos noticiários muito compridos, espécie de espectáculo, quanto mais dramáticos melhor, assassinatos, guerras, fomes, trovões, incêndios, assaltos, mortes, tudo o que há de mais abjecto no ser humano não pode faltar à mesa principesca dos ditos jornalistas, que relatam esses horrores com uma ponta de vivacidade e outra de sadismo; tudo, incluindo a publicidade, pensado para atrasados mentais, para um povo manso, reconhecido, que dispensa porque dá trabalho o pensamento crítico, a reflexão, o estudo e o conhecimento do mundo em transformação. É tudo uma grande merda, mas colorida, odorífica, suave, que escorrega pelos sentimentos e desaparece no enorme vazio que fica quando a festa acaba. 


segunda-feira, julho 25, 2022

Segunda, 25.

A recorrente ideia do mistério que me envolve desde que nasci. Outro dia, a Carmo Pólvora, à mesa do restaurante, não sei a que propósito, saiu-se com esta que me habita qualquer coisa que escapa à clarividência de quem comigo se cruza. Tento, mais uma vez, obter a chave do mistério, mas ela arredonda a resposta, diz que estou sempre ausente, que ninguém consegue penetrar no meu interior, “mesmo agora que estamos a falar os dois, vejo que não estás aqui. Depois, falas pouco de ti, nunca te abres completamente, não digo que escondas qualquer coisa, não, mas há como que uma barreira que não deixa que nos aproximemos”. Enfim, se há um mistério, que ele faça jus à sua natureza e fique inexplicável...  

         - Com o romance encalhado, é à leitura que consagro grande parte do tempo. Ana Boavida, um ano depois da morte do marido, ensaia nova existência e volta a cruzar-se com a liberdade próxima da sua juventude. É esse período de adaptação que tenho de compreender e dar tempo à acção romanesca para se espraiar, que me ocupa nesta altura. Forçar a nota, é quase sempre deitar ao lixo horas de trabalho. A par das leituras, também o campo me absorve pelo menos uma hora, cedo, hoje o corte da relva em volta da piscina e, quotidianamente, regas. 


domingo, julho 24, 2022

Domingo, 24.

Faz 150 dias que a guerra começou na Ucrânia. Zelensky resiste com a ajuda dos EUA e da Europa entre outros países. Mas começa a haver fissuras, sobretudo na Hungria, Polónia e mais disfarçadamente noutros países europeus. Toda a zona junto ao Mar Negro tem estado sob fortes ataques e a Rússia praticamente impera em Donetsk, Lugansk e Kherson sem esquecer a Crimeia onde se instalou em 2014. Nesta altura o exercito ucraniano faz frente ao invasor em Kharkiv, Nikolaiv e Zaporigia. Combate-se ainda numa grande parte de Donetsk. Tudo isto é absurdo, idiota, imperialista e não diverge muito da política de Hitler. Aliás, quando este deixou a Rússia, Estaline mandou substituir a cruz suástica pelo seu busto. Um ditador sucede a outro ditador.

         - Com o seu ar freirático (a avaliar pela foto) a irmã que escreve ao domingo na última página do Público, não me engana. Reparo bem ao que vem. Tudo do que ela acusa Boris Johnson é, rigorosamente, o que faz e diz o seu “bonito” António Costa, e o mentiroso “bonito” Pedro Nuno Santos. Mas destes só elogios. É certo na capoeira em que se transformou o jornal, cada galo (ou galinha) canta com os instrumentos que possuem – e esta entoa em dó... Por este caminhar, um dia destes, acontece-lhe o que adveio a Adão e Silva – é nomeada ministra de qualquer coisa. Ao antecessor houve quem escrevesse um livro com este título José Sócrates – O Menino d´Ouro. Tinha razão a talentosa escritora que foi sobretudo uma vidente, antecipando o célebre apelo telefónico do “menino d’ouro” para o seu banqueiro: “Manda-me aquilo que eu gosto tanto.”  Foram milhões. 

         - Interregno climático hoje todo o dia. Benfazejo quando se sabe que é nos fins de semana que o trabalho aqui redobra. Interiormente, contudo, um murmúrio de inquietação, uma paragem palpitante que desassossega, interrompe o fio condutor de vida e de certo modo paralisa, sustem, instala a penumbra que apodrece os dias. Sinto-me infeliz por ter nascido português, não tanto pelo país, mas por tudo o que os políticos pacóvios têm feito dele, não por ele, mas por todos nós que somos mais e melhor que um rectângulo de terra na extremidade do continente europeu.   


sábado, julho 23, 2022

Sábado, 23.

No Fertagus, cada viagem, é uma lição de vida. Desde a chegada da covid tenho aprendido muito sobre africanos, melhor dizendo, africanas. E cheguei à seguinte conclusão: sem os indesejar, não seria com pessoas desta raça que gostaria de viver. Nada a ver com a cor da pele, tudo a ver com a filosofia de vida, a cultura, os hábitos, a educação. Ontem, perto de mim, umas quantas negras falavam com paixão e por vezes revolta de macumbas. Metade não percebi, outra metade deu para entrar num mundo estranho, para mim obtuso, que as magoa e submete e em que acreditam piamente. Isto aconteceu na vinda de Lisboa. Na ida, durante todo o percurso, junto a mim sentadas no degrau da plataforma, uma cigana e a filha, por sinal um exemplar delicioso de rapariga. A mãe, sendo já moderna, ia aos berros com outra cigana de fortes e carnudas mamas (para utilizar a linguagem de José Viegas) que se apresentava no ecrã do seu telemóvel, baloiçando as ditas cujas ora quando sacudia roupa, ora quando passava a ferro, muito irada contra um rapaz “do casal Ventoso”, com f. e c. expelidos altissonantes, que se tinha atirado à filha. As duas, à distância, embrulharam-se com tal violência que a que estava perto de mim a ameaçou ir ao seu encontro “daqui a nada”. O impressionante foi a gritaria, a pobre alma foi toda a viagem aos berros, gesticulando, travada de razões, porque a filha a seu lado merecia melhor e não “a merda” que se lhe atirava. Quando descemos no terminal e elas saíram atrás de mim, voltei-me para a cigana-mãe e disse-lhe: “A senhora é fogo.” “Comigo e com a minha gente ninguém se mete”, respondeu no seu trinado linguarejar para acrescentar: “E o senhor se alguém se meter consigo, a cigana protege-o. É só chamar.”  Respondi a sorrir: “É uma ordem.” 

