sábado, julho 23, 2022

Sábado, 23.

No Fertagus, cada viagem, é uma lição de vida. Desde a chegada da covid tenho aprendido muito sobre africanos, melhor dizendo, africanas. E cheguei à seguinte conclusão: sem os indesejar, não seria com pessoas desta raça que gostaria de viver. Nada a ver com a cor da pele, tudo a ver com a filosofia de vida, a cultura, os hábitos, a educação. Ontem, perto de mim, umas quantas negras falavam com paixão e por vezes revolta de macumbas. Metade não percebi, outra metade deu para entrar num mundo estranho, para mim obtuso, que as magoa e submete e em que acreditam piamente. Isto aconteceu na vinda de Lisboa. Na ida, durante todo o percurso, junto a mim sentadas no degrau da plataforma, uma cigana e a filha, por sinal um exemplar delicioso de rapariga. A mãe, sendo já moderna, ia aos berros com outra cigana de fortes e carnudas mamas (para utilizar a linguagem de José Viegas) que se apresentava no ecrã do seu telemóvel, baloiçando as ditas cujas ora quando sacudia roupa, ora quando passava a ferro, muito irada contra um rapaz “do casal Ventoso”, com f. e c. expelidos altissonantes, que se tinha atirado à filha. As duas, à distância, embrulharam-se com tal violência que a que estava perto de mim a ameaçou ir ao seu encontro “daqui a nada”. O impressionante foi a gritaria, a pobre alma foi toda a viagem aos berros, gesticulando, travada de razões, porque a filha a seu lado merecia melhor e não “a merda” que se lhe atirava. Quando descemos no terminal e elas saíram atrás de mim, voltei-me para a cigana-mãe e disse-lhe: “A senhora é fogo.” “Comigo e com a minha gente ninguém se mete”, respondeu no seu trinado linguarejar para acrescentar: “E o senhor se alguém se meter consigo, a cigana protege-o. É só chamar.”  Respondi a sorrir: “É uma ordem.” 

         - No café da fnac, fartadela de desenhos do Carlos Soares todos de génio. Da pasta que traz sempre consigo, retirou duas dezenas qual deles o melhor. Eu prefiro os eróticos. Perguntei-lhe se a mulher conhecia aquele delírio de falos, “não, nunca jamais” respondeu de olhos esgazeados.  

         - Não deve ter sido fácil alcançar o acordo que permite a saída de cereais da Ucrânia. Sob a tutela das Nações Unidas com o contributo da Turquia, os representantes das nações beligerantes assinaram o documento ontem, em Istambul. Menos de vinte e quatro horas depois, Putin atacou o porto de Odessa por onde os navios deviam passar! Que fazer perante o ditador, senão contra-atacá-lo pela força – a única linguagem que o pequeno assassino conhece.  

         - Dia profundamente luminoso. Gosto de dias assim, com luz e sol q.b., inundados de esperança, saídos de uma crisálida anunciando o paraíso. Com ele restabeleceu-se a saúde, a paz, a vontade de subir ao sol, lá no alto, inacessível; bandos de pássaros cantam em sua glória em uníssono com o cuco regressado. Pelas cinco mergulhei na água cristalina e tépida para 200 metros de braçadas atléticas. Regressar ao princípio do mundo e ser aí aquele que recomeça a longa caminhada – eis a suprema e única ambição.