quinta-feira, julho 14, 2022

Quinta, 14.

A paz de ontem, foi bruscamente alterada com o ruído dos aviões carregados de água na direcção do castelo de Palmela. Um incêndio impressionante tinha começado na colina de mato denso que envolve o símbolo da vila e em pouco tempo percorreu uma vastíssima área partindo em dois sentidos opostos: Aires e Quinta do Anjo até perto de Azeitão. Aqui chegava um intenso cheiro a queimado e as cinzas que cobriram tudo e me fizeram medo com a possibilidade de o fogo renascer por aqui. Logo molhei o telhado da casa térrea, a cobertura da lenha e outras. Depois reguei em toda a volta da habitação, o terraço, os relvados, as laranjeiras. A temperatura que era insuportável, subitamente, começou a baixar e os temores desapareceram. Foi quando me pus de serviço ao telefone que não parava um instante das amigas e amigos a quererem saber se estava bem. Durou a missão até perto das dez horas da noite, tendo começado com o dedicado Filipe pronto a vir defender este presbitério e o seu monge. A todos e todas estou reconhecido. 

Na moldura branca cercada de fumo negro, está o castelo. 


         - Mas dá que pensar a série de incêndios, ontem, de Norte a Sul do país. Deve haver muitos interesses a forçar a tragédia. É certo que o Estado, useiro e vezeiro, a aplicar multas aos privados, não trata dos terrenos que lhe pertencem como deve ter sido o caso do que vai até lá acima ao castelo. Mas também é verdade que temperaturas tão extremas como as que tivemos ontem, são de molde a não haver meios para a tudo acudir. Fala-se de interesses financeiros dos próprios bombeiros, dos proprietários de terrenos, dos criminosos pirómanos, todos na ganância de receber do Estado fortunas directas ou indirectas, que isto de dinheiro é o que mais conta a um povo pobre e ganancioso, invejoso e cada vez menos dado ao trabalho. Há muita gente, muitos “técnicos”, o país está cheio deles, cada um com sua sentencia, seu projecto, sua ambição; falta fiscalização, autoridade democrática, cumprimento de regras, consciência cívica e rompimento das autarquias com caciques novos-ricos e alarves que se impõem com os bolsos rotos. Parece que os prejuízos a privados são imensos só aqui e o célebre moinho de Hermano Saraiva ardeu, uma amiga de amigos meus que tem residência ali, foi também afectada. Este país nunca se levantará da miséria moral e económica – é uma sina, uma esconjuração. 

         - Claro as hortênsias que vinham sendo chamuscadas com as altas temperaturas, finaram-se de vez. Estão lá com o seu manto rosa, sensíveis, tristes mas ainda assim exibindo a dignidade aristocrata de onde provêm. Continuo a regá-las, a admirá-las, a incentivá-las e é nelas que descanso olhar da escrita.