         - No café da fnac, fartadela de desenhos do Carlos Soares todos de génio. Da pasta que traz sempre consigo, retirou duas dezenas qual deles o melhor. Eu prefiro os eróticos. Perguntei-lhe se a mulher conhecia aquele delírio de falos, “não, nunca jamais” respondeu de olhos esgazeados.  

         - Não deve ter sido fácil alcançar o acordo que permite a saída de cereais da Ucrânia. Sob a tutela das Nações Unidas com o contributo da Turquia, os representantes das nações beligerantes assinaram o documento ontem, em Istambul. Menos de vinte e quatro horas depois, Putin atacou o porto de Odessa por onde os navios deviam passar! Que fazer perante o ditador, senão contra-atacá-lo pela força – a única linguagem que o pequeno assassino conhece.  

         - Dia profundamente luminoso. Gosto de dias assim, com luz e sol q.b., inundados de esperança, saídos de uma crisálida anunciando o paraíso. Com ele restabeleceu-se a saúde, a paz, a vontade de subir ao sol, lá no alto, inacessível; bandos de pássaros cantam em sua glória em uníssono com o cuco regressado. Pelas cinco mergulhei na água cristalina e tépida para 200 metros de braçadas atléticas. Regressar ao princípio do mundo e ser aí aquele que recomeça a longa caminhada – eis a suprema e única ambição. 


sexta-feira, julho 22, 2022

Sexta, 22. 

“Conheci muitos corpos entretanto, comparei as tuas pernas a outras pernas, os teus seios a outros, as tuas mamas a outras, a forma como movias os quadris nessa altura em que não sabíamos, eu e tu, qual de nós deveria mover os quadris, e tu fazia-lo para que não ficássemos quietos, havia mulheres louras na minha vida, louras que se acanhavam e me oprimiam, e ruivas, sobretudo ruivas, que fingiam orgasmos, e morenas que adormeciam lentamente, e em cada uma delas havia sempre um segredo e eu nunca vi esse segredo, porque havia sexos carnudos, húmidos, molhados, febris, tristes, magoados, eufóricos, mortificados, estudados, espontâneos, sem destino, que cheiravam a perfumes e outros a sal, compactos, transparentes e magníficos, suculentos como um fruto, livres, difíceis, intensos, transtornados, necessitados, esquecidos, ignorados, esfomeados, compadecidos, ternos, meigos, suaves, raivosos, lúbricos, cobiçados, contaminados, arrependidos, frescos, frios, admiráveis, irritados, prodigiosos de calor e de coragem, vaidosos, volumosos, tranquilos como baías recolhidas de uma ilha, inoportunos, expressivos, astuciosos, cautelosos, acobardados, ruidosos, alvoroçados, estouvados e perdidos de comoção, sexo esquecido e sexo que se adivinhava olhando o rosto, atrevidos, deprimentes, que se experimentavam por prazer e que se experimentavam porque a dor que causam era demasiado profunda, brandos, aveludados, luminosos, incandescentes, afadigados de tanto quererem ser queridos, prudentes como serpentes, sequiosos, e de todos eles senti o cheiro, a mágoa, a respiração, o murmúrio zangado ou embaraçado enquanto se continham, corpos longos cujo perfume causava calafrios ou, tão só, a vontade animal de possuí-los, corpos perfeitos, corpos imperfeitos que se encolerizavam e se mostravam melancólicos, corpos gastos por outras mãos, corpos em desordem que buscavam a desordem, corpos audazes, estranhos, irrisórios, agitados por uma convulsão sem tempestade, e de todos eles conservo essa respiração, os enganos, aquilo que neles era vulgar, ordinário, uma espécie de motim esperado e ridículo, corpos pálidos, disciplinados, vagabundos, preguiçosos.” 

Depois, Filipe Castanheira, a personagem polícia, recordando a sua primeira vez, pergunta: “Que nome dás a isso de fazer amor?, é um pouco ridículo, vamos lá, talvez foder, procurar qualquer coisa no outro corpo que o teu não tenha, e ofereces o teu em troca desse instante em que aquele calor se sente mais insuportável ou só mais forte.” (p.p. 191 e 192, Ed. Porto Editora).  Enfim, o vazio. O vazio depois da explosão maravilhosa da vida acompanhada das iras divinas a projectar-se sobre as páginas de um livro, num instante indizível, num estado de graça único, que entra na escrita para fazer dela um marco inolvidável de verdade e poesia, suor e sangue, paz consumada na recordação, na eternidade da arte como marco do espírito e da liberdade. Bem-aventurado sejas, Francisco José Viegas! 


quinta-feira, julho 21, 2022

Quinta, 21.

Ontem andei numa roda-viva. Cheguei cedo ao Largo do Rato para renovar a carta de condução que vergonhosamente em Portugal é de dois em dois anos, forma de o Estado sacar mais um imposto. Como hoje nada funciona e tudo está uma choldra, encontrei o estabelecimento fechado e só veio a abrir pelo meio-dia. Insistentes chamadas para o número que vi afixado na porta não lograram qualquer efeito. Bom. Nesse entretanto fui à loja onde mandei fazer os óculos, tentar pela terceira vez, saber a razão que me leva quando trabalho ao computador (todos os dias pelo menos três horas) a fechar o olho direito. A dona da casa estava lá e fez-me um exame atento; concluiu que houve grande alteração no olho esquerdo e daí toda a trapalhada. Todavia, grosso modo, a vista até melhorou, daí a razão que me leva muitas vezes a tirar as lunetas. Conclusão: aconselhou-me a mudar de lentes. Não sei se vale a pena, atendendo à consulta já marcada no Hospital dos Capuchos para Novembro. De retorno ao lugar onde há quatrocentos anos aprendi a conduzir, lá encontrei as empregadas habituais. Tudo reunido, ficou marcado encontro com a médica para a próxima quinta-feira, simples formalidade.

