domingo, julho 17, 2022

Domingo, 17.

Vou repetir-me: os grandes momentos da minha vida, devo-os às horas imersas na escrita. O mundo real deixa de existir, mágoas e sofrimentos desaparecem, o lugar onde estou levita, o meu cérebro transporta-se para um sítio longe, muito longe, do quotidiano terrestre. Só o silêncio impera, majestoso, dominador com janela aberta para irrealidade, numa simbiose impossível de descrever. Se algo existe e é real – só o espaço onde me perco em congeminações. 

         - Anteontem, no Fertagus, detenho-me por largo tempo a ouvir a conversa de uns quatro ou cinco rapazes. Falam das coisas que lhes interessam: ténis, roupa, gadgets comparando preços. Estes surgem assim: “50 paus”, “30 paus”, “100 paus”. Os “paus” são discutidos, cotejados, cruzando nomes de lojas e assim. Foi divertido. Até porque o grupo era giro e solto de entusiasmo. Mas eu pus-me a pensar, olhando-os um a um, que nenhum deles conhecera o Escudo e, portanto, não sabiam que estavam a entrar no meu universo íntimo e saudoso, quando nós nos expressávamos da mesma maneira, em plena existência da então moeda nacional. Saí do comboio um pouco melancólico. 

         - O calor amainou, mas os fogos continuam para gáudio das televisões que fazem disso amplos programas de entretenimento. Andam os incêndios mais devastadores pelo centro do país, serpenteando entre montes e vales, dizimando gado e vegetação, casas e alfaias agrícolas. Mas do que povo simples e trabalhador mais lamenta a perda, é das vacas, das ovelhas, das hortaliças e das batatas, enfim, o trabalho de todos os dias. Pelos animais e cereais arriscam a vida. Estes são as mulheres e os homens por quem me inclino, que tenho orgulho em pertencer, para quem exijo protecção e ajudas. 

         - Ufana-se António Costa com a previsão do PIB em 6% este ano. Que patetice, que fantasia que só empinoca sua excelência. Estamos ricos, mas não há aumentos para ninguém, a pobreza cresce todos os dias, a saúde piora, o ensino desvanece-se, as pessoas levam uma vida de miséria sacudidas por urgências quotidianas cada vez mais inultrapassáveis, os velhos arrastam-se lentamente para a morte, sem dignidade, derrotados, abandonados. Para que serve o orgulho partidário dum feito que só honra passageiramente os governantes, não passa de um número, uma sigla esquecida nos anais do Ministério da Economia e nas estatísticas socialistas. A menos que...

         - ... o dinheiro tenha destinatários escolhidos. Vejamos de perto a política que tanto reprovo ao primeiro-ministro. Segundo a auditoria do Tribunal de Contas, os nossos impostos foram delapidados em favor do Novo Banco, apesar dos avisos da menina do BE (não dessa, da outra) no Parlamento.  3, 4 mil milhões de euros com cobertura do Estado ao banco comandado por António Ramalho, o amigalhaço de Luís Filipe Vieira do Benfica, sem qualquer controlo e com a supervisão do Banco de Portugal que nada controlou. Aquilo foi o descalabro com a venda de carteiras com descontos de 60% que redundaram em mais-valias superiores a 39 milhões de euros e outras negociatas que o Novo Banco conseguiu favorecendo os amigos e empresários. Tudo isto aconteceu no tempo de Mário Centeno, hoje com o alto cargo de governador do Banco de Portugal. Esta venda ao desbarato, não foi um simples descuido de gestão, foi o intento deliberado de oferecer 200% de lucro com os activos vendidos a cliques escolhidas a dedo. Nem vale falar de incompetência – foi tudo calculado ao cêntimo. 

         - Chega. Vai começar a tarde de música clássica no ARTE a que nunca falho. Hoje Mozart.