sexta-feira, julho 29, 2022

Sexta, 29. 

A Miteuropa tal como a pensa Claudio Magris e, também, imagino, Chou Chou, prega muito sobre direitos humanos. Depois vai-se a ver os queridos direitos humanos são insignificantes ante a hipocrisia de políticos como Macron ou a política tout court. Este, qual rei da França, está de joelhos diante do ditador da Arábia Saudita, aquele que mandou matar há dois anos, em Istambul, o jornalista Jamal Khashoggi, a implorar-lhe duas gotas de petróleo. Green dizia que não compreendia a política e por isso foi acusado de individualista e teve de fazer a vida só, com esforço, mas de cabeça levantada – nunca elogiou um só homem político nem se vergou à publicidade barata, ao gosto popular e muito menos pertenceu a tribos de direita ou esquerda. Defendeu causas com energia: a homossexualidade, a Libertação com De Gaulle, Jean Desbordes (que João Soares é entre nós o único a glorificá-lo, honra lhe seja feita).  

         - As equipas de futebol da Turquia e da Ucrânia defrontaram-se num jogo para qualquer coisa. A turma visitante (ucraniana) foi a primeira a meter golo e logo os energúmenos da casa, revoltados, gritaram: “Putin presidente da Rússia!” É por estas e por muitas outras que detesto multidões. Em grupo, apoiando-se uns aos outros, activam a selvajaria, o crime e dão largas à autêntica natureza primária que há em cada um. 

         - Ai este Governo! Quase ninguém escapa com qualidade. Ainda há dois dias, na sequência de sete (sete!!) horas de negociação com os sindicatos dos médicos, todo o mundo saiu satisfeito, afirmando que era desta que a harmonia havia sido alcançada, que os clínicos iam passar a ser exclusivos no SNS, com salários a condizer e assim. No dia seguinte, estava tudo de pantanas, as urgências nos hospitais de novo uma balbúrdia, fins-de-semana principescos para os internistas de serviço, faltas, médicos a dizerem que estão cansados, ganham pouco. Que fez a ministra da Saúde? Agendou nova reunião para breve.  

De igual modo, ante os crimes praticados na rua e em zonas de diversão nocturna e ante esquadras a fechar por falta de agentes, o povo a gritar que se sente inseguro, o governo com o presidente da Câmara de Lisboa como chefe da banda, constrói um plano que rotula de eficaz: formar unidades móveis com agentes de modo a acorrer rapidamente aos distúrbios urbanos. Logo na primeira noite, o projeto foi abortado porque as viaturas empancaram. Não é tão engraçado, tão mimoso, tão divertido o país chamado Portugal? Eu daqui não quero sair, isto dá-me vida, desopilo, incho os pulmões de risadas sonoras e, naturalmente, socialistas, quero dizer, saudáveis... Dizia, ontem, o Carmo com o ámen do João, à mesa da Brasileira: “Seja como for, ninguém faria melhor que António Costa.” 

         - O bem que me fez o encontro com a escrita esta manhã à mesa do café, em Setúbal! Andava um pouco transtornado, descrente, iludindo o tempo, tendo sido várias as tentativas ao longo da semana para fazer avançar no livro – nada me satisfazia, tudo medíocre, inútil. Às nove horas, sentado em frente ao castelo de Palmela tristemente escuro no cimo da colina, comecei timidamente, tacteando cada palavra, o cérebro embrulhado, doente, cheio de dúvidas, titubeante. Ao cabo de hora e meia, tendo destruído muito, enfim, o pensamento começou a alinhar qualquer coisa de jeito. Saí com uma página cheia e tudo se reconstituiu em mim em esperança para o resto do dia.