         - A Carmo tinha-me telefonado na véspera e encontrei-me então com ela no 1800 onde almoçámos. Grande conversa versando tantos temas que é-me difícil trazer a estas linhas. Falou-se do Sérgio Pombo falecido a semana passada, da Isabel da Nóbrega, do Bairro da Lapa onde vive e tem por vizinhos alguns inchados protótipos da política provinciana cá do burgo, etc. Eu estava com pressa e tive que levantar aústes na direcção do Corte Inglês onde ia pagar a conta do mês passado e encontrar o Rui. Fomos de autocarro e à porta do centro comercial, separámo-nos: ela entrou na Zara do outro lado da rua; eu na loja espanhola. 

         - O Rui. Conhecemo-nos em Constantinopla, na Rainha Sofia, quando eu furioso por ter perdido a máquina fotográfica, tive nele ajuda oportuna. A partir daí nunca mais nos largámos. Ele e a mulher vieram aqui muitas vezes, eu ia almoçar ou jantar à sua vivenda perto da Caparica. Lembro-me que nessa altura vivia uma grande paixão por carpetes persas, russas, turcas; e contaminei-o a um ponto que ele desatou a gastar muito dinheiro nessas preciosidades. Bref. Hoje vive em Castelo Branco, separou-se da mulher de quem dois filhos, uma rapariga e um rapaz, recupera casas típicas da região e encontrou outro amor e ambos dedicam-se à vida simples do campo. Diz-me que não tem problemas financeiros e a reforma de funcionário superior no banco onde trabalhou, permite-lhe uma vida desafogada e nem lhe apetece vender as casas que restaurou. A  dada altura digo-lhe que lamento ter perguntado à mulher pelo filho homo e ele responde-me sem qualquer parti pris: “Não é ele que é homossexual, é a minha filha.” E falou-me da namorada dela e do seu relacionamento, da estada de ambas na casa de Castelo Branco num tom magnífico, natural, civilizado que me encantou. Gostei, francamente, de ter estado largo tempo à conversa com ele, e quando nos despedimos fez questão de me abraçar não olhando à covid afastada por os dois termos máscara. Regressei a Palmela já tarde. 

         - Tratei a Piedade com produtos ditos “complementos alimentares”. Ela andava há meses a fazer-me concorrência, cheia de dores na anca, no pescoço, na coluna. Hoje andou aí e parecia uma moçoila ligeira, sem coxear nem dores de espécie alguma, atirada ao trabalho que aqui nunca falta. Os médicos não acreditam nestas mezinhas. Eu leio muito sobre esses produtos de venda livre e experimento em mim e hoje sei qualquer coisa sobre o assunto. Quando algum mal me visita, começo por eles o tratamento e só entro nos químicos quando a doença é grave e lá não vai com estes pequenos milagreiros da medicina paralela.  

         - Acabei o romance de Francisco José Viegas. Há páginas admiráveis, onde se vê a força criadora do escritor. Vou ver se arranjo tempo para transcrever para aqui duas ou três passagens que me arrebataram. Por agora vou nadar. Anteontem foram 250 metros, hoje não sei. 


terça-feira, julho 19, 2022

Terça, 19.

Alice: “Desde que os bombeiros voluntários passaram a profissionais, aumentaram os incêndios.”

         - Uma ceifeira de junco ao Público: “Trabalhei tanto, tanto, tanto e nunca tive nada... Tenho três vacas e tinha as cestas.” 

         - Para Santo Agostinho o tempo estava ligado à eclosão do Universo, para Jean d´Ormesson o tempo é “l´avenir, plongé dans l´ombre, l´étrange prèsent toujours en fuite, le passé dévorant, et qui coulerait comme un long fleuve emportant tout sur son parcours – ce temps-là n´existe pas” acrescenta o escritor.   

         - Estou no fim do romance de Francisco José Viegas, Um Céu Demasiado Azul. As peripécias do inspector Jaime Ramos prosseguem, mas desta vez numa escrita dura, cheia de impropérios obscenos, o sexo estendido sem piedade nas suas páginas, a par de prosa poética, que nos faz cócegas, e quase apaga o que de indecente o autor nos livra. Há uma maestria na forma como ele lida com o material ficcional, sem nunca perder a envolvência social e política nem condescender com as personagens que trata com distância e altivez, no traço de nenhum outro romancista do género. Apesar de tudo, prefiro o outro livro que li dele o ano passado, A Luz de Pequim. Trata-se de uma obra mais consistente, bem elaborada, que prende o leitor e o arrasta para o destino das personagens de recorte detalhado, humano e sólido. Continuo, todavia, a achar que em FJV o material criminal apenas serve ao autor para traçar em linhas fortes e seguras o panorama social e político, psicológico e partidário do país que é Portugal. (Como em Vergílio Ferreira o romance servia para desenvolver o ensaio.) Há uma realidade que sob a forma de ficção se impõe, penetra, revolta e desengana quem acredita que somos um país evoluído e politicamente de relevo. A nossa pelintrice, saloiice, inveja, arrogância tergiverse por entre as personagens que ainda hoje imperam na sua característica salazarista embora se digam de esquerda e guardiães da liberdade.  

         - Dito isto, ainda bem que o autor é editor. Na sua posição é-lhe permitido o uso de linguagem e situações que a mim me recusam, com o argumento de que o tema não cabe na linha editorial... Mas se eu estiver disposto a pagar a edição, então sou o maior e o mais talentoso dos escritores portugueses. 


domingo, julho 17, 2022

Domingo, 17.

Vou repetir-me: os grandes momentos da minha vida, devo-os às horas imersas na escrita. O mundo real deixa de existir, mágoas e sofrimentos desaparecem, o lugar onde estou levita, o meu cérebro transporta-se para um sítio longe, muito longe, do quotidiano terrestre. Só o silêncio impera, majestoso, dominador com janela aberta para irrealidade, numa simbiose impossível de descrever. Se algo existe e é real – só o espaço onde me perco em congeminações. 

         - Anteontem, no Fertagus, detenho-me por largo tempo a ouvir a conversa de uns quatro ou cinco rapazes. Falam das coisas que lhes interessam: ténis, roupa, gadgets comparando preços. Estes surgem assim: “50 paus”, “30 paus”, “100 paus”. Os “paus” são discutidos, cotejados, cruzando nomes de lojas e assim. Foi divertido. Até porque o grupo era giro e solto de entusiasmo. Mas eu pus-me a pensar, olhando-os um a um, que nenhum deles conhecera o Escudo e, portanto, não sabiam que estavam a entrar no meu universo íntimo e saudoso, quando nós nos expressávamos da mesma maneira, em plena existência da então moeda nacional. Saí do comboio um pouco melancólico. 

         - O calor amainou, mas os fogos continuam para gáudio das televisões que fazem disso amplos programas de entretenimento. Andam os incêndios mais devastadores pelo centro do país, serpenteando entre montes e vales, dizimando gado e vegetação, casas e alfaias agrícolas. Mas do que povo simples e trabalhador mais lamenta a perda, é das vacas, das ovelhas, das hortaliças e das batatas, enfim, o trabalho de todos os dias. Pelos animais e cereais arriscam a vida. Estes são as mulheres e os homens por quem me inclino, que tenho orgulho em pertencer, para quem exijo protecção e ajudas. 

         - Ufana-se António Costa com a previsão do PIB em 6% este ano. Que patetice, que fantasia que só empinoca sua excelência. Estamos ricos, mas não há aumentos para ninguém, a pobreza cresce todos os dias, a saúde piora, o ensino desvanece-se, as pessoas levam uma vida de miséria sacudidas por urgências quotidianas cada vez mais inultrapassáveis, os velhos arrastam-se lentamente para a morte, sem dignidade, derrotados, abandonados. Para que serve o orgulho partidário dum feito que só honra passageiramente os governantes, não passa de um número, uma sigla esquecida nos anais do Ministério da Economia e nas estatísticas socialistas. A menos que...

         - ... o dinheiro tenha destinatários escolhidos. Vejamos de perto a política que tanto reprovo ao primeiro-ministro. Segundo a auditoria do Tribunal de Contas, os nossos impostos foram delapidados em favor do Novo Banco, apesar dos avisos da menina do BE (não dessa, da outra) no Parlamento.  3, 4 mil milhões de euros com cobertura do Estado ao banco comandado por António Ramalho, o amigalhaço de Luís Filipe Vieira do Benfica, sem qualquer controlo e com a supervisão do Banco de Portugal que nada controlou. Aquilo foi o descalabro com a venda de carteiras com descontos de 60% que redundaram em mais-valias superiores a 39 milhões de euros e outras negociatas que o Novo Banco conseguiu favorecendo os amigos e empresários. Tudo isto aconteceu no tempo de Mário Centeno, hoje com o alto cargo de governador do Banco de Portugal. Esta venda ao desbarato, não foi um simples descuido de gestão, foi o intento deliberado de oferecer 200% de lucro com os activos vendidos a cliques escolhidas a dedo. Nem vale falar de incompetência – foi tudo calculado ao cêntimo. 

         - Chega. Vai começar a tarde de música clássica no ARTE a que nunca falho. Hoje Mozart.  


sábado, julho 16, 2022

Sábado, 16.

Os grandes jornalistas que o momento possui, parece que descobriram, enfim, o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro. Há muito que eu o vou observando e desde logo o trouxe a estas páginas. A sua acção de informação e actuação nos incêndios que arrasaram meio Portugal, tem sido essencial para dominar ímpetos, pôr no seu lugar egos e dar garantias de honestidade aos profissionais que combatem os fogos. Deus queira que não se deixe corromper pela política; e a proximidade a Costa não destrua nele o exercício livre e competente, ao serviço da nação e dos cidadãos. Num executivo medíocre, ele destaca-se com distância dos seus análogos.    

         - Temperaturas em todo o país entre 40 e 48 graus centígrados. Palmela perdeu o encanto, é agora um local de negrume, encimado pelo seu castelo onde a tristeza se instalou por muitos e largos anos. As pessoas aqui são amargas, sofrem de inferioridade, têm pouca instrução e educação ainda menos, gostam pouco de trabalhar e quase nunca dizem “bom dia”, “boa tarde”, “obrigado”, salvo as criaturas simples, povo autêntico, que trabalha a terra e com ela se irmana num verdadeiro louvor à vida. 

         - A propósito, não imaginava que tivesse tantos amigos. Os telefonemas (para o fixo e telemóvel) não param inquietos com os incêndios que devastaram a vila. O Couto com quem desabafei a surpresa, diz-me que não devo menosprezar os meus amigos – e tem razão. Não os  desconsidero. Acontece que sou um solitário que aprendeu, justamente, a dar grande importância à amizade e daí esta relação tímida e reservada com os outros. Não é arrogância - oh, não! -, é levar uma existência que julgo os outros não compreendem precisamente porque escolheram outra diferente da minha. Talvez Marcelo Rebelo de Sousa me compreenda. Ou o João Corregedor que ontem no almoço que fizemos na Adega da Mó, falando da festa de aniversário da mulher que os filhos preparam na véspera, disse-me que desabafou para quem o quis ouvir: “Só aqui falta o meu amigo Helder!” Claro que me embaracei e da minha boca não saiu palavra. Depois, bem vistas as coisas, quem acredita em Deus nunca está só. Ele é presença e ausência, é luz e trevas, é a essência mesma do espaço e do tempo. O tempo que aqui nos foi reservado é pouco importante quando comparado com o tempo que preencherá a nossa morte. Acredito que a eternidade comporta em si a significação e a esperança e, sobretudo, a equidade da nossa passagem por esta terra. Morrer é uma bênção. A famosa questão de Decartes: “ Eu existo?”  “Eu vivo?” “Eu sou?”  não me inquieta. 


quinta-feira, julho 14, 2022

Quinta, 14.

A paz de ontem, foi bruscamente alterada com o ruído dos aviões carregados de água na direcção do castelo de Palmela. Um incêndio impressionante tinha começado na colina de mato denso que envolve o símbolo da vila e em pouco tempo percorreu uma vastíssima área partindo em dois sentidos opostos: Aires e Quinta do Anjo até perto de Azeitão. Aqui chegava um intenso cheiro a queimado e as cinzas que cobriram tudo e me fizeram medo com a possibilidade de o fogo renascer por aqui. Logo molhei o telhado da casa térrea, a cobertura da lenha e outras. Depois reguei em toda a volta da habitação, o terraço, os relvados, as laranjeiras. A temperatura que era insuportável, subitamente, começou a baixar e os temores desapareceram. Foi quando me pus de serviço ao telefone que não parava um instante das amigas e amigos a quererem saber se estava bem. Durou a missão até perto das dez horas da noite, tendo começado com o dedicado Filipe pronto a vir defender este presbitério e o seu monge. A todos e todas estou reconhecido. 

Na moldura branca cercada de fumo negro, está o castelo. 


         - Mas dá que pensar a série de incêndios, ontem, de Norte a Sul do país. Deve haver muitos interesses a forçar a tragédia. É certo que o Estado, useiro e vezeiro, a aplicar multas aos privados, não trata dos terrenos que lhe pertencem como deve ter sido o caso do que vai até lá acima ao castelo. Mas também é verdade que temperaturas tão extremas como as que tivemos ontem, são de molde a não haver meios para a tudo acudir. Fala-se de interesses financeiros dos próprios bombeiros, dos proprietários de terrenos, dos criminosos pirómanos, todos na ganância de receber do Estado fortunas directas ou indirectas, que isto de dinheiro é o que mais conta a um povo pobre e ganancioso, invejoso e cada vez menos dado ao trabalho. Há muita gente, muitos “técnicos”, o país está cheio deles, cada um com sua sentencia, seu projecto, sua ambição; falta fiscalização, autoridade democrática, cumprimento de regras, consciência cívica e rompimento das autarquias com caciques novos-ricos e alarves que se impõem com os bolsos rotos. Parece que os prejuízos a privados são imensos só aqui e o célebre moinho de Hermano Saraiva ardeu, uma amiga de amigos meus que tem residência ali, foi também afectada. Este país nunca se levantará da miséria moral e económica – é uma sina, uma esconjuração. 

         - Claro as hortênsias que vinham sendo chamuscadas com as altas temperaturas, finaram-se de vez. Estão lá com o seu manto rosa, sensíveis, tristes mas ainda assim exibindo a dignidade aristocrata de onde provêm. Continuo a regá-las, a admirá-las, a incentivá-las e é nelas que descanso olhar da escrita.  


quarta-feira, julho 13, 2022

Quarta, 13. 

Um grande e grato acontecimento acaba de se operar: as imagens do Universo captadas pelo James Webb – a nova invenção da astronomia. O homem quer encontrar o início dos inícios, que o Criador concebeu “antes de todos os séculos”, mas talvez o que o persegue é o achado de Deus em plenitude.   

A Grande Nuvem de Magalhães, Via Láctea, vinte vezes menor que a nossa galáxia...   

         - “Agora os homens em calções é que se vê que são mal feitos”, dizia uma mulher a outra no Fertagus. Para Green seriam o grande desassossego. 

         - Ontem fui ao encontro do João à Brasileira. Ali estivemos à conversa com mais uns quantos habitués e depois cada um foi à sua vida. Almocei no Vitta Roma e despachei-me de regresso a casa para um mergulho. Na gare o termómetro afixava 42 graus e foi nesse braseiro que aguardei pelo comboio que só chegou duas horas depois devido a mais uma greve desta vez das ditas infra-estruturas ferroviárias. O candidato a ditador que orienta a TAP e os comboios, com toda a sua eficiência e altivez, não conseguiu até agora equilibrar nem uma nem outros. A esquerda de onde sua excelência provém, danada por o povo lhe ter retirado em eleições livres o poder, carrega agora sobre as populações trabalhadoras, transtornam-lhes a vida num tempo difícil como nunca houve. 

         - Nem a propósito, ocorre-me o texto de uma senhorita que canta de poleiro aos domingos no Público. Sem tema, obrigada a escrever semanalmente para ganhar a vidinha, pôs-se a apregoar que Costa é bonito, idem o dono disto tudo, Nuno Santos, e Luís Montenegro (se deixar crescer a barba), numa linguagem pretensamente da Guidinha do saudoso Sttau Monteiro, meu vizinho e camarada. Se a ilustre articulista me permite, aconselho-a quando não tiver assunto, em vez de textos patetas, transcreva passagens de Homero (Odisseia ou Ilíada), Plínio, o Velho e Montaigne. Sempre enriquece a tão desmiolada mente do povo português e, com um pouco de sorte, entra no seu coração. 

         - O Público de hoje, de olhar nos fogos, esta fotografia que nos põe em dúvida quem devemos admirar: a ovelha majestosa ou o camponês depilado...   

         - Neste momento, 15 horas e 35 minutos, o termómetro assinala 42º. Irei nadar sem direito a exposição solar. Aqui dentro, temperatura amena, bem-estar, sossego, atmosfera convidativa ao estudo, leitura e trabalho no romance. 


segunda-feira, julho 11, 2022

Segunda, 12.

O Presidente da República e primeiro-ministro, lá andam a percorrer os locais onde o fogo abrasa e as populações desesperam. Dizem o mesmo que disseram em anos anteriores, prometem o que nunca deram, ouvem o que sempre ouviram e siga a marcha, quero dizer, com as temperaturas no “estremo” (no português de António Costa), pregam cautelas e caldos frios. Quando se fizer o balanço dos prejuízos e área ardida e se apurarem responsabilidades destes e daqueles, é certo e sempre sabido que as culpas são do chinês que nunca viu Portugal. Melhor dizendo: não somos um país inclinado a fogos, nem um povo dado a agorafobias.  

         - A roupa suja dos defuntos, lava-se nos lavadoiros públicos. O ditador angolano, mesmo depois de morto, ainda serve ao actual líder de Angola, em vésperas de eleições para renovação do cargo, como isco. A copiosa prole do falecido, opõe-se às cerimónias oficiais prometidas pelo chefe de Estado e resmunga que este está implicado na morte daquele. A fortuna que os numerosos filhos e filhas vão herdar, que devia pertencer ao Estado angolano, é a solidez com que todos batem o pé às ambições do que ocupa a cadeira pomposa da nação. 

         Faleceu o Sérgio Pombo. Gosto muito do seu trabalho, particularmente a escultura e pensei dar os sentimentos à Teresa a mulher com quem viveu e tem um filho comum. Mas a excelente pintora, não obstante ter estado separada há uma data de anos, não cicatrizou as feridas causadas pelos maus-tratos e a vida diabólica que foi a do casal – para ela o marido nunca existiu, a sua morte é um alívio para ambos.  O corpo foi encontrado no chão com uma garrafa de uísque ao lado. 

         - Por aqui com ou sem calor, a vida tem de prosseguir. Começo pelas seis e trinta a regar e só interrompo duas horas depois para me trancar em casa onde, de portadas encostadas, fundeado num doce lusco-fusco, me entrego a leituras e escrita. Depois, pelas cinco da tarde mergulho para umas braçadas sólidas e fico como Deus me fez deitado na chaise longue a ler e a bronzear. Dito isto, tudo se economiza, e fico fulo quando a Piedade se põe de torneira aberta a lavar lavatórios, pratos ou o que for. O mês passado paguei só 3,96 euros de água e mesmo a luz, apesar das quatro horas a tratar a água do aquário, tive apenas três euros a mais que nos meses anteriores. A Piedade, sem estas estruturas, paga o dobro. Eu aproveito cada gota do precioso líquido.


sábado, julho 09, 2022

Sábado, 9.

Morreu em Barcelona o ex-presidente de Angola. O director do jornal Público, escreveu: “José Eduardo dos Santos foi um ditador que se serviu do Estado em seu favor e dos seus correligionários, deixando num país potencialmente rico um rasto abjecto de miséria.” Está tudo dito, nada a acrescentar. 

         - Num outro ponto do mundo, foi assassinado com uma arma artesanal, Shinzo Abe que foi primeiro-ministro do Japão. Aos 67 anos participava na campanha para o Parlamento quando um ex-militar pôs fim à sua vida por desconfiar que ele pertencia a uma organização “contra a qual havia guardado rancor”.  De que organização se trata? Não se sabe. 

         - Com os termómetros a ultrapassar os 40 graus, os fogos traduzem o quadro habitual nesta altura. O centro do país está a arder e os bombeiros não têm meios para acudir a tanta desgraçada. 

Aqui só de chapéu de palha. 

         - Vamos dizer assim, pelo que tenho visto, o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, faz a diferença numa equipa governamental muito fraca. A Comissão que nomeou para traçar o perfil sociológico dos jovens delinquentes, é de uma grande importância e pode antecipar desastres futuros. Se somarmos o seu programa para SEF, temos um dirigente político que não se encolhe nem quer viver no rame-rame. 


sexta-feira, julho 08, 2022

Sexta, 8.

Boris Johnson, o formidável primeiro-ministro, demitiu-se não suportando a pressão dos gananciosos apressados em ocupar o seu lugar, esses que não há muito tempo no Parlamento lhe haviam dado a maioria para continuar a governar. Tal como a sua antecessora, foi um excelente político: original na forma, pleno no conteúdo, sem o peso formal da importância do cargo, ligeiro de personalidade, seguro nos afectos, sem temores nem agravos de síntese, esteve sempre onde era suposto e estar enfrentando as situações corajosamente. Pecou pela sua rebeldia, a sua personalidade, e suspenso de uma espécie de enfant terrible natural nele, pensou que podia escapar às leis que ele próprio havia redigido – não conseguiu. Zelensky chora a sua partida, Putin exulta. 

         - Outro dia quando estive na Fnac, encontrei um livro de Francisco José Viegas, Um Céu Demasiado Azul. O achado por si só foi um prazer; a sua leitura que comecei de imediato passando à frente de um muro doutros autores em espera, promete ser mais uma saborosa e intensa redescoberta da nossa conhecida personagem, Jaime Ramos. Que se cruza com alguns dos nossos importantes políticos de chinelo. José Viegas é fogo, digo-vos eu. 

         - As temperaturas puseram-se, enfim, de acordo com os sábios meteorologistas. Por uma semana vamos viver com a canícula que nunca descerá abaixo dos 35 graus. Aqui, neste momento, estão 38º. Pela uma da tarde, ao atravessar o Rossio, estavam 41 brasas. Fui à Nacional para almoçar, mas desisti por a ementa não me agradar. Dali disparei para  Av. de Roma, e abanquei no Vitta Roma onde comi. De seguida fui ao Corte Inglês comprar meia dúzia de codornizes para confeccionar uma empada para arquivo. De regresso, no Fertargus que não é dirigido pelo sovina ministro das Infra-Estruturas, havia refrigeração, comboios a horas, segurança e um serviço 5 estrelas. Mal pus a chave à porta, vesti os trapos reduzidos que por aqui uso e mergulhei não sei para quantos metros de natação porque não os contei. Antes, seco de cede, atirei-me  a um melão fresquinho que tinha no frigorífico e marcharam quatro talhadas. 


quarta-feira, julho 06, 2022

Quarta, 6.

Para não quebrar a manhã a meio, pelas oito e trinta, estava sentado na Versailles, o computador aberto, imergido no romance. Assim estive até perto do meio-dia quando levantei amarras para ir ao encontro do meu dentista com consultório ali perto. Ontem também estive em Lisboa a encomendar na Fnac do Chiado o livro de Jeanne Hersech L´Étonnement philosophique. Bom. Tudo isto para falar do SARS-Cov-2 que só ontem fez em França 206 mil novos casos, mas que por cá parece interessar pouca gente. Mesmo assim, observei nestes dois dias, no metro como nos restaurantes, o retorno da viseira e da máscara em simultâneo em várias pessoas. Tal como eu fazia quando o bicho nos invadiu há dois anos. Aqui por Palmela, parece haver centenas de indivíduos confinados em casa. O Fortuna e a mulher foram infectados, ela ficou internada e o seu estado parece complicado.   

Eu comecei assim a combater o vírus chinês, 

         - O novo homem do PSD, como o seu antecessor, expõe os crimes de Costa, mas não nos dá o remédio que aplicaria ao doente se fosse governo. É o blá blá blá de que fala a senhorita Thunberg e que não se suporta. Ele resolveu entrar leão, mas vai sair cordeiro. Levantou a questão das responsabilidades dos bombeiros e presidentes de câmara de Pedrogão nas mortes dos incêndios. Quem foram os culpados: os autarcas, os bombeiros, as chefias destes, o sistema de comunicações, a GNR? Toda a gente sacode a água do capote: volvidos cinco anos a culpa é sempre de alguém nunca destes ilustres funcionários públicos que remetem a tragédia para o Estado, como quando há mau tempo a culpa é sempre do anticiclone dos Açores. Acontece que o Estado somos todos nós. Que triste país, que cândido funcionalismo público. 

         - Confesso que tive um choque, até passei a noite com perturbações no sono, pensava como podiam os filhos, a mulher espanhola, o avião, as inúmeras casas, a vida de luxo que os pacóvios invejam, os automóveis que os novos-ricos cobiçam, como podia todo este mundo sobreviver com a redução de 80.000 mil libras/semana ao ordenado de 500 mil multiplicadas por 4 em Inglaterra onde trabalha. Isto não se faz! Sou eu que vos digo! Estou fulo! Pobre rico que em breve ele e a família arriscarão cair na indigência! 

         - A Rússia vai ser corrida de membro da Interpol ficando sem acesso à informação que a instituição facilita aos seus associados. Putin servia-se dos dados pessoais dos seus adversários para os atacar, matar ou afastar do seu horizonte. Não sei como há gente que simpatiza com um tipo deste jaez . 


terça-feira, julho 05, 2022

Terça, 5.

A América é um péssimo exemplo para o mundo e vamos ver por quanto tempo pode conservar a democracia. No dia em que celebra a Independência, novo tiroteio fez seis vítimas mortais e dezenas de feridos no Estado do Illinois. O criminoso ainda não foi encontrado. O país está doente e só os políticos não vêem isso. 

         - Quase um mês depois do início do segundo mandato, Macron não parece ter reunido a equipa capaz de enfrentar a avalanche de negas no Parlamento. Ontem demitiu-se o ministro da Solidariedade. O pobre homem, coitadinho, desengonçado, que as mulheres não despegam de o atiçar por atentados à sua virgindade. Algumas, decerto, até gostaram da originalidade; mas hoje, embaladas pela moda me too, como se fossem adolescentes impreparadas, saem a terreiro exigindo tudo e mais alguma coisa. O homem parecia decidido a enfrentá-las, mas a força do partido fala sempre mais alto, reduzindo os seus inscritos a meros robots.  

         - Bela manhã de trabalho no romance. Depois do pequeno-almoço, das regas, sentei-me à mesa no lugar do salão reservado à escrita, e conclui o enterro de Leonardo. Duas belas páginas (assim espero) que começaram comigo a arrastar-me na escrita, ligeiras dores de cabeça, um estado de excitação que houve que enfrentar para depois vir a recompensa que me acalmou.  


segunda-feira, julho 04, 2022

Segunda, 4.

A mim revoltam-me sempre as mordomias dos políticos. Deu-se o caso a semana passada de o Presidente da Guiné-Bissau, sua excelência o senhor Sissoco Ambaló, ter alugado um jacto privado, pois então! O avião que aterrou na pista principal do aeroporto de Lisboa para embarcar o chefe de Estado com destino ao Gana onde devia participar em mais uma cimeira de blá blá blá, teve um acidente e ficou sem pneus. Em consequência, milhares de passageiros passaram pelo tormento de horas de espera, com quatro euros oferecidos pela pobre TAP para refeições e noites dormidas no lajedo da gare, 23 voos desviados para Faro e Porto, dezenas e dezenas de cancelamentos, etc. Bem prega frei Tomás! O que esta gente gasta em ruína para o planeta que apregoam defender! Que hipocrisia! Como podemos confiar neste bando que se diverte à nossa custa e polui como ninguém os céus por onde passam os aviões onde vão eles e mais uns quantos lambe-botas! Não consta que o Ambaló tivesse pedido desculpa aos portugueses e estrangeiros prejudicados. E como apêndice: alguém se lembra do blá blá blá sobre os oceanos! 

         - A reflexão que me propus fazer, é esta: que será feito da biblioteca do Sindicato Nacional dos Ferroviários? Os livros de que acima falei, adquiri-os após o 25 de Abril e imagino vendidos ao desbarato por gente não necessariamente trabalhadores da CP. Mais: o regime fascista tinha a preocupação de instruir, convidar à leitura operários, ao ponto de possuir uma biblioteca onde eles podiam conhecer as obras literárias dos nossos maiores escritores! Ou esta biblioteca foi edificada após o 25 de Abril e durara o tempo de um qualquer chefe ganhar com a sua venda? É bem possível. Porque os tempos da democracia são paradoxalmente os que produzem analfabetismo e obscurantismo e outros ismos. A função do homem nos tempos presentes é trabalhar, ganhar a vida, sonhar com a riqueza. A cultura não faz parte da sua caminhada, ela obriga a pensar, comparar, criticar, pensar e posicionar-se face a doutrinas que precisam de ser desencriptadas e que o alienam. As coisas do espírito perderam validade face à imposição económica que reduziu as pessoas a máquinas produtivas. O indivíduo aniquilou a capacidade de pensar, desfez-se de valores como a solidariedade, a comunhão social, passou a pensar só em si porque o mercado assim o exige. Para quê? Porquê? Porque a fortuna de 10 pessoas é superior à riqueza de 3100 milhões de pessoas que formam 40 % dos mais pobres do mundo, segundo o Relatório da Oxfam. “O mundo não é humano por si mesmo; o mundo só é humano quando o convertemos em objecto de discurso”, dizia Hannah Arendt. 

         - A América seja com Biden ou Trump é a mesma. Ontem, em Akron no Ohio, a polícia disparou 60 balas contra um jovem afro-americano que fugia, desarmado. Tal barbárie tem origem com certeza no asco aos africanos. É, portanto, um acto racista que os Estados Unidos já deviam há muito ter erradicado, mas que Trump acicatou.    

          - Manhã submersa. Doze linhas no romance depois de a Piedade ter saído findada a limpeza à casa das máquinas: canos, maquinismos, alfaias agrícolas, mangueiras e assim. 200 vigorosos metros de natação que nem o Michael Phelps. Olé! 


domingo, julho 03, 2022

Domingo, 3.

O pobre socialista da ala esquerda do seu partido que, como bom socialista, ama coisas caras e vistosas, no caso um Porsche de alta cilindrada, mesmo depois de ter sido humilhado pelo seu mais-que-tudo, decidiu não se demitir. Esta atitude é típica da classe política portuguesa para quem o poder encandeia e eleva mesmo o mais rasca a alguém. Bem pode o homem pavonear-se, trocar alhos por bugalhos, na linha de sucessão está uma mulher que pela inteligência, trabalho, dedicação e honestidade vai passar-lhe à frente: Mariana Vieira da Silva. Se sua excelência me permite, aconselho-o a comprar outro Porsche mais potente e fazer-se às corridas de fórmula 10. 

         - Outro assunto que arrasa as ditas redes sociais, são as picadas de botox que o homem aplicou na sua pilinha de forma a que ela aumentasse e engrossasse.  O pobre rico não sabe o que fazer à sua imensa fortuna, porque isto de ser abastado, como costumo dizer, também é uma questão cultural. Os pobres de espírito compram Porches, Ferraris, Mezzaris, Bugattis e assim. Dinheiro nas mãos de patetas, é como água a brotar de um cano furado. Faça ele o que fizer, a natureza não se verga ao disparo de milhares para a corrigir. Depois, grande ou pequena, como dizem as mulheres sensatas, pouco interessa – o essencial está dentro de cada um. A menos que elas sejam do tipo daquela ricaça, proprietária de uma cadeia de hotéis em Nova Iorque que, tendo entrado na intimidade do dito patatua, dela saiu insatisfeita e desiludida com o que viu. 

         - Mais de hora e meia perscrutando no armário chinês onde guardo preciosidades. Foi preciso descer ao encontro de mim, trancar-me numa doce calmaria que raramente tenho a sorte de gozar, para descobrir tesouros que não me recordava possuir. Do tempo em que era rico, gastava rios de dinheiro a adquirir livros, objectos raros, edições maravilhosamente encadernadas, muitas primeiras tiragens, como é o caso de Os Pescadores de Raul Brandão ou Pátio das Comédias de António Sérgio ou Prosas Bárbaras de Eça de Queiroz, quase todas editadas nos inícios do século passado, uma datada de 1840, outra parte herdada, mas a maioria de grandes autores: Camilo A Sereia de 1900, Vida de Cristo de João Bautista de Castro de 1766, Fialho d´Almeida, M-Teixeira Gomes, e Cartas de Inglaterra e Cartas Familiares e Bilhetes de Paris de Eça de Queiroz, mas... com uma particularidade que vai corar de vergonha o extremista socialista hoje à frente dos destinos dos Comboios de Portugal: os dois volumes têm o carimbo da Biblioteca do Sindicato Nacional dos Ferroviários (Ed. de 1945). Este último achado, merece um comentário que reservarei para os próximos dias. Um único se não: não me atrevo a sublinhar e anotar nas margens. 

         - Apanhei um cesto de ameixas pretas. A quantidade é tal que vou ter de fazer compota. Nas árvores ficaram a amadurecer outra tanta. Fim-de-semana laborioso. Ontem mergulhei e fiz 160 metros. Hoje corre uma ventania desagradável. Felizmente tinha o meu stock de pratos confeccionados a zero, o que me levou a passar horas na cozinha. Para arquivo entraram dois novos pratos e gaspacho. De manhã cedo regas. Tudo ao trabalho: eu de um lado, o robot no aquário do outro. 


sexta-feira, julho 01, 2022

Sexta, 1 de Julho. 

O arrogante ministro Nuno Santos, espécie de dono disto tudo, aproveitando a ausência do primeiro-ministro em campanha para um qualquer cargo na UE, despachou que o novo aeroporto fosse construído em Alcochete. Da decisão disse Costa nada saber, como não tinha conhecimento o Presidente da República. A bronca estourou com tal estrondo, que António Costa revogou imediatamente a decisão do seu apenso e, depois de uma conversa entre camaradas, optou por lhe perdoar a ultrapassagem e apertando-lhe a mão confirmar o velho ditado: tudo como dantes quartel-general em Abrantes. Quem sai borrado desta situação à portuguesa é Costa que, apesar da maioria, tem um Governo permanentemente a apanhar bonés. A mediania da sua equipa é confrangedora. Marcelo, por seu lado, foi dar mais uma volta desta vez ao Brasil e não tarda aí. Povinho, tu, amocha. Trabalha para pagar os impostos utilizados nesta rebaldaria. Não é bela a democracia?!  Se Salazar, Caetano e os capitalistas que os apoiaram soubessem quanto ganhariam com a democracia... Dito isto, Alcochete ou Montijo, os interesses económicos e a especulação imobiliária, são quem decide – os políticos são fantoches das suas ganâncias. Não é bela a democracia?!  

         - A França, nesta última semana, viu crescer os casos de covid-19 para mais 233 mil. Por cá, isso já não dá espectáculo. Daí que jornais e televisões se ocupem das mortes e bombardeamentos na Ucrânia. A guerra vista dos sofás das casas dos portugueses, é um filme empolgante.

Eu não largo a máscara

         - A semana passada, voltando à filosofia, li um livro de Joke J. Hermsen Melancolia em Tempos de Perturbação. A autora não acrescenta nada de seu. Antes confronta-se confrontando-nos com os velhos filósofos da Grécia Antiga aos nossos contemporâneos. É uma obra, digamos, interessante, mas que não trás um olhar novo que se destaque. Por vezes até, peca por obscurecer o leitor e a filosofia, como nesta passagem incompreensível, muito ao gosto dos filósofos modernos, quanto mais complicado, melhor: “Os escritores e artistas procuram, com um olho, as dimensões ainda por articular do mundo intermédio – “o externo” -, e exploram com o outro as possibilidades da linguagem ou o meio em questão para lhes dar expressão.” Perceberam? 

         - Comecei e terminei o corte da relva em torno da piscina. O “brinquedo” é causa e consequência de tal rapidez. Antes, com o outro corta-relva, estava uma manhã inteira para o pôr a trabalhar; agora, com este, senão me acautelo, ele leva-me num instante ao castelo de Palmela. Depois, com a roçadora, aparei os bigodes em volta. O resultado é um encanto que dá gosto ver.